“Só se mata a saudade daquilo que se sente, com aquilo que faz sentir.” – Lorena Souza
Depois de cinco dias de compromisso e descanso finalmente Taehyung e eu pudemos pegar o voo de volta para casa. Enfrentamos um pequeno contratempo com o avião que iríamos viajar inicialmente, o que causou o adiamento de nosso retorno em algumas horas.
No entanto, assim que coloquei meus pés dentro da aeronave senti o alívio de estar voltando para casa. Diferente de meu amigo que tomou duas taças de champanhe para acalmar os nervo, segundo ela seria melhor dormir do que presenciar as quase treze horas de viagem.
Ah, Taehyung não tem medo de aviões, ao menos não tinha até a manhã de hoje quando acordou de um pesadelo. Sei como ele se sente tendo de enfrentar uma viagem após vivenciar algo assim, mas acredito que tudo dará certo.
Longas treze horas de um voo direto ligando Madri a Seul. Uma viagem grande e cansativa, mas nos trará um alívio bem maior quando estivemos com ambos os pés no solo do nosso país.
– Taehyung, quer aquietar essa bunda?! – lhe repreendi ao vê-lo tão inquieto assim que o avião decolou.
– Eu quero vomitar, Park Jimin. – disse ele se levantando mais que depressa. Meu amigo ainda ignorou a aeromoça e se trancou no banheiro, seu medo pareceu mais sério do que imaginávamos.
O deixei com seu pequeno problema e retornei a leitura do meu livro. Difícil foi me concentrar sabendo que em algumas horas vou poder abraçar meu filho, matar a saudades de casa e ainda ir ver meu namorado.
Jungkook não me liga a duas noites, o que me faz acreditar que está focado na conclusão do treinamento. Hoje foi seu último dia à frente da equipe de residentes, instante onde ele precisa escrever um relatório sobre cada um deles.
Taehyung logo voltou para a poltrona, se sentiu um pouco melhor após conversar com uma das comissárias. Acredito que elas tenham dito algo sobre a segurança do avião, ainda que isso não assegure de fato uma possível queda.
O lado positivo é que ele acabou adormecendo, nem sequer quis se preocupar com um dos filmes que a pequena tela em frente à sua poltrona estava exibindo.
Já eu, fiquei o tempo inteiro distraído entre as músicas em meus fones de ouvidos e o livro sobre economia que por uma estranha razão foi um presente do dono do resort. Existem pessoas que querem agradecer de um modo mais culto, ainda que eu tenha deixado claro o fato se estar em uma relação.
Sim, descobri sobre a sexualidade do mesmo no jantar onde cometi a estupidez de perguntar sobre relacionamentos já que a conversa havia ido por aquele rumo. Orientação sexual não é algo que devemos perguntar a alguém, não é questão de preconceito, é porque sei o quanto pode ser constrangedor se estivermos cercados por pessoas intolerantes e homofóbicas.
Somos quase obrigados à respeitá-los, mas pedi um mínimo de respeito é o mesmo que atirar direto no ego dos conservadores. Em termos mais práticos, eles são os hipócritas, escória da humanidade moderna. Procuram se esconder atrás de preceitos religiosos e até inventam argumentos para condenar as ações daquele que escolheu não viver aprisionado.
Acabei adormecendo com o livro aberto sobre meu abdômen. Sendo exato não tinha a menor noção do conteúdo das última cinco páginas, o sono era tanto que as letras começaram a dançar em minha frente.
Não sei dizer por quanto tempo dormi, acabei despertando com Taehyung me chamando para me alimentar com o almoço oferecido pela companhia aérea.
Bom, naquele momento me senti confuso se levarmos em consideração o maldito fuso horário, algo que realmente me deixa perdido a cada vez que saio do país.
– Vai querer algo para beber, senhor? – a comissária perguntou assim que veio trazer a água que Taehyung havia solicitado.
– Uma taça de vinho, por favor.
– Merlot¹ ou Cabernet²? – a garota voltou a questionar deixando evidente as duas opções que dispunha no momento.
– Pode ser uma taça de Merlot.
– Trago em alguns instantes. – disse ela saindo assim que deixou uma reverência.
– Eu já disse o quanto amo viajar de executivo? – meu amigo indagou observando todo o conforto disponibilizado por nossas passagens. – É em horas como essa que percebo ter valido a pena as horas perdidas de sono.
– Sou obrigado a concordar com você. – respondi voltando a atenção para a salada e o salmão grelhado que haviam trazido minutos antes.
Apesar da refeição estar um pouco fria, agradeci Taehyung por ter me acordado. Estava mesmo faminto, precisava de algo para manter as forças e conter a ansiedade de estar logo em casa.
