Idrial permitiu que a amiga desabafasse sua mágoa solidária aos seus sentimentos, sem levar em consideração sua revolta e sua promessa de abandonar o reino e o seu amado. No entanto, estava certa de que a princesa tentaria alguma manobra arriscada para se envolver com o que havia sido expressamente proibida de fazer. E ela sabia que essa história renderia muita confusão.
Logo que saiu do quarto da Kyara voltou seus pensamentos para outro alguém que povoou seus sonhos desde que o conhecera. No entanto, ainda não se sentia segura de se revelar para quem se manteve tão distante e indiferente a sua pessoa.
Com as lembranças das suas tardes nos jardins de Gondor e do guerreiro, que admirou a distância sem nunca ter tido a oportunidade de lhe dizer algo mais que um simples cumprimento, Idrial entrou no gabinete do rei para organizá-lo e recolher as taças. Estagnou completamente o passo, vendo-se num impasse ao depara-se com Elrohir de pé no mesmo lugar de antes, contemplando o jardim do palácio. Não podia simplesmente ignorá-lo, mas estava certa de que não seria mais que um mero cumprimento como das outras vezes.
Elrohir não percebeu a presença da elfa porque seus pensamentos voltaram-se para uma conversa que tinha tido a pouco naquela mesma sala.
"... - Lady Idrial me pareceu ainda mais encantadora.
Comentou Glorfindel para Elrohir logo que todos os cavalheiros se retiraram para o alojamento dos soldados, inclusive o rei.
– Por que o comentário?
– E por que não comentar?... Uma dama com sua beleza e inteligência. Sabia que ela é erudita sobre a história dos eldar e das línguas faladas na Terra Média?... Rumir me disse que ela sempre passou horas lendo e estudando sobre esses assuntos. Soube também que Narthan a ensinou o manuseio da espada Sindar e arco e flecha. De acordo com Legolas, se tivesse oportunidade de treinar seria tão boa arqueira quanto ele.
– Lady Idrial?
– Sim. Julgava-a o tipo de donzela que passa o dia apenas com panos e bordados sobre o colo?
Elrohir endureceu o rosto... – Não julgava-a tipo algum. Além do mais não diminuo o trabalho das moças que passam seus dias bordando, costurando ou coisa do tipo... A beleza das nossas vestes e dos nossos estandartes vem dessas mãos habilidosas.
– Sim, claro. Lady Idrial também é hábil com essas tarefas.
– Por que o interesse, Glorfindel? Acaso está enfim analisando as aptidões de uma pretendente?
Ele buscou esconder os sentimentos mistos que aquelas pequenas revelações sobre Idrial lhe despertaram: surpresa, admiração, ciúmes. Perguntava-se como um elfo duro feito pedra como Glorfindel poderia saber tanto de uma pessoa tão delicada como Idrial?... Poderia ele amá-la?... Indagou-se assustado relembrando a festa de casamento de Legolas, quando os flagrou aos risos.
– Sim. De fato, tenho.
O sorriso sutil de Glorfindel se alargou como poucas vezes, principalmente depois que percebeu o empalidecer esperado surgir no rosto do senhor de Valfenda.
– Mas não para mim.
Elrohir envergou as sobrancelhas sem compreender.
– Mellon-nin!¹... Continuou Glorfindel olhando o outro elfo com seriedade... – Acho que está certo em não julgar nada que lady Idrial seja ou faça.
– Não compreendo você, Glorfindel.
– Porque nada poderá tirá-la do seu coração. E eu não imagino que exista algo nela que o fizesse desejar fazê-lo, mesmo se pudesse. Teimou em me acompanhar nesta viagem na esperança e no desespero de poder, de alguma forma, revê-la. Mesmo sabendo que não tinha planos de vir a Eryn Lasgalen, não é verdade?... Sabemos que a amou desde que a viu em Parth Galen.
– Sabemos? Se eu mesmo não sei, quem, além de você, poderia supor isso?
– Seus irmãos, a princesa Kyara... O que fazia nos jardins de Gondor? Desde quando se interessou pelo entardecer e por flores? Valfenda tem os jardins mais belos que já vi e nunca o flagrei admirando suas belezas... A quem está tentando enganar? Lady Idrial?... Sim, porque ela foi a única que pensou ter por ela algum tipo de antipatia já que se manteve distante todo o tempo.
