Sara sentiu seus lábios serem tocados por um beijo pela primeira vez. A sensação que começava nos lábios se espalhava por todo o corpo. Ao mesmo tempo que ela sentiu seus lábios tocarem os de Yumi, sentiu seu corpo ficar dormente, como se todas suas forças lhe fossem sugadas, isso, enquanto lhe crescia um sentimento de necessidade de continuar o que estava fazendo. Precisava daquilo, precisava beijar Yumi na boca.
Elas não tinham desfeito o contato dos lábios, não queriam, estavam apenas se beijando. Foi então que Sara sentiu Yumi se aproximar mais um pouco, então como um reflexo, ela se aproximou também. As duas estavam sentadas no carpete, Yumi estava segurando Sara pela nuca enquanto a beijava, e agora, as duas estavam com os corpos fazendo contato durante o beijo.
Sara não estava pensando, estava sentindo as sensações e fazendo o que tinha vontade naquele momento. Era bom sentir o corpo de Yumi pressionado contra o seu, de alguma forma era como se ela fosse macia. A mão de Yumi, que antes segurava sua nuca, agora caído tinha para suas costas e a estava puxando como num abraço. Então Sara também abraçou Yumi, queria se sentir junto dela.
Yumi parou de beijar por um segundo, se afastou um pouco, ofegante e corada. Sara olhou pra ela nos olhos e achou ela a pessoa mais fofa do mundo. Queria abraçá-la e lhe fazer carinho… Queria beijá-la mais uma vez. Então, dessa vez, foi que acariciou o rosto da outra com os dedos. As duas estavam com os rostos bem próximos, e Sara, antes de dar um segundo beijo, olhou para o rosto de Yumi com uma expressão de admiração, olhou para sua boca, e disse num olhar que teriam um segundo beijo.
Sara tinha descoberto, na prática, que beijar era uma forma de se sentir com os lábios. Uma forma de sentir e se conectar com outra pessoa, e uma forma de demonstrar um sentimento. Isso é óbvio - pensou enquanto beijava, mas percebeu que havia uma diferença entre saber disso na teoria e na prática. Enquanto estava naquele beijo, estava sentindo carinho e afeto vindo da pessoa com que mais se importava, ao mesmo tempo em que devolvia isso para essa pessoa.
Yumi interrompeu o beijo mais uma vez e abraçou Sara com força. Elas estavam abraçadas, ainda sentadas no chão e Sara encostou sua cabeça na de Yumi enquanto a abraçava. Nisso, acariciou os cabelos Yumi o deu beijinhos na sua cabeça. Depois de alguns, mudou um pouco sua posição no abraço e lhe deu um último beijo na testa, antes de parar e ficar olhando pra ela mais um pouco.
Sara estava prestes a dar um terceiro beijo em Yumi, quando exitou, ao perceber que ela não parecia querer beijá-la. Então, Yumi olhou pra ela e disse:
- Desculpa - disse num tom de voz angustiado, como o de alguém prestes a chorar.
- Pelo que?
- Eu estou sendo egoísta, não posso fazer isso, desculpa - Yumi disse isso com os olhos lacrimejando.
- Não, você está sendo egoísta, você só me beijou… - Sara parou de falar e percebeu que ela mesma não sabia o que pensar sobre o que estava fazendo.
- Desculpa, fui eu que te beijei e a culpa desse momento é minha. Precisamos parar agora, eu não devia ter feito isso.
- Mas, amiga…
Viu, você me chamou de amiga - disse Yumi, cortando a frase de Sara - se formos mais do que isso teremos problemas, vai ser ruim pra você. Eu me iludi, pensei que podia gostar de uma garota, mas fui egoísta, só pensei no que estava sentindo e não pensei nas consequências que isso poderia trazer pra você. Isso foi erro… Desculpa.
- Yumi, não foi um erro, eu também sinto o mesmo que você.
Então Yumi disse baixinho com a voz falhando e chorando - Sara, por favor, vá pra casa agora.
- Não vou, quero ficar aqui com você.
- Meus pais já vão chegar em casa e seus também, por favor, não quero que seu pai fique bravo por você estar aqui. Por favor vá, eu preciso ficar sozinha.
Sara estava perplexa com a situação, mas sabia que Yumi estava certa, ela já precisava voltar pra casa, caso contrário, provavelmente ficaria de castigo e não poderia visitar Yumi de novo. Além disso, era evidente que Yumi não queria mais conversar, então a opção mais sensata parecia ir para casa e resolver isso no outro dia, com mais tempo para conversar, com Yumi um pouco mais calma.
