━━━━━━━━ 𝐜𝐚𝐩𝐢𝐭𝐮𝐥𝐨 ³ ━━━━━━━
Envolvi a menor com meus braços tentando impedir que a mesma caísse do prédio, sentia que a qualquer momento a menina iria apenas desabar em lágrimas.
Eu realmente achava que ela já sabia sobre isso, já que aquela opressão que Hades mantinha sobre tudo havia simplesmente sumido, porém aqui na Terra talvez não seja possível de sentir.
A garota mantinha as mãos trêmulas em frente a boca, tentando sufocar o grito mudo que estava preso à sua garganta. Podia se ver a dúvida nos olhos agora opacos dela, enquanto implorava para tudo aquilo ser mentira. Chamei seu nome mas a mesma parecia não ouvir.
Os olhos violetas já tinham perdido o foco enquanto mantinha o controle para não piscar, na minha visão era uma tentativa de impedir que as lágrimas se derramassem pelo seu rosto confirmando, finalmente, que tudo aquilo era verdade, e não uma brincadeira de muito mal gosto.
Chamei seu nome outra vez, mas eu sabia que ela não iria responder, essa não era a voz que a garota queria ouvir, e seu coração falhou uma batida constatando que jamais voltaria a ouvi-la.
Ela havia perdido a última pessoa com que podia contar, a última pessoa que realmente se importava com ela, seu pai estava morto.
Não conseguia imaginar sua dor.
Vi mais duas figuras chegando rapidamente, aparentemente Hefesto e Afrodite já haviam se recuperado, tratei de levar a garota para o mais longe possível das bordas, conhecia a dor do luto, e os erros irreversíveis que podemos cometer.
Quando eles chegaram não pude evitar o pequeno curvar nos lábios, a garota tinha os marcado de um jeito não tão agradável.
Lucy possuía as marcas perfeitas das duas mãos em seu pescoço, conseguia enxergar até mesmo os pequenos cortes que a unha afiada havia deixado, os dez riscos ainda sangravam, indicando que ela tinha apertado com mais força do que o necessário.
Já Hal tinha as feições marcadas com raiva, o que provavelmente agradaria a garota devastada a minha frente, a mandíbula destravada do deus estava completamente vermelha, suspeitava que o soco tinha tido força o suficiente para deslocar o osso, era quase certeza que o local iria ficar completamente roxo se não fosse tratado imediatamente.
É, sem dúvida Ravena lembrava Hades.
Todo o estrago que ela deixou nos dois, os poderes, os olhos assumindo a cor rubra, e ela ter invocado o cetro que controla todo o Submundo eram fatos inegáveis de que a mulher à nossa frente era a herdeira do deus do Mundo Inferior.
Lucy se aproximou com cautela, a deus estava um pouco receosa depois do ataque repentino que sofreu.
– O que aconteceu? – perguntou preocupada olhando para Ravena sentada no chão
– Ela não sabia que Hades tinha morrido. – a loira arregalou levemente os olhos entendendo o motivo de tudo isso.
– Se soubéssemos disso teria tocado com mais cautela no assunto – falei para ela que levantou a cabeça me encarando de forma curiosa.
– Isso não seria justo. – Hefesto se pronunciou chamando nossa atenção – Se ela não tem cautela ao tocar certos assuntos, porque nós deveríamos ter?
Revirei os olhos pronto para retrucar, mas a morena foi mais rápida.
– Porque falar para alguém que o próprio pai morreu é bem mais complicado do que dizer a um imbecil que ele é corno. – retrucou indiferente, enquanto levantava – Além disso, não deveria ficar tão bravo apenas por alguém dizer a verdade, já que você mesmo fez questão de contar a todos sobre isso.
Hefesto estava se corroendo por dentro, isso ficou nítido quando ele apertou os punhos com tanta força que a ponta dos dedos ficaram brancas.
Ela seria um grande problema para o deus.
– Sei que você não quer ir ao Olimpo, mas Zeus convocou sua presença. – fiz uma pequena pausa tentando achar palavras para fazer a mulher concordar de uma vez – E sendo sincero, você não tem nenhuma chance nesse estado, só vai prolongar algo que já tem resultado definido.
Ela encarou o chão pensativa, parecia começar a entender que não tinha motivos e nem força para recusar essa proposta.
– Por que exatamente, Zeus quer minha presença no Olimpo?
Oh-oh…
Vamos dizer que, talvez, apenas talvez, eu não saiba o motivo exato.
