15 DIAS ANTES
ALEXIA
Atingir o monstro em cheio em meio a uma freada brusca foi um impacto e tanto. Ainda continuava nervosa e por um momento tudo pareceu se apagar diante de mim, antes de eu retornar a consciência. Lá estava o monstro em cima do capô do carro, me olhando fixamente com aqueles malditos olhos avermelhados. Não se moveu um centímetro enquanto me encarava. Sendo assim, olhei ao redor, vendo ambos os meninos apagados, talvez pelo impacto da batida. Por isso, apertei o botão do teto do carro para acender a luzinha que felizmente funcionou.
O monstro parecia esperar alguma reação minha enquanto me encarava e, apesar de ainda estar meio tonta pela batida, retirei o cinto de segurança e tive forças para abrir a porta ao meu lado para sair do carro. A rua continuava um breu, com a lua e a luzinha do carro sendo as únicas fontes de iluminação. A criatura saiu do capô devagar, parecendo saborear o momento. Meu coração estava bastante acelerado no peito, pois nunca tinha estado frente a frente com algo como aquilo antes. Contudo, ergui o queixo, como se não estivesse amedrontada e o monstro ficou diante de mim.
E, ainda diante dos meus olhos, a criatura tornou-se uma mulher.
Pisquei, antes de uma imagem familiar brilhar na minha visão. Eu e uma outra mulher conversando dentro de uma espécie de cabana. Ela estava séria, enquanto eu lhe contava que havia destrancado uma humana. Não fazia ideia do que aquela breve imagem significava, porém aquela criatura, aquela mulher na minha frente, apareceu e nós duas brigamos com ela sobre algo referente a um treinamento.
— Já te disse para não andar por essas bandas — o tom de aviso me escapou, mas aquelas palavras foram automáticas, como se precisassem ser ditas para a mulher na minha frente, embora tivessem saído sem minha permissão. Pareciam fazer parte daquela espécie de fragmento de lembrança.
A criatura continuou sorrindo, como se estivesse se divertindo com a situação.
— Minhas meninas não podem ficar sem essa parte do treinamento.
— Não ligo para elas. É a última vez que aturo este desacato, empusa. — Levei as mãos aos lábios, os tapando. Empusa. Aquele nome me era extremamente familiar. Um demônio. Sim, um demônio. Servo de uma certa deusa… A deusa… Hécate!, a resposta veio mentalmente como se eu sempre a soubesse.
— Vejo que está começando a recuperar a memória, princesinha. — Asas como as de morcego se abriram nas suas costas enquanto os dentes deixavam de ser normais e tornavam-se afiados em um sorriso fatal.
— O que veio fazer aqui, demônio?
Não obteve resposta, pois rapidamente o monstro se aproximou de mim, agarrando meu pescoço, chegando mais perto. Sentia ela bufar suavemente contra minha pele e seu hálito quente não era nada reconfortante. Seus olhos novamente vermelhos encontraram os meus.
— Vim matar você — murmurou com uma voz rouca horrenda, passando a língua nos lábios como se além de matar, eu acabasse virando seu jantar.
No entanto, a magia em meu sangue berrava para ser liberta. Fazia um tempo desde a última vez que a sentira. Agora ela parecia viva novamente, como se quisesse me salvar daquela situação. E, bem, não haviam escolhas a serem feitas. Por isso, deixei uma descarga elétrica percorrer todo meu corpo e o monstro sentiu o incômodo. Porém, não conseguiu soltar-me, pois aumentei a voltagem. Desespero brilhou nos olhos vermelhos que voltou a tentar a me soltar, porém a eletricidade a impedia. Uma espécie de grito esquisito saiu da sua garganta e eu sorri com tal, gostando daquela sensação de domínio.
A meu bel-prazer, diminuo a voltagem para que ela possa se soltar, principalmente ao sermos agraciadas com cheiro de carne queimada. Tentei não pensar nos resquícios do monstro na minha pele ou me inclinaria ali mesmo e vomitaria.
