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Foi surreal. Em um momento Kile estava perfeitamente bem e convencido como de costume, no minuto seguinte seu rosto havia mudado de tom e estava praticamente roxo, estava ficando sufocado. Madame Marlee correu para tentar acudir o filho, minha mãe acionou a emergência, até Eikko tentou ajudar abanando Kile com o meu leque enquanto meu pai mantinha a cabeça dele erguida. Já eu fiquei tão aterrorizada que sequer consegui me mexer. Mil coisas se passaram por minha cabeça ao mesmo tempo, todas as boas lembranças ao lado dele, todas as nossas brigas, não me movi, a única coisa que consegui fazer foi chorar.
Dizem que só damos o verdadeiro valor ao que temos quando perdemos, entendi o significado disso. Eu não suportaria a ideia de perdê-lo. Como pode? Em um minuto a minha maior preocupação era contar à Eikko que eu queria cancelar o casamento e agora, agora parecia que o peso do mundo tinha desabado inteiro sobre meus ombros. O desespero estendeu sua pesada mão sobre aquele salão, eu quis gritar, implorar para que ele ficasse bem, mas minha voz não saia. Nunca fiquei tão apavorada quanto estou agora, nem mesmo quando um projétil quase me acertou.
A equipe médica entrou às pressas, tia Marlee chorava desesperadamente. “Meu filho, meu filhinho!” ela gritava. Enfim junto forças e levanto-me da cadeira indo apressada até a maca onde Kile estava sendo posto.
— Por favor, por favor, mantenham ele vivo. — imploro recuperando a minha voz.
— Faremos o possível. — doutor Arshla promete.
A maca é levada. Mamãe tenta consolar tia Marlee, Josie segura minha mão, a babá de Osten retira ele de lá com Kaden à tiracolo. Papai tinha dado ordens para que eles fossem levados para a sala de recreação e ficassem lá sob vigilância até segunda ordem.
— Ele vai ficar bem? — Josie pergunta triste e ainda segurando o minha mão antes de uma criada a levar para junto de meus irmãos.
— Vai sim, Josie, vai ficar tudo bem. — prometo a ela tentando transmitir-lhe alguma confiança. Ela estava com lágrimas nos olhos.
— Se você acha mesmo que está tudo bem, por que está chorando? Por que a mamãe e a titia estão chorando? — ela extravasa. Normalmente ela me irrita, mas agora é só uma garotinha triste e medrosa, muito parecida comigo no momento.
Não respondo, simplesmente abraço Josie.
— Não se preocupe, tá? Logo ele vai voltar a ser o chato de antes, ok? — digo segurando o choro. Em seguida ela é levada para a sala de recreação.
Meu pai sai à passos largos do salão de jantar com o interfone preso ao ouvido. Me forço a sair do lugar, eu sou a princesa, não posso me dar ao luxo de parecer uma estátua ou encher um rio com as minhas lágrimas.
— Carter, largue tudo o que você estiver fazendo aí e vem ficar com a sua esposa, sei que já sabe o que aconteceu com o seu filho, então anda. É uma ordem. — meu pai diz ao interfone enquanto caminha apressadamente até o escritório, sigo-o um pouco atrás. — Thatcher, você assume por enquanto. Quero os desgraçados que fizeram isso presos, entendeu?! O veneno era para a Eadlyn, ela só não tomou por causa de uma confusão com os assentos. — ele exige abrindo a porta do escritório. Entro logo em seguida.
Papai liga os monitores enquanto dá ordens à Thacher. Eu nunca o tinha visto tão furioso assim, ele parecia fora de si tamanha era sua ira.
— Eu não quero suposições, quero respostas! Quero os responsáveis por isso algemados na minha frente, quero que confessem e quero fazê-los verem o inferno por terem se metido com a minha família! — ele grita ao telefone. Observo as imagens da câmara, tudo parecia normal quando a mesa foi posta, a não ser que o veneno já estivesse dentro da taça.
