Acordei na manhã seguinte com minha cabeça doendo horrores. Assim que meus olhos abriram, levei alguns segundos até me lembrar novamente da noite anterior, e em seguida me veio um sentimento de arrependimento, ou tristeza. Era difícil distinguir.
Era domingo, eu não queria, mas precisei levantar. Amanhã eu estaria viajando e precisava deixar tudo pronto. Tirei minha mala do armário e comecei a separar as roupas.
Minhas maquiagens, que eram poucas, guardei em uma bolsinha. Ainda faltavam produtos aleatório que fariam falta, como lenços umidecidos, pente para cabelo, presilhas. Deixei tudo organizado nos mínimos detalhes.
Procurando por meu espelho de bolso, comecei a revirar as gavetas da cômoda, porém não achei. Busquei pelo criado-mudo que estava cheio de bagunça, e revirando, encontrei o espelho que procurava, e uma carta, escrita por Alex para mim no meu aniversário ano passado.
If it's true you're gonna run away
Tell me where
I'll meet you there because
The day after you stole my heart
Everything I touched told me it would be better shared with you
- Alex
Peguei aquele pedaço de papel, com lágrimas nos olhos, e guardei dentro do meu exemplar de Shirley, livro da Charlotte Brontë, que estaria levando comigo para a viagem.
Sentei em minha cama um pouco cansada, e comecei a relembrar a noite de ontem. Depois de tudo que aconteceu eu resolvi ir embora.
Logo após Matt me contar sobre a mudança para Londres, fiquei um pouco incrédula. Como assim mudança? E ainda por cima, para Londres? Quando Alex pretendia me contar?
Fiquei em choque por alguns segundos, e ao tomar forças para falar alguma coisa, o próprio Alex saiu de dentro do bar, procurando por mim. Ele me encontrou rapidamente, de frente para Matt, que ainda estava com o pacote de presente nas mãos.
- Jackie o que você... - interrompi suas palavras com um surto de raiva.
- LONDRES?
- O que?
- LONDRES ALEXANDER? - acho que era a primeira vez que me referia a ele por seu nome completo.
- Como você sabe disso? - ele olhou para Matt, que nem teve a chance de se defender.
- ESSA É A SUA PREOCUPAÇÃO?
- Jackie, não precisa gritar, eu posso explicar.
- Explicar o que Alex? - diminui meu tom de voz, já com lágrimas nos olhos - não tem o que explicar aqui.
- Jackie eu juro, se você me deixar explicar você vai ver que tem uma explicação e motivo.
- E quanto às outras coisas Alex? - Matt estava paralisado ao nosso lado.
- Que outras coisas?
- Outras coisas tipo, o fato de ser impossível para você se desculpar por aquele surto de babaquice comigo, pelo seu comportamento com aquelas duas... Cachorras, lá dentro - apontei para a porta indicando Heidi e Anne - você me deixou para trás ontem, eu me senti um lixo. E agora isso... Se existe uma explicação tão boa para essa mudança, porque precisou esconder de mim?
- Eu não estava escondendo!
- Bom, eu não fiquei sabendo até agora! E não precisa descontar no Matt, ele, apesar de tudo, ainda tenta melhorar a situação pro seu lado, mas ele não tem culpa que você é um babaca! Eu cansei Alex, EU CANSEI!
- Jac...
- Não - fiz sinal para que ele não se aproximasse - eu to com muita coisa na cabeça... Eu não quero agora ter que ficar ouvindo desculpa esfarrapada. Eu vim aqui, apesar do que aconteceu, disposta a acertar tudo, acabar com aquele clima estranho entre nós. Mas você dando trela para aquelas duas coitadas lá dentro, deixando aquela mamute se esfregar em você, isso já é demais Alex. Eu não sou esse tipo de garota, que leva tudo na boa porque o bonito está ficando famosinho. Eu não sou idiota!
- Que viagem é essa Jacqueline, pelo amor de Deus... Você acha que eu vou dar corda pra alguma delas?
- A questão não é dar corda ou não. Você deixa elas se esfregarem em você na minha cara! Como você quer que eu me sinta com isso? Eu fico lá com cara de idiota, porque você não tem a capacidade de dar um basta nisso. Aliás, eu não sei nem o motivo de elas estarem aqui para começar, você sabe o que elas falaram de mim e como ficam tentando me atingir!
- Eu não sei quem convidou elas, mas isso não vem ao caso. Eu entendo que você se incomode com a presença delas, mas não tem nada fora do limite Jac. Eu nunca faria nada disso com você, e você sabe. Me desculpa por ontem, eu estava estressado, mas você sumiu! Nem ao menos avisou que estava indo embora com outra pessoa!
- Cara, ela foi puxada por uma garota, e... - Matt começou a explicar.
- Matt, não precisa falar disso agora - ele se calou - Alex como você quer que eu tenha certeza absoluta que não vai acontecer nada quando eu estiver fora? Você já vai se mudar assim sem aviso, e na minha cara você deixa elas se esfregarem em você!
