Por Alex
Girei a maçaneta bem devagar e coloquei metade do corpo para dentro do quarto. Piper ainda estava dormindo na minha cama. Ela estava deitada de lado, com as costas viradas para a porta. A camiseta justa do seu pijama estava enrolada embaixo da sua cintura, boa parte de sua barriga estava à mostra. De onde eu observava, as curvas do seu corpo poderiam se alinhar perfeitamente com a linha de um violão. Piper e suas malditas curvas que fazem o vagina criar vida própria e querer sair para um passeio. Ela estava descoberta com as pernas entrelaçadas no edredom. Eu conseguia ver o desenho de sua calcinha por baixo do pano do short curto e fino.
Pare, Alex. Isso não vai acabar bem.
Dei um passo para trás e sai do quarto.
Só queria ver se ela estava acordada. Não queria que ela precisasse levantar, ia acabar piorando o tornozelo, que, apesar de sua teimosia, com certeza não devia estar muito bem.
Precisava me ocupar aquela manhã. Ou melhor, precisava me ocupar o dia inteiro. O fim de semana inteiro. O mês inteiro. Até ela ir embora. Aquilo tinha sido uma ideia sensacional e ao mesmo tempo ridícula. A oportunidade de provocar um pouco de humildade em Chapman foi irresistível, mas pensar que eu poderia domá-la? Não, isso nunca. No máximo seria agradável vê-la ser gentil e humana por alguns dias. Mas ia acabar. Mesmo que ela ainda passasse alguns meses com a intenção de ser um indivíduo melhor, as pessoas não mudam. Isso eu já tinha aprendido muito bem.
O problema agora ia ser resistir à vontade de me envolver com ela.
Desci as escadas sem pressa.
Era incrível como ela conseguia ser uma mulher que gerava opiniões unânimes. No escritório onde trabalhávamos, quando o assunto era Piper Chapman, todo mundo concordava:
Ela era uma megera insuportável.
Ela era a melhor e mais temível advogada do escritório.
E ela era gostosa
Por Deus, como era gostosa.
Claro que homens e mulheres se dividiam nessa última opinião.
Homens não negavam. Todos tinham plena consciência de que ela era o tipo de mulher que qualquer um adoraria espremer contra a parede. Mas as mulheres usavam outros tipos de elogios. Uns que facilmente são confundidos com ofensas. Bastava Piper se aproximar e começava a interminável sequência de "Vadia", "Como ela tem coragem de usar um vestido tão colado em uma audiência", "Ela engordou" ou "Ela emagreceu demais".
Não, senhoritas, sinto muito.
Ela não está acima ou abaixo do peso. A roupa é sensual e não vulgar. E quanto ao "Vadia". Bem.. Isso era verdade. Mas o fato inegável é que todas as suas colegas de trabalho apenas a ofendiam porque a admiravam. É o jeito feminino de elogiar através de camadas e camadas de inveja.
E Piper dava muitos motivos para ser invejada.
Abri a porta e deixei Max entrar enquanto colocava sua ração.
Conseguia me lembrar de quando a vi pela primeira vez. Tinha acabado de entrar para o escritório, era a festa de Natal na casa de um dos sócios majoritários. Estávamos no salão principal e eu a vi. Ela usava um vestido amarelo que.. Minha nossa. Era a mulher mais bonita do salão. Talvez fosse a mulher mais linda que eu já tinha visto na vida. Boa parte das mulheres tenta ser exagerada para chamar atenção. Um vestido muito chamativo, uma maquiagem muito trabalho fala mais alto ou mais sugestivamente. Todas essas são ferramentas à sua disposição. Mas Piper era diferente. Ela era sensual de um jeito quieto. E quando me olhou, seu olhar foi tão penetrante que senti derretendo. À primeira vista, pensei que ela fosse até a esposa troféu de algum ricaço da festa. Foi com essa atitude que me aproximei dela. E foi provavelmente por causa dessa atitude que ela passou a me odiar com todas as suas forças. E quando Piper odeia alguém, ela realmente odeia. Acho que é isso que a faz ser tão boa advogada: ela é intensa com tudo.