Assim que a comissária retornou com minha taça de vinho a questionei sobre o tempo de viagem, de certa forma fiquei feliz sabendo que faltava pouco mais de cinco horas para pousarmos. Bom, ainda tem muito quilômetros para serem sobrevoados, no entanto, só de saber que mais da metade do trajeto ficou para trás me sinto aliviado.
Terminei aquela refeição com direito a pudim como sobremesa, em seguida foi até o banheiro escovar os dentes antes de voltar a dormir. Novamente não tive dificuldades para pegar no sono, assim como Taehyung que já havia adormecido na poltrona quando cheguei.
Passei o resto da viagem literalmente adormecido, foi acordar quando já sobrevoávamos o aeroporto de Incheon. Não demorou para a aeronave pousar em uma das pistas às três e meia da tarde, o assustador fuso horário.
Não havia mais o que fazer na empresa, então apenas liguei para minha assessora dizendo para se prepararem para meu retorno na manhã de terça.
Assim que peguei as malas e me despedi de Taehyung segui a procura de um táxi, meu amigo até me ofereceu carona, mas achei melhor ele e Seokjin curtirem um tempo juntos depois de cinco dias de distância.
Não que isso seja muito para eles, apenas não quero atrapalhar uma relação que vem se fortalecendo cada vez mais depois que Taehyung aceitou se casar com o mais velho. Ali está um casal que apoio até meu último suspiro, por isso nem julguei o abraço caloroso e o quase beijo no meio do saguão do aeroporto.
O trajeto até minha casa durou pouco mais de meia hora. Confesso que depois de quase uma semana, ser recepcionado pelo abraço caloroso de senhora Park foi como uma recompensa. No entanto, meu pequeno príncipe ainda está no colégio, me impossibilitando de matar a saudades dele também.
– Fez boa viagem, querido? – senhora Park indagou me ajudando com as duas malas.
– Sim. Foi produtivo na área profissional e um descanso para a mente. – respondi deixando o calçado próximo a porta e calçando uma das pantufas. – E por aqui, tudo certo?
– Sim. – a mais velho respondeu ainda me observando. – Querido, vá tomar um banho que vou preparar algo para você comer. Logo tenho que ir buscar EunWoo no colégio e...
– Não, mamãe. Vou buscá-lo hoje, quero fazer uma surpresa.
– Ah, por falar em surpresa... – ela interrompeu seus pensamentos quando olhou para o topo da escada. – Deixe para lá, tome um banho e coma algo antes de sair de novo.
– Certo. Não vou demorar, depois levo essas malas para o quarto. – voltei a lhe dar outro beijo na bochecha antes de subir para meu quarto.
Subi em direção ao quarto, mas fui interrompido pelo celular tocando. Era Taehyung que na certa esqueceu algum documento comigo e está ligando para cobrar, meu amigo só não esquece a cabeça por estar presa ao corpo.
– Alô, Jimin. Só ligando para informar que seu passaporte acidentalmente ficou na minha bolsa, caso perca a cabeça para procurar.
– Jura?! Nem havia percebido e... – parei assim que abri a porta do quarto. – Tae, eu ligo mais tarde. Tem um gato na minha cama.
– Oh, adoro. – percebi a segunda intenção por trás de sua voz.– Vai tirar o atraso. Pega ele, tigrão!
– Vai se foder. – murmurei pouco antes de desligar.
Acreditando que Jungkook estivesse descansando em seu apartamento ou até mesmo cobrindo plantão, me surpreendi ao vê-lo dormindo sobre minha cama. Literalmente um sono tão profundo que nem sequer o barulho da porta abrindo o incomodou.
Posso dizer que gostei da tal surpresa, ainda que tenha deixado meu quarto completamente revirado com suas roupas espalhadas pelo chão. Poderia facilmente acordá-lo aos berros já que não gosto de bagunça, no entendo, entendi que ele possivelmente estava cansado demais para se preocupar com isso.
Jeon é a pessoa mais organizada que conheço, toda essa bagunça têm uma explicação coerente.
Decidi não incomodá-lo, afinal não sei a hora que ele chegou ou por quanto tempo está dormindo. Tudo o que fiz foi pegar minha toalha e seguir direto para o banheiro. A maravilhosa água morna que tirou do meu corpo todo o cansaço das horas dentro daquele avião.
É bom estar em casa, melhor ainda foi perceber que de certa forma duas das pessoas que mais amo estão ali me esperando, só falta EunWoo para completar a festa.
Estava completamente distraído debaixo do chuveiro. Apenas percebi que não estava mais sozinho quando mãos fortes apertaram minha cintura e eu fui empurrado contra a parede fria do box.
Impossível descrever a sensação maravilhosa daquele beijo depois de dias ansiando por ele. A forma que Jeon pressionou meu corpo, a maneira que seus músculos moldaram os meus e o jeito carinhoso que ele impregnou naquele gesto mesmo em posse da saudade.
