Ainda no dia de hoje, preparei o macarrão com queijo mais delicioso de todos os tempos para o almoço e o servi em forma de desculpas para Charlie, por ter cochilado na floresta mais cedo — mas este apenas engoliu tudo com uma carranca em seu rosto. E é claro que eu não poderia culpá-lo.
Decidi que o melhor a se fazer depois da refeição era estender uma toalha de mesa no jardim dos fundos e me perder em um livro, enquanto esperava por Jessica e tentava não pensar em Edward. Mas parecia que eu estava sem sorte, pois esbarrei continuamente com um "Edward" ou um "Edmund" nas páginas dos romances de época da Jane Austen, que eu folheava pela milésima vez.
Isso me desanimou, e logo desisti da leitura.
Rolei pela superfície fina do tecido, sentindo a grama pontuda perfurando levemente meu corpo ao me virar para o sol e cobrir o rosto com o antebraço. A roupa leve facilitava a entrada dos raios em minha pele, coisa que não acontecia com tanta frequência.
Foi impossível não sorrir para o calor que eu costumava amar tanto em Phoenix.
Depois de alguns minutos, decidi por fim que precisava escolher minha roupa cuidadosamente se quisesse estar bem-arrumado mais tarde, então recolhi tudo com rapidez e me atirei pelas escadas até o quarto.
Eu não tinha exatamente um arsenal de roupas luxuosas para ir a Port Angeles, mas tentei dar o meu melhor ao combiná-las em frente ao espelho comprido da porta do guarda-roupa. E por ter que contar apenas com minhas habilidades de estilista para escolher uma que me realçasse, é claro que acabei fracassando completamente.
Na altura em que ouvi uma buzina frenética soando pelo bairro, já estava vestido com minha calça jeans simples de passear e os all star novos; a carteira guardada no bolso de trás, pronta para as compras, e o boné abandonado no gancho ao lado da porta.
Dei uma última olhada no espelho enorme, arrumando o cabelo curto de forma desajeitada, antes de revirar nas mãos trêmulas a lata de refrigerante vazia que Edward me dera. A depositei de volta na escrivaninha e voltei correndo escadaria abaixo.
Toda a carranca de Charlie se desfez em segundos quando observou, pela janela de sua casa, que Jessica sorria na janela do motorista. A brisa — que sempre chegava da floresta que rondava nossa rua — entrava pelo vidro aberto e sacudia os cachos pretos de seus longos cabelos.
— Deixei o jantar preparado para você, pai — informei a ele, que estava sentado em sua poltrona na sala de estar.
— Não se preocupe — respondeu, desviando os olhos da janela para mim. — Se esqueceu que eu sabia muito bem morar sozinho antes de você vir para cá?
Sorri para meu all star, tentando não demonstrar o tipo de arrepio que pensar naquela comida congelada me causava, antes de afirmar com a cabeça.
Depois que recusei o dinheiro que ele estendeu — para que eu pudesse comprar coisas para mim em Port Angeles —, Charlie me desejou uma boa viagem e parecia mais feliz do que nunca quando me viu sair para o sol que banhava a entrada da casa; esquecendo completamente seu desejo anterior de jogar basquete. E também que eu estava encrencado por ter fugido para a floresta.
— Eu disse que ele tinha cabelo! — soltou Jessica quando me aproximei do carro, olhando para os demais ocupantes assim que entrei na parte traseira. — O Mike tentou me convencer de que você era calvo por baixo do boné.
Eu ri, ciente de que ele me olhava quase todos os dias no vestiário e por isso tinha a vantagem de saber a verdade; e estremeci ao lembrar disso, passando a mão pelo cabelo de forma involuntária.
— E como você sabe que não é uma peruca? — questionou Mike, e logo depois Jess se limitou a revirar os olhos e fazer o motor de seu carro ganhar vida.
Ao me acomodar no banco e disparar para a saída de Forks mais próxima, constatei que me espremer em um carro apertado com Jessica, Mike, Angela — e um dos garotos que nos havia acompanhado até La Push ontem, Jack —, parecia fisicamente a ideia mais desconfortável do mundo no momento; mas que, se dependesse da velocidade com que Jess dirigia e da força com que pisava no pedal do acelerador, essa experiência iria acabar com muita rapidez.
