SeungCheol
Tomo um longo gole do meu café bem quente o que quase me faz queimar a língua. Os papéis espalhados pela mesa estavam me enlouquecendo. Havia meses? Anos? Eu já perdera a noção do tempo em que estava trabalhando naquele mesmo caso.
Não havia pistas.
Não importava o quanto eu procurasse não havia nada pra encontra-lo.
Tudo que havia era...
-Anjo! – a voz grave invade minha sala me fazendo dar um pulo.
-Puta merda Mingyu! – deixo a caneca sobre a beira da mesa levando a mão ao coração – Quer me matar?
-Não agora. – o novato abre totalmente a porta parecendo ansioso – Encontraram outro “anjo”. Estamos indo pra lá agora. Você vem?
Estendo a mão pegando minha jaqueta no encosto da cadeira e enfiando rapidamente nos braços.
Depois de mais de um ano ele estava de volta e eu não sabia que isso era exatamente uma coisa boa.
-Vamos lá.
Com a sirene ligada partimos pela cidade chuvosa em meu carro. Os outros provavelmente já estariam lá. Mingyu ia do meu lado mexendo nervosamente nas mãos. De tempos em tempos sua mão pousava sobre a arma em sua cintura como se pra certificar que ela estava ali.
-Alguém problema? - desvio os olhos da rua por um instante para encará-lo.
-Não... – a voz dele denuncia que não estava confortável com aquilo.
-Não precisa se preocupar. Você não tem o perfil pra anjo.
-Eu sei. Eu só... Não consigo entender o porquê disso.
-É o que ele faz Mingyu. Só temos que ver algo que não estamos vendo. – estaciono o carro e saímos caminhando para... – O que diabos é isso?
-Departamento de jardinagem da universidade? - responde o óbvio.
-Eu sei o que é. - reviro os olhos - Mas por que aqui?
Havíamos encontrado três outros “anjos” nos anos anteriores. Um assim que entrei para o departamento de homicídios. Ainda me lembrava da sensação de ver aquela cena pela primeira vez. Algo tão belo e tão aterrorizante ao mesmo tempo. Como um chamado. Um alerta aos outros. Como se algo mais estivesse por vir.
Sinto os pelos da nuca se arrepiarem com a lembrança enquanto mostro o distintivo para o policial que vigiava passo por baixo da fita amarela. Mingyu me segue um pouco atrás. Varias pessoas circulavam por ali e um carro de reportagem acabara de chegar.
Como aqueles abutres da impressa descobriam as coisas tão rápido?
Paro quando chego à porta em forma de arco que dava para dentro da estufa. Lá estava a cena quase que indescritível.
Suspenso por vários cabos e cordas um jovem era mantido com os braços abertos. Seu corpo era coberto por uma túnica branca indo até os pés descalços. A cabeça pendia para frente e sangue descia de seu pescoço onde uma espécie de colar de ferro fora colocado e as pontas de ferro sentraram na pele clara dilacerando a carne. Em suas costas um par de asas enormes e com penas brancas saiam sestendendo pelos braços abertos e terminando graciosamente alguns bons centímetros à frente das pontas dos dedos. Tiras de couro e spikes prendiam o anjo pelos braços e eu apostava que pela cintura a armação de ferro da estufa. O sangue que ainda descia pingava lentamente em um vaso cheio de margaridas brancas. Como que por obra do destino o sol resolveu aparecer por entre as nuvens passando pela claraboia no teto e batendo nas penas as fazendo brilhar e realmente dar uma aparência sobrenatural ao conjunto. Como se Deus estivesse reclamando aquela pobre alma.
Era exatamente como acontecera aos outros três.
Com certeza era obra de quem nós chamávamos de Anjo da Morte.
Não se sabia bem de onde ele surgira. Só sabíamos que um dia alguém encontrou um garoto preso a uma arvore por vários cabos. O bom samaritano que o encontrara percebendo que estava vivo tentara tirar e nesse momento algum mecanismo fora acionado enterrando as pontas de metal do colar no pescoço da vítima.
O crime foi amplamente noticiado como um caso bárbaro. Muitos religiosos acreditavam ser um “aviso dos céus”.