Obviamente tenho minhas suspeitas, mas Zeus não nos deu informações sobre suas reais intenções, porque ele sempre tem uma ideia escondida por trás dos seus atos.
Ainda mais se tratando do caos que o Submundo se encontra, em minha visão existem dois motivos para essa reunião, ou ele vai obrigar a Ravena a assumir seu lugar no trono que era do seu pai, ou ela receberia seu título de deusa – como já deveria ter acontecido – e ficaria para sempre no Olimpo.
Independente de qual das duas opções seja, tenho certeza que a garota não vai se agradar.
Porém, como nesse momento minha prioridade é levar ela conosco, acho melhor manter esses pensamentos apenas para mim, já que se a garota apenas suspeitasse que provavelmente nunca mais sairia do Olimpo, faria de tudo ao seu alcance para evitar.
– Até onde eu sei, ele apenas quer conhecer a filha de Hades e Perséfone.
Hefesto e Afrodite olharam de canto para mim, tentando entender o porquê de não ter contado o real motivo, ato que não passou despercebido pelo morena.
– Acho que… – Ravena respirou fundo, tomando coragem – Eu mereço saber o que aconteceu com meu pai. – respondeu convicta.
Se ela ao menos soubesse que nem nós descobrimos o que realmente aconteceu com Hades...
Apenas assenti, não queria prolongar o assunto.
Hefesto pigarreou chamando minha atenção, ele ergueu uma espécie de algema, que prendia desde o antebraço cobrindo toda a mão. Hal havia a forjado especialmente para caso Ravena reagisse negativamente.
Como foi o caso.
Peguei o material pesado, já que era reforçado em metal puro, assim que ergui a peça no ar escutei a risada debochada da mulher.
– Você só pode estar brincando comigo?! – perguntou indignada – Vai me prender?!
– Por favor, não faça disso uma grande coisa – praticamente implorei – Só coloque logo isso aqui. – joguei a peça em sua direção, como o esperado a garota pegou o metal no ar em um movimento gravado.
Ela encarou a algema com aparência medieval como se perguntasse o que fez para merecer isso. Negando com a cabeça, colocou as mãos dentro do material levantando os braços para que eu fechasse a peça.
Deslizei as conexões de ambos os objetos fechando o conjunto definitivamente, era impossível qualquer pessoa arrebentar ou abrir de bom grado uma algema forjada pelo deus dos metais.
Afrodite se aproximou da garota segurando sua mão por cima do metal gelado, a guiando em direção ao chão em segurança, Hefesto ficou atrás para proteger meu ponto cego, enquanto eu guardava a frente.
Não tínhamos que fazer muita coisa, era apenas caminhar até um ponto mais aberto e amplo para que Atena nos levasse de volta para o Olimpo.
A mais ou menos trezentos metros a frente a rua iria dar em uma grande quadra abandonada, o local perfeito para nossa passagem da Terra ao monte do Olimpo.
Seguimos calmamente até o momento em que um barulho irritante se fez presente, um latido constante vinha daquele cachorro... estranho.
Estranho, sim, essa é a palavra.
Porque até onde sei, não é comum animais com os olhos vermelhos, muito menos com um tom de carmesim assim, se assemelhavam muito com o estado dos olhos da Ravena a poucos minutos atrás.
– Cérbero! – A morena se ajoelhou no chão e o cachorro rapidamente passou por debaixo dos seus braços presos se confortando em seu colo. – Nunca mais saía correndo assim!
– Você tá conversando com um cachorro? – perguntei com um certo tom de julgamento o que gerou um revirar de olhos dela.
– Sim, eu estou conversando com meu cachorro. – o animal se virou para mim me encarando.
– Maravilha, já que "conversou" – fiz aspas no ar deixando claro o quanto aquilo era esquisito – com o cachorro, podemos ir agora?
– Claro, só deixa eu pegar ele. – como se entendesse o assunto, o animal se agarrou a seu ombro apoiando as patas na algema, se confortando quando a dona se levantou.
– Não, não, ele não vai com a gente. – disse seriamente.
– Eu não vou deixar meu cachorro aqui sozinho. – sustentou meu olhar enquanto o animal rosnou baixo em minha direção.
Era só o que faltava!
– Deixa o cachorro ir logo com a gente! – Hefesto se pronunciou, o que gerou expressões confusas, ele estava defendendo a Ravena? – Minha mandíbula está latejando, só quero ir para o Olimpo logo – revirei os olhos bufando em impaciência.