Fiquei deslumbrada como uma criança diante de uma loja de brinquedos na primeira vez que a vi em uma audiência. Ela dominava o ambiente com tanta segurança que até o juiz parecia precisar pedir licença para interrompê-la. Era tão inteligente, culta e sagaz que fiquei curiosa.
E foi aí que comecei a conhecê-la melhor. No escritório, não faltavam apelidos para a poderosa Chapman. E nenhum deles era carinhoso. Ela tratava todo e qualquer colega com desprezo e superioridade. Acionava na justiça qualquer um com quem tivesse o mínimo problema. Eu, inclusive. Em mais de uma ocasião. Era rude e mal-educada. Ambiciosa do pior jeito. Era fácil odiá-la. Fácil até demais. Era quase como se ela quisesse que todos fizessem isso.
Logo toda sua beleza, sagacidade e competência perderam o brilho perante meus olhos. E eu passei a trocar ofensas veladas quando estava na sua frente e xingá-la dos mais baixos nomes assim que se virava de costas.
Havia algo escuro e podre em sua alma. E eu não queria nada daquilo perto de mim. Já tinha experimentado podridão suficiente em minha vida.
E então aquele dia no fórum aconteceu... E eu... Eu fiquei curiosa de novo.
Comi algo que podia ser preparado rapidamente e olhei para Max.
Passei os dedos em seu pelo.
- Um banho, amigão?
Ele me encarou com seus olhos castanhos e tristes. Ele não gostava de banho. Mas que cachorro gosta?
Peguei os produtos dele de um armário na garagem. Piper realmente estava levando a missão mudança à sério. A casa estava ficando impecável.
Sem querer, me peguei levantando a cabeça para observar a janela do meu quarto.
Tinha ido longe demais.
Droga.
Eu a beijei quando ela não queria ser beijada. Sacudi os cabelos com força. Tinha entendido tudo errado. Os toques, os olhares, os sussurros. Achei que ela queria também. Achei que era ciúmes o que eu tinha percebido quando liguei para dizer que tinha um encontro
Achei que ela queria me ver nua do telhado por desejo.
Belo dom de interpretação o meu.
Entendi tudo errado ou talvez tenha entendido exatamente o que ela queria que eu entendesse. Não seria tão estranho assim se ela estivesse só brincando comigo, seria? Quero dizer, seria uma vingança bem típica dela, na verdade.
Eu podia ter imaginado isso antes. Mas ver aquele corpo rebolando de um lado para o outro naquelas roupas curtas e leves estava prejudicando meu raciocínio. E quando ela montou em mim para tirar aquele pedaço de pizza da minha boca eu pensei que fosse ter um orgasmo. Droga. Eu sou uma moça decente. Mas sou só uma lésbica ainda assim, não sou?
E mesmo antes do dia do fórum, mesmo quando eu sentia nada além de ódio por Piper, mesmo assim, aquele desejo latente sempre esteve ali.
Várias vezes eu menti para mim mesma. Eu ignorei e disfarcei. Mas se em qualquer um desses dias ela tivesse tirado minha roupa e dito "agora", eu teria ido. Era além da razão: eu queria experimentá-la. Deve ser assim que uma atração física absurda funciona.
Nesse ponto eu já estava sorrindo sozinha, me lembrando de quando ela ficou nua na minha sala. Ela achou que eu queria transar com ela em troca de não espalhar o vídeo. Se eu tivesse um pouco menos de moral, só um pouco menos, teria caído de boca naqueles seios perfeitos. Teria puxado aquela cintura linda para mim e a teria possuído vorazmente. Experimentado sua umidade, seu calor, sua saliva.
Meus olhos estavam fechando e eu senti meus dedos tocando minha boca: Arranhei meu rosto afastando o pensamento e liguei a torneira. la jogar o jato de água da mangueira em cima de mim quando lembrei do celular no meu bolso.
