Karin estava do lado de fora do palácio naquela hora. Coincidentemente, estava olhando o arbusto de gamões, que tinha se proliferado tanto, que agora parecia uma campina particular de flores ao redor do palácio. E como se já não bastasse, continuava se espalhando rapidamente.
Karin tinha certeza de que em breve as flores se espalhariam e desceriam a colina até a planície lá embaixo, onde ficavam os Campos Elísios.
Ela riu um pouco, pensando em como, em milhares de anos de existência, ela nunca imaginou que Sasuke um dia teria o próprio palácio repleto de flores ao redor como naquele momento.
É, ele tinha enlouquecido mesmo por causa de Sakura. E a deusa da magia só confirmou isso ainda mais no instante seguinte, quando começou a ouvir gritos se aproximando dali.
— Socorro, alguém me ajude! — tinha uma garota se esgoelando de tanto berrar.
Karin rapidamente se levantou e começou a correr, mas mal deu alguns passos e já avistou os dois.
Sasuke. E a garota que gritava desvairada e estava em cima do ombro dele.
— Me solta, seu maluco! — Sakura não parava de se debater e bater em Sasuke enquanto ele continuava com ela por cima do ombro — com bastante dificuldade em carregá-la, aliás, já que ela ficava lhe estapeando, lhe chutando, lhe socando e puxando seus cabelos pra ver se conseguia se soltar dos braços dele, mas não estava adiantando muito.
Karin ficou boquiaberta quando sua mente tentou processar o que estava acontecendo ali. Ela parou onde estava e esperou Sasuke se aproximar de si. Quando ele e Sakura passaram por ela, a garota começou a gritar em sua direção.
— Moça, me ajuda! Esse lunático me sequestrou da minha casa! — ela bradava enquanto socava as costas do deus dos mortos.
— Sasuke, o que você fez? — Karin começou a gritar também enquanto corria atrás deles, que já estavam entrando no palácio. — Você sequestrou a filha da Tsunade? Que merda é essa? Enlouqueceu de vez?
— Ah, tenha paciência! — ele se virou pra falar com ela, ainda com Sakura em cima do ombro. — Você também vai querer fazer show em cima disso?
— Show? — Karin o olhava como se ele fosse doido mesmo. — Tem uma deusa em cima do seu ombro e eu estou fazendo show?
— Não é nada disso que você está pensando.
— É exatamente isso que você está pensando. — Sakura chiou. — Moça, por favor, me ajuda! Esse louco me sequestrou porque eu disse que não queria me casar com ele.
— O quê? Isso é tudo dor de cotovelo sua? — Karin rugiu para o amigo e apontou um dedo na cara dele. — Coloque essa mulher no chão antes que eu faça um escândalo, Sasuke.
— Essa é sua melhor ameaça? — ele debochou. — Karin, você está sempre fazendo escândalo. Eu já estou acostumado.
— Me solta, Sasuke! — Sakura continuava lutando e batendo nele, porém o efeito não estava sendo tão nocivo quanto realmente pretendia.
— Eu não sei que porra deu em você, Sasuke. Mas sério… — Karin rugiu com os dentes cerrados. — Pare com isso agora mesmo e leve essa garota de volta pro lugar dela.
— Não. — ele murmurou de maneira simples antes de se virar e começar a subir a escadaria do palácio.
— Que caralhos, Sasuke! Vou ter que pular em cima de você de novo? — Karin continuou lhe seguindo.
— Será que pode esperar um minutinho pra eu colocar ela lá em cima e depois te explicar o que está acontecendo? — Sasuke vociferou de volta.
— Você vai me botar onde, Sasuke? — Sakura continuava enfurecida no ombro dele, enquanto Karin parou de segui-los depois das últimas palavras do amigo.
— Eu vou te colocar no quarto, fique calma! — Sasuke já estava chiando de desespero depois de ter apanhado tanto da deusa em seu ombro.
— Não quero quarto nenhum, quero a minha casa! Sasuke! — Sakura continuava se debatendo e começando a se desesperar de verdade agora que sabia que estavam mesmo no Mundo Inferior. E que aquela era a casa de Sasuke.
Ah, santos deuses! Se estavam mesmo no Mundo Inferior, então agora ela estava ferrada de vez. Porque só o deus do Mundo Inferior consegue sair do Mundo Inferior.