Só poderia ser isso, todos, com exceção das crianças obviamente, tomaram o vinho e não sentiram nada, apenas Kile foi envenenado, o plano foi calculado meticulosamente. Seja lá que foi ou é alguém de dentro do castelo ou tem ligações com alguém daqui, pois sabia exatamente onde eu costumo me sentar, sempre do lado direito de meu pai. Era para mim. Ele pode morrer por minha causa. Sinto uma mistura de culpa e medo.
— O senhor deveria ficar com a mamãe. Eu cuido disso. — comento me recompondo.
— Dessa vez é pessoal, Eadlyn. Não tem dieta médica que me faça sair daqui enquanto eu não esfolar esses desgraçados um por um. — ele diz tirando um vidro de remédio do bolso e tomando o líquido em um só gole. — Seria você no lugar dele.
Ele comenta apreensivo.
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Ao que tudo indica a noite seria longa e insone. Sento-me ao lado de tia Marlee que constantemente limpava as lágrimas com um lenço. Mamãe havia saído para tentar acalmar Josie e talvez fazê-la dormir. Kristin adentra a sala de espera em prantos.
— Ele está vivo, não está? — ela pergunta. Sua voz não passava de um leve sussurro.
— Eu espero que sim. — tia Marlee responde tentando se manter firme.
Kristin se acomoda próxima à nós. Dizer que me sinto desconfortável seria eufemismo de minha parte tendo em vista toda essa situação. Mamãe reaparece na sala com uma xícara de chá, a qual estende para a amiga. Trazia também consigo uma caixa de lenços de papel.
— Dr. Ashla é um médico excelente. Tenho fé de que Kile vai sair dessa. Meu afilhado é forte.
Ela diz à tia Marlee.
— Obrigada, America. Josie dormiu?
— Sim. Eu disse a ela que quanto mais cedo dormisse mais cedo o dia amanheceria e ela poderia ver o irmão. — mamãe comenta. — Kristin, querida o que houve?
Mamãe pergunta enfim dando conta da visita inesperada.
— Vim às pressas assim que soube.
Ela responde. Mamãe assenti com a cabeça.
— Com licença, majestade. Creio que a senhora precise receber essa notícia. — Tio Carter diz adentrando a sala de espera. Tia Marlee se levanta e abraça o marido.
— Descobriram quem foi? — mamãe pergunta.
— Ainda não. Mas temos informações de que o príncipe Ahren também sofreu uma tentativa de assassinato. Uma bomba havia sida plantada dentro da limusine em que ele estava quando foi representar a esposa na inauguração de uma biblioteca infantil.
Mamãe leva as mãos à boca. É um susto atrás do outro. Primeiro Kile e agora Ahren.
— Meu irmão está bem? — pergunto desesperada.
— Sim. Ele viu a bomba pouco antes de detonar. As coisas estão ficando muito complicadas.
Ele responde sentando-se ao lado da esposa.
— Com licença, majestade. O rei aguarda a senhora e a princesa em seu escritório. — uma criada diz.
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Meu pai não estava sozinho no escritório, o governador de Carolina também estava presente e Ahren conversava com os dois através de vídeo chamada.
— Você está bem, meu amor? — mamãe pergunta à Ahren indo até a mesa para ver o filho mais de perto.
— Sim, mãe. — ele responde. Aproximo-me dele também. Mamãe se coloca atrás da cadeira em que papai está sentado e põe as mãos sobre os ombros dele, gesto que costuma fazer frequentemente.
— Leger disse que algumas das antigas lideranças rebeldes estão se juntando novamente. Os que fugiram do país, obviamente. — papai comenta.
— Sim, os ratos estão se unindo. Descobri isso poucas horas atrás.
— O alvo são as crianças, America. Até agora eles só atentaram contra os nossos filhos. Kile foi apenas um trágico engano.
— Eu não posso afirmar, mas acredito que eles ainda não estão jogando para matar. A bomba não foi colocada em um local tão escondido assim, o sonífero na taça da princesa não lhe causou muito mal à saúde, o ataque a ela também — Sr. Leger olha para mim antes de concluir — não foi bem orquestrado. Acho que por enquanto eles querem apenas brincar com o medo de vocês.
