Eu nunca fui adepta de sadomasoquismo. Mas isso mudou, e muito, quando conheci Danfrey. Nós participávamos avidamente da Igreja. Ele era vocacionado, futuramente entraria no seminário. E acólito. Eu era da equipe de liturgia, leitora. Nossos grupos eram bem distintos, mas tínhamos um bom contato.
Éramos amigos.
Quase sempre marcávamos algo com a turma da igreja. Tocar violão, assistir um filme, tomar um tereré, jogar bola, algo assim. Foi numa dessas reuniões que, digamos, nossa intimidade aumentou – e intimidade é uma merda, eu costumava repetir. Sempre fomos de fazer gracejos com os amigos e, numa piadinha bem inconveniente, eu o soquei no ombro – de fato, nele não ardeu nada, mas os nós dos meus dedos ficaram estarrecidos de dor. “Vai ter volta”, ele disse.
E teve.
Num descuido e PÁ! Seus dedos grandes e longos deixaram uma marca roxa em minha coxa. E ele sorriu vitorioso quando meus olhos encheram de água – mas não me permiti derrubar uma lágrima. Só me lembro de voar em cima dele e arranhá-lo onde podia.
Depois desse dia, parece que as coisas realmente desandaram. Nosso cumprimento passou a serem tapas, breves apelidos, e qualquer coisa que estivesse à mão e pudesse ser jogada e acertada. Perdi as contas de quantas vezes ele me acertou com o cabide da roupa ou tentou derrubar cera quente em mim.
Claro, essas coisas não eram vistas. Nós ainda éramos referência, mas tudo fachada, as agressões amigáveis e consentidas se tornavam mais frequentes e mais perigosas – não era raro ele estar com os braços arranhados, vermelhos, com sinais de sangue. Tentávamos manter as aparências, mas alguns amigos sempre alertavam que estava saindo do controle esse nosso sentimento.
Eu não entendia bem por que agíamos assim. Não era nenhum sentimento negativista, a gente realmente se dava muito bem, mesmo que não nos abraçássemos ou qualquer coisa do tipo – já que ele chegou a namorar uma época e a garota era um poço de ciúmes. Também nunca ficamos, e, acho, que isso nem se passava pela mente dele. O fato era que a gente se sentia bem com nosso tratamento recíproco.
Houve, entretanto, uma cena de demonstração de carinho pública. Era um dia de festa na nossa igreja. A Missa tinha acabado e estávamos saindo para nos trocarmos. Eu sorri orgulhosa para ele, que retribuiu. Mas, então, seu sorriso tornou-se maquiavélico e eu só senti suas mãos ao redor de meu pescoço, apertando-o para me sufocar. Grudei minhas unhas em sua nuca, fundo, sentindo as coisas ficarem mais leves e turvas, não por falta do oxigênio, mas pelos seus lábios que selavam os meus.
Foi o primeiro contato. E foi proibido. Sua batina de acólito, desde então, guarda nossos pecados, seu sangue e meu pudor.
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