Elrohir ficou atordoado diante de tantos fatos e tantas verdades.
– Meu coração não está aberto, Glorfindel. Como pensa que me deixei dominar dessa forma?
– Eu não disse que estava... Ele comentou, caminhando até a porta... – Mas ela está dentro dele mesmo assim.
Adicionou, abrindo a porta e passando por ela. Porém, antes de fechá-la, ainda olhou mais uma vez para o amigo que deixaria sozinho com aquelas últimas palavras.
– Talvez ela esteja dentro dele porque sempre fora seu lugar. Já pensou nisso?... Eu só espero que tenha coragem para admitir que já não caminha só... Faça o que tem que ser feito enquanto tem oportunidade."
Idrial entrou no recinto, silenciosa, e dirigiu-se para a mesa do rei organizando os mapas e documentos. Elrohir voltou a atenção para a pessoa de pé diante da mesa e permaneceu em silêncio ouvindo o seu coração acelerado. Teve a impressão de que o castelo todo poderia ouvi-lo bater, e as conjecturas de Glorfindel se confirmaram em sua mente.
– Como negaria o amor que tenho por ela?... Ele pensou... – Tanta experiência adquirida vagando pela Terra Média com meu irmão, tantas lutas e vitórias. Quando meu pai anunciou que havia chegado o tempo de se juntar a minha mãe nas terras imortais não me preocupei com o sucesso ou fracasso em manter a última casa amiga dos elfos acessível a quem precisasse, e agora simplesmente paraliso diante de uma donzela, como se fosse a primeira batalha que enfrento na vida.
Idrial voltou sua atenção para o elfo guerreiro a sua frente, mas desta vez não lhe agraciou com seu sorriso cativante.
– Eu o incomodo senhor?
E Elrohir permaneceu em silêncio mais uma vez perdido com seus pensamentos.
– Se preferir posso retornar mais tarde.
E começou a se afastar da mesa em direção a porta.
– Não, milady! De forma alguma.
Idrial parou no meio do caminho e de súbito voltou sua atenção para o elfo.
– Preciso lhe fazer uma pergunta e gostaria que não fosse educado. Apenas sincero.
Elrohir percebeu a seriedade das palavras da dama, que o encarava com o semblante entristecido.
– Minha educação não me permitiria ser deselegante. No entanto, mesmo que representasse uma grosseria, jamais ouviria de minha parte falsas palavras.
– Então me responda: eu o incomodo?
Elrohir calou-se diante da pergunta e ela insistiu.
– Sempre ficava distante no jardim de Gondor e percebi que evitava um contato comigo. Penso que minha companhia não lhe é de muito agrado... Estou certa, Senhor?
Elrohir soltou os ombros vendo-se num caminho sem volta e dirigiu-se para ela parada no meio do salão, com uma expressão ansiosa no rosto.
– A verdade é que incomoda, e muito... Incomoda tanto ao ponto de me deixar sempre desconcertado na sua presença.
Idrial empalideceu com a revelação. Os dois ouviram as vozes do rei e do conselheiro se aproximando do gabinete e ela deu-lhe às costas para se retirar antes que algo mais pudesse ser dito. Esbarrou com o pai na porta e tentou disfarçar o choque que recebera com as palavras do amado.
Filha! Sente-se bem? Me parece pálida.
Idrial suspirou e encenou seus sorriso sereno.
– Sim, meu pai. Sinto-me tensa por conta dos perigos que estamos enfrentando e a guerra que bate às nossas portas. Apenas isso... Todo o reino está assim.
– Por certo que sim. Venha comigo. Sua mãe estava procurando por você.
O rei entrou no gabinete e estranhou a expressão preocupada de Elrohir.
– Algum problema?... Aconteceu alguma coisa aqui no gabinete que tenha provocado essas reações estranhas em vocês dois?
– Não, majestade!... Ele suspirou... – Nada que eu tenha conhecimento.
Thranduil ficou observando o olhar distante do elfo de Imladris para o corredor que Idrial seguiu com o pai e de súbito comentou.
– Idrial é uma moça encantadora. Meiga, atenciosa, inteligente em demasia e muito prendada. Afortunado será aquele que conseguir conquistar seu coração.
Elrohir voltou-se para o rei e este lhe indicou a cadeira a sua frente.
