Os ponteiros do relógio se movimentam de uma maneira perfeitamente sincronizada; tornando cada vez mais tensa a situação. Mal consigo sentir a ardência em meus dedos quando puxo as peles soltas ao redor das unhas. Ou os músculos da panturrilha cansados pelo movimento frenético e repetitivo que eu fazia com os pés.
É como se pudesse ouvir os sons do "tic tac" na minha mente me torturando com o que aconteceria ao fim da aula.
De repente um som estridente toca, me tirando a força de meus pensamentos com um solavanco pelo susto. Logo identifico como o aviso para a hora da refeição. O horário mais aguardado do dia para todos. Vejo a fila de jovens se levantando e passando pela porta de uma das únicas salas de aula do lugar, de forma organizada e monitorada. Todos eram guiados para o refeitório.
Observo atentamente todos saindo da sala, a caminho do refeitório. um a um de forma apressada. Esse era o momento oportuno para cumprir minha missão.
Me espreguiço de uma forma preguiçosa e propositadamente mais devagar esperando todos sairem, pois só poderia restar apenas eu naquela sala. Precisava ser discreta.
Era comum que ao meio dia, todos os delinquentes que residiam na penitenciária se dirigissem ao patio para a pausa para refeição. Mas no caso hoje, isso não se aplica a mim.
hoje vence o prazo do meu acordo com as autoridades desse lugar. O acordo me faz ter regalias perante os outros detentos. Não é lá muita coisa, mas na situação atual, é quase como uma vida de luxo. Não demora muito para eu estar sozinha na sala, até mesmo a professora seguiu seu caminho.
alguns segundos depois vejo um dos guardas acenar com a cabeça para mim, indicando que eu deveria segui-lo. Me levanto e vou em direção a porta para conferir se estava sozinha no corredor. Me certificando disso, ando rapidamente para a direção oposta da de todos e da que eu deveria estar indo. A pequena caminhada para a sala do diretor foi em completo silêncio, mas aquilo não me encomodava mais.
Não demora muito para chegar até a sala do diretor, que de imediato o guarda abre a porta, revelando o ambiente bem iluminado com cores escuras e bem projetado. O cheiro de tabaco era notório naquele lugar tanto quanto a presença do homem sentado em sua poltrona de couro.
- ora ora, olha só quem está aqui. Espero que me traga informações tão boas quanto da última vez. - disse ele com sua voz prejudicada pelo fumo, tirando por breves segundos sua atenção dos papéis, para me encarar antes de voltar a ler oque quer que seja.- sente-se.
Faço oq me foi pedido e sento na cadeira que estava de frente para sua mesa.
- E então... oque você conseguiu?.- Ele continuou.
- Andei observando as irmãs kim, elas estavam agindo de forma estranha. A kim mais nova sempre gostou de uma boa confusão, mas tem estado quieta ultimamente. Percebi uma certa mais próximidade dela com a Victoria, e então achei estranho por elas nunca terem se dado bem.
-Vá direto ao ponto, não tenho muito tempo. - me pressiona.
- elas estão traficando! -falo de uma vez.
-como? - diz ele depois de alguns segundos.
- percebi que no horário de almoço, suhee e victoria sempre recebiam pratos ja feitos, enquanto os nossos eram preparados na hora. Eles pareciam ser separados especificamente para elas. Reparando mas um pouco, vi que quando elas pegavam os pratos, seguravam no mesmo lugar onde as merendeiras entregavam. E depois de um tempo disfarçando escondiam as mãos nos bolsos.
- Está afirmando que os funcionários estão fornecendo drogas aos infratores? -me pergunta rudemente.
- Bom, estou a duas semanas observando essa sequência de acontecimentos. Fora que a fiscalização na cozinha não anda tendo muita eficiência. - faço referência ao último evento em que deleguei, que consistia em dois funcionários roubando comida na dispensa.
O homem a minha frente respirou fundo com expressão pensativa antes de se dirigir aos guardas atrás de mim.
-já sabem oq fazer. - não precisei olhar para trás para saber que o barulho da porta significava que eles passaram por ela.
- É apenas isso que pude coletar por esses dias. Acho que demorei bastante; é melhor eu ir para não perceberem minha ausência no refeitório. - tento regular minha respiração e forjar expressão de casualidade enquanto me levantava. Não posso expressar meu nervosismo. Ele não pode perceber que escondo algo.