Me tirou o fôlego e me fez entender o motivo de minha cama parecer sempre vazia nas últimas seis noites.
Quando ele se afastou pude contemplar aquele rostinho lindo inchado pelo sono e os lábios avermelhados pelo recente beijos. Jeon ainda me observava confuso, possivelmente acreditando que sou uma miragem ou simples devaneio de sua mente.
– Isso que chamo de recepção calorosa. – respondi envolvendo os braços em torno de seu pescoço. – Desculpe por acordar você.
– Eu estou sonhando? – o mais novo perguntou com a voz ainda afetada pelo sono. – Você está mesmo aqui, Mochi?
– Estou, meu bem. – disse acariciando seus cabelos macios já molhados pela água morna. – Vamos terminar o banho, sim? Depois conversamos.
Jungkook me fez companhia no resto daquele banho. Bom, um gesto inimaginável até então, mas pude apreciar seu físico que foi um pouco afetado pelas últimas duas semanas de correria.
Fui o primeiro a terminar e me vesti com um dos roupões. Segui direto para o quarto para vestir minhas roupas e secar os cabelos, ainda temos cerca de uma hora até precisarmos sair para buscar EunWoo.
Assim que saí do closet encontrei meu namorado sentado na beirada da cama, ainda confuso e agora com a toalha em volta de seus quadris. Minha única reação foi deixar as roupas de lado e ir até ele para tentar entender o que estava havendo, ainda que sei o motivo de tudo, seu cansaço.
– Você está bem? – questionei me sentando no colo do mesmo.
– Estou bem. Apenas cansado, mas bem. – finalmente ele sorriu antes de me puxar para um abraço apertado. – Jimin, eu senti sua falta.
– Eu sei. Também senti a sua.
– É sério, meu anjo. Passamos praticamente quinze dias longe um do outro. Aquela noite antes da sua viagem não contou muito, o deixei na cama por conta do meu trabalho e...
– Ei, relaxa. Isso faz parte da rotina. – segurei cuidadosamente seu rosto entre as mãos e comecei a deixar alguns selinhos em suas bochechas. – Você tem plantão hoje?
– Não. Estou de folga pelas próximas setenta e duas horas. – ele disse observando o relógio digital. – Bom, tira doze horas desta conta, acabei dormindo demais.
– Ainda são sessenta horas, pode ficar aqui se quiser.
– Desculpa por invadir seu quarto, não estava conseguindo dormir em meu apartamento e... – o mais novo desviou o olhar deixando evidente suas bochechas avermelhadas pela vergonha. – De certa forma me senti acolhido aqui.
– Está tudo bem, amor. – ele me encarou com aqueles olhinhos inocentes. – Você precisa se alimentar direito, perdeu peso nessas últimas semanas.
– Tudo vai voltar ao normal agora.
– Vai sim. – tentei me levantar, mas suas mãos firmes me seguraram em seu colo. – Preciso me vestir para ir buscar EunWoo no colégio, bebê. Me deixe levantar.
– Ainda temos tempo. – suas mãos tocaram carinhosamente minhas bochechas. – Podemos matar a saudades antes disso. Tudo bem por você?
O encarei por alguns segundos, aqueles olhinhos de gato manhoso que tenho quase certeza que foram ensinados por Gucci. Difícil resistir a um Jeon carente, principalmente quando tudo o que ele está pedindo são beijos e um pouco de carinho.
Como se tratá-lo dessa maneira me exigisse um sacrifício enorme.
Apenas me aproximei encaixando nossos lábios, a perfeita sincronia de um beijo que me fez novamente sentir seu hálito de hortelã conseguido com a pasta de dentes. Jungkook e sua maneira de me marcar nos simples detalhes, desde os mais raros até o que fazem parte de nosso cotidiano.
Não paramos apenas naquele beijo, impossível parar algo quando o corpo está impulsionado pela saudade. Tudo o que sei é que foi preciso tomar um novo banho e ainda saímos um pouco atrasados para buscar EunWoo.
Bom, não sou um pai irresponsável ou algo do tipo, realmente me senti mal quando chegamos no colégio e haviam pouquíssimos alunos por ali. Jeon tomou parte da minha última hora e confesso que foi maravilhoso, de fato é uma pena não termos tido mais tempo para matar a saudades como manda o coração.
Jungkook ficou ali ao lado do carro enquanto entrei para buscar o pequeno, mas antes que eu pudesse chegar até sua sala a diretora me chamou para uma breve conversa.
O barulho que Jungkook fez por conta do bullying valeu a pena, tanto que mesmo tendo pouca idade o garoto que fez mal a EunWoo foi advertido, suspenso e ainda terá de passar por apoio psicológico. Algo que indica que a situação é mais grave que imaginei.
