O cheiro tranquilizante da lavanda se espalhava por todo o quarto. Haviam alguns jarros com a flor próximos a janela por onde o ar puro e aconchegante passava; a brisa da tarde. As cortinas creme balançavam no ritmo do vento que bagunçava vez ou outra os fios louros do médico que analisava seu paciente com atenção. As unhas do citado haviam crescido outra vez, como mês passado, os fios negros estavam grandes e ondulados, algumas ondas cobriam suas sobrancelhas, a boca estava com mais cor, diferente do quase sempre pálido. Entretanto, nenhum sinal de consciência. O doutor suspirou, coçando os olhos por trás das lentes redondas, os batimentos cardíacos eram os mesmos, a respiração estava normalizada, até mesmo a cor no rosto do paciente era boa, todavia, já se fazia um ano que estava em coma, e um ano que o doutor Park Jimin, cogitava a possibilidade em desligar os aparelhos.
O homem se virou assim que ouviu passos atrás de si, e constatar que se travava de um dos colegas de trabalho, tranquilizou-se.
— O que sabe sobre ele? — a voz grave ecoou pelo quarto.
— Nada. Esse é o problema. Ele está conosco a um ano, seu coma é profundo, não sabemos se um dia irá acordar.
— E como ele chegou até aqui?
— Sinceramente? Eu não sei, foi um mês antes de eu trabalhar aqui, mas… pelo que me contaram ele chegou no avião que trouxe mais alguns acidentados ano passado, você sabe, estavam fazendo uma varredura pelos vilarejos mais afastados… procurando por doentes e essas coisas, acabaram o encontrando sem roupas em meio a mata… — Jimin parou alguns segundos para respirar e olhou para o colega ao lado.
— Pelado?
O homem ao seu lado arqueou uma das sobrancelhas e o Park esboçou um sorriso pequeno.
— Ele estava muito mal, pelo que fiquei sabendo seus ferimentos eram tão graves que ele sequer poderia ser reconhecido, nem sei como ele sobreviveu a tudo, é um verdadeiro milagre.
— É, às vezes milagres acontecem.
— Está vendo essa cicatriz? — o doutor apontou para um cicatriz no rosto do paciente que ia de metade da testa até seu queixo, atravessando seu rosto. — Consegue ver bem o rosto dele agora, não é? — o outro apenas concordou. — Ele é um homem bonito, mas se você visse as fotografias de quando foi encontrado diria que este aqui é outra pessoa.
— Entendi. Mas a questão é: Você acha que ele vai acordar um dia?
— Sinceramente, eu também não sei.
Doutor Park fora o responsável pelo paciente desconhecido desde que iniciou carreira no hospital, não sabia nada sobre o homem apenas que ele aparentava estar na faixa dos vinte e poucos anos e que tinha muita força de vontade, do contrário já teria falecido a muito tempo, e apesar de estar em coma, o paciente a qual com o tempo Jimin apelidou de Song havia se recuperado bem de todas as fraturas e hematomas, até mesmo a terrível cicatriz que partia seu rosto ao meio estava cicatrizando bem, ele era um guerreiro, um amante pela vida, disso o Park não tinha dúvidas, entretanto, pela falta de informações sobre o sujeito e pela ausência de uma família ou parentes próximos para identifica-lo e pagar por seus tratamentos o diretor do hospital estava pressionando o doutor para que desligasse os aparelhos, alegando ser um caso perdido.
Todavia Jimin acreditava em Song, ele havia passado por tanta coisa, sentido tanta dor, e ainda estava ali, agora, respirando sem a ajuda de aparelhos e com os batimentos cardíacos estáveis, não queria arrancar-lhe essa oportunidade.
O Park segurou o sanduíche da lanchonete entre os dedos, estava em um grande dilema, sabia que não deveria ter preferências por seus pacientes e que manter Song ali gerava sim custos para o hospital, mas ainda sim, era cruel demais desligar os aparelhos por isso, queria ajudá-lo de alguma forma, mas por mais que pensasse não conseguia chegar a uma solução cabível.
