Tudo voltou a ser um silêncio torturante e absoluto. Agora até a minha respiração parecia ser um barulho enorme. Por que eles precisam tanto fazer essa pressão psicológica?, meus pensamentos reclamaram de todo aquele suspense. Respirei fundo e arrisquei olhar o que havia do outro lado da coluna que nos escondíamos, querendo saber o que diabos havia acontecido com os imortais pra eles conseguirem manter tanto silêncio.
Comprimi os lábios quando vi que todos haviam desaparecido. Aquilo era um mau sinal.
Assim que abri a boca para comunicar aos dois que estavam me cercando, os filhos dos ventos simplesmente aparecem ao nosso lado, acelerando meu coração pelo nervosismo — todas essas situações de desespero estão desestabilizando as batidas do meu coração.
Imma foi o primeiro que agiu por desespero, estendendo a mão e fazendo sair água da mesma, indo em direção aos olhos celestiais deles que reclamaram ao serem "cegados" pela água salgada. Nerea, percebendo a oportunidade, nos empurra para seguirmos em frente. Mesmo sem saber o caminho, apenas continuamos seguindo o corredor, ignorando algumas portas que apareciam. Não tínhamos tempo para vasculha-las. O mais importante era encontrar uma saída agora.
Minhas pernas estavam me abandonando porque não tinha tido tempo para descansar direito uma noite sequer desde que saímos da cabana. Logo Nerea tinha que puxar meu braço pra que eu não acabasse vacilando de verdade. Não ousei olhar para trás. Meus ouvidos já eram o suficiente para indicar que todos os três imortais corriam atrás da gente — e logo nos alcançariam porque tinham o vento ao seu favor.
No fim do corredor, senti um alívio por termos encontrado uma porta, mesmo que não soubéssemos pra que diabos ela servia. O primeiro a entrar foi Imma que nos apressou. Assim que entramos, o filho de Poseidon fechou com força e a trancou com um pedaço da fumaça sólida. Tudo pareceu ficar em silêncio mais uma vez. Coloquei o ouvido na porta e nada ouvi do outro lado. Aquilo estava entranho demais. Imma me acompanhou, querendo ouvir alguma coisa tanto quanto eu.
— Hã... gente — chamou Nerea e nós dois viramos ao mesmo tempo.
Me surpreendi ao ver que havia uma pedra brilhando em branco, em cima de um pedestal de mármore. Nerea estava a pouco centímetros do objeto. Seu olhar estava quase que vidrado nele. Ao encarar o esplendor da pedra, comecei a sentir o poder forte que emanava dela e uma vontade intensa de tocá-la tomou conta de mim. A tentação era deliciosa.
Caminhei devagar como um zumbi na direção da pedra, querendo tocá-la e sentir o quanto ela poderia ser poderosa entre os meus dedos. Ao ver que Nerea tinha intenção de fazer aquilo primeiro, peguei minha espada lentamente, não gostando da ameaça que ela estava fazendo ao meu objeto poderoso.
Minha expressão foi endurecendo até que corri em sua direção e apontei a cimitarra na sua direção, chegando a encostar a ponta da lâmina de gelo pouco abaixo do seu pescoço. Aquela pedra tinha que ser minha.
— Se aproxime mais um centímetro e eu esfolo a sua garganta antes que consiga gritar — ameacei em tom autoritário.
Seu olhos amêndoa encontraram os meus, porém, havia como se fosse uma névoa em seus olhos. Parecia estar enfeitiçada. Felizmente eu não era tão vulnerável quanto ela.
— Ela precisa ser minha. Ela tem que ser minha — disse ela automaticamente como um robô.
Suas mãos tocaram a pedra e a mesma caiu de joelhos, pegando aquele brilho para si. Soltei um grito de guerra. Nerea havia passado dos limites comigo. Ergui minha própria espada, já tencionada a matá-la, só que a voz de Imma me impediu.
— Kary, o que você tá fazendo? — questionou ele e notei desespero na sua voz. — Não mate a Nerea!