Tirei a camisa e a enrolei no celular em um canto do jardim. Nem pensar em deixá-lo na mesa da cozinha. Piper acordaria e iria direto destruir o aparelho inteiro. Segurei o celular sentindo a indecisão.
Eu ainda não conseguia acreditar que a tinha visto se masturbando. Era tão completamente surreal. Chegar em casa e dar de cara com essa mulher maravilhosa, nua e molhada, gemendo de prazer.
Se eu não fosse atraída por ela antes, essa cena, definitivamente, mudaria tudo.
Queria tanto ter coragem para ver o vídeo. Queria muito. Mas a verdade é que eu tinha ficado mais envergonhada de vê-la se masturbar do que do fato de ela ter me visto na mesma situação.
Joguei água gelada no meu corpo.
Eu só queria me deitar em algum lugar, fechar os olhos e relembrar aquele beijo. Aquela boca macia, a pele suave e o calor... Um fogo que só ela pode apagar e que agora estava desconfortavelmente preso nas minhas entranhas.
Eu a queria mais naquele momento do que antes do beijo.
Isso não era bom.
Precisava me concentrar.
Precisava me distrair.
Precisava aceitar que tinha entendido errado e que não era isso que ela queria.
Eu sempre podia devolver o vídeo de uma vez e mandá-la embora.
Pelo menos eu não teria que ver aquela bunda e aquelas coxas naquele short minúsculo por nem mais um insuportável dia.
Mas ela não me quer.
Eu teria que apagar o fogo de outro jeito.
(...)
Por Piper
Fui dormir me sentindo uma adolescente de dezesseis anos, insegura e excitada, e acordei me sentindo uma menina de doze, sem a menor ideia do que deveria fazer a seguir.
Era sábado, o que significava que era melhor resolver logo o que iria fazer porque seria um dia inteiro de Vause.
Max estava latindo do lado de fora. Levantei com dificuldade e fui trocar de roupas, escovar os dentes, pentear os cabelos... Meu tornozelo parecia um pouco melhor. Era meu braço que ainda me preocupava. Com os latidos de Max como trilha sonora, eu fui até a janela e puxei a cortina.
Ele estava no quintal de trás, com o pelo coberto de espuma. Alex o segurava, tentando mantê-lo quieto. Seu short estava encharcado e ela estava sem camisa e com o top. Exatamente o que eu precisava...
- Quieto, Max. Comporte-se - puxou a mangueira para enxaguá-lo, mas a cria de Belzebu, como sempre, estava se recusando a cooperar e logo Vause tinha mais água sobre si mesmo do que sobre o cachorro.
Soltei a cortina e dei um passo para trás. Se a história me ensinava alguma coisa era que se eu continuasse a observar seus seios e barriga molhada, Alex, inevitavelmente, me pegaria no ato e aí se seguiria uma sequência interminável de aleatoriedades incompreensíveis ou eu me jogaria para trás, com vergonha e quebraria a outra metade do meu corpo, ou abriria a janela para tentar explicar o que estava fazendo e iria fazer algum comentário completamente inapropriado ou simplesmente ia sorrir e ir embora e passar o resto do dia com Alex rindo da minha cara semidisfarçada e odiando a mim mesma por ter dado tão mal com a situação.
Não, obrigada. Hoje, eu poderia passar sem nenhum incidente.
Depois que coloquei tudo de que precisava em cima do balcão da cozinha, pude preparar o café devidamente sentada em um banquinho alto. Pelo prato sujo de bolacha e a xícara de café, pude perceber que Alex não tinha se alimentado tão bem assim. Vamos lá, Piper. Vamos mimá-la um pouco e ver se há como voltar atrás.
Derreti algumas fatias grossas de queijo e fiz ovos mexidos. Até enfeitei os pratos com frutas. Minha nossa... Eu devia estar realmente gostando daquela mulher.
Empurrei a porta que dava para o quintal traseiro:
- O café está pronto. Ela levantou o rosto surpresa, o que fez com que fosse pega desprevenida por um Max molhado e brincalhão. - Bom dia - acrescentei.
