Lauren
Sou acordada às 3h42 da manhã, encarando o cano da minha 9mm.
— Qual é a senha? — exige a garota.
Ela mantém uma distância respeitável. Impressionante.
— A senha — repete ela em tom duro, apontando com a cabeça para a mesa onde está meu iPad.
Eu não me mexo. Ela pode ter coragem, mas está agitada mesmo assim, e seria muito azar se atirasse em mim por acidente.
— F maiúsculo, seis, oito, k minúsculo, três, zero, zero, cinco, l maiúsculo, p maiúsculo, w minúsculo, seis. — Eu poderia facilmente tomar a arma antes que ela atirasse, no ângulo em que ela está, mas não estou pronta para fazer isso. Ainda não.
Ela tenta lembrar cada caractere exatamente como eu disse. Sem que ela precise perguntar, repito a sequência, e até esse gesto parece deixá-la confusa.
Com cuidado, levanto as costas da cama e ela aperta mais a arma. Se por acaso puxasse o gatilho, só acertaria minha bochecha. A bala talvez atravessasse minha mandíbula. Eu ficaria desfigurada, mas sobreviveria.
— Você não vai querer ver o que tem aí — digo.
— Você admite, então — diz ela nervosamente. — Alguma coisa aconteceu. Você descobriu enquanto eu estava no chuveiro.
Estou de pé, agora. Ela ainda não atirou em mim. Não vai atirar, a menos que eu tente ir atrás dela. Mas não estou mais tão impressionada. No lugar dela, eu já teria metido uma bala no meu crânio.
Confirmo com a cabeça. Só estou um pouco surpresa por ela ter descoberto tudo isso. Eu não deveria ter perguntado sobre a mãe dela. Essa garota é esperta, ainda que compassiva e humana demais para sair viva disso sozinha.
Segurando a arma na mão direita e ainda de olho em mim, ela dá três passos e meio para trás e pega o iPad, correndo os olhos entre mim e ele, um segundo cada, o bastante para digitar a senha. Depois de um minuto inteiro de frustração, sem encontrar nada, a garota aponta a arma para o iPad e se afasta da mesa perto da parede.
— Ache você — ordena ela. — Seja o que for.
Suas mãos, ambas empunhando a arma agora, estão tremendo.
— Vou dizer pela última vez, você não vai querer ver.
— Me mostre!
Ela está chorando, agora. Lágrimas escorrem por seu rosto. Noto que seu lábio treme do lado direito. Ela deve estar sentindo náuseas, com os nervos em frangalhos. Olho para as cordas com as quais a amarrei, jogadas no chão. Não foram cortadas. Ela tem mãos pequenas, pulsos finos. É uma mestra da arte da fuga, para ter se libertado daqueles nós. Olho para o relógio entre as camas. Mas ela levou tempo demais para conseguir, pelo que vejo.
— Anda!
Seus olhos estão vermelhos e brilhando, úmidos.
Eu viro o iPad sobre a mesa na minha direção. Com um dedo, abro meu e-mail particular e a pasta onde arquivei a mensagem com anexo que recebi ontem à noite, do meu contato:
— O que foi que você fez? — perguntou Lucia Vives na noite anterior, no vídeo chamada ao vivo. — A garota não fazia parte do acordo. — Seu sotaque espanhol sempre transbordava muito em seu inglês.
— A filha de adotiva Guzmán estava lá — respondi. — Eu a vi na fortaleza, antes de entrar na casa. — Olhei uma vez para o banheiro, onde a garota ainda estava no chuveiro, depois de 15 minutos. — Javier Ruiz tem instalações impressionantes.
— Tem certeza de que viu a mesma garota?
Fiquei ofendida com a falta de confiança de Lucy em mim, ao ver que depois de anos trabalhando juntas, sem nunca ter errado meus prognósticos, ela ainda duvidava das minhas opiniões.
— Era a mesma garota — confirmei, em tom neutro. — Peguei metade do dinheiro que Javier aceitou pagar e fui embora, como me mandaram.
— E como você acabou ficando com a outra garota?
— Ela fugiu da fortaleza e se escondeu no meu carro.
— E você não sabia que ela estava lá? — Ela parecia surpresa.
— Sim, sabia — confirmei.
— Então explique por que...
— Lembre-se, Lucy, você não é minha empregadora. Seria prudente não falar comigo como se fosse.
Vives engoliu seu orgulho e ergueu o queixo, para parecer mais confiante em seu momento de inferioridade.