Por vários meses isso foi tudo que tivemos e pensamos ser um caso aleatório. Talvez alguma gangue tentando inovar em suas “punições”. E então aconteceu novamente. Dessa vez em um parque, destino romântico de casais e fora um desses casais que alertado por um pequeno gemido encontrara o anjo. Enquanto o homem tentava ligar para a emergência a mulher em pânico tropeçara em um fio escondido no chão desencadeando a morte na frente de seus olhos apavorados.
Ainda me lembrava dos gritos dela. O sentimento de culpa a levara quase a loucura. Tudo que ela conseguia era repetir que “matara um anjo”.
O terceiro no jardim de uma casa pronta para ser alugada. Mesma forma de preparar a vítima. Mas dessa vez conseguimos chegar a tempo de vê-lo vivo. Tinha os baços fechados, as asas envolvendo o corpo, a boca, como das outras vezes, coberta por uma fita adesiva. Quando os bombeiros tentaram tirar o garoto com segurança ele começou a acenar e a chorar como se tentasse nos avisar o que logo aconteceu. Algo que mexemos fez os cabos serem puxados elevando o garoto que teve o mesmo fim dos outros dois.
Lembro ter naquele momento prometido a mim mesmo que pegaria esse louco. Não aguentava a idéia de ter alguém fazendo aquele tipo de coisa com jovens. O que ele queria? Por que seguia fazendo aquele tipo de coisa? Como não deixava nada pra trás. Como ninguém via quando a vítima era colocada no lugar?
O que eu achava disso tudo?
Bom... Mesmo com meus pensamentos de justiça pelas pobres vidas tiradas eu era só um novato naquele tempo e mesmo agora que carregava alguns anos de experiência ainda ficava confuso em como aquele assassino fazia isso.
Não havia provas algumas sobre ele. O corpo sempre impecavelmente limpo com algum tipo de solvente. As únicas feridas pareciam ser nas costas e braços onde o assassino implantava as asas e a do pescoço, claro. Não dava pra saber a hora que ele estivera ali já que o momento que estivera no local não era a hora da morte. E se formos analisar... Ele nem mesmo era um assassino. Ele não matava, só era o precursor dela. Só preparava a vitima e de alguma forma alguém acabava terminando o serviço por ele. Como por um... “Poder divino”.
E outro detalhe era o fato de sempre serem garotos, jovens com feições inocentes e de alguma forma angelicais.
Um barulho me chama atenção e viro vendo Mingyu se apoiando na parede.
-Tudo bem? – corro para ajuda-lo. Parecia branco demais pra sua cor morena normal.
-Sim. – passa a mão pelos cabelos os colocando pra trás e engolindo em seco – É que isso...
-Eu sei. Não é algo fácil de esquecer.
-Pois é. – me segue para perto dos peritos que começavam a tirar o corpo do lugar – O que temos?
No final não tinha muita coisa. O mesmo de sempre. Corpo completamente limpo, lugares onde foram implantadas as asas com cuidadosos curativos, sendo isso tudo de mais antigo que tinha além, claro, das marcas que as cordas e cabos de suspensão faziam.
Cuidadosamente colocam o corpo sobre um plástico tomando cuidado com as asas. Sinto a raiva crescer dentro de mim quando abaixo para olhar mais de perto e ter certeza que era como os outros. Queria pegar esse maldito filho da puta e fazê-lo pagar por isso. Queria tirar tudo dele. Como ele fazia com as famílias de suas vitimas. Queria fazê-lo sofrer tanto quanto as pessoas que ele matava, queria destruí-lo da melhor forma que conseguisse encontrar.
-Isso não parecem marcas de contenção? – Mingyu me chama atenção para os pulsos do garoto – Olhe... – calça as luvas levantando o pulso do garoto – Parece uma tira. Como essas. – indica as que antes o mantinha preso ao teto – Ele parece ter tentado se soltar e acabou cortando.
-Está limpo e parcialmente cicatrizado.
-Ele mantem suas vítimas cativas antes de... De fazer isso? – Mingyu me olha.
-Essa é nova. – me levanto caminhando por ali em busca de algo fora do lugar, e como previa não encontro absolutamente nada.