— Parece que eu não sou um alvo tão fácil assim para ser morta — digo, estufando o peito, fingindo uma coragem que eu não tinha.
— Não me informaram que havia pego seus poderes de volta, pirralha — rosnou. — Mas em breve virá um exército de muitas como eu. — Ela abriu as asas, querendo dar uma espécie de efeito à sua própria fala. — Vamos fazer todos vocês rastejarem diante de nós e isso — mostrou a mão agora queimada pela energia — será vingando. Eu a amaldiçoo, Alexia.
Como em resposta às suas palavras de maldição, trovões rugem no céu. De repente, ele pareceu repleto de nuvens carregadas. A empusa voltou os olhos para o céu e eu percebi certo receio.
— Barulhinhos de trovões não me assustam, princesinha. É bom que continue brincando mesmo de ser quem é. Cacei uma hoje e ainda caçarei outra como você. — As asas se mexeram e seus pés saíram do chão. Contudo, ela voou na minha direção, como que para me intimidar. — Entre nessa guerra e morra — murmurou como uma nova maldição antes de usar a mão boa para arranhar meu rosto em um gesto inesperado por mim.
Ao virar o rosto com o impacto da unhada, perco o momento em que ela se afasta tão repentinamente quanto chegara. Senti um líquido escorrendo por meu rosto e uma ardência na região onde o monstro arranhou. Ao levar os dedos até lá, descubro que o líquido quente se tratava de sangue. Não fazia ideia se a criatura possuía algum veneno, mas ela me parecia extremamente familiar, como se já tivéssemos nos visto antes.
— Que guerra? — Tenho um sobressalto ao ouvir uma voz atrás de mim.
Percebi que se tratava de Robb quando me virei na sua direção, dando de cara com o irmão mais novo de Richard. Havia um ar questionador na sua expressão e eu sequer notara quando o ruivo saíra do carro.
— Eu não sei do que está falando…
— Mas aquele monstro parecia saber.
— Você o viu? — havia surpresa na minha voz.
Ele assentiu com a cabeça. Por um breve momento, não sei ao certo como reagir àquela notícia. Lembrava do Richard falando que seu caçula me comparava a uma deusa de videogame, mas até hoje não consegui parar para conversar com Arthur sobre aquilo e jamais pensei que teria uma oportunidade forçada para falar com Robert.
— Que guerra? — insistiu ele.
— Eu não sei — respondi um pouco malcriada. — Estou tão perdida com você, mas ultimamente venho sentindo que algo grande está para acontecer — confesso de maneira suspirosa, encostando-me no carro. Sentia meu corpo estranho. Não sabia se era por conta do corte na bochecha ou o uso momentâneo dos meus poderes instantes atrás.
— Algo grande?
— É, é… — Faço um gesto de desdém.
— Você falou de uma espécie de guerra pra nós dentro do jogo. Entre deuses e… guardiões.
— Eu falei? — questionei confusa.
— Desculpe, é que… você parece uma deusa de um jogo que eu joguei no ensino médio — disse um pouco sem jeito. — Ela também se chamava Alexia, além de ser idêntica a você.
— E quais foram as coisas que eu disse? — perguntei, interessada em mais informações sobre tal. Talvez me ajudasse a desvendar o mistério que haviam jogado em meu colo.
Contudo, a realidade a qual nos encontrávamos nos atingiu no instante em que ouvimos um gemido dolorido vindo de dentro do carro. Voltamos para dentro do veículo rapidamente. Richard permanecia apagado, mas fazia uma singela expressão de dor. Com ajuda do seu caçula, colocamos ele no banco traseiro do carro e eu assumi a direção, com intenção de ir para o hospital mais próximo. Tudo bem, nossa conversa esquisita poderia ficar para depois. Afinal, no momento tínhamos que cuidar de um outro ruivo...
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