— Consigo até ver a fumaça saindo das suas orelhas, no que tanto pensa, Park? — Kim Namjoon, o colega de trabalho de Jimin sentou-se à sua frente nos bancos da lanchonete.
— Preciso de ajuda.
— Sou todo ouvidos.
— Lembra do meu paciente de mais cedo?
Namjoon apenas concordou, enquanto abria sua marmita para almoçar.
— O diretor resolveu desligar os aparelhos na semana que vem.
O Kim rapidamente largou os hashis e fitou o rosto preocupado do Park.
— Sinto muito.
Seus olhos se voltaram novamente para a marmita em frente a si, segurou os hashis e começou a comer, deixando Jimin um pouco nervoso, não era o primeiro paciente que perdia, mas de todos os outros sempre fez seu máximo, tentou até o último segundo e com Song sentia que não era assim, estavam desistindo cedo demais, então tomou coragem necessária, e acabou apelando ao colega.
— Preciso da sua ajuda, eu tenho algumas economias mas ainda não são o suficiente então…
— Quer que eu te ajude a pagar o tratamento dele? Jimin, porque está se esforçando tanto? Você já fez tudo que podia como médico e…
— Você vai me ajudar ou não?
Ambos acabaram se encarando por um tempo, o Park obtinha as bochechas coradas em nervosismo, e o Kim apenas o fitava perdendo-se vez ou outra naqueles olhos pequenos.
— Vou.
A bondade e persistência de Jimin eram duas qualidades que encantavam Kim Namjoon.
Mais dois meses se passaram, os aparelhos de Song não foram desligados, o doutor Park tentou alguns métodos para obter alguma resposta do paciente algum sinal de que nele ainda havia consciência e durante todos os dias ele esperou por algum sinal, qualquer mísero sinal de que Song um dia acordaria novamente e este sinal veio, as roupas do paciente eram trocadas pelas enfermeiras, e seus cabelos calmamente escovados quando um de seus dedões dos pés se moveu, coisa mínima, que passaria despercebida perante o olhar de um leigo mas que para o doutor Park fora uma grande conquista.
Namjoon temia que Jimin estivesse criando expectativas demais com o paciente, entretanto se propôs a ajudar em tudo que precisasse, e acompanhou cada "sinal" de melhora ao lado do Park. No início foram apenas os dedos dos pés de Song a se mover, em seguida o indicador de uma das mãos, o globo ocular se movia vez ou outra quase como se o paciente quisesse desesperadamente abrir os olhos, entretanto, o que mais tocou ambos os médicos fora quando lágrimas escorreram pelo rosto do paciente, e não tiveram mais dúvidas, ele iria acordar.
Outro longo mês se passou antes que o Park entrasse no quarto de Song em uma tarde de pôr do sol, e o encontrasse com os olhos abertos, dois grandes e brilhantes poços negros que ganharam foco assim que visualizaram uma figura embaçada a sua frente que bem lentamente fora ganhando forma e tornando-se uma pessoa.
Seu paciente havia acordado de um coma de um ano e três meses e isso certamente era um milagre. Song abriu os olhos por poucos minutos aquela tarde, passou mais dois dias sem abri-los e tornou a abrir, Jimin o examinou, as orbes negras enxergavam bem, mas a claridade ainda incomodava o paciente, aos poucos os movimentos nos dedos de Song tornaram-se mais frequentes e suas orbes acompanhavam o doutor pelo quarto.
Ele parecia prestar muita atenção.
Não falava. Não se movia. Mas estava vivo e com o tempo iria se recuperar, e por isso o doutor Park estava realmente grato.
[...]
