Dois anos. Completava-se dois anos desde que Song havia chegado ao hospital, e por todas suas conquistas o doutor Park resolveu fazer uma pequena comemoração. O jovem havia progredido um pouco mais nos últimos três meses, seus movimentos tornaram-se mais fáceis, sua fala melhorou bastante e tinha sessões com uma fonoaudióloga quase todos os dias, a fisioterapia continuou, junto a terapia para que Song entendesse melhor seus sentimentos, não sabia o que sentir, não conseguia se lembrar sequer do próprio nome, não saber suas origens o enlouquecia um pouco a cada dia, as únicas pessoas que conhecia eram o doutor Park e os outros médicos, enfermeiros e pacientes do hospital, era como se uma parte da sua vida tivesse sido deletada.
Song usava uma camisa preta larga e uma calça de moletom, estava sentado em frente a uma tela em branco, haviam lápis e pincéis ao seu dispor, não sabia se era bom em pintura apenas sentia a necessidade de pintar, e Jimin sempre lhe dizia ser bom fazer alguma atividade. Primeiro fez um esboço lentamente, geralmente seus desenhos e pinturas eram sobre paisagens, lugares e sobre uma pessoa, um homem, quase sempre quando fechava os olhos o moreno conseguia visualizar grandes orbes caramelo, enfeitadas com cílios longos ao redor, em seguida um rosto assimétrico e marcante, suas mãos se moviam quase que por vontade própria e suas emoções desconhecidas falavam mais alto, quando dava por si havia um desenho ou uma pintura de um homem bem a sua frente, um homem desconhecido.
— Outro de seus bonitos desenhos? — ouviu uma voz ao longe, e ao se virar para trás encontrou doutor Park segurando um bolo nas mãos. — Surpresa!
A audição de uma das orelhas de Song ficou um pouco afetada pelo acidente, então quase sempre era surpreendido.
— Esse rapaz é muito bonito… será um namorado seu? — o Park apontou para a pintura.
Que continha o rosto de um homem, sua boca estava fechada em uma linha fina e um sorriso de canto, o que mais chamava atenção eram os olhos brilhantes e castanhos, e os cabelos cor mel espalhados para todos os lados.
— Eu… eu não sei. — Song respondeu, frustrado.
Aos poucos outros convidados foram chegando, o que era formado por alguns enfermeiros e enfermeiras do local, também pelo doutor Kim que chegou atrasado segurando alguns balões.
— Hoje nós vamos comemorar a vida.
Song ainda se sentia um pouco envergonhado na presença de tantas pessoas, mas todas estavam ali por uma única razão; comemorar. O milagre de estar vivo, e ele compreendia muito bem que tinha muita sorte por estar ali, então sorriu, comeu bolo, abraçou algumas pessoas e quando o fim do dia chegou recebeu uma surpresa. Jimin estava um pouco acanhado, havia conversado bastante com Namjoon e agora ambos estavam frente a frente ao rapaz.
— Queremos que venha morar com a gente. — o Park disse, sem cerimônias. — Você passou dois anos em um hospital, acho que merece um pouco de conforto.
O rosto de Song aqueceu um pouco, era tímido, e os amigos já haviam feito tanto por si.
— N-não quero atrapalhar… — disse, cabisbaixo.
Os mais velhos riram, e o Kim tomou partido.
— Não é incômodo, você é nosso amigo Song e ainda não temos filhos, vai ser quase como sermos papais. — brincou, e Jimin lhe deu uma cotovelada.
— Não seja bobo. Mas ele tem razão, Song, será divertido e também podemos começar buscar por sua família, não está cansado de ficar no hospital?
O jovem encolheu os ombros e lentamente balançou a cabeça em positiva. Jimin sorriu.
— Então combinado, a partir da semana que vem você mora com a gente.
O Kim e o Park são um casal antigo, entre seus altos e baixos, junções e separações, recentemente dividiram uma casa, com um gato, um cacto para cuidar, e agora, com um rapaz desmemoriado também.
Song sentia-se como uma pequena criança, a casa dos amigos era grande e bonita, ambos estavam sendo gentis e carismáticos para que ele se sentisse o mais confortável possível e ainda sim sentia-se estranho. Tinha um quarto só para si, e nele todos seus objetos de pintura já estavam presentes, Jimin e Namjoon eram realmente boas pessoas, com certeza um dia os agradeceria grandemente. Sentou-se na cama e suspirou, seu corpo estava dolorido da fisoterapia e seu estômago embrulhado enquanto olhava o quadro pintado por si mesmo de um homem desconhecido.