Quem encontrara o anjo dessa vez fora um professor que planejava preparar algumas flores para a venda em uma feira beneficente naquela noite. Falamos com ele, mas tudo que disse ter feito fora abrir a porta. Ouvi o barulho de algo se movendo e encontrou o garoto sangrando pelo ferimento fatal no pescoço. Como as outras testemunhas, este também estava em choque e perguntava insistentemente ser seria preso por assassinato.
Minha próxima parada é a sala de monitoramento das CCTV, mas parecia que não tinham câmeras naquela parte da universidade, uma vez que estava em reforma e a estufa era a única coisa que funcionava. Ninguém achava que apareceria alguém para fazer mal a flores. Fecho a porta da sala atrás de mim com o celular que chamava na mão. Acabo atropelando alguém.
-Oh! Desculpa. – o garoto de cabelos longos e loiros me olha rapidamente voltando descer os olhos para os pinceis e tintas da caixa que caíra de seus braços, me abaixo o ajudando a juntar e colocar de volta na caixa – Mais uma vez desculpa.
-Tudo bem. – pegou a caixa e colocou a franja atrás da orelha antes de ficar de pé – Não foi sua culpa. Não é culpa de ninguém. Nunca é.
Com isso ele desaparece rapidamente pelo corredor.
Volto ao celular que voltara a chamar. Disseram ter achado outra coisa interessante no corpo e queriam que eu visse, um numero ou algo do tipo. Meus olhos vão inconscientemente em direção por onde o garoto desaparecera. “Não foi sua culpa. Não é culpa de ninguém.” Desligo o aparelho continuando a olhar o nada.
-Hey... – mais uma vez me assusto com a presença de Mingyu – Desculpa, mas está muito avoado hoje. Te chamei umas três vezes.
-Desculpa. Estava atendendo uma ligação.
-E olhando o nada. Descobriu algo nas CCTV?
-Não tem CCTV por lá. – reviro os olhos andando do seu lado até o carro – Muito conveniente não acha?
-Procurei por marcas de carro ou coisas do tipo, mas havia muitas, não tem como saber. Parece que tiveram entregas de produtos para a feira que aconteceria essa noite e que foi cancelada devida as circunstâncias. – guarda o bloquinho de anotações e a caneta – Ninguém sabe de nada, ninguém viu ou ouviu nada. É como se isso não passasse de uma mentira.
-Temos um corpo bem real. – dirijo de volta para a delegacia indo direto para a sala de necropsia quando chegamos lá – O que encontrou Jihoon? – pergunto ao baixinho que tentava se equilibrar sobre o banquinho que usava pra subir já que a mesa era muito alta para seu tamanho.
-Isso. – pega uma pinça e enfia dentro da boca do cadáver tirando um pequeno pedaço de papel lá de dentro – Como os outros... – coloca o papel dentro de uma bandeja abrindo com a ajuda de outra pinça – Vamos ver o que temos...
- 16.8-42 – Mingyu lê – O que isso quer dizer. 16.8-42?
-Eu não sei. – pego uma lamina de vidro onde Jihoon coloca o papel e cubro com outra lamina levando para o saquinho de “provas” que não tinha praticamente nada – Nada nas asas?
-Levaram pra analise. – Jihoon pula de seu banquinho e me controlo pra não chama-o de baixinho o que o deixaria muito bravo provavelmente - Mas pelo que pude ver estava como as outras. Ate quando vamos ver isso acontecer?
-Boa pergunta! – grito já do corredor correndo para minha sala.
Pego um pincel rabiscando na lousa o numero 16.8-42 junto com os outros anteriores: 11.10-42, 22-4-42 e 15.6-42.
-Estavam nos outros? – Mingyu se senta do meu lado na beira da mesa olhando para a lousa cheia de coisas sem solução – Todos têm 42 depois do risquinho. Como...
-Um código. Um lote. Ou algo do tipo. A pergunta é... O que significa para quem está fazendo isso? E quem é? – suspiro frustrado com aquele beco sem saída – Tudo que temos é nada.
-O que acha que é?
-Eu não sei. – bato o pincel na palma da mão.
-E acredita em... Em anjos?
Olho para as fotos com todas as vitimas caracterizadas como aquele ser fantástico.
-Não.
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