Ela segurou o cachorro, que pulava, pelas patas da frente e o colocou de volta no chão.
- Você não devia ter levantado! - Desligou a mangueira e jogou uma toalha em cima de Max, depois que o cão tinha se sacudido espalhando mais água. - Eu ia levar para você. Só não sabia se estava acordada.
- Estou bem. - sorri. - Venha de uma vez - ordenei com um gesto.
- Nossa! - exclamou assim que entrou.
- Para agradecer por ter salvado minha vida - brinquei. - Mas é melhor você se secar. E vestir uma camisa. E nem pense em colocar esse cachorro para dentro.
Eu mandei ela vestir uma camisa?
Por que diabos eu tinha feito isso?
Perdi o juízo?
Ele disse um "Sim, senhora" e saiu do meu campo de visão por alguns segundos. Voltou se secando com uma toalha e com uma camisa nas mãos.
- Acho que quero salvar sua vida mais vezes - comentou, servindo-se de um pouco de tudo. Você não quer subir no telhado de novo?
- Depende. Você vai se masturbar no banheiro?
Piper! Não. Isso não foi legal.
Ela estava tossindo, engasgada com o suco de laranja, e eu devia estar ficando vermelha.
Certo. Vamos respirar fundo e reassumir o controle. Primeiro, você não fez nenhum comentário safado que nunca tenha feito antes. Foi só uma piada sobre a sexualidade dela e a sua. Por que está com vergonha disso? E segundo, não era esse o plano? Deixar claro que você ainda está a fim dela?
- Você não devia começar a me provocar tão cedo - riu. - É maldade.
Ela levou na brincadeira. Ótimo.
Aliás... será?
- Não posso evitar, Alex. Você me dá muitas oportunidades - disse.
Minhas palavras saíam casuais e descontraídas, mas por dentro eu era um poço de lava venenosa e explosiva girando em um turbulento redemoinho. O que Alex Vause estava fazendo com minha auto confiança? - O que vai fazer hoje? - perguntei, e talvez minhas segundas intenções tenham ficado estupidamente claras.
- Não sei. Acho que preciso adiantar um pouco do trabalho.
Ou talvez não.
- Quer ajuda?
Vause arregalou os olhos para mim.
- Com certeza - exclamou impressionada. Mas... Você não vai me cobrar ou algo assim, vai?
- Não em dinheiro, Alex. Mas você vai ter que pagar pelos meus serviços.
- E não é sempre assim com você?
Havia algo estranho no seu tom de voz e eu não consegui definir exatamente o que seria. Ela estava dizendo que, de um jeito ou de outro, as pessoas sempre tem que me pagar. Se estivéssemos no escritório eu diria que ela estava me ofendendo indiretamente, como era o padrão da nossa relação. Mas ela tinha acabado de me beijar na noite anterior. E foi um beijo de verdade. Ela não podia simplesmente desligar um botão e voltar a simplesmente acreditar que eu sou uma vadia egocêntrica, podia?
Bebi um gole do meu suco e notei que ela me observava por cima.
Desviou o olhar assim que o encarei de volta.
Na verdade, ela podia sim. Eu sempre fui uma vadia egocêntrica e se ela tivesse encontrado o botão para desativar o carinho que sentia por mim - ou pelo menos, que eu achava que ela sentia, a atitude mais racional seria, de fato, desativá-lo.
Terminamos o café em silêncio. Certo, então nós não íamos conversar sobre o beijo. Acho que, às vezes, ignorar é uma atitude adulta também. Foi um longo caminho do champanhe barato na minha sala antes de sua mudança até o beijo da noite anterior. Mas hoje ela parecia diferente. Como se eu já não a afetasse mais. Comecei a me perguntar se algum dia eu a teria afetado. Talvez ela só estivesse com tesão.
Eu podia ter imaginado o carinho. Só o que havia era tesão.
É, Piper. Ela queria te foder. Viu que não podia e desistiu. É só mais uma.
- Vou trocar de roupa. Obrigada pelo café. Deixe tudo ai que eu limpo, sim?