Seria ele alguém de seu passado? Seu coração e estômago se agitavam ao olhar para pintura, mas nenhuma lembrança vinha, lentamente deitou-se e fitou o teto do quarto, suspirando profundamente, ainda teria um longo caminho a percorrer.
[...]
Com 4 dentinhos de leite, perninhas finas e rápidas, bochechas rosadas e gordinhas, olhinhos pequenos e negros e cabelos escuros, Soobin andava para lá e para cá segurando-se nos móveis da casa e deixando o papai Kim cansado, o bebê de agora um ano estava muito ativo, e ameaçava a dar os primeiros passos com o auxílio de Taehyung e também de seu babá, Min Yoongi, a quem o Kim teve de contratar quando as coisas tornaram-se difíceis. Passava as manhãs na universidade e as tardes no trabalho, na maioria das vezes quando chegava em casa Bin já estava na cama adormecido, somente nos fins de semana tinha um tempo sozinhos e o Kim tratava de aproveitar bastante, seu menino havia crescido tanto, já falava papa a todo momento e fazia caretas quando não gostava de algo.
Taehyung terminou de afivelar o macacão do filho e o pegar no colo, estava atrasado para o trabalho quando ouviu a porta da frente se abrir, provavelmente era Yoongi, o garoto que contratou para ser o babá de Soobin, uma recomendação de Jinsung e Bogum, assim que chegou a sala observou o topo de cabelos loiros do jovem e seu sorriso ao ver o menino que logo lhe estendeu os bracinhos e fora para o colo do Min, Taehyung suspirou.
— Sinto que você vai roubar meu filho de mim. — Taehyung comentou em brincadeira.
Mas o rosto pálido de Yoongi ganhou cor, o Kim riu.
— Brincadeira, se divirtam bastante. — disse e olhou para o filho, se inclinando para beijar-lhe a testa. — BinBin o appa volta logo, seja bonzinho, te amo.
— Tenha um bom trabalho senhor Kim. — Yoongi comentou, sentindo Soobin segurar alguns fios de seus cabelos.
— Obrigado, Yoon.
Yoongi era um bom garoto, que pelo o que o Kim sabia havia sido dispensado do exército como inapto por seu corpo fraco e seus problemas respiratórios, optando por procurar serviços mais leves como cuidar de bebês ou trabalhar em lanchonetes, então pelo período da manhã trabalhava em uma conveniência e no período da tarde cuidava de Soobin para aliviar o trabalho dos pais do Kim pela manhã.
O Kim estava feliz, em alguns meses faria uma viagem para outra cidade em nome da universidade para fazer algumas pesquisas, e isso o ajudaria muito, estava animado como a muito tempo não se sentia. Em seu intervalo acabou por receber uma ligação, de uma pessoa com quem não falava a um bom tempo e até mesmo estranhou ouvir aquela voz, mas no fim tinham um encontro marcado.
Quando o Kim voltou para casa Yoongi havia adormecido no sofá com Soobin descansando em um de seus braços, pegou o filho no colo sem o acordar e lhe deu um cheiro e um abraço apertado, o menino chupava uma chupeta e estava tão quentinho que queria poder ficar com ele assim o resto da vida, mas pelo contrário apenas o levou até o berço e o colocou em segurança, voltando para sala fez com que Yoongi acordasse e se certificou de que pegaria um táxi para casa, por fim indo ao banheiro tomar um banho.
Havia sido um dia longo, tudo o que queria fazer era relaxar, mas ainda teria de preparar um jantar para um amigo.
Com as panelas no fogo o Kim abriu uma garrafa de soju e bebericou, já se faziam muito tempo desde que havia bebido álcool, uma música baixinha tocou no rádio, uma música romântica que o lembrou de Jeongguk, então fechou os olhos e sorriu, e quando menos esperou já estava passando os dedos em volta da aliança, sentia saudades, tomou mais um gole do soju e mexeu nas panelas quando ouviu leves batidas na porta da frente.
O Kim não se apressou, andou lentamente até a porta e antes de abrir constatou no olho mágico que se tratava dele, Hoseok-hyung.
Não imaginava receber aquela ligação, ficou surpreso e feliz, já se fazia muito tempo que não via o amigo, então quando o viu parado a sua porta com roupas formais pela primeira vez, o abraçou e o convidou para entrar.
O jantar já estava quase pronto mas ainda precisava de alguns detalhes, Hoseok sentou-se no sofá e olhou ao redor da casa, haviam algumas fotos de Soobin na estante, de Taehyung e também uma de Jeongguk, o soldado engoliu a seco e fitou as mãos novamente sobre o colo.
— Então… você já visitou os rapazes?
Sua atenção fora chamada e rapidamente olhou para o Kim.
— Ah, sim… mais cedo.