Sasuke abriu uma porta e entrou num quarto com ela, andando até a cama e colocando a garota ali de maneira não tão delicada quanto o plano inicial, já que Sakura continuava lutando com ele.
Assim que ela se viu sobre o colchão, no entanto, parou de se debater e ficou sentada ali de maneira ofegante enquanto o encarava furiosa e com o rosto vermelho.
Sasuke estava ofegante também, e com o rosto cheio de arranhões vermelhos, além dos cabelos ainda mais arrepiados e bagunçados que o normal. Ele se manteve de pé ali do lado nos segundos seguintes, enquanto se encaravam.
— Pelo menos agora já sei como você é nas preliminares. — ele caçoou, irritado.
— Qual o próximo passo do seu plano psicótico? — Sakura retrucou, igualmente brava. — Me acorrentar na sua cama?
— É melhor parar de me dar ideias. — Sasuke sorriu de canto. — Principalmente quando elas são tão tentadoras.
— Minha mãe estava certa. — Sakura murmurou, ainda irritada e querendo de qualquer forma atingi-lo, mesmo que isso não pudesse beneficiá-la em nada no momento. — Vocês são todos iguais. Você não é diferente dos seus irmãos. Pelo contrário, é pior que eles.
O rosto de Sasuke ficou completamente sério enquanto ele a encarava depois dessas palavras. Sakura quase pôde ver a raiva borbulhando dentro dele através de suas orbes negras.
Ela começou a esperar por qualquer coisa. Um tapa. Gritaria. Talvez até ele pulando em cima dela e começando a lhe bater ou coisa pior.
Mas Sasuke não fez nada disso. Só virou as costas e começou a andar de volta para a porta do quarto.
— Se quiser alguma coisa, é só pedir dos criados. — foi tudo o que ele disse antes de sair e deixá-la sozinha.
Sakura ainda permaneceu sentada na cama por uns minutos antes de finalmente se mover, depois de ter certeza de que não ia infartar, por conta do seu coração super acelerado e assustado.
Ela olhou em volta, observando aquele quarto ao seu redor.
Definitivamente não era o quarto de Sasuke, já que parecia muito… impessoal. Não tinha nenhum objeto pessoal em cima da cabeceira, dentro do cômodo adjunto para guardar roupas ou até sobre a mesa em conjunto com o grande espelho.
Parecia uma espécie de quarto de hóspedes.
Sakura caminhou decidida até a porta, pronta para começar a fazer um escândalo enquanto tentava arrombá-la. Mas antes mesmo que pudesse sequer colocar a mão na maçaneta, ela se tocou de algo.
Sasuke não trancou a porta ao sair, apenas a fechou.
Ela não estava trancada. Não estava presa.
A garota parou ali e ficou observando a porta fechada à sua frente.
O que aconteceria depois de sair? Pra onde iria? E o que Sasuke faria se a visse perambulando por aí atrás de um jeito de sair dali?
Ele não ia deixá-la sair, isso era um fato. E ela precisava dele para saber por onde sair do Mundo Inferior.
Não tinha sentido sair do quarto, ou até do palácio, se ela não sabia para onde ir depois.
No fim, Sakura apenas se virou e se encostou contra a porta fechada, deslizando as costas devagar pela superfície até estar sentada no chão.
Ela continuou olhando para o quarto silencioso em volta enquanto pensava no que fazer agora.
Acabou se vendo deprimida e se segurando muito pra não chorar enquanto brincava com uma flor que surgiu entre seus próprios dedos um tempo depois.
Um dente de leão, a flor favorita de sua mãe.
Na verdade, a flor que ela mais odiava, já que foi um tipo de erva daninha que Sakura criou só pra implicar com as plantações da mãe quando era criança. E ela costumava fazer buquês de dente de leão e encher pela casa inteira, só pra deixar a mãe estressada sempre que voltava pra casa. Mas no fim, era uma piada interna das duas.
Sakura só sentiu ainda mais vontade de chorar ao pensar em como sua mãe ficaria louca ao descobrir que ela não estava mais em casa. E pior: que tinha sido sequestrada pelo namorado que ela escondeu de Tsunade durante semanas, enquanto a mãe estava por aí, tentando descobrir se havia o perigo de algum titã que retornou à Terra ou algo do tipo.
É, sua mãe ia ficar louca com ela.
