Meus olhos tentam se fechar várias vezes. A voz aguda da professora Miriam me irrita. Quero me jogar no chão e dormir, mas acho que se fizer isso me chamariam de doida. O sistema do colégio é bem rígido. Você vai para ele, entra em uma sala, senta - se em uma cadeira, assiste uma aula silenciosa e depois outra e mais uma; depois paramos cantamos o hino da sociedade olhando para um quadro enorme com a salvadora pintada nele e voltamos até a sala para assistir mais três tempos de aula e ir para casa. Se você não fizer isso tudo, é punido. Ouvi vários boatos de que eles te torturam e até mesmo o hipnotizam para fazer o que eles mandarem, mas isso é uma grande baboseira. Não consigo acreditar em uma palavra do que dizem.
A corneta sopra, me tirando de meus pensamentos, o segundo tempo chegou.
O professor de cálculo chega. Ele é alto e magricelo, sua pele parece leite, mas seus olhos verde são como armas, que quando apontadas para você te deixam paralizado.
Ele começa a falar :
- Bom dia, alunos. - sua voz é muito grossa para sua fisionomia, tenho vontade de rir, mas seguro, como todas as vezes.
Todos respondem em uníssono.
- Vou escrever algumas fórmulas no quadro - ele continua. - , mas não copiem, está em seus livros
Quando ele se vira para o quadro, abaixo minha cabeça para não ter que olhar na cara de ninguém. Sem querer, acabo dormindo.
No sonho, estou em uma estrada de marshmallows. Eu corro e pulo no chão o que me faz voar bem alto. Em um dos saltos vejo uma coisa branca sob uma marrom bem claro. Ela se aproxima pulando e finalmente chega perto de mim. Logo de primeira vejo que é um sorvete enorme. De repente, uma voz que parece sair dele diz :
- Acorde, menina ! - grita ele. Sua voz é grossa e parece bem familiar. E ele repete. - Acorde, menina.
Meu mundo é destruído e eu abro os olhos.
Levanto a cabeça e vejo meu professor em minha frente, seus olhos me fuzilando com severidade.
Ele dá as costas e diz :
- Isso com certeza vai para sua ficha.
Eu não ligo, pois estou cansada de mais pra isso.
Dou graças a deus quando a corneta sopra, está na hora do terceiro tempo.
O plano se inicia agora.
Quando a professora chega, me levanto do assento e falo um pouco alto demais :
- Professora, posso ir ao banheiro ?
- Sim, vou anotar seu passe. - ela contornou a mesa, pegou uma caneta e um papel. Escreveu alguma coisa e me entregou. Era um passe.
Ando pelo corredor do colégio, com uma certa pressa e entro no banheiro feminino.
Lá, vejo Jessica, Hilary e Linda. Elas estão reunidas em um dos boxes.
Entro e me reúno a elas.
- Os meninos vão usar os sprays e nós vamos nas salas. - diz Hilary oferecendo uma manta preta para cada uma de nós. - Usem isso para se cobrirem.
- Vamos trocar de salas ? - Linda pergunta.
- Vamos. - afirma Jessica, mas eu interrompo - a.
- Espere. Eu vou na minha sala. Preciso ensinar para Mindy quem sou de verdade.
- Tudo bem, mas não vá fazer besteira. - disse Jessica, séria. - Isso é muito importante para nós. Todos nós.
Depois, elas saem do banheiro e seguem em direção às salas. No caminho, encontro com Trent, que do mesmo jeito que eu, usava um manto preto envolta do rosto, ele segurava uma lata de spray em uma das mãos. Nossos olhares se encontraram e paramos um na frente do outro e sem falar nada, nos beijamos e corremos para as salas.
Estou respirando pesadamente agora. Minhas mãos estão suadas, então as seco na roupa. Não posso fazer nada de errado. Estou encarando a porta da sala. Escuto minhas amigas gritando e a coragem me invade. Chuto a porta e grito :
- Não façam nada ou atiro. - minha voz está robótica e grossa, irreconhecível. - Quero que todos se movam para o canto, menos você. - aponto para a professora. - Quero que escreva uma coisa.
Rapidamente, todos já estão no canto da sala e a frase " Nunca se esqueça dos estranhos, eles surpreendem. " está escrita no quadro em letras grandes.
- Quero que façam uma busca em suas mentes e tentem relembrar todos as pessoas que vocês já machucaram e fizeram passar vergonha. Hoje será o dia em que se sentirão inferiores e inúteis.- noto que os olhos deles estão focados em minha direção, mas não em mim.
