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— Não é da sua conta.
Eadlyn responde com sua habitual voz autoritária, no entanto, percebo que ela não parece realmente segura de sua resposta, sua falta de educação me pareceu ser nada mais do que uma válvula de escape para desconversar sobre uma coisa que deveria deixá-la feliz.
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Dualidade, é o que sinto, uma eterna dualidade, por um lado saber que ela não quer esse casamento me deixa feliz, por outro, saber que tampouco ela se importa comigo me deixa arrasado, ainda que não devesse. O pedestal de Eadlyn nunca pareceu tão alto, não sou do tipo de pessoa que costuma se rebaixar, entretanto, minha posição social é evidente. Por que lutar por algo que está destinado ao fracasso?
— Olá, querido, aconteceu alguma coisa?
A rainha pergunta assim que cruzo cabisbaixo o corredor. Ela havia voltado ao seu estado natural, altiva, como uma nobre deve ser. A cor havia voltado ao seu rosto, bem como, a alegria. Voltou a deixar os vívidos cabelos ruivos caírem soltos por seus ombros. A atmosfera solene e fúnebre do castelo havia se dissipado por completo, um conforto em meio a um intenso desconforto em meu mundo.
— Não, majestade, com licença.
Digo reverenciando-a e me retirando em seguida. Resolvi trancar-me em meu quarto, lá eu não teria que dar satisfações a ninguém. A rainha não insistiu em conversar, adoro isso nela, minha mãe poderia muito bem aprender a me dar esse espaço. No caminho para o meu quarto a imagem da rainha não me saia da cabeça. Aquela mulher que está usando uma coroa cravejada de pedras preciosas e forjada em ouro puro nem sempre foi uma nobre. Ela já foi uma plebeia, e hoje está aqui, hoje é uma rainha adorada. Lembrar desse fato me deu algum ânimo.
Tento expulsar Eadlyn de meus pensamentos me ocupando em terminar uma de minhas maquetes, era uma casa, uma simples e compacta casa com quatro colunas gregas para dar-lhe algum charme. Se uma certa princesa visse isso, certamente arremessaria a maquete na parede alegando ser de péssimo gosto. Incrível, eu conheço cada um dos defeitos dela, posso até prever várias de suas reações, sei o quanto ela é narcisista e mesmo assim... Mesmo assim, ela se apossa de meus pensamentos como se fosse a dona deles, aliás, não só de meus pensamentos, ela age como se o mundo inteiro estivesse aos seus pés, não, o mundo não, ela tem mais, ela tem o universo inteiro.
Ouço batidas na porta. Não tinha a mínima vontade de abri-la, minha mãe poderia entrar por ela e passar o resto da tarde arrumando desculpas para eu ficar em Illéa e principalmente, falando da pessoa que eu quero esquecer, também poderia ser Josie, pior ainda, essa é quem iria mesmo falar de Eadlyn, de cada quinze palavras que diz, dez são sobre Eadlyn.
— Eu sei que você está aí. Abra logo a porta, Woodwork.
Ouço Ahren protestar do lado de fora.
— O que quer?
Pergunto ao abrir a porta. Ahren trazia um sabre na mão esquerda, a espada curvada possui um cabo dourado e três pequenos rubis incrustrados, a bainha é negra, esgrima era um de nossos passatempos antes de eu ter ido embora.
— Saber se você vai sair da toca por livre e espontânea vontade ou por pressão mesmo.
— Este sabre na sua mão é só para reforçar o convite, não?
Ironizo.
— Mero objeto de incentivo. Ande, se demorar será uma metralhadora.
Resolvo acompanhá-lo, um treino de esgrima empurraria Eadlyn para fora de minha cabeça, já que eu teria que me preocupar em me defender e atacar praticamente ao mesmo tempo. Me pareceu uma boa válvula de escape. Entro novamente em meu quarto e reviro aquela bagunça até achar meu antigo sabre. Enfim o encontro dentro de meu closet com várias roupas em cima dele, havia ganhado aquilo de meu pai, tanto o cabo quanto a bainha eram prateados, meu pai me ensinou a manuseá-lo, e, até que não sou um esgrimista tão ruim assim.
— Você com uma metralhadora é uma ameaça nacional ou a si mesmo...
Esnobo. Saindo e trancando a porta.
— Olha quem fala...
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— Você está lento, Woodwork.
Ahren reclama depois de me acertar na barriga, como não somos idiotas ao ponto de fazer isso sem uniforme, isso não tinha a mínima importância, além de claro, ele tirar sarro da minha cara por um bom tempo. Bloqueio seu próximo ataque e acerto o braço dele.