Isso se elas voltassem a se ver um dia.
#
— Você só pode ter ficado biruta. — Karin acusava Sasuke no quarto do final do corredor, enquanto ele lavava o rosto depois de ter sofrido tantos arranhões de Sakura. — Desde quando virou um psicopata sequestrador?
— Não sequestrei ninguém. — ele resmungou enquanto passava água na testa.
— Imagina se tivesse. — Karin retrucou. — Porque a menina ali não parece muito feliz de estar aqui, não.
— Ela nem sabe o que quer da vida. — Sasuke rebateu enquanto pegava uma toalha pra se secar. — Eu pedi ela em casamento e ela me disse não porque morre de medo da mãe.
— É a Tsunade, Sasuke. Todo mundo tem medo dela, imagina a filha. — Karin respondeu o óbvio. — Aliás, eu nem sei como você não está se tremendo de medo de saber o que a Tsunade vai fazer com a sua cara quando souber que foi você que sequestrou a filha dela.
— Ela só vai saber se um de nós contar. — ele a encarou com ironia. — Você pretende me denunciar?
— Qualquer pessoa sensata te denunciaria, porra. Você sequestrou a menina!
— Karin, você acha isso normal? — Sasuke perguntou abrindo os braços. — Ela já é adulta, e pensa na Tsunade como se fosse uma criança. — ele acusou. — Ela acha que não pode fazer nada sem a permissão da mãe, tanto é que ficou me escondendo esse tempo todo pra que a Tsunade não descobrisse.
— E você acha que vai consertar isso trazendo a garota pra cá? — Karin replicou de braços cruzados. — Você não é psicólogo, Sasuke. Não pode curar a dependência que Sakura tem com a mãe.
— Eu posso tentar. — ele deu de ombros. — Mostrando pra ela que já está bem crescidinha pra tomar as próprias decisões. Se casando comigo, por exemplo.
— Ah, com certeza ela vai casar com você agora que te acha um louco. — Karin debochou. — Caralho, nem o Naruto já sequestrou alguém com quem tava a fim de trepar. Qual é o seu problema?
— Não meta o Naruto nisso, Karin. — ele vociferou ameaçador. — Eu não quero ouvir o nome dele ou do Shikamaru mais nenhuma vez neste reino, tá entendendo?
— Então pare de agir como se fosse um depravado igual ele. — ela rosnou de volta. — Leva a garota de volta antes que eu mesma o faça.
— Não. — Sasuke parecia bem irritado e convicto de suas ideias. — Ela vai ficar, e vai aprender que não precisa da Tsunade.
— E de quem ela precisa? De você? — Karin respondeu, fazendo ele ficar sem ter o que dizer pela primeira vez naquela discussão. — Não pode consertar a vida dos outros, Sasuke. Nem daqueles que você mais ama. Não é sua função cortar o cordão umbilical delas.
Os dois ficaram se encarando em silêncio enquanto Sasuke assimilava isso.
— Leva ela de volta antes que algo pior aconteça. — disse Karin.
— Não posso. — Sasuke sussurrou e engoliu em seco.
— Por que não?
— Porque se eu fizer isso… — o rosto dele agora estava se contorcendo numa expressão contida de dor e aflição. — Ela nunca mais vai querer me ver. E eu acho que não vou aguentar isso.
Karin o olhou de maneira surpresa, percebendo o quanto o amigo estava desesperado.
Pelo visto, o fato de Sakura tê-lo rejeitado tinha mexido com ele de verdade.
Em toda a sua existência, Karin nunca o tinha visto daquele jeito. Parecia estar sofrendo tanto por dentro que estava prestes a explodir de dor, embora estivesse dando seu máximo para disfarçar e não demonstrar — e mesmo assim, estava visível para qualquer um.
Parecia até que ele ia morrer se perdesse Sakura — mesmo que isso fosse impossível, visto que ele era um deus.
Não só um deus, era a própria morte.
— Eu preciso dela, Karin. — ele disse com a voz embargada, e Karin ficou com medo que ele começasse a chorar, já que ela não saberia o que fazer, caso rolasse mesmo. Mas por sorte — ou muito esforço dele —, isso não aconteceu.
— Dá pra ver. — ela murmurou antes de suspirar. — Mas não é pra mim que você tem que falar isso.
— Não. — ele negou enquanto respirava fundo e tentava se recompor. — Não vou falar nada disso pra ela.