Subitamente, sinto alguma coisa puxar minha mão e a arma. Olho para o lado e vejo Mindy.
- Pare ! - grito. A voz sai estranha devido ao microfone, enfiado na manta. Eu acharia engraçado se a situação não fosse tão séria.
Com o pé, chuto - a contra parede e lhe dou um tapa na cara. Percebo que estou sem minha luvas e que agora, na bochecha de Mindy, a luz do sol reflete - se no ferro que se formou. Porém, ela ainda está consciente e estende a mão para me agarrar. Antes que possa fazer alguma coisa, o som de dois tiros ecoam pelo ar e sangue espirra na parte descoberta do meu rosto.
Gritos começam por todo o lado e minha cabeça começa a doer. Ouço pancadas na porta. Hesito por um tempo, mas abro.
- Precisamos correr. - uma voz abafada e robótica grita.
Me viro para todos dentro da sala.
- Se saírem, ou fizerem qualquer coisa, vou atirar. Como podem ver, tenho uma boa mira. - E saio correndo pela porta.
Enquanto eu e a pessoa corremos pelo corredor, percebo que as paredes estão pichadas com tintas pretas. Palavras como : " Somos demais", " Não se esqueçam do dia de hoje ", " Liberdade " e outras estão escritas pelos armários, teto e chão. Tudo é uma bagunça total. Pessoas encapuzadas de preto correm por todo o lugar. No entanto, escuto um som que me faz gelar.
Uma batida de portas seguida de tiros.
- Corram ! - alguém grita desesperadamente.
Aumento a velocidade da corrida e mais disparos acontecem.
- Não aguento mais. - a voz eletrônica começa a falha e a voz de Hilary começa a soar normalmente. - Não consigo respirar.
Por que Hilary tinha que ter uma crise de asma logo agora ?
- Tente usar a bombinha. - consigo ouvir a real voz de Linda.
Hilary tateia os bolsos da calça e tira de lá, um pequeno objeto. Ela o leva até a boca, porém ele escorrega de sua mão e fica para trás.
- Ele...caiu. - ela está perdendo o ar e esta desesperada. - Preciso voltar.
- Não ! - grita Jessica. - Você vai ser baleada.
Mas Hilary não escuta. Ela já está se arrastando até a bomba. Alguns disparos batem nos armários. E acho que ela vai conseguir quando ouço - a respirar fundo, porém um tiro a faz parar de respirar para sempre.
Eu quero viver. Minhas lágrimas começam a brotar nos olhos e a visão fica um pouco embassada.
Os tiros continuam e nós corremos.
Subitamente, Ray tropeça em seus próprios pés e bate a cabeça no chão. Ele tenta levantar e um disparo soa. Vejo seu corpo cair, sem vida. Não aguento e começo a gritar. Sou a que está mais atrás do grupo. Estamos nos aproximando da porta e desespero aumenta. Linda já esta na porta abrindo para que todos passem.
Mais um tiro. Uma dor lacinante começam em minha perna esquerda. Eu desabo no chão e aceito que é fim.
- Levante Kim. - ouço a voz de Trent. - Rápido.
Ele me levanta e sinto uma pontada forte de dor.
- Venha. - Jessica passa meus braços por seu pescoço e começamos a correr o mais rápido possível.
- Corram. - grita Sean que já está na porta com Linda.
- Eu te amo, Kim. - Trent diz e ouço passos rápidos.
Um curto tiroteio começa e viro a cabeça sob o ombro para ver Trent atirando em um homem. O homem urra de dor e cai. O outro dispara duas vezes e o corpo de Trent tomba para trás e encosta no chão bruscamente. Sua cabeça pende para trás e seus olhos me encaram. Nunca pensei que seu último olhar a mim seria sem vida alguma.
Eu grito e começo a chorar. Quero voltar e abraçar Trent para sempre.
Chegamos na porta e passamos.
Estamos nos estacionamento. Poucos carros estão parados ali.
- Corram para debaixo dos carros. Eles me ajudam a abaixar em um dos carros. Depois, eles correm para outros.
As portas são abertas novamente. Depois de um tempo escuto uma voz grossa :
- Droga ! - ele para por um tempo. - Eles fugiram. Conseguimos acabar com alguns, mas o alvo não foi capturado. Perdemos um. Voltarei para relatar o resto da missão. Mandem ambulâncias para o instituto educacional. Desligando.
Vejo os sapatos se moverem para dentro do colégio novamente.
Continuo a chorar. No momento, não é a dor da bala que me faz sofrer e, sim, a perda de Trent.
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