Eu devo ter balbuciado um "tudo bem".
Vause era só mais uma pessoa que queria me foder.
Nunca me incomodei com a ideia de que alguém quisesse me comer. E a palavra é essa mesmo: "comer". Fazer amor, sexo e até transar é o que você faz com quem você tem um relacionamento. Quem te come é aquele desconhecido na balada, é aquela pessoa que se excita só de pensar em você e que não quer mais nada a não ser meter com força e depois te deixar suada, exausta e muito, muito, satisfeita.
De um modo geral, as mulheres consideram isso um elogio. Um que elas sempre recebem de um jeito esnobe e que, muito frequentemente, acabam recusando. Eu não ligo pra essas pequenas hipocrisias do cotidiano. Se um cara ou uma mulher quer me comer é porque ele/a me acha gostosa e isso é um elogio. Se eu achar ele gostoso/a, quero comer ele/a também e tudo dará certo.
Mas por algum motivo, a ideia de que Alex só quisesse me comer estava me incomodando. Eu queria que ela voltasse a me tratar com carinho. Queria que ela sentisse vontade de me beijar só por me beijar.
Mesmo que aquilo não levasse a mais nada. O que, obviamente, não era o que estava acontecendo, dada a sua óbvia desistência.
(...)
- Ahmm... Piper?
- Chamou?
Voltei para a cozinha e quase esbarrei de frente com Alex. Ela me segurou pelos braços e me apoiou para que eu pudesse liberar o peso do meu pé. Segurei seus braços sem nenhuma intenção de largá-la.
Ela tinha terminado de lavar a louça e a cozinha estava um brilho. O que lhe faltava de habilidades culinárias lhe sobrava de habilidades com limpeza. E eu me peguei me perguntando como sua casa tinha conseguido ficar tão infernalmente bagunçada. Talvez a sujeira tivesse sido, de fato, especialmente para me irritar. terminado de lavar a louça e a cozinha estava um brilho.
- Será que você poderia me explicar uma coisa - ela tinha diversão estampada no sorriso, e eu soube imediatamente que havia algo errado.
- O que foi?
- Não sei. E só que... Não me parece seu estilo.
Ela levantou o conjunto de roupa íntima de arco-íris e eu revirei os olhos para ela.
- É da vizinha – tomei o conjunto das suas mãos.
- Ahmm... - seu queixo caiu e ela ficou assim por uma fração de segundo - Por que temos roupa íntima da vizinha em casa? A pessoa... Que você ficou no sofá... Foi...
Não consegui não rir.
- Não, Vause. Foi com um homem que eu fiquei naquele dia. Não que seja da sua conta, mas já fiquei com mulheres, se você precisa saber. Em mais de uma ocasião.
Seu queixo continuou caído. Ela estava imaginando. Isso mesmo, meu bem. Me imagine nua com uma mulher.
- Fui fazer compras com o pessoal da vizinhança. A sua vizinha aí do lado comprou isso e veio junto com as minhas coisas. - Achei melhor resumir a história. Ela não precisava saber que eu tinha humilhado a menina na frente do seu namoradinho.
- Tudo bem. Você já ficou com mulheres - ela tinha esquecido completamente do sutiã da vizinha - Será que eu posso conseguir um vídeo disso também?
- Ha ha - mostrei a língua pra ela.
- Você faz isso um bocado - apontou. - Mostrar a língua pros outros.
- Não é pros outros - reclamei.- É só pra você.
Acho que eu a ouvi murmurar um "Ah, bom" antes de sair.
O trabalho que Vause precisava fazer exigia quase nenhuma ajuda.
Ela conseguiria terminar tudo sozinha e bem rápido. Parte de mim achou que ela tinha usado o trabalho como uma desculpa para não ter que me encarar durante o fim de semana e, depois de quase uma hora trancada no escritório com ela, percebi que estar tão perto dela e, ao mesmo tempo, tão longe, não estava fazendo bem para minha saúde.