— Por que não?
— Porque eu não vou fazer nada para influenciar na decisão dela. — Sasuke respondeu o óbvio. — Eu não quero que ela fique comigo por pena do meu desespero ou coisa assim. Nenhum de nós se beneficiaria de uma relação assim. E juro que vou me matar se entrar num casamento decadente desses desde o começo.
— É, não vai querer ter uma relação tão deplorável igual a de Naruto e Hinata. — Karin concordou. — Mas então… O que pretende fazer?
— Não sei, só… — ele suspirou. — Acho que vou ficar na minha e esperar pra ver o que acontece.
#
Tsunade estava apreensiva enquanto voltava pra casa. Não havia encontrado nada, nem naquela e nem nas últimas viagens que fizera durante aquelas últimas semanas.
Talvez os outros deuses estivessem certos. Talvez não tivesse mesmo nada de errado, afinal, ela não encontrou nada de mais em nenhum dos lugares remotos que visitara, o que deveria significar que estava tudo bem e nada de titãs ou perigo em lugar nenhum.
Foi só um episódio isolado e sem explicação mesmo.
Bom, ela deveria ficar mais aliviada. E no entanto, a única coisa que sentia era um aperto no peito, que estava lhe incomodando e lhe deixando nervosa com alguma coisa.
De qualquer jeito, enquanto se aproximava da clareira, caminhando devagar entre as árvores, ela começou a andar ainda mais devagar pela maneira confusa com que notou a floresta ao seu redor.
As árvores pareciam estar menos verdes do que o habitual. A maioria das folhas estava amarelada ou alaranjada, os troncos estavam mais escuros que o normal, e a grama e os arbustos estavam ficando murchos e secos. E havia um vento frio correndo pela região, se espalhando devagar para as regiões ao redor.
Tsunade parou no lugar e olhou em volta, tentando entender o que estava acontecendo.
E quando ela olhou para um arbusto de rosas que tanto amava ali perto, e percebeu que ele já estava completamente morto e as flores todas estavam no chão, murchas e sem vida, ela soube que algo ruim realmente tinha acontecido.
A deusa da agricultura começou a correr o mais rápido que podia na direção de sua campina, e antes mesmo que pudesse chegar lá, já começou a ouvir a gritaria das ninfas, que continuavam apavoradas com o que tinha acontecido.
Tsunade chegou diante da barreira, e parou horrorizada ao perceber que ela não estava mais ali.
— Senhora Tsunade! — as ninfas vieram correndo pra perto dela assim que a notaram ali. — Aconteceu algo terrível. Alguém quebrou a barreira… — elas começaram a gritar uma por cima da outra, tentando explicar o que tinha acontecido, sendo que nem elas mesmas sabiam o que tinha acontecido.
De qualquer forma, Tsunade não estava escutando uma única palavra, já que se pôs a olhar apavorada em volta, vendo que sua barreira em volta da campina tinha sido completamente derrubada. E o que quer que tenha a quebrado tinha entrado, isso era visível, porque a campina inteira tinha sido afetada. A grama alta estava amarela e murcha, e as diversas flores silvestres que costumavam povoar o lugar inteiro estavam murchas e mortas também.
Tsunade olhou para sua casa, percebendo que tanto as trepadeiras quanto os arbustos de flores e plantas que tinha ao redor e nas paredes dela estavam igualmente secos e desbotados.
— Sakura. — ela murmurou baixinho antes de correr para sua casa, com as ninfas em seus calcanhares, ainda chiando assustadas com o que tinha acontecido. — Sakura! — ela gritou e passou pela porta, começando a correr pelos cômodos, atrás de sua filha.
Foi primeiro no quarto dela, que estava vazio. Tinha algumas almofadas debaixo do lençol, para fazer um volume proposital, como se a garota estivesse dormindo, mas não deu muito certo, já que Tsunade praticamente jogou o colchão contra a parede antes de começar a procurar em todos os possíveis esconderijos, não só do quarto como da casa inteira. E o tempo todo as ninfas estavam atrás dela, chiando e chorando de confusão e desespero, se desculpando por não terem visto o que tinha acontecido para explicarem a ela.
Mas Tsunade não ouvia nada. Estava mais concentrada no desespero e na busca por sua filha.