— O que disse, alteza?
Esnobo. Ele prepara o contragolpe. Não sei quanto tempo se passou, mas, joguei o sabre no chão exausto. A falta de prática foi a grande responsável, é bem verdade que ele sempre foi melhor do que eu nisso, mas, não era uma diferença tão humilhante quanto foi hoje, mais humilhante ainda por eu ser filho do chefe da guarda real, quer dizer, eu deveria ser bom nisso.
— Sabe, você sempre foi um péssimo adversário, mas, hoje você se superou.
Ele diz rindo e colocando o sabre na bainha.
— Superação é meu nome do meio.
Respondo.
— Falando sério, Kile. Você está péssimo, o que houve com você?
“Nada, a não ser pelo fato de que a insuportável da sua irmã decidiu se casar” penso, entretanto não comento nada disso.
— Absolutamente nada.
Respondo.
— Nada? Bem, imagino que Eadlyn não tenha nada a ver com isso, estou certo?
Ele pergunta. Retiro minha máscara e guardo meu sabre na bainha. O mundo parecia estar mesmo conspirando contra mim.
— Por que ela teria?
Fujo do foco do assunto.
— Porque você sempre foi louco por ela, e eu não duvido nada de que seja reciproco, ocorre que vocês dois são orgulhosos demais para admitir isso.
— De onde você tirou esse absurdo?
Finjo estar surpreso com o apontamento dele. Não quero que isso fique óbvio para ninguém, não quero ser o idiota apaixonado pela princesa.
—Além de péssimo esgrimista, você também é um péssimo ator.
Ele comenta.
— Eu sei o meu lugar.
Respondo sentando em um dos bancos da arquibancada.
— É esse o seu problema? Ela não gosta dele, se é o que quer saber. É uma farsa.
— Como pode afirmar com tanta certeza?
— Porque eu ajudei a construir a farsa. Raciocine, Woodwork. Meu pai adoeceu, e de repente, sem mais nem menos Eadlyn anuncia um noivado. Faça as contas. Ela é a herdeira do trono, mas, só pode assumir se estiver legalmente casada. Lembrei-a disso dias atrás. Só que, não estava nos meus planos que ela envolvesse o embaixador nisso. Deveria ter sido você.
Ahren comenta. Dava certa alegria ter a confirmação das minhas suspeitas, mas, isso não mudava o fato dela ter escolhido outra pessoa, uma pessoa com mais status.
— Não muda o fato dela ter escolhido outro, não muda o fato de que eu não quero ficar aqui.
Respondo.
— Se é verdade que você não sente nada por ela, continue fazendo o que está fazendo, ignorando-a. Permita que ela se case com um total desconhecido, mas, se você tiver sentimentos por ela, persista, demonstre. Se vire e conquiste-a. Do contrário vais passar o resto da vida se martirizando por não ter tentado e será tarde demais.
— Se você estivesse no meu lugar, se não fosse um príncipe, se não tivesse um título e nem posses, você lutaria pela Camille, ainda que não tivesse nada para dar a ela?
Disparo. Creio que peguei sua alteza real de guarda baixa, ele pensa um pouco em sua resposta. A grande verdade, é que mesmo vivendo aqui no castelo, nada disso me pertence, é caridade, eu não sou nobre, nunca fui, é muita pretensão fingir o contrário disso.
— Minha família é riquíssima, temos dinheiro a perder de vista, cofres e mais cofres abarrotados. — ele diz gesticulando com as mãos para dar mais ênfase a sua fala — Eadlyn não precisa de mais dinheiro, já não é capaz de gastar nem o que já tem, ela será a rainha, não haverá título maior do que o dela quando for coroada. Ela precisa de alguém que a compreenda, que a ame pelo que ela é, que cuide dela. E sim, eu insistiria por Camille, se eu não tivesse o que oferecer, daria um jeito de adquirir, mas jamais abriria mão da mulher que amo por orgulho. A própria Camille diz que já tem tudo, que não precisa de mais dinheiro ou mais poder, o que ela quer é ser amada.
Analiso suas palavras por alguns segundos.
— Pense nisso. Um nome, um título, nada disso é relevante, sangue não define caráter e, eu sou estou dizendo isso porque confio em você. A Eadlyn é uma das pessoas que eu mais amo neste mundo. Não estou dizendo que o embaixador seja uma pessoa ruim, só estou dizendo que você e ela formariam um casal melhor, mas, a escolha é de vocês.
Ele diz se retirando e me deixando com uma tempestade de pensamentos transbordando sobre minha cabeça...
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