Andei até o quintal da frente e cruzei os braços. As latas de lixo estavam vazias. Tanto as comuns quanto as de reciclagem.
Meu olhar seguiu sozinho para a casa de Lorna.
Eu posso fazer isso.
Voltei para casa e comecei a separar o lixo: metal, papel, vidro e plástico. Proteção ao planeta à parte, era até uma tarefa divertida. E mantinha a mente ocupada.
- Criou uma consciência foi?
- Porra! Você precisa parar de fazer isso.
- Fazer o quê?
- Se aproximar dos outros de fininho e gritar algo em seus ouvidos.
- Não me aproximei de fininho e não...
- Sua lingerie ainda está comigo - mudei de assunto. Acho que Lorna poderia se considerar a primeira pessoa do universo com a qual eu odiava discutir. - Na verdade, todas as suas compras do outro dia.
- Quando eu terminar isso aqui, vou pegar para você.
- Não tem pressa. - Tinha algo de envergonhado em sua voz.
- Olha, se você achou aquela porcaria de sutiã bonito não tem porque se envergonhar.
- Será que você pode parar de ser grossa?
- Não estou sendo grossa, garota. Estou sendo objetiva. É diferente.
- É grosseria para mim - reclamou.
- Porque você é virgem. Eu entendo, mas olhe.
Ela emitiu um rosnado incompreensível e foi embora. E eu era grossa?
Lorna entrou batendo a porta e eu fiquei parada encarando sua casa.
Se a teoria de Vause fosse verdade, ela também teria um motivo para ser tão impossível daquele jeito
Talvez fosse um motivo parecido com o meu. Odiava isso, mas desde a revista em quadrinho, eu não conseguia mais olhar para aquela garota sem pensar em mim mesma.
Eu podia tentar fazer algo por ela. Teria que sair da minha zona de conforto, mas poderia ajudá-la. A pergunta era: será que valia a pena insistir? Mesmo que a primeira vista ela fosse insuportável?
Respirei fundo e voltei para dentro de casa.
Aquilo não ia acabar com Vause me amando ou com Lorna virando minha melhor amiga.
Estava ali só para arrumar a bagunça de Vause e ir embora. Voltar para a minha vida. Já tinha me metido em confusões demais. Era melhor eu me lembrar dos meus objetivos e voltar a me concentrar neles.
Ou então ia só gastar energia.
(...)
Por Alex
O trabalho era pouco, mas eu não conseguia me concentrar em nada. Não conseguia decidir se Piper estava interessada ou se estava apenas brincando comigo. Aquele beijo ficava girando na minha cabeça e eu não conseguia adiar nem mais um segundo.
Ela disse que ia se deitar, mas não estava no quarto. Ao invés disso, a encontrei sentada no sofá da sala de estar, lendo.
- Você sumiu.
- Estava separando o lixo para reciclagem e parei para conversar com Lorna.
- Reciclagem e contato social com uma vizinha... Você é um extraterrestre que substituiu Piper, não é?
- Você está pedindo para eu te mostrar minha língua mais uma vez. - Uma única menção à sua língua e eu tremi. Eu queria aquela língua de novo. Muito.
Ela estava estirada no sofá com o pé machucado esticado nas almofadas. Me sentei ao seu lado, empurrando-a gentilmente para que ela apoiasse as costas nos meus braços. Tomei cuidado para não abraçá-la do jeito que eu queria, mas, naquela posição, estava sendo um verdadeiro desafio.
- Como está o pé?
- A mesma coisa. O braço está doendo mais.
Toquei seu braço com cuidado. Os hematomas ainda estavam lá.
- Precisa de alguma coisa? Mais analgésicos? Se quiser, posso te levar ao hospital de novo.
Ela baixou o livro e se virou para me observar. Agora ela estava praticamente no meu colo, e eu passei um dos braços ao seu redor.
- Estou bem. É sério.
- O que está lendo? - Eu sabia que ela estava lendo e que eu estava sendo irritante. Mas precisava puxar assunto. Precisava conversar. Precisava... saber.