No entanto, agradeci pela postura dura fã escola em relação ao bullying, a diretora me deu total razão em querer erradicar isso de seu colégio e parabenizou a atitude que Jeon fez, ainda que para ela meu namorado seja apenas um primo distante que veio tentar a vida na capital.
Não o culpo por tentar proteger EunWoo e eu, infelizmente pessoas ainda são tolerantes quanto à orientação sexual e meu medo é que meu filho acabe recebendo o ódio gratuito destinado a mim.
Queria poder dizer ao mundo quem é a pessoa a qual meu coração pertence, porém, o mundo não parece preparado para vivenciar um amor tão incrível quanto o meu. Sem mencionar que nossa felicidade não diz respeito a mais ninguém a não ser a aqueles a quem amamos.
Assim que deixei a diretoria fui direto a sala de EunWoo, ele era o único aluno ali dentro e parecia distraído com seus desenhos. A professora novamente o elogiou pouco antes de chamá-lo, e foi observando aquele sorriso meigo que percebi o quanto de fato meu filho é precioso.
– Papai! – disse ele correndo em minha direção com seus bracinhos abertos.
Me abaixei à sua altura e confesso que aquele abraço apertado fez meus olhos se encherem de lágrimas. Saudades do meu pequeno, sinto falta de dedicar meu tempo a ele e perceber seu desenvolvimento dia a dia.
Após aquele abraço ainda ganhei um beijo na bochecha antes de pegá-lo em meu colo. Novamente agradeci a professora pela paciência e por cuidar tão bem do meu garoto, sei a importância que estes profissionais têm na formação do caráter de todos anjinhos.
Enquanto seguia para fora do colégio EunWoo envolveu seus braços em volta de meu pescoço e me abraçou com força. O mais novo deixou evidente a saudade e começou até mesmo a murmurar uma musiquinha que aprendeu durante mais um dia de aula.
Eu literalmente ainda não me acostumei com tanta fofura.
– Ei, campeão. – meu namorado o chamou logo tendo sua atenção. – Estava com saudades do seu papai?
– Woo estava com saudades dos dois papais. – respondeu todo animado esticando os bracinhos para Jungkook pegá-lo no colo. – Papai Kookie prometeu que iria levar anjinho para tomar sorvete.
– Sim, mas se lembra do que eu disse depois disso?
– Que iria esperar o papai Minnie para ir tomar sorvete com papai Kookie e EunWoo. – respondeu me encarando com aqueles olhinhos inocentes.
– O que acha, Jimin? – ali estava meu namorado perguntando de forma sugestiva.
– Tem como ir contra vocês dois? – eles se encararam antes de negar com um simples gesto. – Vamos, mas precisamos estar em casa antes do jantar.
– Eba! – o pequeno comemorou batendo algumas palmas com as mãos erguidas.
– Você está ajudando na criação de um pequeno monstrinho, Jeon Jungkook. – alertei enquanto ele atava EunWoo à cadeirinha de segurança. – Acho bom passar a me informar sobre essas promessas que anda fazendo a ele.
– São coisas inocentes, Jimin. – ele disse assim que fechou a porta e me observou. – Mas se isso está sendo ultrapassar limites para você, eu passo a vigiar minhas ações. Não quero passar por cima de suas ordens, afinal EunWoo é seu filho e você sabe o melhor para ele.
– Não interprete desta maneira, bebê. Apenas gosto de ser informado sobre o que EunWoo anda fazendo. – suspirei percebendo que talvez tenha sido um pouco rude dizer aquilo. – Confio em você, apenas me preocupo como todo pai coruja. Isso só piorou depois do acidente.
– Sabe que aquilo não foi culpa sua, mas de certa forma eu te entendo. – Jeon sorriu deixando claro que está tudo bem. – Vamos, temos que comprar sorvete para o monstrinho.
– Jungkook, obrigado por tudo. – sorri vendo ele se limitar apenas em desarrumar meus cabelos.
Acredito que tudo seja mais fácil quando resolvido com uma simples conversa. Não voltamos mais a tocar em assunto de limites, mas de certo modo gosto de saber tudo sobre meu filho. Não é falta de confiança em Jeon, apenas quero proteger meu pequeno de tudo o que estiver ao meu alcance. Como pai acredito que não esteja errado ou estou?
O que importa é que EunWoo se adaptou tanto a ele, meu maior medo de uma nova relação é que a pessoa desprezasse meu filho e que meu pequeno temesse meu namorado. No entanto, acabei sendo surpreendido desta vez, existem momentos em que Jungkook parece mais pai dele do que eu, algo que não me deixa com ciúmes, mas sim curioso e de certa forma feliz.