Meu olhar recaiu sobre ele e meneei a cabeça levemente, como se tentasse entender o que ele acabou de dizer.
— Você tá enfeitiçada!
Aquelas palavras soaram estranhas ao meu ouvido. Balancei levemente a cabeça, largando a espada. Se ele não queria que eu matasse, ao menos daria um jeito de conseguir aquele poder para mim na luta corporal.
Avancei em direção a Nerea, agarrando sua mão que segurava a pedra com agressividade. Sua expressão endureceu tanto quanto a minha e logo estávamos numa disputa como animais, cada uma querendo aquele poder delicioso para si. Era ótima a sensação de sentir tamanho poder em mãos. E eu queria mais. Queria aquilo só para mim.
Lhe dei um chute na lateral da sua cintura, querendo que ela largasse o que era meu por direito. A ideia de pegá-la havia sido minha primeiro, mesmo que ela tenha me avisado sobre a existência da pedra. Então involuntariamente meus dentes se transformaram em caninos. Sangue da minha boca cortada escorreu sobre eles, me dando um ar ameaçador.
Larguei sua mão, acabando por fazê-la cair por ter puxado a pedra na direção contrária á minha. Pelos brancos cresceram no meu corpo e patas surgiram no lugar das mãos e pernas. A loba estava posicionada em cima de Nerea. Os caninos próximos da artéria exposta do seu pescoço.
— A pedra — rosnei. A Kary e a loba estavam num conflito interno, como se fossem duas personalidades diferentes. — Me dê a pedra!
Ao invés de me obedecer, Nerea me deu um tapa no rosto. Aquilo atiçou algo violento dentro de mim. Me sentia um animal que estava cansado de ser mantido no cárcere e queria liberdade. O primeiro local que meus caninos morderam foi o ombro da mão que ainda protegia a pedra que eu tanto queria.
Nada mais ao redor importava. Eu só queria aquele poder. Aquele poder precisava ser meu a qualquer custo, nem que matar fosse necessário. Meus pensamentos só giravam em torno da pedra. Mordi mais forte, querendo que ela a largasse de uma vez por todas. Estava ficando impaciente. Logo, logo seu braço não existiria mais se demorasse mais alguns segundos.
Gemidos escapavam da sua boca e seu olho foi fechando devagar, ao mesmo tempo que sua mão que guardava a pedra ia se abrindo, me deixando claramente satisfeita. Mesmo tendo voltado à minha forma humana, saí de cima dela de quatro, como se ainda fosse uma loba.
A pedra ainda brilhava intensamente, enchendo meu coração de satisfação e desejo. Peguei a pedra sem nem ao menos conseguir desgrudar os olhos da mesma. Minha extrema atenção só foi quebrada quando os três imortais apareceram. Os olhos gélidos todos focados em mim.
Procurei desesperadamente por Imma e o encontrei com Nerea. Quando é que diabos ele tinha ido até ali? Será que estava enfeitiçada e acabei não percebendo o que acontecia ao meu redor?, meus pensamentos questionaram. Balancei levemente a cabeça, querendo discordar.
— Vejo que encontraram meu tesouro. — A expressão de Éolo permaneceu sólida. Ele estendeu a mão. — Entregue-me, criança.
Rosnei pra ele, guardando a pedra nas minhas mãos, querendo protege-la.
— Kary, para com essa loucura! — ouvi Imma me repreender. — Dá logo pra ele.
— Ouça seu amigo, filha de Quione — quem me dirigia a palavra era Aura. Um sorriso maldoso brincou em seus lábios.
Neguei com a cabeça. Não entregaria. Nem que tivesse que me colocar em risco.
Éolo suspirou impaciente.
— Aura, acabe com isso — disse o Senhor dos Ventos, revirando os olhos e fazendo um gesto em minha direção.
Ele nem precisou dizer duas vezes pois Aura avançou na forma animal de lince. Estendi a mão que guardava a pedra antes que ela pudesse chegar em mim de fato e uma rajada de vento saiu tão forte da pedra que a mesma foi jogada contra a parede do outro lado do cômodo.