– Por certo que sim. Glorfindel chegou a comentar um pouco das suas qualidades... Majestade! Preciso lhe fazer uma pergunta. Uma pergunta de suma importância e preciso que seja franco comigo... O rei assentiu que sim e ele continuou... – Considera-me digno o bastante?
O rei franziu o cenho... – Que tipo de pergunta é essa Elrohir?
– O tipo de pergunta que pode levar um elfo a tomar uma decisão muito importante.
O rei sentiu a gravidade da situação, mesmo sem compreendê-la completamente.
– Digno de que, exatamente?... Acaso esta pergunta está relacionada à Idrial?
– Sim. Preciso saber se me acha digno de cortejar lady Idrial.
O rei manteve-se impassível por um instante até lhe oferecer um sorriso discreto.
– Ela disse-lhe algo?
– Não, senhor. Ela não sabe das minha intenções. Para ser sincero pensa que eu lhe tenho alguma antipatia.
– Por que ela pensaria isso de você?
– Porque percebe meu desconforto quando estou na sua presença, mas nunca tive coragem de demonstra o tipo de sentimento que tenho por ela.
– E que sentimento seria esse?
Ele encarou o rei a sua frente e respondeu sem rodeios... – Amor!... Não quis dar importância a isso e até me esforcei para evitá-la realmente, mas a verdade é que a amei no momento em que fomos apresentados na floresta de Parth Galen... Insisti para acompanhar Glorfindel ao reino do meu avô, sem admitir que o fazia na esperança de poder revê-la de alguma forma... Fiquei me questionando sobre o que poderia saber desse sentimento até vê-la diante de mim aqui em seu gabinete alertando-me para um vazio em meu peito que, até conhecê-la, não existia.
– Entendo perfeitamente o que quer dizer... Sua preocupação refere-se a sua ancestralidade híbrida. Preocupa-se se seria aceito sendo um meio-elfo... Não é a mim que deve perguntar isso, mas aos pais dela.
– Então não tem uma resposta para minha pergunta?... Se fosse sua filha faria gosto por essa união?
– Essa criança nasceu aqui no palácio e cresceu brincando com meu filho. Eu a vejo como minha filha, também. Embora de fato não o seja... Se quer minha opinião a respeito deve saber da Idrial se ela desejaria ser cortejada por você e mais ainda se o aceitaria como esposo. Sobre esta questão entendo que é a única que tem o direito de se manifestar... Elrohir se calou... – Devo chamá-la ou aos seus pais?
Logo o casal amigo do rei entrou no gabinete pressentindo que algo muito importante havia acontecido e mais intrigados ficaram quando viram Elrohir na companhia do rei.
– Majestade! Senhor Elrohir!... Glóredhel os reverenciou... – Aconteceu algo grave para nos chamar no seu gabinete, senhor?
– Sente-se minha amiga. Rumir... E indicou o sofá diante da lareira para que o casal se sentasse... – Temos a ilustre visita do Senhor Elrohir de Valfenda conosco para somar esforços nessa batalha contra o mal que nos persegue há séculos.
– Temos ciência da situação... Respondeu Glóredhel.
– Entretanto, sua visita ao reino nos trouxe uma novidade que precisa ser compartilhada com os interessados na questão.
O rei se calou esperando que Elrohir se pronunciasse.
– Senhor Rumir! Senhora Glóredhel!... Conhecemo-nos por ocasião do casamento do príncipe Legolas e presumo que pouco saibam a meu respeito.
– Tivemos a felicidade de conhecer seus pais e conviver com eles por um curto período de tempo, infelizmente. Embora tenhamos sido apresentados recentemente sabemos dos seus passos e da sua conduta... Respondeu Rumir.
– Então se lhes repetisse a pergunta que fiz ao rei Thranduil poderiam responder, seguramente.
– De que pergunta se trata?... Quis saber Glóredhel apreensiva.
– Pergunto se me acham digno de cortejar sua filha?
O casal calou-se por um instante e se entreolharam numa troca silenciosa de pequenas informações.
– Ela deixou transparecer algo que o encorajasse?... Mais uma vez perguntou Glóredhel.