EunWoo literalmente fez Jungkook dirigir por quase vinte minutos apenas para irmos à sua sorveteria favorita. Porém, conhecendo meu filho melhor que a mim mesmo, acredito que seu interesse esteja não apenas no sorvete e sim no parque que está logo a frente do estabelecimento.
Jamais subestime a esperteza e inteligência de uma criança, não é à toa que EunWoo parece mentalmente mais desenvolvido que muita criança de sua idade. Talvez ele tenha uma vantagem de sua avó ser professora e desde cedo ensiná-lo algumas coisas, ou simplesmente porque lhe deixamos exercitar o cérebro com seus desenhos e alguns jogos.
A educação do meu filho sempre esteve como prioridade para mim, por essa razão ele é uma criança que não passa despercebido em todos os lugares que vai. EunWoo é especial e a maioria das pessoas se encantam por ele. Digo isso com um orgulho envaidecido, sim como todo o pai coruja se sente com as conquistas de seu pequeno.
– Papai, Woo pode brincar no parquinho também? – como disse, ele estava de olho em outro local e não apenas na sorveteria.
– Alguns minutos, tudo bem? Precisamos ir para casa antes do jantar. – respondi sendo observado por Jungkook. – O que tanto olha, meu bem?
– Você cuidando de EunWoo. – o mais novo sorriu enquanto estacionava o carro. – É de longe a coisa mais linda e cheia de amor que já vi.
– Jungkook, por favor. – sussurrei de um jeito um tanto quanto manhoso.
– O que você quer, meu bem?
– Para de agir de forma fofa, você sabe que não posso beijar você aqui. – ele sorriu abertamente quase me fazendo derreter. – Eu amo seu sorriso.
– E eu amo você, Park Jimin. – ele sussurrou de uma forma que EunWoo não pudesse ouvir.
Aquela cena foi interrompida assim que descemos do carro. Jungkook se encarregou de tirar EunWoo da cadeirinha enquanto entrei no estabelecimento para procurar uma mesa vazia. Se fosse atender a vontade do pequeno iríamos apenas comprar e ir direto para o parquinho, no entanto, sei perfeitamente a bagunça que ele pode fazer com uma simples casquinha.
O sorvete ficou apenas para os dois, estava cheio por conta do lanche que minha mãe praticamente me obrigou a comer antes de sair. No entanto, mesmo que eu não houvesse pegado um copinho para mim, Jeon fez questão de me dar algumas colheradas do dele.
Momento que passei a amar a mistura de frutas vermelhas e chocolate amargo. Melhor ainda foi a forma que ele não se importou com as pessoas ao meu dar sorvete direto na boca, era como se estivéssemos em outro universo.
Assim que terminamos o sorvete fomos levar EunWoo ao parque por alguns minutos. Me sentei em um dos bancos apenas observando Jungkook empurrando seu balanço ou o esperando no final do escorregador, fiz questão de filmar parte daquela cena para sofrer sozinho quando não estiver nada para fazer no escritório.
– Imoral! – desliguei o celular quando uma senhora se aproximou ao lado de uma mulher pouco mais jovem. – Acha que não vi o que os dois faziam na sorveteria?
– Desculpe, mas do que a senhora está falando? – me levantei ajeitando meu casaco na intenção de me afastar.
– Como acha que vai crescer a cabeça dessa criança assistindo vocês dois se comportarem com essa imoralidade perto dele?
– Ótimo, ensinar o MEU filho a respeitar os outros é imoral agora? – indaguei no mesmo tom, o que deixou a mulher mais jovem na defensiva. – Eu não preciso ficar aqui e ouvir isso. Tenha uma longa vida, senhora.
– É por conta de pessoas como vocês que nossa sociedade está tão infectada e...
– O que está acontecendo, Jimin? – Jungkook se aproximou cobrindo o rosto de EunWoo para não o expor aquilo.
– Vão embora! Esse não é lugar para pessoas imundas como vocês. Tenho pena dessa criança.
– Eu tenho pena é da senhora e de toda sua descendência. Deveria saber que respeito é essencial, tenho certeza de que Jimin não fez nada para ofendê-la desta maneira. – meu namorado saiu em minha defesa, momento que apenas queria sair dali para evitar mais exposição.
– Está tudo bem, Jungkook. Vamos embora. – peguei EunWoo de seu colo e por baixo daquele casaco percebi seu rostinho assustado.
– Papai, por que aquela senhora está brigando? – sua voz embargada pelas lágrimas foi o que mais me marcou. – Woo está com medo.
– Está tudo bem, meu amor. Nós vamos para casa agora. – o abracei bem apertado querendo lhe proteger. – Jungkook, vamos. Por favor, esquece isso.
– Deveriam ser exilados deste país, podem contaminar nossos jovens e...
– Torço para não ser alguém de sua família, senhora. – Jeon respondeu abraçando EunWoo e eu. – Se fosse um filho ou neto, saberia o quão doloroso é ouvir essas palavras.