O tempo passava depressa e isso Taehyung sabia bem, lembrava-se como se fosse ontem a dor do parto, e agora Soobin já havia completado seus seis meses, o pequeno menino cresceu rápido, seus fios antes ralos agora eram cheios e negros como os do pai, seus olhos amendoados herdados do Kim eram brilhantes, suas bochechas fartas e coradas, e sua inocência arrancavam suspiros de qualquer um que conhecesse o pequeno bebê, que ameaçava dizer as primeiras sílabas e a comer algumas papinhas, o Kim amadureceu um pouco mais nos últimos três meses, responsabilidade de criar um filho e trabalhar era grande, mas mesmo assim continuava se superando não somente por ele como também por Soobin, e o novo emprego veio bem a calhar.
Seus pais cuidavam da pequena criança alterando com os sogros do Kim vez ou outra e assim seguia a vida, muitas vezes chegava exausto em casa de algum plantão mas sempre priorizava o filho e antes mesmo de comer ou descansar o pegava no colo e conversava com o bebê como passou a fazer desde que o menino nasceu.
E os dias do Kim planejavam ficar ainda mais agitados já que o jovem desejava se tornar um médico, e queria iniciar seus estudos o quanto antes, só esperava não enlouquecer em meio ao processo.
Sentou-se com o bebê no colo após tomar um banho, Soobin sugava uma chupeta enquanto brincava com os dedinhos, o somzinho da sucção feita pelo menino tranquilizava o Kim, que apenas selou o topo da cabeça do filho e o olhou com ternura.
— As coisas vão melhorar Bin, appa vai te dar muitos beijinhos.
O bebê encostou-se contra o peito do pai e agarrou com as pequenas mãos a camisa que o mesmo vestia, acabaram adormecendo assim, na poltrona, o Kim pelo cansaço e Soobin pelo conforto e segurança de estar no colo do pai.
Suas noites eram sempre assim, e também dormiam juntos na cama, desde que o menino completou seus quatro meses. Taehyung trabalhava das seis até às duas da tarde no mesmo hospital onde conheceu Jeongguk, saia do trabalho e corria até a casa dos pais para buscar o filho, nada mais gratificante do que chegar cansado e encontrar uma pequena pessoinha de braços abertos para si, o sorriso de seu filho era a melhor recompensa.
O Kim ainda utilizava a aliança que ganhou do Jeon, e sempre se perdia em pensamentos bons quando a fitava, sentia tanta saudade mas a dor havia amenizado um pouco desde que ganhou a companhia do filho, era um dos seus melhores motivos para seguir em frente.
"Já faz tanto tempo, Jeongguk-ssi. Me faço perguntas o tempo todo: Como você seria sendo pai? Imagino que maravilhoso. O quanto Soobin e você seriam ligados? Ou o quanto me enlouqueceriam?"
O Kim parou a escrita para sorrir, era bom imaginar uma vida onde Jeongguk estava ao seu lado.
"Ele está cada dia mais esperto e bonito, me enche de orgulho, as vezes eu me sento com ele na cadeira de balanço e lhe conto a história de como nos conhecemos, quero que ele cresça ouvindo que seu pai foi o melhor homem que já conheci, quero que ele tenha orgulho de você, assim como eu também tenho, e vou trabalhar para isso."
"Eu consegui uma vaga para estudar medicina, queria saber o quanto você ficaria orgulhoso de mim, queria que pudesse me ver agora, estou me esforçando, estou conseguindo, você vai ver, um dia ainda serei chamado de doutor Kim e poderei ajudar muitas pessoas, é meu sonho"
"Sabia que Jinsung e Bogum subiram de cargo? Ambos são agora primeiro e segundo tenente, não está orgulhoso? Eles estão muito felizes, como pequenas crianças a ganhar um doce"
"Sobre Hoseok-hyung eu não tenho muito o que dizer, ele me ajudou quando Soobin nasceu, mas depois ele partiu em missão e acho que acabou por morar na cidade para qual foi enviado, sinto saudades de sua companhia, os garotos também, mas eles conversam por cartas sempre, então ele está bem, não se preocupe."
"Estou pensando em contratar uma babá ou um babá para Soobin em breve, sei que nossos pais cansam, sei que amam cuidar do neto mas não quero abusar para sempre, e como com as aulas vou ficar menos tempo com Soobin gostaria que cuidassem dele em casa."
