Quando amanheceu, Legolas se juntou a Aragorn e Gimli para tratar de assuntos relacionados às tropas que pretendiam convocar.
Ele não estava para muita conversa e vez ou outra ficava perdido no vazio. Seus amigos logo notaram que algo não ia bem, mas mantiveram a discrição e esperaram que Legolas fizesse algum comentário.
Kyara ficou no quarto sem a menor vontade de se levantar. Não queria ver ninguém, muito menos falar com quem quer que fosse. Sentia-se tão desolada e sem forças que o melhor a fazer era ficar trancada.
Depois de um tempo vestiu-se e foi caminhar pelo castelo. Chegou ao pátio de treinos e, encostada num canto, ficou quieta observando os guardiões e alguns elfos treinarem sem que notassem sua presença. Entre eles estavam os irmãos da rainha e Glorfindel.
Kyara observou, atentamente, a técnica e a elegância do elfo noldor instruindo seus soldados e concluiu que não gostaria de tê-lo como adversário. Glorfindel parecia um Deus e com a espada firmemente em punho tornava os dois um só.
A certa altura Elladan a viu escondida num canto e foi até ela.
— Princesa! Está escondida aí há muito tempo?
— Meu nome é Kyara... Só Kyara... Se tinha uma coisa que a incomodava era essa mesura a sua pessoa ou ao seu título de princesa. Isso a deixava desconcertada... – Cheguei há pouco... Mentiu ela... – Não incomodo se ficar aqui quietinha e só observar? Não quero ser inconveniente.
— De forma alguma... Kyara... Respondeu Elladan com um sorriso simpático no rosto.
— Viu como soa melhor... E ela devolveu o sorriso... – Estou muito feliz por saber que os cavaleiros aqui presente estão do meu lado. Não gostaria de enfrentar nenhum de vocês.
— Que modéstia a sua. Nós é que estamos mais confiantes, porque temos uma aliada incomparável. Os Orcs terão uma bela surpresa.
— Realmente bela... Chegou Glorfindel se envolvendo na conversa... – Está preparada para nosso duelo?
— Agora?... Não estou com trajes apropriados, mas creio que não faltará oportunidade para isso.
Glorfindel a perscrutou com um sorriso maroto nos lábios.
— Que isso não seja desculpa para não me enfrentar.
— Ora, ora, Lorde Glorfindel, a que tipo de guerreira me toma? Acaso acha que fugiria de um bom combate?
— Não sei. Nunca duelei com uma mulher antes. Muito menos uma princesa. Confesso que estou muito curioso.
— E com vontade de perder, eu diria... Aproximou-se Elrohir.
Ela olhou os três elfos a sua frente lhe sorrindo e sentiu-se desafiada. Erguendo uma das sobrancelhas, falou solenemente.
— Os cavalheiros poderiam aguardar um momento, por favor? Preciso me preparar.
Neste momento Kyara deparou-se com Legolas chegando ao portão de entrada do pátio e seu semblante não era nada animador. Preocupada, ela dirigiu-se rápido até ele.
— Demétrio e sua família já estão no castelo. Melissa chegou aqui sentindo as dores do parto e acho que as coisas não vão bem... Disse Legolas.
— Então não posso perder tempo.
— Desistiu do duelo, princesa?... Perguntou Glorfindel.
— Outra hora, talvez. Neste momento tenho uma amiga precisando de mim.
— Algum problema?... Alguma coisa aconteceu com a Arwen?... Perguntou Elrohir preocupado.
— Não com ela, mas com a senhora grávida que embarcamos no porto. Entrou em trabalho de parto e, ao que parece, está passando por dificuldades. Preciso ajudá-la.
Kyara correu para o castelo e logo se aprontou para procurar por Melissa. Ao descer as escadas encontrou Arwen conversando com uma das criadas, que aparentava desespero.
— A família que vocês haviam falado ontem já está no palácio. Eu os instalei na ala de trás. A mulher grávida é irmã da minha camareira, Michelle. Ela já chegou acompanhada de duas parteiras da casa de cura... As coisas não vão nada bem, Kyara. Elas não conseguiram virar a criança e a moça está muito fraca. Estamos desesperadas, porque já não sabemos mais o que fazer.
— Eu posso ajudar.
Kyara trazia consigo um embrulho de pano e um grande avental.
— Levem-me até Melissa.
