Estava quase adormecendo quando os garotos vieram até mim ofegantes. Alex servia de apoio para Matt, que andava com uma perna fora do chão. Ele sorria mas parecia sentir dor.
- A madame caiu? - perguntei me levantando.
- Nah, me joguei no chão.
- Ele tentou fazer uma jogada de profissional e conseguiu torcer o pé, é bem jumento - Alex explicou.
- Se eu tivesse como, te daria um chute agora palhaço.
- Vamos para casa então - falei me oferecendo como mais um apoio para Matt - alguém lembra o caminho? A gente andou tanto por aí que eu já me perdi.
Eles me olharam assustados e eu comecei a rir.
- Estou brincando gente.
Fomos até o carro, primeiro colocamos Matt para dentro no banco traseiro, onde ele poderia deixar sua perna esticada.
Fui para o banco da frente com Alex e dei partida no motor. Dei a ré e saímos da residência fazendo o caminho de volta. Estava muito escuro e eu não tinha muita noção de onde estava indo, estava sendo guiada por minha intuição, mas ela felizmente me levou ao lugar correto.
Chegamos na casa e descarregamos nosso Matt. Deitamos ele no sofá da sala, porém não tínhamos gelo para colocar em sua perna. Acabei molhando algumas toalhas na água na pia e enrolei todas em seu tornozelo levemente inchado.
Ele agradeceu a ajuda enquanto eu ligava a televisão para ele. Imaginei que ele não fosse entender nada do que era falado nos canais então abri a gaveta e procurei algum filme que ele pudesse assistir.
- Para a janta teremos maçã e laranjas das árvores la de fora, amanhã eu vou na feira comprar mais coisas... Tudo certo?
- Suave - Matt respondeu se ajeitando no sofá - vou olhar um pouco do filme e vou para o quarto depois.
- Tá... Qualquer coisa da um grito.
- Eu e a Jackie vamos dormir então - Alex falou passando seu braço em mim.
- Vocês vão é transar que eu sei - Matt debochou.
- Matt! - repreendi tentando conter a risada, apesar de ele estar certo.
***
O dia seguinte amanheceu com muito sol. Acordei animada quando lembrei onde estávamos. Fui direto para minha mala colocar uma roupa para passar o dia. Escolhi um macaquinho branco básico e de alça fina. Nos pés coloquei uma sandália de tiras marrom e meus cabelos deixei soltos. Fui para a cozinha e não encontrei ninguém acordado ainda. Como a casa ficava linda durante o dia!
Abri todas as portas e janelas para que o sol entrasse a vontade. O sol batia nos ladrilhos quadrados vermelhos do chão e deixava o ambiente de paredes brancas muito agradável.
Fui até o automóvel que estava estacionado na garagem e dirigi por 15 minutos até a feira mais próxima. Eu dei a sorte de ir até lá justamente no dia de exposição de produtos coloniais. Com dinheiro em mãos, comprei no primeiro mercadinho o básico para nos mantermos, e saindo dali fui para a feirinha comprar alguns queijos, linguiças e geleias. Encontrei pão caseiro e torta de uva em uma banca de um casal de idosos.
Quando entreguei o dinheiro de minhas compras para eles, sem perceber falei em voz alta como estava bom o cheiro da torta.
- É feita com as melhores uvas daqui de Nantes - ela falou segurando minha mão - assim que você quiser pode passar em nossa casa que damos com prazer um desconto para você.
Ela era tão gentil que não pude recusar. Ainda me entregou uma pequena cesta com algumas uvas para que pudesse provar.
- Você pode me dar o endereço? Vou passar lá com certeza!
- Sim sim, deixe-me anotar para você, só um momento - ela pegou um pedaço do jornal que estava lendo e anotou com rapidez - caso você não saiba como chegar até lá, pode me dar uma ligada antes que meu marido conhece Nantes melhor do que ninguém!
Agradeci com simpatia e me despedi dela, voltando ao carro. Estava com muitas frutas, comida e produtos caseiros.