– Não. Como havia dito ao rei ela não sabe das minhas intenções e se não for do gosto de seus pais assim permanecerá... Mais um momento de silêncio... – Serei direto com esta questão. A pergunta que fiz diz respeito a minha descendência. Se viermos a nos casar darei a ela filhos híbridos e é essa a questão que me faz estar diante de vocês.
Depois de nova troca de olhares, Rumir se manifestou.
– Ama-a?... Ama-a o suficiente para desposá-la?
Elrohir encarou o elfo... – Sim. Eu a pediria em casamento sem mesmo cortejá-la, porque estou certo dos meus sentimentos. Retornaria desta guerra e a levaria para Valfenda como minha esposa se assim me fosse permitido.
– Muito nos honra sua postura em vir primeiramente nos consultar, senhor. Mas, nossa opinião sobre a questão não é a mais importante, porque entendemos que não nos cabe tal decisão... Idrial tem total conhecimento sobre a história de seus antepassados e sua descendência. Sabe perfeitamente que tipo de filhos teria se a desposasse e o destino que seria reservado a essas crianças... Para lhe ser sincero desde que retornamos de Gondor vem dedicando, a meu ver, tempo demais com esse assunto... Disse Rumir.
– Percebemos que algo havia mudado em nossa filha, mas não me ocorreu que estivesse relacionado a um elfo. Muito menos que houvesse interesse de alguém por ela... Se desejar sua resposta vá até os jardins do palácio. É lá que Idrial está neste momento... Disse Glóredhel.
Elrohir saiu do gabinete do rei temeroso da decisão que poderia ouvir dos lábios rosados da elfa que tomou conta do seu coração, mas agora não poderia recuar. Ele a encontrou sentada em uma das cadeiras debaixo do caramanchão, e, ao vê-lo se aproximar abaixou novamente a cabeça voltando sua atenção para um bordado que tinha nas mãos.
Elrohir percebeu logo sua dificuldade em encará-lo.
– Senhor Elrohir!... Não nego minha surpresa em vê-lo aqui no jardim.
– Milady!... Permita-me?
Ele fez um gesto pretendendo sentar-se na cadeira ao lado da dela. Ela assentiu que sim, mas manteve sua atenção para o bordado. Permaneceram em silêncio por algum tempo e Elrohir perdia, aos poucos, a coragem de lhe revelar seus sentimentos, temendo sua recusa.
– O que o trás ao jardim, senhor?... Por fim ela perguntou... – Sei que os outros cavalheiros estão no alojamento dos soldados. Estranha-me sua visita.
E dizendo isso colocou o bastidor de madeira, que prendia o delicado tecido, sobre a mesa, voltando seus olhos para o elfo.
Desta vez ele sustentou seu olhar com coragem. Percebeu que as delicadas mãos da dama tremiam levemente e seu semblante tentava disfarçar seu nervosismo.
– De uns tempos para cá passei há admirar um pouco mais a natureza.
– Se não tinha o hábito, o que o fez despertar o interesse?
– Recentemente, descobri uma beleza rara. Mas... diante de uma descoberta tão importante me questionei se tinha o direito de, se quer, contemplar tal beleza.
– Por que não poderia?
– Porque poderiam existir aqueles que não concordariam com tal direito.
Idrial olhou para o elfo ao seu lado intrigada com sua conversa e pensou se estava entendo o significado daquilo.
– E perguntou a essas pessoas se teria esse direito?
– Sim.
– E o que foi respondido?
– Que meu direito de desfrutar da beleza dessa rara descoberta e toda a felicidade que ela me proporcionaria estaria com a própria em me conceder esse direito... Por isso estou aqui. Vim para as Terras Ermas na esperança de poder encontrar meu achado tão valioso uma vez mais.
Idrial fitou os olhos do elfo não querendo acreditar no que estava ouvindo e se questionou, mais uma vez, se realmente entendia as metáforas do elfo.
– E encontrou?
– Estou diante dele... Disse que sua presença me incomodava tanto ao ponto de ficar sem palavras e sem coragem. Agora estou mais uma vez sem palavras, porque meu coração bate tão forte que não me permite pensar e, mesmo temendo não receber seu consentimento, agora não me falta coragem para estar aqui ao seu lado. Tanto desejei ocupar este lugar que já me basta o agora, mesmo sem palavras, mesmo sem respostas.
Ela abaixou a cabeça tentando controlar a respiração.
– Por que pensa que não lhe concederia minha atenção?