- Aí céus... Eu já falei e falo de novo, essa mudança tem um motivo, e eu ia te falar, na hora certa! E eu não entendo sua desconfiança, você vive dizendo que confia em mim. Droga Jacqueline, você vai viajar com aquele cara que não é tonto e com certeza vai tentar se fazer pra cima de você, mas eu não dei nenhum piti por causa disso!
- Isso não tem nada haver, é trabalho. E eu já cortei qualquer ideia dele de se jogar pra cima de mim.
- Jac você vai viajar com ele. Vai ficar em hotéis com ele, vai passar dias com ele. Ele é famoso, todo mundo sabe da fama de pegador que ele tem, ele tem dinheiro, tem tudo para persuadir quem ele quiser, e eu não surto com você por causa disso... Eu respeito seu trabalho, mas você acha que eu não me preocupo também?
- Nossa Alex - olhei para ele com reprovação - você acabou de descrever exatamente tudo o que eu procuro em uma pessoa, fama, dinheiro... Que bom saber que é essa visão que você tem de mim.
- Não foi isso que eu quis dizer - ele tentou se aproximar. Matt deu um passo para trás.
- Não Alex - empurrei ele com pouca força, largando em suas mãos o presente que ainda não havia dado a ele - seu presente de aniversário. Pode jogar fora. Boa sorte em Londres.
Naquela hora eu me virei e saí andando. Pude ouvir Matt pedindo que ele não me seguisse, e me desse um tempo para pensar em tudo. Realmente, se ele estivesse atrás de mim novamente, a situação poderia piorar.
Assim que dobrei na esquina e saí do campo de visão dos dois, desabei em lágrimas. Minhas mãos e pernas tremiam descontroladas e eu sentia que ia desabar a qualquer momento. Parei no primeiro bar aberto que encontrei e pedi para usar o telefone. Precisava chamar um táxi para ir embora.
Meus dedos estavam congelando de frio e não aguentava mais esperar para chegar em minha cama.
Meu táxi veio em alguns minutos. Quando cheguei no apartamento, Megan estava na cozinha usando seu notebook.
- Como foi a - ela falou e quando viu meu rosto, sua expressão mudou para preocupação - noite... Jac o que aconteceu?
Tentei me segurar, mas no momento que ela veio até mim, o que consegui fazer foi me abraçar a ela e chorar incontrolavelmente.
Tentei fugir do assunto falando que precisava ir tomar banho, mas Megan me levou até a banheira, fechou a cortina e se sentou no chão para que eu contasse tudo a ela.
Era tanta coisa guardada dentro de mim que foi impossível segurar tudo. Despejei tudo, desde o desentendimento na festa, até a noite de hoje.
Minha amiga escutou tudo com a maior atenção do mundo. Eu devo ter levado quase uma hora inteira para contar as coisas e também falar como eu me sentia com tudo isso.
- Você acha que a gente foi muito rápido? - perguntei lembrando que nós não tínhamos sequer um ano inteiro juntos.
- Não, de jeito nenhum. Vocês não se atiraram de uma hora para outra. Pelo que você me contou, parece que foi um processo demorado, até que vocês de fato admitissem que tinham sentimento um pelo outro. Olha tudo o que vocês já passaram juntos. Pode não ser tanto tempo como outros casais, mas Jackie, eu não conheço ninguém nesse mundo que te idolatre mais que aquele cara, sério. O jeito que vocês lidam com esse relacionamento... Vocês são jovens, eu sei, mas vocês não são inconsequentes. Eu acho, sinceramente, que essa briga de vocês foi por falta de comunicação.
- Você acha que ele está certo? - perguntei me sentindo um pouco traída.
- Sim e não.
- Como assim?
- Eu acho que vocês dois erraram e acertaram nisso tudo. Eu te dou razão nessa questão das garotas lá no Dev Cat. Eu também não aceitaria isso, mas quanto a mudança dele, você não deu chance para explicação.
- Mas...
- Eu sei, você gostaria que ele tivesse contado e não escondido, mas acho que ele queria mesmo esperar a hora certa. Essa notícia não é dada do nada.
Ela conversou comigo até a hora em que fui me deitar. Pensei em tudo o que ela disse, tudo o que aconteceu e como eu me sentia nessa situação. Esfriando a cabeça, eu ainda defendia alguns pontos em meus argumentos, mas reconhecia que deveria ter dado um pouco de voz a Alex. Porém, apesar de tudo, eu ainda estava irritada demais para procurar por ele.
Ainda em minha cama, após relembrar tudo, fui acordada de meu devaneio por Peter, que veio ao meu quarto perguntar se eu gostaria de pizza para o almoço. Concordei com um sorriso forçado e terminei o que estava fazendo.
Passei a tarde pensando se deveria ligar para Alex ou não. Meu celular permanecia desligado e o telefone da casa fiz questão de desconectar a linha.
