Os homens feridos da Cidade do Lago estavam plenamente recuperados, mas o paciente que teve a perna amputada não demonstrava sinais de que se salvaria. Durante o tempo que Kyara usou sua energia para sustentá-lo, ele começou a reagir, mas sua ausência o fez piorar muito.
- Senhora! Já se desgastou demais tentando me salvar... Disse o homem num sussurro... – Acho que minha alma não quer ser salva. Cumpri minha jornada e agora posso partir em paz... Peço apenas um único favor.
- Sim, meu senhor. O que desejar... Respondeu Kyara.
- Diga a minha família que os amo muito e os protegerei sempre.
- Fique tranquilo. Eu transmitirei sua mensagem... Kyara se compadecia do homem a beira da morte não querendo aceitar aquela situação sem poder ajudá-lo... – Prefiro manter a esperança. Só peço que lute um pouco mais. Se não por si, então por sua família.
- Vamos princesa. Ele precisa descansar agora... Ponderou o curador.
Kyara saiu da casa de cura desolada pensando na família daquele homem. Chegou a conclusão de que esse eterno conflito com as criaturas Orcs teria que ter um fim. No almoço, apenas o rei lhe fez companhia, porque Legolas e os demais ficaram no alojamento, e as pessoas do palácio estavam envolvidas com seus afazeres. Ele a observou remexer a comida com o semblante entristecido.
- Ainda aborrecida com a discussão de ontem?
- Não, senhor. Quem deveria estar aborrecido com o episódio seria o senhor. Meu comportamento foi por demais afrontoso e peço perdão. Sinto-me profundamente envergonhada por tudo... Meu pai sempre me disse que eu não tenho limites e ele tem razão... Ela segurou a mão do rei falando com firmeza... – Dou-lhe minha palavra que não acontecerá novamente.
O rei cobriu a mão dela com a sua... – Legolas já conversou comigo. Acho que também lhe devo desculpas. Disse a você que nossos costumes não eram compatíveis com seu modo de vida, e acabamos exagerando ao lidar com a situação... Vamos dar o assunto por encerrado.
- Sim, meu Senhor, como queira.
- Se não é esse o motivo da sua tristeza o que é então?
Kyara relatou o que havia acontecido na casa de cura e a mensagem que haveria de transmitir a família do homem.
- Não se lamente pelos que estão na sua hora. Cada um tem seu tempo e seu destino a cumprir... Ponderou o rei.
- Sei disso. Qualquer soldado sabe que muito se perde na guerra, mas acho que já está na hora de acabar de vez com esse conflito. Tantas vidas já foram perdidas.
- É o que tentaremos fazer.
- Sabe minha opinião a respeito. Temo pela floresta, pelo nosso povo e por vocês. Me vejo a todo instante no lugar da família do moribundo. Não imagina como é desesperador esperar por notícias, temendo o pior.
- Acha que já não sofri com a espera também? Desde que Legolas tornou-se adulto vive percorrendo essas terras envolvido com lutas. Quando ele me acompanhava eu ainda podia controlá-lo, mas a muito isso não acontece. Na guerra contra o inominável estive com meu coração nas mãos imaginando que não voltaria. O casamento de vocês me fez acreditar que finalmente sossegaria meu coração, que ele acalmaria essa ânsia por aventuras e perigo. Infelizmente o confronto com esse bruxo da sua terra desencadeou numa guerra definitiva com os Orcs, ao que parece.
- Mas o senhor estará ao lado dele e eu ficarei aqui esperando que voltem.
- Lamento criança. São os tempos em que vivemos. É uma lástima pensar que vidas se perdem no sofrimento e com toda essa violência... Não pense nisso. Vamos tornar especiais as horas que ainda temos juntos... Ela ensaiou um sorriso concordando com o rei.