— Quer conhecer o Bin?
— Claro.
O Kim acompanhou o Jung até o quarto onde o pequeno menino dormia tranquilamente, Hoseok sorriu ao se agarrar às guardas do berço, Soobin era lindo, mas estava muito diferente do que viu ao nascer, por sorte os garotos haviam lhe mandado várias fotos da criança quando estava em sua missão.
— Ele está tão grande.
Lentamente o homem levou uma das mãos até a bochecha do menino acariciando.
— E cada dia mais parecido com Jeongguk.
Constatou o fato e voltou a encarar o Kim que obtinha um singelo sorriso nos lábios.
— Sim.
Ambos voltaram para sala e o jantar fora servido calmamente, os homens se sentaram e agradeceram pela refeição antes de começar a comer, Taehyung havia aprimorado suas habilidades após ter ido morar sozinho com Soobin, afinal não deixaria o filho passar fome no futuro. O jantar foi silencioso, apenas os sons dos talheres e da mastigação eram ouvidos, e quando acabou o Jung fez questão de lavar os pratos como um agradecimento pela recepção, ambos se sentaram no sofá após, cada um com uma garrafinha de soju nas mãos.
— Fazia bastante tempo que eu não bebia um desses. — o Jung comentou, saboreando o líquido doce.
— Eu também. — o Kim concordou. — Ajuda a relaxar, meus ombros estavam tão pesados antes.
Ambos riram juntos e concordaram.
— Me conte, como foi em sua missão.
Taehyung questionou, colocando uma das mãos no queixo e olhando bem para o soldado a sua frente.
— Bem, fiquei morando em uma vila militar por um tempo, estavam precisando de ajuda com a construção de casas e de poços para as pessoas da região, fui muito bem acolhido, todos eram bem divertidos.
— Pensei que não fosse mais voltar… — Taehyung comentou e encarou o estofado do sofá.
— Eu pensei nisso. A vida não era ruim lá, por isso resolvi ficar mais tempo, esfriar minha cabeça, mas no fim, voltei para casa.
— Entendo.
— Os garotos me mandaram muitas cartas todos os meses, então sempre estive atualizado de tudo, você nunca me mandou uma.
— Desculpe, sou péssimo com cartas.
Ambos se olharam e sorriram.
— Tudo bem, você fez um bom trabalho aqui, então estou orgulhoso.
Ambos se olharam em silêncio por um bom tempo até que o Kim fosse o primeiro a desviar.
— Bem… e o que planeja fazer daqui para frente?
O Jung se remexeu no sofá e suspirou, nem ele sabia o que fazer ainda.
— Bem, vou dar um tempo com o exército… quem sabe comprar uma fazenda, criar alguns porcos e vender morangos. — sorriu, e o Kim o acompanhou. — É sério, já estou vendo algumas propriedades.
— Uma boa sorte então.
— E você? O que pensa em fazer no futuro?
— Cuidar de Soobin o melhor que eu puder.
— E quem irá cuidar de você?
Quando disse as palavras o Jung não percebeu de imediato o impacto que elas teriam, somente ao fitar as orbes castanhas surpresas do Kim e seu sorriso sem graça, todavia, já era tarde demais.
— Desculpe. — pediu, e Taehyung tomou mais um gole do soju, fazendo o Jung o imitar.
— Bem… acho que vou cuidar de mim e de Soobin também… será que consigo?
— Não tenho dúvidas.
O clima ficou estranho após o assunto findar, os dois homens tomaram suas bebidas em silêncio, e quando acabou, apenas fitaram um ponto específico, qualquer coisa que não fosse um ao outro.
— Está tarde… acho melhor eu ir. — Hoseok fora o primeiro a dizer.
E essa iniciativa fez o Kim ter coragem suficiente para dizer o que estava entalado em sua garganta desde que vira o amigo passar pela porta de sua casa mais cedo.
— Hoseok, obrigado. — o Jung se levantava do chão onde estava sentado, mas parou seus movimentos ao ouvir a voz de Taehyung. — Eu não sei o que teria sido de mim sem o seu apoio, claro, meus pais e os meninos também me apoiaram mas sempre foi ao seu lado que me senti mais confiante e seguro.
O coração do Jung se agitou, desconfortavelmente.
— Não… precisa agradecer…
Taehyung balançou a cabeça em negativa e se levantou ficando a frente do Jung.
— Precisa sim. Você me ajudou muito, desde que Jeongguk desapareceu até o dia em que Soobin nasceu, você sempre esteve comigo e sou muito grato, nunca tive a oportunidade de dizer mas eu tinha muito medo, porém, quando você segurava minha mão eu conseguia ser um pouco mais forte.