Caminharam pelo palácio até saírem para um pátio de pedra. Arwen abriu um grande portão de madeira e atravessaram um pomar com algumas casas brancas em volta. Entraram na primeira casa, subindo alguns degraus de uma varanda florida. No canto, sentado em um balanço, estava Demétrio com as crianças e outra moça muito parecida com Melissa. Certamente deveria ser a irmã, Michelle.
— Kyara! Que bom revê-la. Minha mulher está lá dentro e não me deixam entrar. Ela está sofrendo muito, Kyara. Estou com muito medo de que não resista... Demétrio falou apavorado... – Desde o barco está passando por esse desespero e até agora não conseguiram ajudá-la. Ela vai morrer!
— Melissa não vai morrer, porque eu não vou deixar.
Kyara olhou para a entrada do portão e avistou Legolas seguido de Aragorn e Gimli caminhando em direção a casa, apressados.
— Como ela está Kyara?... Perguntou Legolas... – Demétrio! Fui ao porto hoje cedo, mas vocês já estavam a caminho do palácio.
— Meu amigo, as coisas não estão muito boas... Majestade! Minha Senhora!... Demétrio fez uma reverência para Aragorn e Arwen... – Perdoem-me. Estou tão desesperado que não enxerguei ninguém... – Estou passando por um momento de terror e minha mulher está morrendo.
— Fique calmo, Demétrio. Você deve ser a irmã da Melissa, certo?... A moça confirmou com a cabeça sem condições de falar... – Conhece alguém que esteja amamentando?
— Sim, por quê?
Kyara deu um suspiro e se dirigiu a Demétrio e Michelle... – Preciso que confiem em mim. O que vou fazer não permitirá que ela amamente o filho por, pelo menos, uns dez dias por isso precisamos de alguém que possa amamentá-lo. Há quanto tempo ela está em trabalho de parto?
Aproximou-se da porta uma das parteiras respondendo a pergunta.
— Estamos com ela há umas quatro horas, mas a bolsa arrebentou ainda no barco e percebemos resíduos de um líquido esverdeado e mal cheiroso. Isso não é bom. As mulheres que socorri nessas condições não suportaram e nem o bebê.
— Então a urgência agora é para salvar a criança... Ela puxou Legolas para um canto... – Leve Demétrio e as crianças daqui. Tente distraí-los com alguma coisa. Essa tensão não me ajudará em nada e nem a Melissa.
— Está bem, mas o que significam as palavras da mulher?
— Temo que a criança esteja sofrendo. Talvez não sobreviva.
— O que vai fazer?
— Operá-la.
Dizendo isso Kyara entrou casa adentro prendendo os cabelos e amarrando o avental.
— Preciso do quarto arejado e bem iluminado. Tragam lençóis limpos e cortem um deles em pequenos pedaços, para compressas. Preciso também de água fervendo e uma bacia.
— Kyara... Não estou aguentando mais. Já não tenho forças... Salve meu bebê, Kyara.
Melissa estava deitada no meio de uma enorme poça de sangue, completamente suada, abatida e sem forças para falar.
— Você não vai perder seu bebê. Agora quero que pare de fazer força. Vamos trocar essas roupas e limpar esse sangue... Tem que ser rápido. Estamos correndo contra o tempo. Arwen, acha que pode ficar aqui?
— Sim, quero ajudar. Meu pai também é curador e sempre que podia eu o ajudava. O que vai fazer?
— Vou operá-la... Melissa, você confia em mim?
— Sim.
— Você vai tomar um chá o máximo que aguentar e em pouco tempo as dores passarão e você vai dormir. Quando acordar tudo já terá acabado. Não poderá fazer esforço por alguns dias, e, a partir do momento que acordar, terá que tomar outro chá, muito amargo, três vezes por dia até eu dizer que não precisa mais. Enquanto você tomar esse chá não poderá amamentar seu filho, mas não se preocupe porque sua irmã está trazendo alguém que o amamentará nesse período.
Tomaram todas as providências solicitadas por Kyara e Melissa bebeu o quanto pôde o chá, e logo adormeceu. Os lençóis foram trocados e tudo já estava preparado.
— Deixem tudo pronto para quando a criança nascer.
Arwen se ofereceu para ajudá-la na operação e Kyara pediu que ficassem no quarto apenas as duas. Kyara parou ao lado da cama onde estava Melissa adormecida, completamente nua. Fechou os olhos e começou a balbuciar coisas indecifráveis, esfregando as mãos cada vez mais rápido.