"A vida responsável não é nada fácil, Jeongguk-ssi, queria que você estivesse comigo"
Taehyung fechou o diário e suspirou, Soobin dormia inocentemente sobre a cama quando aos poucos ele subiu sobre os lençóis e se aconchegou perto da pequena criança.
[...]
1 ano e seis meses foram o tempo necessário para que Song conseguisse se encostar na cama e abrir a boca minimamente para dar ao menos uma colherada na sopa que a enfermeira lhe dava, o jovem não conseguia se mover, nem falar mais do que apenas murmúrios, mas abriu a boca devagar e sentiu quando o líquido morno e gostoso se espalhou em seu paladar, se engasgou, e teve que ser amparado pela enfermeira, mas ainda sim era melhor que se alimentar por tubos, disso tinha certeza. Seus dias eram doloridos, doutor Park pediu ao doutor Kim para que auxiliasse seu paciente na fisioterapia quando estivesse pronto, mas Song ainda tinha um grande caminho a percorrer, o máximo que conseguia mover eram seus dedos das mãos por poucos segundos, seus olhos sempre seguiam Jimin por onde ele ia, o doutor lhe fazia muitas perguntas, mesmo sabendo que ele não poderia responder nenhuma, o encorajava e o incentivava a mover mais do que os dedos, ele só não sabia o quanto era difícil.
Cada dia para Song era um novo obstáculo e foram necessários mais três meses para que ele pudesse conseguir mover as mãos sozinho, mesmo que os braços pensassem e caíssem ao lado do corpo, 1 ano e nove meses para que seus murmúrios tornassem pequenas sílabas, já se alimentava de líquidos e comidas leves como sopas e caldos sozinho, embora o trabalho fosse dobrado, o doutor sempre o incentivava a continuar.
As sessões de fisioterapia se tornaram mais intensas também, com o passar dos meses.
Song estava no quarto coberto com um lençol enquanto observava as cortinas cor creme balançarem, havia um cheiro bom no quarto, reconfortante, quando seus olhos se moveram em direção a porta e pode observar doutor Park entrar.
Jimin entrou sorridente, escondia algo nas costas e parou a poucos passos de Song na cama.
— Boa tarde, Song. Como está meu paciente favorito?
Song esboçou um pequeno sorriso e respirou fundo, seus ossos doíam um pouco.
— Como você foi muito bem na fisioterapia hoje eu pensei em te dar um presente.
Jimin cantarolou deixando o paciente curioso.
— Gostaria de ver seu rosto?
Os olhos negros de Song aos poucos se saltaram nas órbitas, por mais que tentasse se lembrar nada o recordava de como eram suas feições, não se lembrava sequer como havia parado ali, então estava ansioso. Aos poucos o Park retirou das costas um pequeno espelho, e o virou em direção ao rapaz pouco a pouco elevando a altura de seus olhos. O misto de emoções sentidos por Song não poderia ser descrito, estava se vendo pela primeira vez, seus olhos arderam naturalmente e mornas lágrimas escorrerem por seu rosto, seus cabelos eram negros e cobriam toda a testa, seu rosto branco carregava uma imensa cicatriz que atravessava seu rosto, seus olhos negros transbordavam quando apenas fechou os olhos e virou o rosto para o lado oposto.
Rapidamente Jimin entendeu e guardou o espelho, tomando a liberdade de tocar uma das mãos trêmulas do paciente.
— Você é um guerreiro Song, mas preciso que lute mais um pouco ao meu lado.
Aos poucos o moreno abriu os olhos e voltou a fitar o doutor.
— Não sabemos muito sobre você… e eu sei que posso estar sendo esperançoso demais, mas qualquer coisa, mesmo que seja boba, qualquer coisa que você se lembre pode ajudar… Então…
O jovem franziu a testa e engoliu um pouco de saliva, não se lembrava, não conseguia.
— E-eu…não…
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