– Porque desejo mais que sua atenção, milady... Desejo desposá-la. Entretanto, carrego comigo uma herança que passarei aos meus descendentes. Como eu, eles também terão que decidir entre a imortalidade dos eldar ou a intensidade da curta vida dos edain.
– Esta será sua herança aos nossos filhos?... Oferecer-lhes a possibilidade de uma escolha?
Desta vez foi Elrohir a tremer sem querer acreditar nas palavras ditas pelos lábios que o encantavam. Ouvi-la dizer nossos filhos roubou-lhe o ar. A perspectiva desta soma, desta divisão, desta multiplicação era por demais feliz para seu coração, que já batia desesperado.
– Sim. É esta a questão.
– E acha isto uma desonra? A possibilidade de uma separação, bem como outras que por vezes estamos sujeitos.
Elrohir entendeu perfeitamente o que a bela dama estava lhe insinuando.
– De fato. Suas palavras ressaltam o obvio, tornando a questão tão simples, mas tais separações são por demais dolorosas. Por isso temo que não me aceite... Temo sua resposta.
– Sim!
Ele a fitou, ouvindo ecoar a palavra tão pequena e tão simples, que ainda assim lhe pareceu à coisa mais estranha que havia ouvido. Idrial esboçou um sorriso discreto diante da paralisia do guerreiro ao seu lado.
– Eu aceito... Enfatizou.
Elrohir fitou as mãos da dama cruzadas sobre o colo e as segurou, acariciando-as com o polegar. Ela as descruzou e acolheu a mão calejada que a acariciava, tão maior que a sua. Dedos fortes e delicados naquele momento se enlaçavam como seus corações.
– O fato de um meio-elfo ter a pretensão de desposá-la não a perturba?
– Sinto-me honrada... Conheço a história dos seus antepassados e de seus pais. Também sei quem é e como passou a vida e muito me honra ser presenteada com o amor de um poderoso guerreiro, que carrega consigo tantos feitos heroicos.
– Viverá longe dessa floresta.
– O lugar que me levará para viver tem um por do sol?
– Sim. Talvez o mais belo por do sol que já tenha contemplado.
Ela sorriu seu sorriso mais encantador. Ele se levantou e ofereceu o braço para sua amada.
– Devemos anunciar nossa decisão aos seus pais... Ela o aceitou de bom grado... – Diga estrela minha, é o morrer do dia ou o nascer da noite que lhe chama mais atenção?
Idrial sorriu ao ouvir aquele pequeno sinal de carinho.
– Na verdade os dois... Não foi proposital, mas o entardecer acabou por representar minhas esperanças e o meu desejo.
Elrohir franziu o cenho não entendo sua resposta.
– Sempre o via no jardim do palácio ao entardecer. Então vislumbrei a noite abraçando o dia.
Respondeu Idrial distraída e assustou-se quando ele estagnou ao ouvir sua revelação. Pensou se havia sido ousada demais para o senhor de Valfenda.
Ele voltou-se para ela... – E a partir de agora amada minha, o que lhe representará o entardecer?
Idrial entreabriu os lábios para responder, mas, estar próxima daquele que se tornou seu sonho e seu desejo, a fez calar e contemplar a beleza do homem, seus olhos claros e penetrantes. No entanto, quando sentiu o companheiro achegar-se gentilmente, envolvendo-a num abraço, sua resposta se fez urgente, não para quem a fez, mas para si mesma para que o som da sua voz lhe desse a certeza de que aquele momento era real e não outro sonho bom.
– Ele simbolizará, enfim, meu sonho realizado.
A feliz realidade veio mais intensa e menos breve do que julgava a elfa em seus devaneios quando seus lábios se uniram fazendo-os conhecer o significado da palavra amor. Ela enlaçou o pescoço do seu amado deslizando os dedos pelos cabelos macios, enquanto era envolvida num abraço apertado.
No jardim fizeram declarações de amor e deixaram-se embalar pelo aconchego dos enamorados já pensando no momento em que pertenceriam de fato um ao outro.
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Legolas ficou todo o tempo na companhia de seu pai, além de Glorfindel, Haldir e Elrohir, que anunciou aos companheiros seu compromisso de casamento com Idrial. Não fosse a proximidade da guerra e o momento delicado que Legolas e Kyara passavam, haveria festa. Enquanto os cavalheiros degustavam vinho no gabinete após o jantar conversaram sobre a guerra e foi inevitável que tocassem no incidente da tarde.