- Um livro - riu.
Puxei o livro de suas mãos.
- Hey!
- "Um homem acusado injustamente de estupro passa a viver à margem da sociedade e a perder progressivamente sua humanidade, acabando por se tornar um serial killer". Então... Nada de revista de moda pra você, hein?
- Sou eclética - ela chiou, pegando o livro de volta.
- É tipo Dexter?
- O seriado?
- É.
- Dexter é bonzinho, um anti-herói. Ballard é um necrófilo, sociopata, doente.
- Nossa. Literatura leve, hein?
- Como disse, sou eclética - ela disse virando-se de volta para o livro e me empurrando de leve com o cotovelo. Eu estava ficando louca por aquele jeito dela. Louca.
- Está bom?
- Até a metade estava achando um dos piores livros que já li. Considerei desistir, mas...
- Mas?
- Ficou estupidamente bom de repente. Talvez um dos melhores livros que eu já tenha lido. - Encarei aquele comentário como uma oportunidade.
- Hmm. Acho que vale a pena a gente insistir em certas coisas, então, não é? A gente pode se enganar de primeira.
Ela estava virando uma página e eu deixei que meu tom sugerisse que eu queria dizer mais do que minhas simples palavras significam.
- Talvez - ela se moveu contra meu peito procurando uma posição mais confortável e pelo jeito como se aninhou contra mim, imagino que tenha encontrado. - Mas, às vezes, algumas coisas simplesmente não têm solução e é melhor a gente continuar do jeito que está
- Mas, se você tentar, pode se surpreender, não? Pode descobrir que a segunda metade da história fez tudo valer a pena.
- Mas também pode acabar gastando todas as suas energias com uma coisa sem solução. Gastar tempo que seria melhor empregado em seus verdadeiros objetivos do que com uma coisa que... Só vai te tirar da sua zona de conforto e... Para quê?
- Porque o risco pode valer a pena. Pode ter algo incrível te esperando no final. - Ela não tirava os olhos do livro e eu aproveitava a oportunidade para observar seu rosto. Cada linha. Ela era uma mulher linda. Uma mulher linda que não me queria.
- Eu acho que se você está bem como está, tentar inovar é perda de tempo.
Senti alguma coisa dentro de mim murchar. Precisava ter certeza.
Puxei Piper para mim. Meu nariz estava quase tocando no dela,
- É isso que você acha?
Eu a encarei e vi seus olhos azuis se arregalarem.
- Alex... Eu...
- Você também me beijou, Piper.
- Alex.
- Você me beijou e foi só... Perda de tempo para você?
- Não foi isso que eu quis dizer. Eu estava pensando em... - De repente, eu percebi que o problema estava resolvido. Minha dúvida estava esclarecida e eu não queria ouvir nem mais uma palavra. Aquele era o tipo de discussão que só ia insuflar ainda mais o seu monstruoso ego. Sim, eu estou louca por você. Quero te abraçar, te beijar e fazer amor com você.
E você. Você não dá a mínima.
- Me desculpe por ter me esquecido - disse levantando, e deixei que ela voltasse ao seu livro. - Você só está aqui por causa do vídeo. E tudo com o que você é capaz de se importar: você mesma.
Assim que cheguei às escadas já estava sentindo um gosto amargo de arrependimento na boca. Fui cruel. Eu a tinha chantageado para que viesse até aqui, não foi? E agora estava exigindo que ela sentisse por mim o mesmo que eu sentia? Era injusto.
Mas eu já tinha massageado o seu ego o suficiente por uma noite sem ter que voltar para assumir que estava arrependida. Hoje, eu ia ser infantil.
Precisava extravasar. Tinha Piper atravessada na minha garganta.
E aquele maldito fogo que ardia por dentro, consumindo tudo que eu tinha para dar. Estava morrendo de raiva. Sabia que era irracional, mas não se discute com raiva. Só se age. E eu tinha um fogo que precisava ser apagado. Se não por Piper, por outra pessoa.
Do jeito que eu estava, qualquer mulher teria que servir.
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