Depois de vinte minutos de desespero genuíno, ela percebeu, ao olhar para seu buquê de dentes-de-leão morto em cima da mesa da cozinha, que Sakura definitivamente não estava mais ali.
Tinha sido levada. Sabe se lá por quem.
Tsunade se deixou cair de joelhos no chão, fazendo as ninfas se calarem ao verem a deusa sucumbir daquele jeito. Ela estava ofegante, e com as mãos nos cabelos, tentando pensar ou até mesmo reagir de maneira decente, mas não conseguia.
Ela só tremia, pálida como um fantasma enquanto olhava em volta e sua ficha caía de vez.
Sua filha tinha sido levada. Sequestrada. Abusada. Talvez até morta.
Ela só conseguia pensar o pior naquele momento, e mal conseguia raciocinar, que dirá pronunciar uma única palavra.
— Senhora Tsunade? — as ninfas continuaram lhe chamando mas a deusa da agricultura não conseguia dizer ou fazer absolutamente nada que não fosse tremer e continuar naquele estado catártico de desespero puro.
E no fundo, elas sabiam que não queriam estar perto quando ela saísse daquele estado e passasse pro próximo. Por isso, começaram a sair de fininho de dentro da casa antes que Tsunade se recuperasse e explodisse.
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Sasuke passou o dia inteiro trabalhando. Quando voltou ao palácio, passou em frente ao quarto de porta fechada de Sakura, notando que ela ainda estava lá, e que não parecia empolgada em sair.
Ele não bateu na porta nem nada, só passou reto e foi pro próprio quarto, para tentar dormir e esquecer do que aconteceu naquele dia.
Mas não deu certo. Porque ele ficou horas se revirando na cama sem conseguir pregar o olho.
Talvez tenha sido por isso que ele escutou quando uma das portas do corredor foi aberta devagar e passos praticamente silenciosos passaram pelo chão em direção às escadas.
Ele se levantou e saiu do quarto também, espiando o corredor escuro e percebendo que a porta de Sakura estava entreaberta, e que ela provavelmente tinha saído e descido.
Ele começou a descer devagar e silenciosamente também.
Chegando no saguão lá embaixo, ele percebeu — pelos ruídos mínimos ecoando pelo palácio — que Sakura não tinha saído pelos portões da frente.
Na verdade, ela estava na cozinha.
Ele caminhou até lá, e quando chegou no cômodo, observou a garota sentada à mesa, de costas para si enquanto aparentemente comia umas torradas.
— Por que está perambulando a essa hora no escuro? — ele perguntou a assustando, já que ela se sobressaltou e se virou para olhá-lo de maneira arregalada. Sasuke a ignorou enquanto começava a acender as velas do cômodo. — E depois eu que sou sinistro. Pelo visto você vai pegar a mania da Karin de ficar andando no escuro pela casa de madrugada.
— Eu não queria acordar ninguém, só estava com fome. — Sakura resmungou enquanto voltava a se sentar para comer.
Sasuke caminhou devagar até a mesa também, puxando a cadeira em frente dela e se sentando ali, colocando uma vela acesa entre eles.
— Se estava com fome, era só me pedir que eu fazia comida pra você. — ele murmurou.
— Tsc. — Sakura riu, como se achasse engraçado. — Você me sequestrou com a desculpa de que tenho que parar de depender da minha mãe, e olha só: está agindo exatamente como ela. Quer até passar manteiga na minha torrada também. Cara, eu tenho mãos.
— Tudo bem, não ofereço mais. — Sasuke resmungou de volta, se irritando.
Sakura o encarou sob a luz da vela, observando as sombras amareladas que projetavam-se naquele rosto lindo e perfeito dele.
Sasuke a encarou de volta, ainda com o rosto sério e irritado.
Ela terminou de mastigar antes de continuar aquela conversa.
— Você me disse que não era casado.
— E não sou. — ele resmungou.
— Então quem é a ruiva?
Sasuke ergueu as sobrancelhas, fazendo uma careta.
— A Karin? Não é ninguém, somos melhores amigos. Ela gosta de ficar aqui no Mundo Inferior. — ele respondeu dando de ombros. — Diz que é legal porque não tem outros deuses além de mim.
— Hm. — Sakura não parecia muito convencida, o que fez Sasuke abrir um sorriso de lado.