– Vejo que está muito inquieto Legolas. Acho que deveria procurar sua esposa e resolver este impasse antes que enlouqueça... Disse Glorfindel... – Está pensando tão alto que daqui consigo ouvi-lo.
– Se procurá-la agora acabaremos brigando novamente.
– Meu caro, já pensou na possibilidade de confiar nela? Sabe perfeitamente dos seus feitos. Você é o marido dela e a conhece mais do que qualquer um. Se a floresta pode lhe restituir a magia e estando próxima a você, talvez ela não corra tanto perigo. Seria menos risco do que pensar que ela fosse seguir com seu propósito, vagando pela floresta a ermo... Manifestou-se Haldir com toda a sua sabedoria.
Legolas levantou-se e foi para a janela... – Não duvido da sua capacidade, pelo contrário. Ela é forte, habilidosa e implacável. Não a trocaria por nenhum outro combatente se tivesse que escolher lutar com alguém ao meu lado. Nem mesmo você, Glorfindel.
– É compreensível... Respondeu Glorfindel.
– Se fosse para a floresta recuperaria suas forças, mas ela não está mais no seu reino. E não sei até que ponto poderá usar esse poder. Na batalha contra o bruxo acabou capturada e torturada. Por pouco não morreu... Não é a falta de confiança, mas o medo de que o pior aconteça.
– Compreendemos perfeitamente, Legolas... Pronunciou-se Haldir... – Eu mesmo a vi lutando e fiquei impressionado. Mas, no momento é ela quem precisa ser convencida de que sua postura não está relacionada à sua posição perante as tropas e nem aos costumes do nosso povo, mas ao seu temor de perdê-la.
– Posso fazer um comentário a respeito já que tocaram neste assunto?... Manifestou-se Elrohir... – Tento me colocar no seu lugar, Legolas, e me pergunto: o que faria se Idrial quisesse partir para guerra ao meu lado? Evidente que teria a mesma reação que a sua pelo mesmo motivo: puro medo de vê-la morta ou ferida. Fazendo-me esta pergunta acho até um absurdo pensar em tal possibilidade, porque Idrial não é Kyara. Vê-la atuando em Lis ao articular nossas estratégias e enfrentar nossos inimigos me dá total segurança de tê-la ao meu lado em uma batalha. Por mais louco que nos pareça é a realidade dela, o mundo dela... Ela demonstra estar mais a vontade que muitos dos meus guerreiros. Seu olhar frio e impiedoso perante aquelas criaturas me assustava... Não vou dizer o que deve fazer, mas pondere um pouco sobre a pessoa que ela é. Entendo que ignorar isso é cometer um erro grave.
– Eu não vou interferir neste assunto, meu filho. É o marido dela e deverão resolver isto sozinhos... Manifestou-se o rei... – Admito considerá-la como minha filha. Eu a amo da mesma forma que amo você e me orgulho da escolha que fez. Por isso mesmo meu desagrado em vê-la correndo riscos. Se a perdermos não me perdoarei e sei que você sofrerá uma dor que chegará a beira do insuportável.
O rei se levantou de sua cadeira dirigindo-se para seu lugar cativo na janela e contemplou a cadeira solitária no jardim.
– Tanto tempo se passou e eu ainda não superei a falta que me faz sua mãe. Ainda hoje a vejo sentada naquela cadeira e ao me deitar sinto o calor do seu corpo junto ao meu, o seu perfume pelo quarto, sua voz sussurrando coisas nos meus ouvidos... Não era só você que tinha visões, e devo confessar que ainda hoje elas me acompanham... E se voltou para Legolas... – Não quero que sofra a minha dor... Eu ainda tenho a esperança de poder revê-la quando fizermos nossa viagem para as terras imortais. Espero que ela já tenha se libertado dos salões de Mandos... Mas, você não terá essa chance, Legolas. Se o pior acontecer com a Kyara será definitivo. Ela não terá o mesmo destino que nós. Por isso não a quero nesta guerra, entretanto deixarei esta decisão para você. Acatarei o que resolverem.
Depois das revelações do rei todos se mantiveram calados até Glorfindel quebrar o silêncio.
