23 DIAS ANTES
ALEXIA
Passei os últimos dias com peso na consciência. Não havia um momento em que eu não pensava no que havia causado em Richard Ross. Ele havia me deixado bastante furiosa quanto às minhas próprias expectativas, mas isso não justificava uma tentativa de assassinato. Ao menos ele estava vivo e bem. Durante os últimos dias, tentei fazer uma visita ao hospital, contudo, sempre me era informado já haverem visitas. Provavelmente se tratavam dos seus pais. No entanto, na última tentativa, conseguira entrar em contato com eles e negociar uma visita. Felizmente, tive permissão. Afinal, eu era sua salvadora.
Dar um show de desespero foi uma jogada de mestre. Ninguém desconfiara até então que eu tinha sido a culpada de todo o alvoroço. Ao menos ter acabado com a energia sem querer diminuiu bastante as suspeitas. Todavia, Cristal me encarou de maneira esquisita durante esse tempo. Apesar de todos estarem encantados com meu ato “heroico”, ela me olhava com desconfiança. A gêmea sem piercing tinha sido a última a estar comigo antes do incidente. Não tínhamos tocado no assunto, porém imaginava o que se passava a sua cabeça: eu era uma assassina — ou quase.
A sensação de eletricidade em meu corpo não passou desde aquele dia. Era como se estivesse ligada a 220 volts o tempo inteiro. Sentia as correntes passeando, brincando com meu corpo. Mesmo assim, não havia acontecido nenhum outro distúrbio ou qualquer outra manifestação de que eles existiam além dessa. Não sabia de alguém para me ajudar contra isso e sequer tinha noção de como contar sobre tal. Não havia nada de normal em chegar a alguma pessoa e dizer “ei, eu tenho poderes. Domino a eletricidade”. Inclusive, achava esse poder cafona.
Quer dizer, que tipo de heroína dominava a eletricidade? Definitivamente, quem quer que tenha os concedido a mim, concedeu a coisa errada. De qualquer forma, nem a minha insatisfação foi o suficiente para manter a corrente elétrica em meu sangue longe. Cheguei a tentar chamar o estranho louro que me assombrara na noite do incidente do raio, todavia, ele também pareceu ter me abandonado, pois não deu as caras.
O diário, Lexa. Ele mandou você procurar um diário, me recordei internamente. Não sabia por onde começar ou que diabos de diário era aquele e isso quase me fez suspirar em frustração.
Quando o professor naquela tarde avisou que a última aula havia se encerrado, me despedi das gêmeas com um abraço e um beijo no rosto e segui sozinha pelos corredores do prédio de odontologia. As pessoas me cumprimentavam e algumas tentavam me parar para conversar, mas eu não tinha tempo. Se não apressasse o passo, perderia o horário de visita do hospital e não teria oportunidade de ver como o Richard estava — e se eu havia provocado algum estrago nele.
Dessa vez, não tinha vindo com meu irmão. Por isso, pesco a chave do meu carro na minha bolsa e destravo o veículo, adentrando-o em seguida. Liguei o GPS, assim como uma boa música agitada no rádio antes de seguir viagem. Enquanto dirigia, peguei meus óculos de sol do porta-luvas e o coloquei sobre os olhos. O pôr-do-sol estava diante de mim de maneira esplendorosa, fazendo com um curto sorriso enfeitar meu rosto consequentemente.
Não demorou muito até eu estar avistando o hospital e o GPS informar que havia chegado ao meu destino. Passei pela catraca com o carro, estacionando-o no local pago e saindo do veículo em seguida, puxando minha bolsa comigo. A ponho no ombro e sigo caminho, adentrando de fato o hospital e indo diretamente à recepcionista, questionar sobre a existência de um tal paciente chamado “Richard Ross”. Ela me informou o número do quarto e tratou de evidenciar que só restavam mais quinze minutos do horário de visita.
Apressei o passo, por um momento ofendendo mentalmente o curso de odontologia por ser integral. Se não fosse, não precisaria sair correndo, mas agora já estava feito e eu precisava fazer de tudo para chegar ao quarto do Richard à tempo. Pego o elevador e dentro dele espero impacientemente antes que eu pudesse estar praticamente correndo pelo corredor de seu quarto. Passo os olhos pelas numerações e, quando estou na frente do seu, pronta para puxar a maçaneta, acabo dando de cara com um rapaz ruivo que abre a porta primeiro com a intenção de sair de lá de dentro.
Nós trocamos olhares e ficamos um tempinho olhando um para o outro. Uma cena apareceu diante dos meus olhos. De repente, estava em um local repleto de neve, olhando para um rapaz de cabelos escuros e olhos arroxeados semelhante aos meus. “Quem é você”, questionou o rapaz e eu respondi: “Alexia. Sou a sua irmã”. Pisco e a visão some tão repentinamente quanto apareceu. O ruivo à minha frente abre a boca para dizer algo, mas quem fala realmente é o jovem na maca dentro do quarto:
— Alexia? — não tinha como não reconhecia a voz de Richard Ross, mesmo estando um tanto enrouquecida, como se não falasse há um bom tempo.
— É, sim, sou eu — digo, desviando do ruivo à minha frente para prestar atenção no debilitado da maca. Dou um curto sorriso.
— Saia da frente, Robb. Deixa ela entrar.