Hoseok estava sem palavras, passou a língua pelos lábios e abaixou o rosto rapidamente para o chão.
— Nunca vou me esquecer.
— Jeongguk é meu amigo desde que éramos crianças… você é a pessoa que ele mais ama, eu nunca o deixaria sozinho.
— Eu sei.
— Já fazem dois anos.
O Jung comentou, sentindo um gosto ruim na boca, dois anos de desaparecimento de Jeongguk.
— Me lembro disso todos os dias.
Ambos ficaram em silêncio por um tempo, até o Jung retomar a postura e dizer que estava indo embora, agradeceu pelo jantar e pelas palavras do Kim que o acompanhou até a porta e cruzou os braços em frente ao corpo para amenizar o frio, estava nevando novamente.
— Está nevando. — Taehyung constatou o óbvio enquanto esticava uma das mãos para segurar um dos flocos.
O Jung concordou repetindo seu ato e olhou para o Kim, nesse momento ele parecia uma criança.
— Está frio, melhor entrar.
— Tenha cuidado na volta.
O homem concordou e se virou andando devagar, mas o Kim não entrou, ficou apenas observando as costas do Jung se afastando pouco a pouco, e quando já estava longe o suficiente o homem virou para entrar em casa, entretanto parou ao ouvir passos e olhar para trás constatando que o soldado voltava correndo e que rapidamente subiu os degraus da casa, havia flocos de neve em seus cabelos.
— Hyung? Esqueceu alguma coisa? — Taehyung perguntou e afobado pela corrida, o Jung concordou.
— Esqueci… esqueci de dizer muitas coisas.
A porta atrás do Kim fora fechada.
— Eu sempre estive ao seu lado não somente por Jeongguk, Tae. Claro, eu fiz pelo meu amigo, mas também fiz porque gosto de você. Então você não precisa me agradecer, foi um prazer estar ao seu lado, em todos os momentos.
— Bom…
— Calma, não acabei. Deus pode me julgar, o mundo pode me julgar e talvez eu mereça mesmo, mas… tenho algo a dizer, algo que está entalado a muito tempo na minha garganta… algo que eu tentei matar com minhas próprias mãos. Eu fui embora logo após Soobin nascer porque estava com medo, de mim, dos meus sentimentos…
Agora a respiração do Kim estava mais rala e pesada, devido a emoção da situação.
— Eu fui embora para respeitar Jeongguk. Eu juro, eu tentei… merda. Eu tentei mas foi difícil.
— Do… do que está falando?
— Quando eu te vi pela primeira vez no parque de diversões eu te achei tão lindo… pensei que com certeza deveria falar com você, eu iria, mas eu não fui, Jeongguk foi, e estava tudo bem para mim, porque você também o escolheu.
— Hoseok…
— Shi, me deixe terminar. Você o escolheu Taehyung, então eu me contentei em ser apenas o amigo do seu namorado. Mas o que estou querendo dizer é que… gosto de você, a bastante tempo. Dizer isso me torna o vilão? Dizer isso me torna o errado? Tudo bem, eu entendo. Talvez eu seja mesmo, mas são meus sentimentos e eu os escondi por muito tempo, pensei que poderia dizer agora.
Taehyung não sabia o que dizer, sequer o que pensar, apenas fitava o homem agora parado a sua frente com os olhos negros brilhantes.
— Todo o tempo que passei ao seu lado, toda a dor e as lágrimas que choramos juntos, me desculpe mas isso me tornou fraco, me apaixonei ainda mais por você, e eu menti, menti quando disse que não esperava nada de você porque quando tive a ousadia de te beijar eu tive sim… tive esperanças de que por um momento que fosse, você pudesse olhar para mim com outros olhos… que pudesse me enxergar como o homem que sou.
O coração de Taehyung batia rapidamente contra o peito, suas mãos estava soando, conseguia sentir bem quando fechava os dedos das mãos, Hoseok estava se declarando e parecia tão sério que o deixava sem ar. O que responderia?
— Me perdoe. — o Jung então pediu, recuando um passo. — Você deve ter nojo de mim agora… eu tenho, muitas vezes. Mas eu apenas queria ser sincero uma vez na vida, e a verdade é que eu amo você.
Os olhos do Jung já transbordavam, e Taehyung notou que os seus também ardiam muito, negou lentamente com a cabeça e fechou os olhos sentindo as lágrimas escorrerem pelas bochechas.
— Você pode me odiar se quiser, mas eu amo você.
— Odiar? — o Kim forçou-se a falar, e sorriu entristecido. — Hoseok-ssi…
Chamou o outro pelo modo carinhoso que não chamava a muito tempo.
— Você é o único que eu vejo agora.
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