Catra
O céu já estava escuro, e foi aí que eu notei que tinha dirigido sem rumo por mais tempo do que planejara. Olhei no relógio, que indicava que era quase a hora de ir até a casa da Huntara. Era a última coisa que eu queria, só que não tinha escapatória.
Tive que encostar e colocar o endereço num app de navegação, pois não fazia ideia de onde estava. Acabei descobrindo que estava relativamente perto da casa da baterista, já que tinha me afastado um pouco da zona urbana.
Cheguei, encostei o carro e logo depois o carro de Adora chegou pela direção contrária a que eu tinha vindo.
Saí e percebi que Bow e Adora não estavam vestidos com a mesma roupa com a qual tinham ido ao Estúdio, como eu. O cabelo da loira estava molhado, e tive um rápido pensamento dela no chuveiro. Pelos deuses, eu odiava isso mais do que qualquer coisa.
Glimmer tinha vindo junto, como sempre.
Bow acenou pra mim, e eu acenei de volta.
Huntara já estava na porta da casa, fazendo sinal pra que entrássemos. Ao chegar bem perto da porta, e consequentemente me aproximando dos outros, Adora disse:
– Você não foi pra casa, Catra?
Ela tinha reparado que eu não tinha trocado de roupa nem tomado banho, como eles.
– Eu... tinha umas coisas pra resolver – menti. Ela pareceu comprar a desculpa.
– Aí, pirralhos! Tamo crescendo, hein! – Huntara cumprimentou a todos – então – ela começou enquanto passava pela soleira da porta, seguida por nós – como foi?
– Foi maravilhoso! – os olhos de Bow brilhavam – a gente fez um tour pelo estúdio e eu já imaginei a gente gravando lá...
Ele estava tão empolgado que Huntara precisou interrompê-lo.
– Calma lá, do teclado! Vocês precisam me passar as informações pra eu saber tudo.
Dissemos tudo a ela, tentando lembrar de todos os detalhes que o Sr. Wind tinha dado. Que o Festival serviria como uma espécie de “teste”, que não tinha contrato por enquanto, que o estúdio era demais (Bow não parava de falar nisso). Ele parecia o mais animado de todos. Eu pensei que Adora estaria toda frenética como ele, mas ela estava bem quieta. Me perguntei se tinha algo errado, quer dizer, olha o que estava acontecendo!
Resolvi não falar nada pra ela. Eu não tinha mais esse direito também.
Depois de discutir algumas coisas, resolvemos mandar e-mail confirmando nossa participação ao Sr. Wind. Pra variar, o pessoal iria pedir comida e ficar, mas eu não quis. Estava louca pra falar com DT. Eu queria saber o que elu tinha em mente quando me disse sobre preparar “algo grande”, meses atrás. Tinha algo grande esperando a Prime. Agora era hora.
[...]
Antes de ir embora, recebi a confirmação de DT que elu estava em casa. Agradeci às forças supremas dos planos maléficos e me pus a caminho de casa. Eu ainda não tinha falado a elu as minhas intenções.
Chegando em casa, procurei por DT. Elu estava em seu quarto. Bati na porta, que estava aberta.
– Hello, queridinha – cumprimentou – tá ansiosa pra me ver?
Seu tom era perverso, e eu senti que elu sabia o que eu pediria.
– Eu topo – respondi – o que quer que seja que você tenha sugerido aquele dia, pra sabotar a Adora. Eu topo.
Elu ergueu uma sobrancelha, e uma expressão maldosa preencheu seu rosto, quase como se tivesse se transfigurado. O sorriso de lado era quase assustador. DT indicou pra que eu sentasse na beirada de sua cama. Enquanto isso, se levantou e abriu o guarda-roupas. De lá, tirou um frasquinho de vidro escuro, com um líquido dentro.
– Conhece isso? – elu me perguntou. Neguei com a cabeça – isso aqui serve pra quando você tá com dor de garganta, sabe? É um tipo de anestésico.
Estreitei os olhos, já adivinhando onde a conversa chegaria.
Elu continuou a falar.