— O que Javier ofereceu pelo assassinato de Guzmán?
— Nem uma fração do que Guzmán ofereceu para matar Javier e Izabel, e pela volta de sua filha em segurança. — E acrescentei: — Eu poderia ter cumprido o contrato enquanto estava lá.
— Sim — disse Lucy. — Mas isso não fazia parte do plano, assim como manter a fugitiva com você também não faz.
— A garota vai ser útil.
— Até agora, ela provou ser o contrário disso — disse Lucy, recobrando a confiança que arranquei dela antes. — Tudo mudou. O plano. O contrato. Suas ordens.
— Quais são minhas novas ordens? — perguntei.
— Iglesias não deu nenhuma nova ordem ainda — disse ela. — Está aguardando meu contato. Suas novas ordens vão depender da informação que eu receber de você agora.
Lucy e eu nos entreolhamos nesse momento, ambas pensando a mesma coisa: você é minha irmã e eu não farei nada para trair você, independentemente da nossa profissão ou das ordens que uma de nós receba um dia.
Ninguém além de nós duas sabe que temos o mesmo pai. Mas com o passar dos anos, desde que fomos recrutados pela Ordem quando éramos apenas meninas, fomos nos distanciando. Muitas vezes é fácil esquecer que temos o mesmo sangue, especialmente para Christopher Jauregui, que viveu à minha sombra na Ordem por tantos anos.
Eu apenas assenti, sabendo que Chris relataria a nossa empregadora, Iglesias, o que eu precisava que ela relatasse.
Para conservar o relacionamento com meu irmão, eu lhe ofereci informações que ele não me pediu:
— A garota vai ser útil, Chris — repeti, chamando-o pelo primeiro nome em sinal de trégua. — Parece que ela significa mais para Javier do que ele quer que a gente saiba.
Chris acenou com a cabeça em resposta, entendendo minha intenção.
— Você pretende trocar a garota pela filha adotiva de Guzmán — declarou ele.
— Se for preciso, sim — falei. — Informe a Veronica que tenho tudo sob controle, mas que aguardarei as ordens que ela quiser dar.
— Vou informar — concordou Chris.
Apertei o play, então, para assistir ao vídeo que Javier mandou para Iglesias, que Chris, como meu contato, recebeu a ordem de passar para mim.
É como pensei: Javier está com a amiga da garota, Demetria, em uma posição comprometedora. Ele quer que a garota veja isso, para que ela saiba que se não se entregar ou me convencer a levá-la de volta, Demetria vai morrer. Percebi, então, ao ver a cena no vídeo diante de mim, que esse chefão do tráfico cubano/mexicano era bem mais brutal do que a Ordem supunha.
Ouvi o chuveiro sendo fechado e passei o dedo pela tela para interromper o vídeo, desligando o iPad em seguida.
A garota vai ficar arrasada. Se descobrir isso, vai ficar instável.
Mas também posso usar isso a meu favor.
Com o vídeo gravado agora sendo exibido na tela, giro o iPad sobre a mesa na direção da garota. Ela o olha somente por segundos, com a arma tremendo na mão, e então volta a me olhar, com medo de que eu tente algo. Mas ao ver sua amiga, Demi, ela dirige toda a atenção ao vídeo, baixando a guarda. Eu não tiro vantagem disso. Enfio as mãos nos bolsos da calça e fico ali, observando a garota arregalar os olhos ao ver o vídeo.
Javier anda ao redor de Demetria, que está amarrada a uma cadeira, com uma bandana vermelha enfiada na boca. Lágrimas e suor encharcam seu rosto. Seu olho esquerdo está inchado e ferido. Um fio de sangue sai de uma de suas narinas.
— Para você, Karla — diz Javier para a câmera enquanto Izabel fica perto de Demi, com o cabelo dela preso em seu punho. — Quero você de volta aqui em 36 horas. — A garota cobre os lábios trêmulos com a mão livre; a arma não é apontada diretamente para mim há vários longos segundos. — Ou ela vai morrer, e vai ser culpa sua.
Izabel ergue o braço e dá um soco no rosto já inchado e ferido de Demetria. O corpo de Demi cai para trás e mais lágrimas saem de seus olhos. O sangue esguicha de seu lábio inferior.
A garota deixa a arma no chão e empurra o iPad, derrubando-o da mesa, e então desaba de joelhos no chão, soluçando com o rosto nas mãos.
Eu me sento no pé da cama, deixando a arma no chão e a garota sozinha em seu momento de desespero.
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