– Faça o que o seu coração pede... Nestas questões digo que é nosso melhor conselheiro. Vocês se amam e por isso devem confiar um no outro. Devem saber que fazem o melhor pelo outro. Então, não perca mais tempo e vá conversar com ela.
Depois de muito vinho e muita conversa, Legolas levou Glorfindel e Elrohir para um passeio pelo reino na companhia de Narthan. Haldir preferiu se recolher. Chegando a fonte principal, Glorfindel avistou Mirhaniel se dirigindo ao seu talan e pediu licença aos companheiros.
Narthan acompanhou os passos do elfo e não pôde disfarçar seu descontentamento quando o viu cumprimentar sua amada.
– Sente alguma coisa, Narthan? Seu semblante está deveras sombrio. O que passa em seus pensamentos?... Perguntou Elrohir.
– Sinto apenas um desconforto. Não me agrada nem um pouco a ideia de ser deixado para trás... Respondeu o capitão como desculpa.
Enquanto isso Glorfindel surgiu diante de Mirhaniel, que parou ao ver o nobre guerreiro se aproximar.
– Não acreditei quando o vi passar com as tropas hoje cedo.
– Hen ellith²! Ele a reverenciou e beijou-lhe a mão... – Sempre bela e delicada, como uma rara flor.
– Amim beleg faron³!... Você nunca esteve em meu talan.
– Não, e não acho conveniente subir estando apenas nós dois.
– Sempre um cavalheiro. A quem devo explicações, senhor?... Se não posso confiar nas virtudes de um alto elfo a quem considero um amigo em quem mais confiaria?
– Então não sabe da sua beleza, milady, e nem da sua doçura... Mas, faria um pobre guerreiro, que está às vésperas de se lançar ao desconhecido, muito feliz se aceitasse minha companhia para um passeio. Este reino tem tantas belezas para se admirar... Disse Glorfindel lhe oferecendo o braço, e ela o aceitou sorridente.
Afastaram-se dos demais e Narthan não suportou a expressão de felicidade dos dois. Ele abaixou a cabeça sentindo as lágrimas virem aos olhos. Naquele momento seu coração doeu mais que toda a dor que já havia sentido na vida e pediu licença para se recolher ao alojamento, alegando mal estar.
Legolas seguiu seu olhar e percebeu que o encontro de Glorfindel e Mirhaniel não o agradou e teve a certeza de que seu amigo a amava.
Todos resolveram acompanhar o capitão até o alojamento e dali Elrohir e Legolas retornaram ao castelo.
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– Pensei que a encontraria casada... O modo como o capitão tem me olhado me diz que ainda não se entenderam.
– Glorfindel, entenda que meu amor não foi suficiente para ele, então, esta questão já está resolvida para mim.
– É uma situação no mínimo curiosa. Se ele a recusou posso garantir que não foi pela falta de amor... Mas fico feliz em vê-la mais forte e determinada. Diria até mais independente. Não conheço uma donzela que receba em sua casa um elfo solteiro.
– Por que não o receberia? Somos amigos, não somos?
Glorfindel a olhou sério... – Realmente está muito mudada, mas há coisas em você que permanecem.
– E o que seria?
– Você sabe.
– Está se referindo a Narthan. Como pode afirmar isso?
– Vejo nos seus olhos, minha cara.
– Desde que retornei de Lórien venho pensando muito sobre viver só.
– Sim. E a que conclusão chegou depois de tanto refletir a respeito?
– Que meu tempo de sofrer acabou e que preciso voltar meu coração para quem possa me fazer feliz.
Glorfindel encarou a elfa a sua frente. Depois de um instante de silêncio ele segurou a mão de Mirhaniel.
– Sabe perfeitamente da admiração que tenho por você... Já passamos dos recatos típicos daqueles que acabam de se declarar apaixonados. E apesar de tê-la cortejado no passado o amor não nos aconteceu.
Ele acariciou a mão da dama e a beijou.
– Desejei fervorosamente que fosse uma donzela livre para torná-la minha esposa e que enfim não vagaria mais por essa terra sozinho. Mas isso é impossível para nós.
– E se eu te disser que é o que quero... Você me fez ver que não posso mais passar a eternidade sozinha e infeliz. Narthan nunca tomará uma atitude. Ele se vê casado com suas tropas. Tenho minha vida para me preocupar e se tem alguém que pode me fazer feliz esse alguém é você, Glorfindel.