Quando cheguei em casa, os garotos mesmo estavam acordando. Quando me viram, ajudaram a descarregar o carro e levar as compras até a mesa.
Fui até o rádio e coloquei o primeiro CD que encontrei. Era o CD Força Bruta, do Jorge Ben Jor. Minha família era grande admiradora de música brasileira.
- Uou - foi tudo que Matt consegui falar ao ouvir O Telefone Tocou Novamente.
Eu fazia meu melhor para cantar as mesmas frases da música mas falhava miseravelmente, já que falava 0% de português. Comecei a dançar no meio da cozinha enquanto ria, feliz com o clima que pairava por ali. Parei minha dança na metade quando lembrei que precisava fazer almoço para nós.
- Bom, eu comprei algumas coisas, e... Eu não cozinho muito bem, mas pensei em fazer uma massa com molho de linguiça, tudo bem?
- Meu Deus o interior tá tomando conta da Jacqueline, Alex faz alguma coisa com ela.
- Matt! - exclamei repreendendo - Ah, como está seu tornozelo?
- Bem melhor que ontem - sorri aliviada - mentira, não é pra tanto. Ainda me incomoda pra andar, mas da pra aguentar.
- Que azarado que você é cara - Alex comentou enquanto vinha me ajudar a preparar o almoço. Matt precisou permanecer sentado.
- As vezes eu me sinto a mãe dele - falei rindo.
- E eu o pai - Alex completou. Matt apenas mostrou o dedo do meio para nós e voltou sua atenção para o rádio.
***
Mais a tarde, quando estávamos sem nada para fazer, decidi ir com Alex até a casa da senhora da feira para buscar algumas uvas e agradecer pela gentileza dela comigo. Deixei que Al dirigisse dessa vez, enquanto eu me encarregava de verificar o caminho. Tivemos que parar para pedir informações quando eu não sabia mais para qual lado ir, mas enfim encontramos.
Era uma casa simples de material, claramente antiga e com extensas parreiras de uva. Buzinamos e aguardamos por alguma resposta. Enfim a senhora saiu pela porta, enquanto olhava o carro confusa.
Desci do automóvel e abanei para ela, que assim que me viu, sorriu.
- Oh, você veio! - ela chegou até mim novamente segurando minha mão.
- Claro, não deixaria de passar aqui por nada! Aliás, não me apresentei mais cedo, eu sou Jacqueline.
- Oh, eu sou Geneviève, meu marido lá dentro é François. E você? - ela perguntou se dirigindo a Alex, que me olhou confuso sem entender o que ela falava.
- C’est Alex, Alex Turner - expliquei em francês - meu namorado.
- Ah, que lindo. O amor na juventude é a coisa mais linda! Venham, deixem-me oferecer alguma coisa para vocês.
- A senhora não precisa se preocupar conosco, nós viemos comprar algumas uvas.
- Sim, mas antes comam algo. Fiz esta tarde a melhor torta de chocolate.
Entramos na casa do casal, que era simples mas muito bonita. Os móveis eram antigos, e eu automaticamente me senti transportada para uma outra época.
Fomos levados até sua sala de estar, com lindos sofás beges e nos sentamos ali enquanto ela trazia torta e chá para nós. Cumprimentamos o marido dela que estava sentado em uma poltrona assistindo televisão.
- Alex é inglês - expliquei para a senhora.
- Ah, agora entendo. Você viaja muito para encontrá-lo?
- Não, eu vivo em Sheffield também. Eu nasci aqui na França mas me mudei nova para o Reino Unido.
- Que pecado - ela falou rindo - eu não conseguiria sair daqui por nada nesse mundo.
- Eu sinto falta também, mas acabei me adaptando. Nós viemos passar o final de ano na casa da minha família, que fica alguns minutos daqui.
- Ah o final de ano aqui é lindo, a praça fica lotada e é uma festa que só! Que saudades.