— Você ficou com ciúme dela? — ele perguntou se segurando pra não rir. — Não fique, sério. Eu e ela não temos nada a ver um com o outro.
— Não fiquei com ciúme. — Sakura murmurou de maneira emburrada enquanto continuava comendo suas torradas com manteiga da madrugada.
— Então por que esse bico na sua cara? — ele zombou.
Sakura o olhou irritada com o rosto meio vermelho.
— Quero ir pra casa, Sasuke.
— Não. — ele disse sério.
— O que exatamente você pretende fazer? Me deixar aqui contra a minha vontade?
— Talvez. — ele inclinou a cabeça um pouco pro lado, o rosto com uma expressão meio zombeteira. — Não é isso que o vilão da história deveria fazer?
— Acho que sim. O problema é que eu não tenho um mocinho de cavalo branco para vir me resgatar aqui embaixo. — Sakura murmurou com raiva e frustração antes de morder mais uma torrada.
— Geralmente é nessa parte que surge um desses, completamente do nada, e você se casa com ele por gratidão pura, e vivem felizes pra sempre. — Sasuke continuou gracejando.
— Então eu tenho que ficar sentada aqui, comendo torrada enquanto espero?
Ele só deu de ombros, fazendo ela se irritar ainda mais enquanto se recostava na cadeira e suspirava. Sasuke continuou lhe observando, agora em silêncio.
— Eu gosto de você, Sasuke. Sabe disso. — Sakura disse com um suspiro antes de morder os lábios. — E eu sei que está chateado, mas de verdade, lá no fundo, você também sabe que nós dois nunca daríamos certo. Que tipo de casal nós seríamos?
— Um casal bem diferente dos que meus irmãos fazem com as esposas, eu presumo. — ele resmungou.
— Nós dois somos completamente diferentes, Sasuke. — ela o relembrou disso pela milésima vez. — Se quer tanto transar, tudo bem, eu transo com você. Mas não posso me casar. Não daria certo. E se for pra me casar, eu quero que seja com um deus que dê certo.
— E por que eu não sou o deus certo pra você? — ele perguntou com as pálpebras cerradas.
— Não já tivemos essa discussão outras vezes? — Sakura retrucou. — Olha pra você. É o rei do Submundo. — ela disse em tom quase acusatório. — E eu sou uma deusa idiota que passou a vida inteira debaixo da asa da mamãe. Eu quero voltar pra minha mãe neste exato momento. Realmente acha que eu daria uma boa rainha pra você?
— Eu não ligo se seria boa ou não. — ele disse com absoluta certeza. — Eu quero você, e é só o que me importa. Já é muito mais do que meus irmãos tem com as esposas deles, isso eu garanto.
Sakura suspirou de novo.
— Também quero você. Muito, na verdade.
— Então é só me dizer “sim”. — instintivamente, a mão de Sasuke agarrou a de Sakura por cima da mesa. Ela enrijeceu um pouco com o contato, mas não puxou pra longe dele. — Me diga “sim”, Sakura. E foda-se o resto ou os outros.
Ela observou a forma como os dedos dele acariciavam as costas de sua mão por cima da mesa. Tão suave e delicado que a fazia ter vontade de chorar.
— Eu sou tudo o que a minha mãe tem. — ela sussurrou de maneira dolorida. — Se eu me casar, ela fica sozinha.
Sasuke recolheu sua mão ao adotar de novo aquela postura furiosa.
— Sua mãe é a porra de uma nascisista, Sakura. — ele começou a vociferar com raiva. — Ela passou a vida inteira enfiando na sua cabeça que deveriam ficar juntas só porque ELA não quer ficar sozinha e sem uma filha pra dar atenção a ela o tempo todo. Quando é que você vai entender isso?
Ele deve ter começado a gritar no meio das frases, já que Sakura foi se encolhendo conforme cada palavra ia saindo, e no fim, ela tinha começado a chorar.
Sasuke suspirou, arrependido, ao vê-la chorando por causa do que ele disse.
Ele se levantou e deu a volta na mesa para pegar a garota, se sentando no chão ali ao lado e puxando-a para seu colo. Sakura continuou chorando de maneira dolorida, agora em seus braços.
— Desculpe, eu não queria gritar. Nem te fazer sofrer. — ele murmurou baixinho perto da orelha dela. — Eu não vou mais gritar com você, eu prometo.