– Eu não me importo. Se fossem os homens de minha família iriam apanhar até aprenderem a serem machos. Assim como vieram ao mundo. – naquele momento eu só queria vomitar por todas as palavras nojentas que ela dizia. Agradeci imensamente por não haver quase ninguém naquela área do parque, assim não chamaria muito atenção.
– Jungkook, por favor. – pedi com mais calma, com medo do que pode virar o emocional do meu filho presenciando aquilo.
– Vamos, meu bem. – ele sussurrou antes de me soltar. – Deveria aprender a viver em sociedade antes de sair de casa, senhora. Sua intolerância pode contaminar as pessoas.
Saímos dali deixando ela murmurar algumas palavras. Naquele momento não quis saber de mais nada, apenas queria chegar logo em casa e desabafar da melhor maneira. Chorando em meu quarto onde meu filho não possa presenciar e perguntar o motivo daquilo.
EunWoo ainda é novo para entender o motivo que fez aquela senhora ofender a mim e a Jungkook. Não é a primeira vez que passo por isso, sempre procurei me manter mais reservado por essa razão.
Mas não é sempre que escapo de momentos revoltantes como o que aconteceu hoje.
Não posso dizer que estou acostumado, mas não posso deixar de me amar bem mais sabendo que o que eu sou de verdade, a alegria e todo amor que tenho incomoda as outras pessoas.
Durante todo o trajeto até minha casa eu fui em silêncio. Jungkook foi quem tomou as rédeas e passou a responder as perguntas que EunWoo estava lhe fazendo, coisas inocentes como:
Por que a senhora estava brigando com o papai Minnie?
O que o papai fez de errado?
Por que algumas pessoas são más?
EunWoo tem pouco mais de três anos, mas tem a capacidade de discernir entre pessoa boas e ruins.
Quando chegamos em casa o deixei na sala brincando com Blue e fui direto para meu quarto. Me sentei na beirada da minha cama e abaixei a cabeça deixando as lágrimas rolarem pela raiva e frustração.
Não demorou para Jungkook vir ao meu socorro, apenas senti quando suas mãos seguraram firmemente minhas bochechas e dali secaram as lágrimas. Fiquei confuso ao ver que aquilo afetou mais a mim do que a ele, talvez porque de certa maneira aquilo também mexeu com o meu filho, o que para mim foi mais que covardia.
– Eu queria ter sido tão baixo quanto ela, Jungkook. Mas não consegui... – o mais novo me olhou preocupado enquanto secava minhas lágrimas. – Tento entender porque as pessoas são assim. Céus! O que ouvi hoje foi um absurdo sem tamanho.
– Você é educado demais para desrespeitar alguém mais velho, meu bem. – meu namorado disse se ajoelhando em minha frente e segurando minhas duas mãos. – Aquilo foi cruel, mas você não deve deixar que isso interfira dessa maneira. O que mais têm no mundo lá fora são intolerantes e mal amados, nós temos um ao outro e famílias que nos apoiam, já é o suficiente.
– Eu te amo também. – respondi o puxando para um abraço. – Obrigado por nos defender, não tive a mesma capacidade, mas...
– Mas nada, Mochi. Isso já passou. – me interrompeu roçando sua bochecha na minha. – Vamos ficar bem. Eu te amo, ouviu? Faria tudo novamente.
Para me acalmar Jungkook novamente juntou nossos lábios em um beijo cheio de carinho. Foi o bastante para fazer meu coração voltar ao ritmo normal, assim como a respiração acabando com todo o ódio que circulava em minhas veias.
No entanto, permanecemos no quarto até minha imagem se recompor um pouco mais, não queria deixar minha mãe preocupada e nem assustar EunWoo. Jungkook soube exatamente o que fazer para me trazer novamente a paz.
– Hum... Comprei algo para você. Pretendia te entregar em outra ocasião, mas acho que serve agora. – estiquei uma das mãos pegando a jaqueta que usei na viagem. – Comprei em uma loja de aeroporto, mas está cheia de significados.
– Céus! Desenrola com isso, Mochi. – o mais novo me fez sorrir com aquela animação. – O que tem aí? – ele questionou observando a pequena caixinha dentro da sacola da loja. – Porra, isso é um Bvlgari³, Park Jimin?!
– Acho que já temos tempo o suficiente nessa relação para usar uma dessas, certo? – abri a caixinha revelando para ele o par anéis de compromisso. – Aceitar ser oficialmente meu namorado, Jeon Jungkook?
– Garoto??? Você não fez isso. – ele nem sequer parecia saber como reagir. – Você já sabe a resposta, Jimin.
– Me dê sua mão direita. – pedi sendo atendido em menos de um segundo. Ali coloquei a aliança em seu anelar e deixei um beijo sobre o objeto. – Eu amo você.