Fazendo jus a essas palavras, Kyara serviu um jantar muito especial, regado a muito vinho de uma safra especial, que o rei abria somente em ocasiões especiais. E, não só Glorfindel, Haldir e Elrohir, mas também Idrial, seu irmão, seus pais e Galwen participaram do banquete. Foi um momento para brindarem a vitória e o compromisso de casamento de Elrohir e Idrial.
- Um banquete como esse precisa de um vinho a altura para acompanhar... Disse o rei... – Este vem dos vinhedos de Dorwinion.
- Lady Galwen, meus elogios. Realmente o jantar está digno da mesa de um rei... Disse Glorfindel.
- Tem um tempero muito peculiar, milady, que aguça o apetite só pelo aroma e a escolha do vinho foi perfeita, majestade... Completou Haldir.
- Senhores! Agradeço os elogios, de fato ajudei nos preparativos, mas a responsável pelo banquete não sou eu.
- Fico muito satisfeito que meus convidados tenham gostado. Kyara eu concordamos em promover um momento especial antes da nossa partida amanhã, então ela pessoalmente preparou este jantar. Espero, minha cara, que cante para nós depois.
- Certamente que sim... Respondeu Kyara... – Vamos festejar a felicidade dos nossos amigos.
- Princesa Kyara, meus cumprimentos. Não sabia que cozinhava tão bem... Manifestou-se Haldir.
- É uma dama com muitas facetas, princesa... Disse Glorfindel sorrindo.
- Tudo para que pudéssemos passar momentos agradáveis. Nossos amigos merecem esse mimo... Concluiu ela.
Depois do jantar todos passaram algum tempo ao redor da lareira ouvindo-a cantar, mas Legolas sabia que, em seu íntimo, Kyara estava tensa por conta da aproximação da partida deles. Num dado momento eles receberam a visita do curador, avisando que o homem mutilado acabara de falecer. Foi inevitável que ela se abatesse.
- Princesa Kyara! Fez tudo o que pôde para salvá-lo ao ponto de adoecer. Não se culpe por isso... Disse o curador segurando sua mão.
- Ela sabe que perdas são inevitáveis e não devemos sofre pelos que partem... Disse o rei.
- Não devemos, mas sofremos... Retrucou Glorfindel.
- Não me culpo. Apenas me entristeço porque no fim de tudo morreu solitário, longe dos que amava e admito que não deixo de pensar na sua família sem notícias. Recebi a incumbência de lhes transmitir uma mensagem... Ela falou com o olhar sombrio fitando o vazio... – Já vi muitos homens morrerem no campo de batalha. Eu mesma já matei muitos... Bravos guerreiros, que também morreram agonizando longe das suas famílias. Mas, esse em particular me comoveu, talvez porque agora sinto na pele o sofrimento dos que esperam... Ela se voltou para o curador... – Obrigada por vir me avisar, senhor Hirengil.
O curador lhe fez uma reverência e se retirou.
Para tentar espantar a tristeza ela cantou uma canção alegre. Ao terminar, Legolas pediu licença a todos e retirou dos ombros dela a harpa. Segurou sua mão levando-a do gabinete e foram para o jardim.
- Lutaremos com bravura e seremos vitoriosos... Você não é a única que quer o fim dessa guerra.
Legolas sentou-se no gramado e encostou-se em um dos coqueiros, pedindo que ela o acompanhasse. Ela sentou entre suas pernas e encostou-se em seu peito. Fazendo carinho em sua mão ele continuou.
- Você fará o que lhe pedi? Terá cuidado com os excessos na casa de cura?
- Terei.
- Quero que fique com o colar que Gahya lhe deu. Se tudo falhar salve nosso povo. Narthan lhe ajudará com o que precisar. Não permita que aqueles monstros ultrapassem nossas divisas.
- Por que me pede isso?