Como se acabasse de sair de um transe, o rapaz à minha frente balança a cabeça levemente e dá espaço para eu entrar. Murmuro um agradecimento e enfim estamos só eu e Richard. O tal Robb acabara por realmente sair do quarto, nos deixando à sós. Me aproximo devagar da sua maca, observando bem o seu estado. Acabo sentando em uma poltrona ao lado.
— Como você está? — questionou enfim. — Sinto muito pelo que aconteceu — digo e estava sendo sincera. Não queria tê-lo machucado, embora ele estivesse sendo um babaca comigo naquele momento, tentando roubar-me um beijo forçado.
O ruivo balança a cabeça em negação, ajeitando-se na maca para se sentar. Fico preocupada por isso causar-lhe dor, mas ele acaba se movendo de forma tão tranquila que me faz acreditar que o pior do seu estado já tinha passado. Uma máquina estava monitorando os seus batimentos cardíacos. Até então estavam tranquilos, embora os bips fossem irritantes.
— Não tem porque sentir, Alexia. Se não fosse por você, poderia ter morrido. — O rapaz comprimiu os lábios brevemente. — Obrigado por estar lá e por ter chamado ajuda.
Dei apenas um meio sorriso como resposta, por não saber exatamente de que maneira responder. Internamente estava uma confusão de pensamentos. Não me agradeça. Fui eu que causei todo esse problema, pensei, apesar de ter guardado as palavras para mim mesma.
— Do que você se lembra? — perguntei depois de passarmos um tempinho em silêncio apreciando as batidas do seu coração computadorizadas pela máquina.
— Lembro... de estar com você no banheiro.
— Lembra de estar me forçando a beijar você? — não consigo conter a língua. Não era como se o tivesse perdoado quanto a isso.
— Lembro — confessou meio sem jeito. — Mas eu pensei que você quisesse.
— Eu tinha dito não — ressaltei.
— De qualquer forma, eu tive o que mereci por isso — concluiu.
— O que o laudo apontou?
— Parada cardíaca. Os médicos tentaram descobrir a causa, mas não conseguiram detectar nenhuma anormalidade. — Deu de ombros. — Meu coração é normal e saudável. Não conseguiram entender por que de repente parou, apesar de ter voltado.
— E por que ainda estão mantendo você aqui?
— Estão me monitorando para verem se conseguem captar alguma anomalia, mas por enquanto nada. Hoje é meu último dia se não aparecer nada de mais, embora precise ficar de repouso pelos próximos dias também.
— Sem jogar futebol? Coitadinho — debocho. — Isso é pra você aprender que quando uma mulher diz não, é não.
— Até quando vai me martirizar por isso? — Suspira, passando as mãos pelos próprios cachos ruivos em um claro incômodo com a minha alfinetada. — Foi uma coincidência de qualquer forma, mas há algum jeito de me redimir?
Arqueio uma sobrancelha, mantendo a expressão debochada quanto a sua proposta. Chego a cruzar os braços enquanto o encarava.
— Estou falando sério — disse. — Que tal um encontro? Pra te provar que eu não sou só o babaca que tentou beijar você à força.
— E se eu recusar? Vai me obrigar a ir mesmo assim?
O ruivo soltou um suspiro mais longo, passando as mãos pelo próprio rosto. A máquina registrou uma alteração nas batidas, como se a situação o estivesse deixando estressado. Contive uma risada. No fim das contas, estava me divertindo e eu adorava ditar as regras do jogo.
Aproveito a deixa para me levantar da poltrona, ficando de frente para si. Mesmo estando sentado na maca, ele era mais alto do que eu.
— Eu aceito, gatinho, mas vai ser sua última chance. — Aproximo meu rosto do seu com um sorriso que beirava a maldade, mas também a provocação. Meus olhos azuis encontraram os seus castanhos. O bip da máquina se tornou mais acelerado. — Você sabe que tem outros atrás de mim, então considere um privilégio que eu esteja disposta a sair com você, mesmo que não mereça.
Seus dedos alcançam meu queixo, o segurando suavemente.
— Não vai se arrepender.
— Assim espero. — Em um movimento rápido, simplesmente lhe dou um selinho, mas me afasto em seguida, lhe dando as costas ao som de batimentos cardíacos mais acelerados.
Ouvi um xingamento diante disso enquanto uma risada me escapava. Saí do seu quarto. Era evidente que meu ego estava nas alturas. O que eu mais adorava era o fato de implorarem algo a mim. Não tinha como não me sentir maravilhosa daquela maneira. Ao sair, dou de cara com uma enfermeira que avisa que o horário de visita havia acabado. Pego meu celular na bolsa e verifico o horário. De fato, havia extrapolado três minutos do combinado.
Não ligava de qualquer forma. Só sabia que em breve teria meu encontro com o tal Richard Ross e não deixaria com que ele me dominasse outra vez. Sou eu quem estou no comando agora, querido, pensei em convencimento. E, como em resposta, a corrente elétrica percorreu o meu sangue de maneira agitada, querendo libertar-se. A contenho enquanto adentrava no elevador e, para minha surpresa, acabo pegando-o juntamente com o tal Robb. Pela semelhança dos dois ruivos, só podia concluir que eram irmãos. Todavia, havia algo me incomodando naquele ruivo mais novo. Era como se já tivéssemos nos visto antes em algum lugar.
Mas eu não conseguia me recordar.
O elevador se abre no andar que eu precisaria descer e acabo indo, deixando-o para trás com todas as minhas dúvidas e sem saber por onde começar a respondê-las.
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