Sakura não disse nada, só continuou chorando. Sasuke a envolveu melhor nos braços, e em determinado momento, ela se aconchegou melhor nele para continuar chorando.
Sasuke sabia que ela estava sofrendo, é claro. Ela passou a vida inteira acreditando que precisava da mãe para viver, e agora estava longe dela.
Não era culpa dela, e sim da dependência emocional que Tsunade criou entre as duas para prender Sakura.
Gritar não era o caminho certo, ela precisava é de consolo e de tempo.
Ele não disse ou fez nada nos minutos que se seguiram, só continuou a abraçando enquanto ela chorava dentro de seus braços.
Em algum momento, ela parou de chorar e se acalmou um pouco mais. Foi quando ele sentiu ela tocando em seu braço, os dedos suaves deslizando por cima dos arranhões vermelhos na pele pálida do braço dele.
— Desculpe por ter te machucado. — Sakura sussurrou com a voz rouca.
— Não machucou. — ele respondeu de volta. — E me desculpe por raptar você.
— Idiota. — ela murmurou enquanto voltava a esconder o rosto no peito dele.
Sasuke fechou os olhos, apreciando o calor e o cheiro doce e floral que vinha da mulher em seu colo.
Ah, droga. Que tentação.
Mas ele não ia fazer nada, isso tinha certeza. Não era hora nem o lugar.
E ainda assim, era tentador demais.
Sem saber das próprias tentações de Sasuke, Sakura estava pensando basicamente na mesma coisa.
Ela gostava daquela sensação gélida que emanava do corpo do deus dos mortos. Era algo novo, que ela achava reconfortante. Então gostava muito quando ele a abraçava assim.
— Vou te levar pra cama. — ele disse baixinho antes de ajeitá-la melhor nos braços, para ficar de pé e erguê-la junto.
A essa altura ela já tinha parado de chorar, e não pôde deixar de sorrir ironicamente enquanto ele andava pelo palácio com ela nos braços.
— Essa é nova. — ela murmurou com sarcasmo. — Pelo menos a minha mãe me deixa usar as minhas próprias pernas para andar pela casa.
— Cale a boca. — Sasuke chiou com irritação, fazendo-a rir.
Eles chegaram lá em cima, e ele a levou de volta ao quarto dela, deixando-a de novo sobre a cama, dessa vez bem mais cuidadoso do que na ocasião anterior.
E Sakura nem deixou que ele se afastasse, na verdade, já que ela continuou segurando na roupa dele, mantendo-o próximo.
— Dorme aqui comigo. — ela pediu baixinho, num sussurro. — Por favor. Não quero dormir sozinha.
— Não está sozinha. — ele respondeu. — Meu quarto fica no final do corredor.
Sakura continuou com as mãos segurando firme na camisa dele enquanto o olhava de maneira suplicante, o rosto meio vermelho.
— Por favor, Sasuke. — ela cochichou de novo.
Sasuke suspirou antes de negar com a cabeça num movimento sutil.
— Não dá. — ele sussurrou de volta. — Não consigo.
— Ainda está muito bravo comigo?
— Eu deveria. — ele a encarou antes de levar uma mão ao rosto dela, acariciando suavemente a pele quente. — Você provavelmente é a pior coisa que me aconteceu em toda a minha existência. Me transformou no monstro no qual todo mundo sempre me disse que eu era.
Sakura se encolheu um pouco, de maneira dolorida, e suas mãos apertaram um pouco mais a camisa dele.
— Você deve ser o meu Tártaro pessoal. — Sasuke suspirou de novo.
Sakura percebeu nos olhos tristes dele o quanto estava magoado. Com ela e consigo mesmo.
— Desculpe. — ela cochichou levando as mãos ao rosto dele, tocando suavemente nas bochechas geladas.
Sasuke apenas a observou de volta por uns minutos, de maneira sôfrega, antes de inclinar sobre ela devagar e depositar um beijo em sua testa.
— Até amanhã, Sakura. — ele disse baixinho antes de se afastar.
Quando se viu sozinha no quarto de novo, Sakura se encolheu em cima do colchão, abraçando as próprias pernas enquanto se segurava para não voltar a chorar.
Àquela altura, já tinham crescido várias e várias flores pelo quarto, principalmente por causa de todas aquelas fortes emoções que a deusa sentia.
Mas nenhum dente de leão em lugar nenhum.
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