- Porque tudo pode acontecer. E se for o pior preciso que esteja preparada. Salve nossa gente e se salve... Ela virou-se para ele com o olhar aflito... – Se é uma guerreira então precisa estar preparada para tudo e agora não é hora para sentimentalismo. Preciso que seja forte. Sei que pensa que lhe pedi para ficar na casa de cura apenas para mantê-la longe do perigo, mas a verdade é que haverá muitas perdas e você será de suma importância. Esteja preparada para socorrer este reino. Narthan tem sob seu comando um contingente de soldados em treinamento. São bons combatentes, mas inexperientes. A tropa que levei para a floresta ficará para fortalecer a segurança. Eles não hesitarão em seguir suas ordens. Nossa vulnerabilidade está nas encostas da clareira da montanha. Narthan reforçará a guarda nestas áreas... Ele suspirou... – Acima da montanha tem uma passagem secreta que não consta nos mapas. Ela os levará para o Rio da Floresta e depois subirão o Rio Corrente bem acima da cidade de Valle. Passarão longe do conflito e chegarão às terras de Dorwinion. Eles os abrigarão... Meu pai tem documentos que precisará mantê-los consigo. De lá mande um mensageiro a Gondor. Aragorn poderá escoltá-los para Ithílien. Caso esteja muito complicada a passagem para os Campos de Lis, mande um mensageiro a Celeborn... Ela colocou a mão em seus lábios silenciando-o.
- Já entendi seu recado. Vá tranquilo porque eu não vacilarei e não o decepcionarei. Agora quero apenas ficar aqui abraçada a você. Não quero pensar e nem falar de guerras, perdas, tristeza.
Ficaram abraçados em silêncio acariciando um ao outro ali no jardim até bem tarde e somente foram para o quarto quando todos haviam se recolhido.
Nas primeiras horas do dia, todos já estavam vestidos com suas luxuosas armaduras élficas e paramentados com espadas, arco e flechas. Kyara, Idrial, seus pais e os demais empregados os acompanharam até a entrada do castelo. Ela despediu-se de Legolas com um abraço demorado.
- Logo nos encontraremos... Disse ele beijando-a.
- Estou certa que sim.
Legolas montou em seu cavalo e foi a vez do rei se despedir. Postando-se diante dela, com sua armadura prateada, ele colocou as mãos em seus ombros.
- Em cima da minha mesa tem documentos que preciso que leve consigo se algo nos acontecer. Eles a tornam legítima governante desse reino. Não tenha medo. Nosso povo a respeitará e a seguirá sem questionar. O que deixei foram apenas formalidades que Rumir irá lhe orientar. Legolas já deve ter deixado instruções de fuga. Aragorn e Celeborn poderão socorrê-los.
- Não precisarei de ajuda porque você voltará. Cuide do meu amor e traga-o de volta com você, Ada¹.
- Ionath-nin²!... Exclamou o rei abraçando-a... – Queria que Legolas a tivesse conhecido há muito mais tempo... Cuide-se! Quero vê-la inteira quando voltar. Caso contrário ficará internada em seu quarto novamente e nem adiantará seu marido intervir.
- Não desobedecerei às suas ordens.
Kyara beijou as mãos do rei sorrindo. Haldir a cumprimentou com uma reverência e ela o abraçou.
- Cuide-se também. Não deixem nenhum Orc vivo para contar a história.
Quando chegou a vez do temido guerreiro, com sua armadura dourada. Glorfindel tomou a iniciativa e a abraçou. Kyara aproveitou a oportunidade para lhe falar ao pé do ouvido.
- Posso considerá-lo confiável, não posso?
- Evidente Kyara.
- Aconteça o que acontecer não saiam das suas posições em hipótese alguma. Fiquem tranquilos porque a ajuda chegará e forçará a horda Orc seguir para dentro do vale.
- O que quer dizer com isso, Kyara? Não se arrisque desnecessariamente. O rei lhe deu uma incumbência muito importante... Frisou Glorfindel preocupado.
- Fique tranquilo porque não deixarei de atender ao pedido do rei. Apenas não permita que eles saiam de suas posições. Conto com a sua autoridade e discrição. Confio em você. Boa sorte meu amigo!... Ele a encarou preocupado e pensativo.