- Poxa, nem sabia que faziam essa comemoração na praça.
- Sim, vem de anos já. Eu nunca mais fui, já estou muito velha e sem a energia - ela riu tomando seu chá - mas é lindo. A cidade toda se reúne e faz festa até o amanhecer.
- Ah, acho que nós vamos para lá então - segurei a mão de Alex que estava com cara de paisagem.
Conversamos por mais alguns minutos, enquanto tomamos o delicioso chá e comemos torta. Após muita conversa, Geneviève nos guiou até às uvas, que estavam em extensas parreiras e em enorme quantidade. Ela nos liberou para colher todas que quiséssemos e assim que prontos procurar por ela para acertar o pagamento.
Comecei a andar com Alex, olhando para os lados e morrendo de vontade de sair comendo todas as uvas que vi pela frente.
- Ela é legal não é? - Alex falou.
- Muito! Uma pena vocês não conseguirem conversar.
- Nem se preocupe, prefiro mil vezes passar a tarde ouvindo você falando francês do que conversando - ele riu e posicionou seu braço em meus ombros - uma pena Matt não poder nos acompanhar.
- Verdade... Mas eu gosto de passar um tempo somente com você sabe?
- Eu também, por um lado eu fiquei um pouco irritado por ele ter vindo junto. E agora que ele machucou aquele tornozelo a gente vive em função dele.
- Eu falei, a gente está virando os pais dele - nós rimos e continuamos a andar - Al eu estou achando você muito calado ultimamente. Aconteceu alguma coisa?
- Hun? - ele fingiu não entender mas vi que o peguei de surpresa - não, não.
- Alex - eu respirei fundo - é por causa daquelas fotos não é?
- Não... Quer dizer sim... Eu só, porque você não me falou?
- Al, eu descobri isso somente lá. Eu não fazia ideia.
- Mas porque quando você voltou também não me falou?
- Eu não achei que fosse relevante naquele momento. E eu tentei falar com você enquanto estava por lá, mas você sumiu. Você nem se despediu de mim, e eu quase morri naquele avião!
- É, me desculpe por isso. Eu achei que tinha te assustado aquele dia e, achei que você precisava de espaço ou talvez não quisesse mais falar comigo.
- Alex por que motivo nesse mundo eu faria isso? Logo eu que te perseguia antes da gente sair.
- Você não me perseguia - ele falou em minha defesa.
- Olha segundo aquela peituda Heidi sim, ela disse naquela viagem para Liverpool que se alguém quisesse me encontrar era só procurar por você que eu estaria atrás - falei rindo mas no fundo magoada.
- Ei você não me contou dessa parte. E eu achei que eles pensavam isso de mim na verdade.
- Estamos bem então? - falei parando de andar e segurando sua mão.
- Sim, sem mais ressentimentos - ele me beijou e voltamos a nossa atividade.
***
Uma vez prontos, fomos até Geneviève, que não percebeu que nós a vimos nos espiando por sua janela. Assim que chegamos até ela, pagamos por nossas uvas e indo embora, ela nos alcançou com uma sacola em mãos.
- Um presente para os pombinhos - ela disse entregando uma sacola com uma garrafa de vinho - espero que gostem.
Ela sorria com sinceridade e, não conseguindo me conter, dei um abraço apertado nela. Ela me abraçou de volta com força e assim que me desvencilhei de seus braços, ela grudou em Alex.
- Au revoir, au revoir - ela abanava para nós.
Chegamos em casa após uma volta tranquila e sem pressa. Desci do carro com Alex, que me ajudou a levar as coisas. Entramos na casa que estava em completo silêncio.
- MATT, TEM UVA AQUI - berrei esperando por sinal dele. Silêncio.
- Eu vou atrás dele, deve tá dormindo.
Alex saiu pela casa a procura de Matt e eu comecei a lavar as frutas para que pudéssemos comer. Alguns minutos depois Al estava de volta, porém sem Matt.
- Ele não está aqui.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.