– Eu te amo mais, Park Jimin. – poderia jurar que vi o mais novo emocionado a ponto de secar discretamente suas lágrimas. Logo ele fez o mesmo encaixando o par daquele objeto em meu dedo, repetindo o beijo que deixei em sua mão antes de tomar meus lábios em outro beijo carregado de luxúria. – Minha mãe e Hyeri vão surtar quando virem isso.
– Parece que é a primeira aliança de compromisso que você recebe. – acabei rindo ao vê-lo me observar. – Oh Meu Deus! Essa é sua primeira aliança? – o mais novo apenas concordou com um gesto. – Mas você já teve relacionamentos sérios e...
– Você é o primeiro namorado a me dar uma aliança, Jimin. Nunca usei uma na vida. – naquele instante eu percebi o porquê de sua reação parecer como a da maioria dos adolescentes. – Ela é linda, obrigado por isso. Não faz ideia do significado que esse gesto tem para mim.
– Sei sim. Tem o mesmo significado para mim. – puxei seu rosto entre as mãos e selei seus lábios. – Amo você.
Entre mais beijos e declarações fofinhas tomamos outro banho antes de voltar para a sala. Minha mãe nos esperava ali com EunWoo e se mostrou completamente emocionada com a história das alianças.
Acabamos conversando um pouco mais antes do jantar, desde coisas da viagem até o que aconteceu mais cedo no parque. Vi no olhar daquela mulher a vontade de estar naquele lugar para ensinar um pouco de respeito à senhora intolerante.
Chega a ser emocionante vivenciar isso, principalmente sabendo que minha mãe ficou bem receosa quando disse a ela o que eu realmente sou. Hoje ela é quem mais me defende, se for necessário se enfia até em brigas para defender a minha felicidade.
Já disse que Jeon é o genro que ela pediu a Deus? Pois é, hoje se comportam quase como mãe e filho tamanha é a consideração que a sogra sente por ele.
– Vamos, o jantar logo vai ser servido. – disse minha mãe se levantando, mas não ficou muito tempo de pé. Logo caiu sentada no sofá levando uma das mãos até a cabeça.
– Mamãe?!
– Eu estou bem. Só estou um pouco tonta. – no mesmo instante encarei Jungkook que não demorou a ir buscar seus equipamento no meu quarto. O lado positivo de namorar um médico é tê-lo por perto quando precisamos de socorro.
Assim que retornou ele começou a examinar a mais velha. Medir pressão arterial e batimentos, fazer a checagem de outros sinais como dilatação de pupilas ou qualquer outra coisas que pudesse estar causando aquilo. Assisti meu namorado fazendo até mesmo os testes primários para identificar um acidente vascular.
No entanto, Jungkook chegou a conclusão de que aquilo era apenas uma crise de hipoglicemia⁴. Condição grave se não tratada, pode oferecer riscos à vida se agravar ainda mais. Por essa razão ele pediu que a mais velha marcasse uma consulta de rotina o mais rápido possível.
Ele a tratou com um copo com água doce, esperou alguns minutos para que minha mãe pudesse se recompor e a ajudamos a chegar até a mesa de refeições. Meu namorado nos explicou que aquilo poderia indicar outro problema, por isso a consulta e a bateria de exames.
Minha mãe recuperou parte das forças após a refeição, mas decidiu ir se deitar cedo. A ajudei com as coisas para que ela pudesse repousar de forma mais relaxada, além de deixar evidente que ela poderia me chamar a qualquer momento se sua condição retornasse.
Após o jantar ajudei EunWoo com o banho e a arrumar sua mochila para o dia seguinte. Também deixei meus pertences separados para retornar a empresa, mas minha vontade é de ficar em casa sabendo que Jungkook vai estar ali.
Sei que durante o dia ele fará uma visita aos pais, além de ir até Hyeri depois de um incidente em seu último plantão. Para todos os efeitos minha cunhada não pode mais trabalhar sem correr o risco de perder o bebê, acredito que nesse momento a mais nova deva estar subindo pelas paredes.
Aconteceram tantas coisas durante minha viagem que aquilo pareceu ter durado semanas. O incidente de Hyeri foi o motivo pelo qual Jungkook não me ligou nos últimos dois dias, ele estava dando apoio a sua gêmea sabendo que apesar das brigas e desentendimentos eles são inseparáveis.
– Papai, pode contar história para Woo? – o mais novo disse caminhando até seu quarto.
– Mas Jungkook não iria ler para você?
– Eu quero meus dois papais. – respondeu fazendo meu coração disparar, então observei Jungkook deitado em um pequeno espaço da caminha infantil.
– Seu lugar, papai. – o mais novo disse apontando para a outra lateral deixando claro que o meio da cama era de EunWoo.