– Uma vez, uma colega do teatro estava meio rouca, tinha tomado frio na noite anterior, o nariz escorrendo, tava uma desgraça. A mãe dela levou um desses pra ela no camarim. Ela tinha feito repouso vocal, e provavelmente conseguiria apresentar a peça sem problemas. Mas... – elu fez uma pausa, pra gerar curiosidade em mim. Essas pessoas do teatro... – depois que ela espirrou isso na garganta diversas vezes, a voz dela ficou pior, falhando. A apresentação teve que ser cancelada, foi uma tragédia – elu pôs as costas da mão na testa, fazendo drama – isso aconteceu com apenas algumas borrifadas. Me pergunto o efeito de um frasco inteiro...
Elu estendeu o vidro pra mim. Eu o peguei, duvidando um pouco do que aquilo podia causar. Parecia inofensivo.
– Isso... Ãhn, funciona de verdade?
– Acredita em mim, queridinha. Foi épico!
– E o efeito disso passa rápido?
Elu soltou uma risadinha antes de continuar.
– Dura pelo menos umas duas horas – DT se aproximou de mim, apoiando a cabeça em uma das mãos enquanto se debruçava – você pode fazer com que ela tome várias vezes, pra garantir que a voz dela falhe na hora certa.
Olhei pra elu depois pro frasco.
– Tem certeza que isso vai funcionar?
Elu revirou os olhos e estendeu a mão até sua mesa de cabeceira, onde se encontrava seu celular. Então, abriu um vídeo no Youtube.
– Esse é o efeito dessa coisa – disse.
O vídeo mostrava um palco. DT estava nele, vestide como uma pessoa normal, provavelmente as roupas eram delu mesmo. Percebi que se tratava de uma festa. Havia ainda mais alguns atores no palco. DT saiu de cena, e logo depois entrou uma garota com um vestido. Ela começou a falar, mas sua voz saiu falhada e até meio desafinada.
Fiquei um pouco chocada com a perversidade das pessoas que publicaram o vídeo.
– DT – comecei, quando uma dúvida surgiu em minha mente – como ninguém percebeu que a voz dela estava falhando?
– Ela tava fazendo repouso vocal, queridinha.
Voltei a olhar pro vídeo, meio pasma e ao mesmo tempo animada. Eu poderia fazer isso. Só precisava fazer parecer que seria de boas intenções. Precisaria de umas aulas de atuação com DT.
– Tá – falei – eu dou isso pra Adora tomar, a voz dela falha e aí?
– Você pode dizer que cantará no lugar dela.
– Mas ninguém vai suspeitar de nada?
– Você mesma disse que não conhecia esse produto. Provavelmente você vai passar despercebida no plano e percebida pelo público.
Quando percebi, reproduzi o sorriso que elu tinha em seu rosto.
Aquilo daria certo. Eu teria o que eu merecia e Adora também.
[...]
Adora
Depois daquela tarde surreal e noite alegre, tudo o que eu consegui fazer foi tomar um banho e dormir. Durante o dia todo, eu não parei de pensar em minha mãe e avó. Uns dias antes, mamãe mandou uma mensagem dizendo que vovó Razz tinha voltado para o hospital e que sua situação não era nada boa. Eu estava preocupada, mas tentei ficar feliz pela Prime e por mim.
Acordei umas quatro da madrugada com batidas na porta. Minha mãe Hope entrou no quarto.
– Filha? – a voz dela estava trêmula.
Tive que esfregar os olhos e me sentar para entender o que estava acontecendo.
Quando me dei conta, ela estava sentada aos pés da cama. Acendi as luzes, e sua expressão era de pura dor.
Hope geralmente não demonstrava emoções, ela se mantinha sempre serena, acredito que por conta de sua profissão. Mas isso não estava acontecendo no momento. Ela tinha a testa franzida e os olhos brilhando.
Aquilo foi suficiente para eu entender. Meus olhos arderam, minhas bochechas ficaram molhadas e minha mãe me abraçou.
Comecei a soluçar enquanto digeria a informação que não tinha sido dita.
Minha avó havia partido.
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