Mirhaniel acariciou a face do elfo. Vendo aqueles olhos amendoados tão perto e seus lábios tão delicados suplicando por ele o fez tomá-la nos braços e mergulhar em sua boca, num beijo intenso e cheio de desejo. Mirhaniel deixou-se levar pelas carícias do elfo, mas em sua mente a imagem de Narthan deitado em sua cama a perturbava.
De repente ele cessou o beijo e a olhou nos olhos.
– Não vou levar isso à diante. Voltamos à mesma questão de anos atrás. Não me falta o desejo, mas não vou ficar entre dois amores. Um coração quando tomado não se liberta tão facilmente, e se tratando do coração de um elfo, menos ainda... Revire todos os cantos do seu coração e me diga se o capitão não está aí, como um posseiro? Mas seja sincera, se não para mim seja para você mesma.
Ela olhou para ele atordoada, sem saber o que dizer. Glorfindel abaixou a cabeça e ao erguê-la sorriu um sorriso triste.
– Não precisa me dizer mais nada.
Ela o abraçou desesperada e desmanchou-se em lágrimas. Ele tinha razão. Enquanto se beijaram foi os lábios do capitão que sentiu tocá-la e sua mente somente conseguiu vê-lo na sua frente.
– Perdoe-me. Estou tão envergonhada. Mais uma vez me ofereci a você de uma forma tão, tão...
Ele a interrompeu.
– Não permitirei que continue. Você não é isso o que quer dizer. Acredito que realmente deseje se desvencilhar desse amor que a aprisiona e que tenha desejado que eu seja o seu amor, mas não sou e nunca serei. Eu a admiro e a respeito demais para me aproveitar disso... Você é belíssima e tem tudo que um elfo poderia querer de uma esposa. Talvez por isso ainda me deixe levar sempre que nos encontramos. Se resistisse a você eu agiria como um verdadeiro cavalheiro.
– Não entendo como ninguém não conquistou seu coração. Se as outras damas o conhecessem.
– Acho que é essa a questão. Todos me veem como um guerreiro frio e implacável ou um ser quase celestial por ter retornado da morte... Matador de Balrogs é como os soldados me chamam e as damas devem me imaginar uma pedra de gelo ou divino demais para amar. Por isso ninguém se atreve a se aproximar.
– Você também não permite que ninguém se aproxime.
– Confesso que a única que me chamou a atenção foi você.
Ela sorriu e beijou seus lábios com suavidade.
– Não sei muito bem o que fez com que nos aproximássemos... Houve um momento de silêncio... – Só sei que quando estou com você sinto que também não quero mais viver só. O problema é que meu coração ainda anda errante por aí e isso me faz pensar que estou condenado à solidão.
– Você diz se encantar com a minha delicadeza e beleza, mas talvez aquela que irá conquistá-lo deva ser muito diferente das damas élficas... Como a princesa Kyara, por exemplo. O príncipe Legolas já foi muito cobiçado no reino e, como você, é um dos elfos mais belos que já vi, mas precisou ser uma mulher como a Kyara para arrebatar aquele coração. Vocês são elfos que tem gosto pela liberdade, pela aventura e o perigo. Precisam ser desafiados a todo instante. As elfas tem por sua natureza a serenidade e submissão.
– Então, somente me apaixonarei se for alguém que eu precise o quê?... Domar?
- Não foi isso que eu quis dizer. A princesa Kyara é uma belíssima dama, mas uma dama que tem suas próprias opiniões, e já viveu muitas aventuras. É uma guerreira poderosa, que não se dobra a vontade de ninguém somente pelo fato de se ver condicionada a isso. Ela não é uma criatura que precise ser domada, mas uma pessoa que exige ser respeitada... Você precisa de alguém tão forte e independente quanto ela.
– Conheço a princesa e sei que Legolas arranjou problemas que lhe tiram a paz.
– Pode ser, mas garanto que se um dia ela lhe faltar ele morrerá.
E estas palavras ecoaram nos ouvidos e invadiram os pensamentos de Glorfindel por muito tempo.
No momento que foram proferidas o elfo sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Algo naquelas palavras lhe deu a sensação de que seu destino ainda não estava definido.
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