– Tá, essa coisa pode ir com a gente.
Escutei um suspirar em uníssono e continuamos indo em direção a quadra.
O chão era pintado em um laranja desbotado por conta do tempo, havia várias marcas de pés e mãos espalhados por toda a extensão. De alguma forma, o lugar conseguia ser bonito.
Nos aproximamos da parte central do ambiente, apoiei uma das minhas mãos no ombro da garota e a outra coloquei no ombro de Hefesto, Lucy segurou um dos braços da morena e a outra mão se entrelaçou com a de Hal.
Um raio cortou o céu iluminando tudo ao nosso redor, minha visão se embaçou por conta da claridade durante alguns segundos, já sentia a energia astral percorrendo meu corpo o tornando digno de um imortal novamente. Quando minha visão conseguiu focar, me vi no meio de uma sala com a visão de todos os deuses focada na futura deusa atrás de mim.
A morena parecia desconfortável com todos a encarando, era até um pouco cruel, mesmo que não admitissem, cada um ali estava a criticando de um modo diferente.
Pela sua aparência, por sua postura desleixada, por ter fugido para a Terra, por não ter assumido o seu posto. A julgavam internamente, como eu disse, é cruel.
– O que aconteceu? – Zeus indagou encarando a marca no pescoço da Lucy e a mandíbula sangrenta de Hal Jordan.
Não entendi o motivo da pergunta, já que obviamente, eles observaram tudo daqui.
– Tivemos algumas complicações durante a missão, algo que sei que viriam em primeira mão. – afirmei subindo ao meu trono.
– Atena, cuide para que não haja marcas disso. – ordenou, a mulher rapidamente chamou os dois para a saída por trás das colunas preenchidas por tronos.
Zeus apoiou suas costas no trono cravejado a ouro com detalhes em jóias preciosas. Ele encarava Ravena como se analisasse desde a forma que o cabelo negro encostava suavemente sobre os ombros, até o jeito que a respiração calma passava o ar de superior.
A morena poderia parecer um pouco desconfortável no começo, mas agora aparentava nem ao menos se importar com os olhares nada discretos dos deuses.
Os braços unidos por conta das mãos presas repousavam na frente de seu corpo, a postura ereta com a presença avassaladora que a garota possuía completavam a imagem de inabalável, o rosto sério com as sobrancelhas arqueadas evidenciaram um pouco sua impaciência.
Cérbero estava sentado ao seu lado como se fosse um verdadeiro guardião, ele de alguma forma parecia entender que deveria ficar em alerta.
– Então você é a filha de Hades e Perséfone? – Zeus perguntou
– Algo me diz, que se você não soubesse a resposta para essa pergunta eu nem estaria aqui. – retrucou com certa grosseria.
Um silêncio desconfortável se apossou de todo o ambiente. Vamos dizer que responder Zeus com petulância não é algo muito comum aqui.
Dionísio se segurava ao máximo para impedir que um sorriso tomasse conta de seus lábios, geralmente quem recebia os olhares espantados por conta de seu comportamento era ele.
Todos esperavam que o deus a repreendesse e desse um de seus sermões que durava horas.
Entretanto, uma ação completamente inesperada tomou conta do local.
Zeus riu.
Não foi nada espalhafatoso, já que ainda era ele, o som era um tanto melancólico, o que fez total coerência com sua próxima frase.
– Hades teria respondido a mesma coisa. – a sensibilidade daquela frase surpreendeu a todos.
Por mais desesperador que fosse pensar que Hades havia morrido, não podíamos esquecer que além de ter perdido uma peça importante para o mundo, Zeus havia perdido um irmão.
Isso explicava a melancolia e a sensibilidade que estavam presentes, mesmo que fosse bem levemente, esses sentimentos ainda estavam ali.
Deixando esse breve momento de sentimentalismo, Bruce assumiu novamente sua expressão de seriedade, ajeitou sua pose no trono que havia vacilado por míseros segundos.
– Acho que todos querem saber sobre você. – O deus falou um pouco menos rígido que antes.
– Sobre mim? – a morena perguntou levemente curiosa.
– Sim, imagino que você saiba de sua importância. – Ravena assentiu levemente – Julgando por isso, como você conseguiu manter sua existência escondida durante tanto tempo é um grande mistério.