– Vocês andam disputando para ver quem me mata de fofura primeiro? – indaguei me deitando ali. – Qual história você escolheu, anjinho?
– O patinho feio, papai.
– Certo. – peguei o livro e encarei Jungkook. – Você lê as páginas da esquerda e eu leio as da direita, certo?
– Tudo bem. – meu namorado concordou segurando a outra parte do livro. – Pode começar, Mochi.
– Era uma vez uma mamãe pata que teve cinco ovos. Ela esperava ansiosamente pelo dia em que os seus ovos quebrassem e...
Continuamos contando aquela história alternando entre minhas falas e a de Jeon. EunWoo não nos interrompeu sequer um minuto, o que nos fez entender que estava bem concentrado na leitura.
De certa forma aquilo serviu para me fazer matar a saudades de passar um tempo com meu filho. Senti o perfume de seu shampoo infantil me traz calma, me faz perceber que todo esforço para fazer do mundo um lugar melhor para ele vale a pena.
– A partir desse dia, não houve mais tristezas, e o patinho feio que agora era um belo cisne, viveu feliz para sempre! – Jeon encerrou aquela leitura com a voz suave o bastante para me causar sono. – Meu amor, vamos. EunWoo dormiu.
Com cuidado me levantei o acompanhando. Antes de sair do quarto deixei um beijinho na testa do mais novo e o cobri melhor para proteger seu corpo do frio. Jeon meu esperava na porta, assim que saí foi ele quem desligou as luzes e a fechou.
Já em meu quarto escovamos os dentes antes de nos prepararmos para dormir. Foi um dia cheio para mim, tantas emoções de uma só vez. Não houve descanso como deveria, mas sendo sincero isso pouco me importa.
– Caramba, estou exausto. – disse assim que terminei de me livrar das roupas, ficando apenas com uma boxer e a camisa de Jungkook.
– Vem aqui para eu te fazer uma massagem então, gatinho. – o mais novo chamou deixando alguns tapinhas sobre o colchão. – Quero curtir você mais um pouquinho antes de ir dormir.
– Só você para tirar esse peso das minhas costas. – respondi me deitando de bruços entre as almofadas.
Não demorei a sentir as mãos firmes de Jeon apertando meus músculos. Massageando os ombros e as costas com vontade, gesto que aliviou as dores melhor que qualquer remédio que já consumi.
Talvez por conhecer bem a anatomia humana ele saiba os pontos certos onde pressionar para me deixar mais relaxado. No e entanto, logo as mãos foram substituídas por beijos e sentia seu corpo pressionar o meu sobre aquele colchão.
Bom, não devo ser o único com saudades de uma noite quente, por mais que estivessem chegado até o fim mais cedo é difícil afirmar que foi o suficiente para acabar com a saudade.
Porém, não passamos de beijos e ótimos amassos. Jeon entendeu que ele está de folga por mais dois dias, já eu devo voltar para a empresa no início da manhã. Certeza de que existem no mínimo três reuniões marcadas à minha espera. Sem mencionar que minha assessora está treinando um estagiário para assumir seu lugar enquanto ela sai de férias por quarenta e cinco dias.
– Cada dia me surpreendo mais e mais com você. – o mais novo confessou antes de arrumar sua postura e me encarar com carinho. – Que tipo de magia ou feitiço você usa, Park Jimin?
– Amor com um toque de sedução. – respondi quando embolei minhas pernas nas suas. – Eu queria ir com você visitar Hyeri amanhã, mas tenho trabalho e...
– Posso te buscar na empresa, aí buscamos EunWoo no colégio e vamos para lá. – Jungkook disse ainda acariciando meu rosto. – Vou ir apenas na casa dos meus pais durante o dia, deixo para ir no apartamento da Hyeri a noite.
– Não quero atrapalhar seus planos. – meu namorado apenas sorriu enchendo meu rosto de selinhos em seguida.
– Você não atrapalha meus planos, Mochi. Você completa todos eles.
Ah, como amo essas declarações indiretas, ou melhor, diretas mesmo. Jeon não faz questão de esconder seu amor e admiração, assim como não faço questão de esconder tudo aquilo que sinto por ele.
– Boa noite, meu amor. – disse me aconchegando em seu peitoral.
– Boa noite, meu bem.
Temos nossos momentos. Nosso próprio mundo e tudo aquilo que nos cerca. Nos amamos incondicionalmente e chegamos a conclusão de que não precisamos da aprovação de ninguém para ter a nossa felicidade.
Em toda minha vida cheguei a duvidar de que iria me aparecer alguém como ele, no entanto, agora sei que ele apenas chegou no momento certo e ironicamente quando mais precisei.
Jeon Jungkook é a prova de que anjos aparecem quando mais precisamos deles.
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