- Em três semanas essa foi a única informação que conseguiu obter?! -fala com aquele sorriso que me embrulha o estômago. Não disfarcei muito bem. - Não espera que eu acredite nisso não é? -continuou.
- dediquei toda a minha atenção a esse caso, era algo sério. Não a rumores de vendedores de drogas aqui a meses. Precisava ter certeza. - falo me esforçando para não gaguejar ou demonstrar vulnerabilidade. Preciso agir com frieza.
- Vamos celine, você é mais inteligente que isso. Não precisa esconder nada de mim, eu sempre limpei sua barra não é mesmo? Eu só quero manter a paz nesse lugar, é pra isso que estou aqui, certo? - fala persuasivo.
Me encontro em extrema sensação de desconforto, procurando em meu cérebro qualquer outra informação mas não encontro nada, minha mente se assemelha a uma folha em branco. Minhas mãos tremem e meu peito dói. Meus músculos se tencionam na medida que o embrulho na barriga aumenta. Prendo a respiração como uma mera tentativa de me controlar.
A sensação ruim que me torturava desde a noite passada enquanto lutava para dormir me atinge com a força de um soco.
-não escutou oque eu disse? não está me ignorando, está? - já não está tão amigável.
- m-me desculpe, senhor. só estou me esforçando para lembrar de algo. me desculpe, falhei dessa vez; tratrei melhores informações daqui alguns dias. - tento me dirigir ate a porta porém sua voz me impede.
- não me lembro de ter dito que poderia sair. - não vejo mais tabaco em suas mãos e seus papéis já não tomam sua atenção. ele está completamente focado em mim e na informação que suspeita que escondo.
oque está escondendo de mim? - fico calada. minha respiração já está descontrolada, não sei oque fazer. - Preciso ser mais convincente? - grita as palavras me fazendo estremecer.
- você acha quê só você é observadora, que só você analisa o comportamento alheio - ri com escárnio - tão ingênua... já lidei com tantos iguais a você. Eu poderia contar para todas as suas coleguinhas que você as traiu esse tempo todo. Poderia te jogar no meio dos leões. você sabe que eu posso fazer isso, e eu faria. não me traia. - seu olhar tão severo me fulminava, e sua voz tão mansa transparecia sinceridade. Eu n tenho saída, dessa vez eu perdi.
- alissa planeja fugir, ela quer se vingar. - observo o homem a minha frente ficar tenso. a fumaça é solta pela sua boca de forma mais demorada, ele está imovel mas suas pupilas percorrem todo o ambientes.
não consigo sentir a satisfação de assistir a reação que tal informação causou nele. só consigo temer pela minha vida. estou num beco sem saída.
- ela foi para a solitária 4 vezes esse mês. no mês passado contei outras 6 vezes. imaginei que ela estivesse tramando algo então dei um jeito de ir para lá também. por isso causei aquela confusão na sala de aula. mas estava errada, não tinha nada na solitária, apenas o vazio. - olho para seu rosto esperando uma repreensão por prolongar a explicação porém ele me olha atentamente, parece estar interessado. continuo. - então passei a segui-la, discretamente. alice, sua colega de quarto conseguiu criar uma ferramenta e está cavando atrás da privada de seu dormitório. Ela só estava servindo de distração.
- qual o sentido de um plano tão ruim quanto esse?chamar atenção quando deveria ser discreta? não faz sentido. - ele parece inquieto.
- exatamente, quem acreditaria que alguém que vai para a solitária constantemente está tramando algo? ainda mais com o histórico que ela tem. com certeza é uma das piores que já vieram pra cá. nos últimos dois anos ela não passou despercebida um mês sequer, sempre aprontando alguma. estranho seria se ela agisse como a boa moça. É óbvio que aquela pisicopata não aceitaria ficar aqui de boa vontade, ela é manipuladora, e ela vai sair daqui. - assisti sua respiração subir e descer lentamente. eu faria muitas coisas para poder saber oque ele está pensando agora.
-você pode sair agora. - não penso duas vezes em atender seu pedido.
ao sair pela porta e dar passos apressados em direção ao refeitório. sinto cada molécula do meu corpo em tremendo pânico. revejo todas as decisões da minha vida, em especial a última. acho que prefiro lidar com a ira do delegado e de todas as outras detentas desse mísero lugar. mas n sei se estou preparada para lidar com a ira de alissa.
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