– Não fui em que mantive minha existência em segredo. – Bruce maneou a cabeça para o lado interessado no rumo da conversa – Meu pai que sempre fez questão de me manter em sigilo de vocês, dentro do castelo no mundo inferior todo mundo me conhecia, segundo ele, não tinha problema que os demônios me vissem, o problema era que vocês me vissem, Trigon sempre dizia que todos do Olimpo eram pessoas que agem apenas pela própria vontade, e por isso eram perigosos. – explicou calmamente.
Bem, isso é compreensível.
Os deuses – masculinos em específico – tem a péssima fama de simplesmente tomarem as pessoas para si, por conta de acharem que são inatingíveis. O próprio Hades pode ser usado como exemplo, ele e Perséfone se apaixonaram, mas isso só aconteceu depois dele ter a levado para o Submundo contra sua própria vontade.
E é inegável que a garota possui uma beleza inebriante, o medo que Trigon tinha de Ravena ser tomada por algum deus justificaria de todas as formas ele querer a manter longe até que a mesma consiga se defender, por mais que duvide muito que alguém ousaria mexer com a primogênita do deus do submundo, ainda existia essa possibilidade.
– Em qual momento você foi para a Terra? – Zeus perguntou, vi os olhos antes atentos terem uma breve oscilação.
– A mais ou menos dois séculos – então ela não é uma pirralha. – Fui eu quem encontrei o corpo de Perséfone estirado no Campo Elísios, depois disso Hades começou a se culpar, ele dizia que se não conseguiu proteger nem a própria esposa como ele iria me proteger? Então, uma pequena escolta com demônios me levou até a Terra.
– Ele não pensou em momento algum em nos pedir ajuda – Poseidon murmurou visivelmente decepcionado
– Hades nunca pediria nossa ajuda. – Hera respondeu irritada, e como eu imaginava embarcaram em uma conversa totalmente desnecessária, e nada haver com o assunto.
– Quem matou meu pai?
E com apenas uma pergunta todos se calaram.
O problema não era a pergunta em si, mas o que a envolvia. É bem provável que quem tenha matado Hades também matou Perséfone, e isso significa que existe alguém com poder o suficiente para matar deuses, o que coloca a todos como possíveis próximas vítimas.
Contudo, as pessoas que foram mortas eram da mesma família, o que dá a entender que a última pessoa que sobrou seria o próximo alvo, ou seja, é muito provável que quem está na mira desse assassino seja Ravena.
– Nós ainda não sabemos. – Poseidon admitiu baixo, ele parecia o que mais se sentia culpado por tudo isso.
– Tem uma pessoa que consegue matar deuses, e vocês estão mais preocupados em vir atrás de mim dia eu achar alguém que ameaça sua própria existência? – perguntou como se estivesse falando com idiotas.
– Independente do que aconteceu, isso tudo não é nosso maior problema. – Zeus interrompeu, causando uma certa indignação nela – Você conhece seus irmãos?
– Por favor, não se refira aqueles seis imbecis ineptos como meus irmãos. – respondeu secamente, não contive o pequeno curvar nos meus lábios. – Mas sim, eu os conheço.
– Eles estão comandando o Submundo. – Bruce disse como se não fosse nada.
A garota arregalou os olhos e entreabriu a boca ainda em choque, iria levantar os braços, mas a algema a impediu, o que causou um praguejar baixo, aparentemente ela entendia o que tudo isso significava.
– Pelos deuses, o lugar todo deve estar o próprio Tártaro. – resmungou amargurada – Por que vocês não colocaram alguém da guarda pessoal para comandar?
– Eles podem não ser reconhecidos como herdeiros, mas ainda sim tem o sangue de Hades nas veias, a preferência pelo trono é deles.
– Mas os seis não tem poder para isso, eu cresci vendo aqueles imbecis treinando, sei muito bem que eles não conseguiram vencer nem um dos demônios que faziam minha guarda. – disse indignada, parecia realmente se importar.
– Justamente por isso você está aqui. – Zeus contestou, ela recuou alguns passos para trás entendendo o rumo da conversa – Você é a herdeira de Hades, a filha de Perséfone, tem um título de deusa te esperando desde o dia que você nasceu, seus pais eram deuses, você é uma deusa, tem uma responsabilidade para cumprir – ele fez uma breve pausa – Você tem dois caminhos para seguir, ou aceitar seu título como deusa e vive aqui como todos nós, ou assume o trono do Mundo Inferior.
Ela foi mais para frente voltando ao seu antigo local. Suas íris brilhavam em um lilás denso, possuía um olhar voraz e desafiador.
– Agradeço pela oferta, de verdade, mas acho que não.
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