Antes da noite mais uma vez conferi se estava tudo em ordem para a viagem. Satisfeita com tudo, fui para a sala de estar assistir um pouco de televisão. Coloquei um filme qualquer no aparelho de DVD e finalmente liguei meu celular. Suspirei e olhei para a tela. 3 ligações perdidas. Uma do Matt, duas da minha mãe. Nas mensagens, 1 de Matt, que dizia:
“Jackie você deve ter desligado tudo, mas me liga assim que ler isso. Escute o que o Alex tem para dizer, eu sei que você não quer ouvir e que deve estar louca de raiva. Não quis causar essa briga entre vocês, me desculpem.”
Fui para a próxima, não estava afim de ligar para ele agora. As mensagens seguintes eram de minha mãe, me perguntando coisas aleatórias sobre a viagem. Respondi rápido e fui para a última mensagem, que era do próprio Alex.
“Me liga quando resolver falar com alguém.”
Era só isso? Depois da briga toda ele só queria que eu ligasse? Revirei os olhos e disquei o número de Matt. Por raiva ia dar essa prioridade ao amigo dele.
- Fala sumida - ele atendeu parecendo forçar uma animação. Eu sabia que ele ia tentar agir como se nada estivesse errado.
- Oi Matt - suspirei e me deitei no sofá com os olhos fechados.
- Como você esta?
- Daquele jeito - falei rindo - um pouco melhor talvez.
- Vocês já conversaram? - uau ele era direto.
- Não. Liguei pra você primeiro - abri os olhos e encarei o teto.
- Sou tão importante assim? Gostei de saber - ele riu fraco - liga pra ele Jackie. O cara está surtando. Se eu estivesse em casa já passava o telefone pra ele.
- Ai Matt... Vou ligar, mas só porque estou de bom humor.
- Tá ótimo. Vou desligar. Vê se liga mesmo, não mente pra mim!
- Eu vou ligar assim que você me deixar desligar - eu ri, ele concordou e encerrou a ligação.
Respirei fundo, olhei para meu celular e cliquei naquele contato salvo com quatro letras. Alex. Iniciei a chamada e nervosa aguardei até que ele atendesse.
O telefone tocou por alguns bons segundos, até que um Alex visivelmente sonolento atendesse. Obviamente eu havia acordado ele.
Era meu momento de decidir se eu seria madura ou continuaria nossa briga por telefone. Eu não estava decidida a ceder tão fácil. Reconhecia meus erro, mas também reconhecia os dele. Sinceramente, eu achava que merecia sim um pedido de desculpas.
- Te acordei? - perguntei tentando soar simpática. Ele murmurou algo até que me respondeu.
- Jackie? - ouvi o barulho do telefone se movendo. Ele devia estar olhando quem ligou para ele - não estava esperando você ligar.
- Você me mandou uma mensagem... Pedindo pra te ligar.
- Sim eu lembro, só não achei que você realmente fosse. Toda viagem sua a gente perde comunicação, achei que seria igual dessa vez - senti a ironia em sua voz. A raiva subiu minha cabeça. Até agora eu havia viajado uma única vez brigada com ele, e tecnicamente não estávamos brigados. E era ele quem me evitava. Relevei, não ia entrar nesse assunto por telefone.
- Te liguei exatamente por esse motivo, não queria viajar brigada. Acho que a gente precisa conversar.
- Ia falar a mesma coisa... Escuta - ele pareceu estar sentando na cama pelo barulho - eu vou te levar até o aeroporto amanhã. A gente pode dar uma conversada no carro - ele parecia muito sério e cheguei a me preocupar um pouco.
- Tudo bem, pode ser então. Al, tem alguma coisa que você precisa me falar? Você parece muito sério.
- Não é assunto para discutir por telefone. Amanhã eu falo com você.
O que era tão sério que ele não poderia me falar em ligação? Ele tinha alguma coisa horrível para me contar? Ele iria terminar comigo? Só esses pensamentos já começaram a me preocupar e senti meu sono indo embora.
- Ok então. Não fica muito inconveniente pra você me levar? Posso ir de táxi sem nenhum problema.
- Não, tudo certo. Tenho uma folguinha - o silêncio tomou conta da nossa conversa. Era estranho. A gente não estava brigando, mas a sensação era pior do que se estivéssemos mesmo. Comecei a me preocupar. Era estupidez minha mas não consegui controlar.
- Vou tentar dormir um pouco... Te vejo amanhã.
- Até amanhã.
- Boa noite Al.
- Boa noite Jackie.
Nenhum de nós falou “eu te amo”. Estava com a frase na ponta da língua, mas não consegui dizer primeiro.
Estava quase paranóica com minhas malas e olhei tudo uma última vez, antes de ir para meu quarto.
Quando finalmente estava em minha cama, ajustei o despertador, e apaguei as luzes. Me revirei aos montes mas estava com dificuldade para pegar no sono.
Passei quase uma hora inteira refletindo. Devo ter me distraído tanto que quando percebi, já estava acordando com o som do alarme. O dia havia chegado.
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