- Tá bom - respondeu Sara - eu vou pra casa, mas depois vamos precisar conversar.
Yumi fez que sim com a cabeça, ajudou Sara a guardar seus materiais escolares e a acompanhou para fora de casa. Sara saiu pelo portão e foi andando em direção a sua própria casa.
Seus pensamentos eram uma bagunça. Ela tentava entender o que tinha acabado de acontecer, mas estava dando voltas nas mesmas ideias e nada parecia fazer sentido. Com isso, ao longo do caminho, ela se sentiu aflita e triste. Sabia que precisaria esperar Yumi se acalmar para conversar, mas acabou percebendo que ela mesma também precisava. Tá bom - pensou - vou voltar pra casa, tomar um banho e pensar, a Yumi ficou triste, não quero que ela fique assim, preciso resolver isso.
Sara voltou pra casa, seus pais, por sorte, ainda não tinha chegado. Ela tomou um banho, foi para a cozinha, comeu uma maçã e bebeu um copo de água. Depois, se trancou no quarto e deitou na cama para pensar. Começou repassando os fatos mentalmente e depois refletiu sobre o que cada um significava.
Então - disse para si em pensamento - Yumi queria me beijar, ela não conseguia pedir, por isso pediu para fazer “uma coisa”, sem dizer o que era. Quando ela me beijou… parecia a melhor sensação do mundo. Fico feliz por ter tido o meu primeiro beijo com ela, Yumi é a pessoa mais incrível que eu conheço. Quando ela me beijou eu não queria que ela parasse, queria continuar ali naquele momento, só com ela, sem mais ninguém pra atrapalhar. Pareceu a sensação de um sonho, mas era real, era eu e ela, era perfeito.
Acho que eu não devia ter chamado ela de amiga naquela hora. Finalmente entendi que somos mais do que isso, é por isso que aquele abraço com o beijo na bochecha me deixou com aquela sensação... Sou muito lerda, é óbvio que nós formamos um par romântico. Era por isso que eu não entendia o que eu estava sentindo naquele dia. Eu nunca tinha considerado que poderia me apaixonar por uma garota, nem mesmo que essa garota seria minha amiga.
Por que eu não considerei essa possibilidade? Eu sempre fui boa em analisar sentimentos. Bom… deve ser por causa da igreja… É, definitivamente é por causa da igreja. Ensinaram pra gente que isso era pecado, que estranho e errado. Como eu achei que isso não era uma possibilidade pra mim eu não entendi o tipo de sentimento que eu tinha pela Yumi.
Tá, é óbvio que ela pensou nisso tudo também. Por isso ela disse que estava sendo egoísta, ela tem medo do que o meu pai e a igreja possam fazer comigo por causa desse “pecado”. Ah… Tadinha, é por isso que ela chorou… Bom, isso mostra que ela é tudo menos egoísta, preciso tentar mostrar isso pra ela.
Naquela hora eu não soube o que dizer, não sabia nem o que eu mesma estava pensando. Tá, preciso decidir o que eu penso disso. Primeiro, tenho certeza que eu gosto de Yumi, não como amiga, essa não é mais a palavra que define o que ela é pra mim, não devia ter chamado ela de amiga. E… Eu não creio que gostar dela seja um pecado, o pecado é uma coisa ruim, é algo que machuca as pessoas. Se eu gosto dela e ela gosta de mim, o que seria ruim e iria nos machucar seria não ficarmos juntas. É isso, vou dizer isso pra ela amanhã.
***
Sara foi para a escola no outro dia esperando se encontrar com Yumi. Quando chegou na sala de aula não a viu . Isso não era normal, Yumi sempre chegava na escola antes dela. Bom, talvez hoje ela tenha se atrasado, ela já vai chegar - pensou Sara, tentando ser otimista. A aluna número um da turma tinha ganhado sua primeira falta no ano.
Ela não deve estar se sentindo bem por causa de ontem… Deve ter pedido pra mãe para ficar em casa - deduziu Sara. Bom, vou precisar ir pra casa dela hoje, depois da aula. Preciso falar com ela logo, se não ela não vai se sentir melhor, vai continuar se achando uma pessoa egoísta.