Circulou pelo quarto uma brisa leve e suas mãos foram avermelhando mais e mais até parecerem duas brasas. Ela encostou as mãos na barriga da Melissa, que absorveu todo o calor, ficando também vermelha.
Kyara abriu o embrulho que trazia expondo diversos tipos de instrumentos de corte e outras ferramentas desconhecidas para Arwen. Ela jogou tudo em uma bacia com água fervendo depois deixou todas alinhadas na beira da cama.
— Arwen! Quero que fique próxima a mim e me passe às compressas sempre que eu precisar.
Kyara apanhou uma das facas e fez um corte horizontal um pouco abaixo do umbigo da Melissa. O tempo que se seguiu ela talhava a carne, abrindo em camadas cada vez mais fundas e Arwen, embora assustada com a cena, mantinha-se firme ao seu lado secando o sangue em torno do corte e auxiliando em tudo que fosse necessário.
Algum tempo se passou no mais completo silêncio na casa, enquanto do lado de fora todos aguardavam com a maior ansiedade. Demétrio não conseguia ficar quieto e andava de um lado para o outro. Gimli sentou-se no meio do pomar com os meninos e começou a contar suas histórias de batalhas, enquanto Marisla estava quieta no colo da tia. As parteiras estavam sentadas na varanda, no mesmo balanço que Demétrio havia estado, aguardando serem solicitadas. Até Aragorn estava agoniado.
— Legolas, o que será que está acontecendo na casa? Não ouvimos nada, nem um som. Geralmente um parto não é assim... As parteiras estão na varanda.
— Kyara vai operá-la... Não me pergunte o que eu não saberei responder. Vamos aguardar. Se ela disse que pode ajudar, então confie.
Ela havia alcançado a criança, que estava toda enrolada no cordão umbilical.
— Arwen, chame as parteiras.
Todos ficaram atentos quando avistaram Arwen na porta e logo em seguida as parteiras entraram na casa. Kyara retirou a criança e Arwen a enrolou em um lençol. Era uma menina. Estava roxa e sem sinal de vida. As parteiras mexiam com ela, massageando-lhe o peito, mas nada acontecia. Kyara, então, a pegou no colo e deitou-a na cama.
— Vamos pequenina, reaja.
Ela utilizou o mesmo recurso esfregando as mãos em quanto balbuciava as mesmas coisas até suas mãos avermelharem novamente. Depois tocou o peito da criança que imediatamente absorveu todo o calor. Kyara abriu a boca dela e enfiou o dedo na garganta, puxando uma secreção grossa de dentro, tapou o nariz do bebê e assoprou para logo em seguida forçar seu peito várias vezes, mas não obtinha resposta. Alternou os movimentos insistentemente e nada aconteceu.
— Você é forte, eu sinto isso. Lute!
Todo o esforço empregado estava sendo em vão e Kyara não havia conseguido nenhum sinal de vida da criança. Tentava aparentar calma, mas seus olhos marejados denunciavam seu temor de não conseguir trazê-la a vida.
— Ela não reage.
Kyara começava a se desesperar.
— Minha senhora, desista. Ela já está morta... Disse uma das parteiras.
Arwen não conseguiu suportar mais aquela cena angustiante e saiu da casa chorando. Aragorn correu até ela abraçando-a e os outros o acompanharam temendo pelo pior.
— Aragorn!
Emocionada ela atirou-se nos braços do marido sem conseguir falar.
— O que está acontecendo, Arwen?... Perguntou Legolas.
— A criança não respira... Kyara está lutando em vão tentando trazê-la a vida... Secando as lágrimas Arwen tentou se acalmar... – Passou-se muito tempo da hora para a criança nascer e ao que parece ela não resistiu... Eu sinto muito Demétrio.
E mais uma vez chorou abraçada a Aragorn.
Demétrio, desesperado, ajoelhou no chão com as mãos no rosto, lamentando-se pela filha perdida. As crianças se assustaram com a reação do pai e começaram a chorar, também, e a tristeza tomou conta de todos ali.
Doloroso demais ver o sofrimento daquela gente. Tanto a rainha quanto seu marido e os amigos ali presentes não sabiam como abrandar tanta dor. Arwen somente pensava na mulher desacordada na casa. Quando recobrar a consciência e souber da perda da filha certamente se desesperará mais que qualquer um.
Agora casada sabia que em algum momento também teria seus próprios filhos e essa possibilidade a deixava ainda mais sensível àquele tipo de situação. Aragorn também se compadecia profundamente pela família. Um pai jamais deveria passar pela dor de perder um filho.
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