Até eu me surpreendi com aquilo.
O Senhor dos Ventos não pareceu gostar da atitude. Calais foi o segundo a fazer a investida e bastou eu erguer a mão de novo e vento escapou da pedra. Entretanto, o mesmo não foi jogado para trás como sua irmã. Um escudo de "fumaça sólida" surgiu na sua mão e na outra, uma espada de igual material também apareceu.
Apertei a pedra com mais força, querendo que mais vento fosse liberado para impedi-lo de me atacar, só que não demorou muito até ele parecer imune. Desespero tomou conta de mim. Fiz um gesto para cima com a mão que segurava a pedra e instantaneamente o ar começou a ficar quente e de difícil respiração.
Gotículas de suor pelo meu corpo apareceram em seguida. Agora o gêmeo de Aura tinha dificuldade de se mexer pois as rajadas de vento na sua direção ainda eram intensas.
Aproveitei seu momento de fraqueza e caminhei em passos hesitantes na direção de Imma e Nerea, vigiando atentamente tanto os filhos de Bóreas quanto o próprio Éolo que também estava incomodado com o ar quente.
— Precisamos ir — digo aos dois.
— Como vamos agora? Nerea está quase morrendo, Kary — sua voz agressiva quase me deixou chocada. Imma não era esse tipo de cara.
A verdade atingiu meu rosto. Foi um tapa. Era verdade, seu ombro estava sangrando bastante e seus olhos estavam semiabertos. Ela provavelmente estava andando na linha tênue da vida e da morte. Uma culpa começou a me torturar por dentro. Aquilo era culpa minha.
— Fiz tudo o que podia por você, minha líder — rouquidão dominava sua voz.
— Não sou sua líder. Eu matei você — minha fala acabou saindo embargada. Lágrimas encheram aos meus olhos. Eu pensei que ela me trairia, mas no fim das contas, essa traição foi feita por mim mesma.
— Foi o poder que me matou. A pedra me matou. Não foi você.
Uma lágrima teimou descer por minha bochecha. O ar quente estava entrando com dificuldade no meu pulmão.
— Vocês precisam ir... antes... a-antes... que... seja t-tarde...
Imma não conseguiu pronunciar uma só palavra. Seus lábios estavam comprimidos, formando uma linha única. Mais uma lágrima escorreu dos meus olhos, acabando por cair no braço ferido de Nerea.
— V-Vão... — pediu ela. — Por favor...
Neguei com a cabeça. Eu estava segurando a pedra Elemental. Ela aguentaria o tempo que fosse necessário para que conseguíssemos levar Nerea conosco. Não queria abandoná-la de forma alguma.
A filha de Harmonia usou seu braço bom para pegar sua lira e estender na minha direção.
— Por favor... — implorou ela.
— Não, não, não. Não vou deixar você ir. — Me recusei também a pegar sua lira.
A mesma colocou o presente dado por sua mãe no chão e pegou sua adaga. Quando a lâmina se aproximou do seu pescoço, Imma em desespero pegou sua mão, impedindo que ela fizesse o que estava planejando.
— Não ouse — foram as primeiras palavras dele desde que eu me aproximei de ambos. Havia repreensão no seu tom.
Nerea abriu a boca e Imma fez uma careta, como se ouvisse algo terrível. Ele teve que largar a mão dela para tapar os ouvidos por causa daquela coisa que ouvia.
Aproveitando a oportunidade, Nerea rasgou a artéria do próprio pescoço, manchando tanto a minha quanto a armadura de Imma. Biiiip, foi a próxima coisa que saiu da boca dele. Mais lágrimas teimaram em cair pela minha bochecha. Olhei ao redor, querendo ver meus inimigos, porém, eles já haviam desaparecido. Larguei a pedra e franzi o cenho ao ver que havia se apagado, tornando-se apenas uma pedra comum branca. Os ventos e a alta temperatura haviam se cessado.
Nem tive tempo de me questionar pois a pedra se atraiu na direção do meu colar como um imã.
Havíamos conseguido capturar a primeira pedra Elemental.
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