Depois da aula, quando seus pais já tinham ido para o trabalho, Sara foi andando até a casa de Yumi. Estava um pouco nervosa, tinha receio de não conseguir comunicar tudo o que ela queria, sentiu medo de falhar em demonstrar o que estava sentindo. Não, vou falar tudo direitinho - decidiu em pensamento. Tocou a campainha da casa, demorou um pouco mas foi atendida. Yumi saiu de casa vestindo um pijama, estava com os olhos vermelhos, provavelmente por ter chorado bastante. Sara olhou pra ela e disse:
- Por favor, me deixa entrar, eu preciso falar com você, é muito importante e eu não posso esperar.
- Sara, se for por causa de ontem…
- Yumi, é importante, me deixa entrar… Você confia em mim, né?
Yumi não precisou pensar para entender o porquê de Sara ter usado aquela frase. Olhou para Sara nos olhos e abriu o portão. As duas entraram e Yumi fechou a porta de casa.
- Então, o que você precisa dizer? - disse com a voz rouca, mas de uma forma que parecia carinhosa.
- Eu queria dizer que entendo por que você fez aquilo ontem - Sara disse calmamente e olhando para Yumi nos olhos - Até ontem eu nunca tinha considerado que o que eu sentia por você era um sentimento romântico, mas eu entendi que era isso no momento em que nossos lábios se tocaram. Eu estou tentando entender esse sentimento desde o dia em que eu te dei aquele desenho.
Yumi quase deu um pulo quando ouviu o final da frase. Então ela também teve esse sentimentos naquele dia - pensou. Agora, ela parecia estar sentindo dor e angústia, parecia estar em conflito. Sara percebeu e continuou:
- Ensinaram pra gente que isso é pecado, que é uma abominação. Eu não concordo! Quando nos beijamos eu senti que aquilo era a coisa mais certa no mundo, eu não queria sair daquele momento. Obrigada por ter demonstrado seus sentimentos por mim naquele momento, foi por isso que eu pude entender o que eu sinto por você e pude demonstrar também.
- Sara… Eu fui egoísta.
- Não, não foi. O fato de você estar tão preocupada com o que pode acontecer comigo é a prova de que você pensou em mim o tempo todo.
- Mas, e se ficarmos juntas e descobrirem? O que seu pai pode fazer com você? Eu não quero ser a causa do sofrimento da pessoa com quem eu mais me importo - disse de forma preocupada.
- Yumi, você nunca vai ser a causa do meu sofrimento, você é a pessoa que mais me faz feliz, eu quero viver esse sentimento com você - respondeu Sara, sorrindo.
- Sara, e se descobrirem?
- Não vão descobrir - respondeu Sara com certeza.
- Sara, e se?
- Não vão - respondeu mais uma vez, de forma calma, antes de se aproximar de Yumi e continuar - Só por momento, esqueça das outras pessoas, esqueça o que elas podem fazer e o que elas podem pensar. Agora me diz, o que você sente por mim e o que você gostaria de viver comigo.
Yumi pensou por um momento e pareceu recolher coragem dentro de si para responder.
- Se eu esquecer de todos e pensar só em você… O que eu sinto por você é amor, eu quero viver e experimentar o amor com você.
Sara sentiu uma profunda felicidade preenchendo seu coração quando ouviu essa frase, com esse sentimento, ela respondeu:
- Você me mostrou ontem com o seu beijo… Você me mostrou com uma atitude os seus sentimentos por mim, por causa disso eu pude entender os meus sentimentos por você. Eu te amo. Você é a pessoa mais importante na minha vida, e não vou desistir do meu amor por você por causa da opinião dos outros, não vou desistir por causa do que o meu pai pode fazer caso ele descubra. Meus sentimentos por você são maiores do que isso.
Yumi ouviu isso e algumas lágrimas escorreram pelo seu rosto. Ela estava chorando, mas tinha uma expressão de alívio. Nesse momento ela abraçou Sara com muita força. Sara a abraçou de volta, e as duas ficaram assim por um tempo, paradas, em silêncio. Então, Sara disse:
- No dia que eu te dei o desenho, você me pediu para sempre estar ao seu lado. Eu prometi que faria isso e vou cumprir.
Yumi se afastou um pouco, mas sem sair do abraço e respondeu:
- Obrigada, eu não consigo dizer de uma forma melhor, mas obrigada por escolher ficar ao meu lado.
Sara não respondeu, apenas ficou olhando para Yumi por um momento. Depois, enxugou carinhosamente as lágrimas no rosto dela e disse:
- Aceita ser minha namorada?
- Aceito - respondeu Yumi.
As duas se beijaram, se beijaram e se beijaram… Foi assim que passaram boa parte da sua primeira tarde juntas como namoradas.
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