— E o veneno? — pergunto.
— O garoto ainda não morreu, não é? Não acho que vá morrer, se fosse já estaria morto. Ele tomou um bom gole, pelo que sei.
— Concordo com vossa excelência. Estão jogando com o psicológico primeiro. É uma vingança. — Ahren afirma.
— Mas vingança por que? O que fizemos? O que eu fiz? — pergunto confusa e com raiva.
— Vocês não fizeram nada, querida. É de nós dois que eles querem se vingar. — papai diz segurando a mão de mamãe. — levamos o movimento ao escárnio, prendemos vários líderes, o mais problemático deles foi condenado a execução, outro se suicidou antes mesmo de ser capturado e julgado. Os que sobraram querem revanche e preferem atacar onde mais dói.
— Aspen, quais as chances da Wanessa estar viva? — mamãe pergunta apreensiva fitando o assoalho como se tivesse se lembrado de algo.
— Poucas, tudo indica que Caleb a assinou antes de ser capturado. Por que a pergunta?
— Disseram que ele a assassinou por adultério, mas não acho mais que isso seja verdade. Talvez essa mentira tenha sido apenas um disfarce para ela escapar.
— Caleb Bens preocupado com alguém? Mulher ainda por cima? O cara tinha amantes em toda parte, America. É tanto que ninguém nem sabia como ela era antes da casa ser revistada. Só sabíamos que ela era a mãe do Luke por causa do sobrenome dele. Cárcere privado, relacionamento abusivo, não duvido que ele a tenha matado mesmo.
— Talvez ela soubesse algo importante, algo que fosse interessante para ele. — mamãe insiste.
— Tipo o quê?
— Não sei, só...
— Até que tem lógica. Ela perdeu o marido e o filho. Estão jogando com os nossos filhos, parece se encaixar. Não sabemos sobre a personalidade dela, talvez estivesse apaixonada ou queira vingar somente a morte do filho. É uma hipótese. Ninguém nunca achou o corpo dela.
— Apaixonada? A mulher vivia trancada em casa!
— Você não faz ideia das coisas que uma mulher cega de amores é capaz de se submeter. — papai responde pensativo. Sr. Leger arqueia a sobrancelha. — Nem ouse a tecer comentários!
Papai diz a ele.
Eles formularam hipóteses por horas a fio. Nenhum de nós dormiu naquela noite. A situação de Kile ainda é crítica.
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Kristin continua no castelo, transtornada. Não me agrada admitir isso, mas creio que os sentimentos dela por Kile sejam verdadeiros, e fortes também. Ela o ama. Eikko tentava me acalmar, não está tendo sucesso, mas está tentando. Ainda não tive coragem de contar e ele e vendo Kristin agora nem mesmo sei se deveria contar. Será que ela me perdoaria? E Eikko, entenderia? Se eu levasse adiante meu relacionamento com Kile, seriamos felizes? Eu o faria sofrer ou conseguiria amá-lo verdadeiramente? O que sinto por ele agora seria duradouro? Seria o suficiente para sustentar um casamento anos a fio? Isso é amor? Eu o quero bem, mas... Perguntas e mais perguntas se formam em minha cabeça me deixando confusa e amedrontada.
Amar, como pode um simples verbo ser tão difícil de se compreender? É inegável que um sentimento, por muito tempo adormecido, despertou-se em meu coração com uma força arrebatadora, mas, eu deveria mesmo ceder esse espaço? Eu deveria partir o coração de pessoas tão amáveis para atender a meus caprichos, correndo o risco de me ferir também em um futuro próximo? Seria direito fazer das lágrimas de outros a minha felicidade? Por outro lado... É justo simular uma farsa e permitir que a alegria de outros seja forjada através de minha própria infelicidade? Sinto-me em uma encruzilhada e não sei qual caminho tomar...
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