Assim como Kyara e Legolas, Elrohir despediu-se dos futuros sogros e permaneceu abraçado a Idrial pesaroso por sua tristeza. Todos já estavam montados esperando por ele. Ao se afastar, Idrial apertou sua mão com o braço estendido não permitindo sua partida. Ele se achegou novamente e ela lhe deu o lenço que bordava na noite anterior. Na presença de todos, ele a beijou e montou em seu cavalo seguindo os demais.
Narthan ficou na cidade comandando as sentinelas do reino, que teria vigilância redobrada e já havia recebido instruções para a evacuação da cidade, caso ficassem sitiados pelos Orcs ou mesmo se precisassem lutar. Embora o número de soldados fosse ínfimo para tanto, teriam consigo Kyara para ajudar.
O exército élfico marchou até a Cidade do Lago, reunindo-se com os povos de Grimbeorn. Alguns dos homens refugiados do último ataque socorridos pelos elfos os acompanharam e infelizmente Legolas foi o portador da triste notícia dos mortos deste grupo. Viu-se ainda na obrigação de comunicar o óbito do mutilado a sua família e transmitir-lhes sua mensagem a pedido da Kyara.
Depois seguiram para Valle percorrendo a trilha beirando às margens do Lago Comprido, até a entrada do vale e dali pelo Rio Corrente, atravessando o riacho formado pela cachoeira da Montanha Solitária. Tanto a Cidade do Lago quanto a Cidade de Valle foram evacuadas, com seus habitantes firmando acampamento às margens do Rio Corrente, depois da Montanha Solitária, próximo à trilha para as terras de Dorwinion. Os exércitos acamparam logo depois da passagem do estreito entre a encosta rochosa da montanha e o paredão da muralha das sentinelas, à sombra da Montanha Solitária.
Os comandantes de cada um dos povos envolvidos na guerra participaram de uma reunião realizada dentro dos portões de Erebor na presença de Dain Pé de Ferro para decidir a divisão das tropas e a posição que cada um ocuparia.
As tropas se dividiram em três grupos, ficando o primeiro grupo abrigado no contraforte da montanha, escalando as pedras da cachoeira. O Morro do Corvo teve sua passagem bloqueada para forçar os Orcs a darem a volta e atacarem pela entrada do vale da montanha. O segundo grupo distribuiu-se pela muralha das sentinelas, que dava ampla vista para leste, sul e oeste do vale e o terceiro grupo ficou junto com o exército anão à frente do campo de batalha quinhentos metros de distância da ponte de acesso da entrada de Erebor. Ao final do segundo dia depois da partida do exército élfico, tudo havia sido providenciado e os guerreiros já estavam posicionados ao redor do vale.
A partir desse momento somente lhes restavam aguardar a aproximação do inimigo, e para garantir que essa espera não fosse demasiada, três pelotões com cento e cinquenta guerreiros ficaram com a incumbência de localizar na mata o exército inimigo e atraí-los para a emboscada. Partiram, então, na tarde do segundo dia atrás da localização do exército Orc, que julgavam não estar muito no interior da floresta.
Uma melancolia pesava sobre os corações dos guerreiros, porque o outono havia partido e o inverno invadia a floresta, trazendo uma brisa fria vinda do leste, e entre os bosques daquele lugar a manhã chegaria tarde e partiria cedo, sempre acompanhada de muita névoa.
Um silêncio aterrador se fazia na desolação do vale, exceto o barulho das águas da grande cachoeira da montanha e de vez em quando o crocitar de um corvo agourento ou outra ave qualquer.
Na noite do segundo dia a lua crescente subia cada vez mais, e o vento soprava ruidoso e frio. Retorcia a névoa branca, transformando-a em colunas encurvadas, espalhando-a em fiapos sobre os pântanos diante da floresta de Eryn Lasgalen.
Na última tentativa de invasão à Cidade do Lago ficou claro que um ataque em massa aconteceria brevemente.
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