Refiz o mesmo caminho que tomei ao chegar na cidade de Forks há quase duas semanas atrás — o silêncio constrangedor no interior da radiopatrulha de Charlie, ao contar as gotas de chuva que escorriam pelo para-brisa, dando lugar à luz do sol se esparramando pelo lado de fora. A sensação de desconforto gerada pelo silêncio de um pai e um filho que não mantinham contato foi substituída por um Benjamin se sentindo meio zonzo pelas vozes estridentes dos demais adolescentes que se sobressaíam por cima da música alta.
Quando finalmente a vista completamente selvagem cedeu espaço para construções urbanas, chegamos na cidade ensolarada depois de uma hora de viagem e muita conversa, o sol ainda alto no céu. Os prédios estavam banhados como em uma pintura, e Jessica seguia com velocidade pelas ruas apinhadas de pessoas de Port Angeles e lotadas de turistas.
Estacionamos rapidamente na frente de uma loja de vestidos meio pequena — mesmo com os tecidos e cortes cafonas que se esparramava no manequim, Angela garantira que era boa o bastante para as duas; ou, pelo menos, barata o bastante.
Mike e Jack queriam seguir caminho para alguma coisa mais masculina, atrás de ternos e gravatas, mas as meninas os arrastaram para a loja. Queriam a opinião deles, assim como a minha também, o que me fez rir um pouco; como se eu soubesse alguma coisa sobre roupas.
Ainda era desconhecido para mim com quem eles iriam ao baile. Parecia estranho ligar para o telefone da casa de alguém só para perguntar sobre isso e não me senti confortável o suficiente na viagem de carro para falar algo — fora que, tudo o que eu menos queria agora era tocar no assunto "Pares para o Baile" com Jess e Mike por perto, então decidi esperar algumas dicas e descobrir tudo sozinho.
Me esforcei para dar uma opinião sincera e ser de grande ajuda na escolha da roupa, tentando ignorar os ponteiros do relógio que marcavam a chegada do entardecer e do jantar com Edward que o acompanharia — o que só aumentava um frio na barriga que se recusava a ir embora.
Jessica empurrou a cortina para o lado e apareceu dentro de um vestido roxo tomara-que-caia com luvas longas cobrindo seus braços, sorrindo ao se mirar no espelho e pedir nossa opinião.
— O que acham, rapazes? — perguntou, passando a mão para alisar a saia e rodopiando de leve. — Muito sem-graça?
— Está lindo — respondeu Mike, sentado no sofá grande ao meu lado da forma mais despojada possível. — Meio chamativo, mas na medida certa.
— Acho que o corte ficou bom e realçou sua cintura — continuou Jack, passando a mão pelo cabelo preto e arrumando os óculos no nariz. — Gostei bastante.
Jessica parecia mais feliz do que nunca com seu comentário, sorrindo para ele enquanto rodava a saia mais uma vez.
Mas ainda estava insatisfeita.
— Ben? — perguntou, agitada.
Encarei minhas próprias mãos, e fui obrigado a utilizar mais uma vez neste dia toda a minha habilidade com moda ao responder para ela:
— Roxo é legal.
Senti o olhar de Jessica em mim por alguns segundos, antes de vê-la entrar de volta no provador e desaparecer lá dentro com um puxão na cortina.
— É, vou ver se acho uma coisa melhor — respondeu, a voz abafada.
E já na altura em que experimentavam o centésimo vestido — o céu se tornando definitivamente alaranjado do lado de fora —, os meninos no sofá ao meu lado finalmente desistiram. Eles simplesmente se dignaram em apenas resmungar respostas, completamente exaustos com inúmeros tecidos chamativos e as intermináveis combinações que as garotas arranjavam para as peças.
E eu apenas fiquei quieto, como sempre.
Quando enfim nos atiramos para a seção de sapatos — a voz anasalada e extremamente artificial da funcionária, que queria parecer simpática, soando pela loja —, pela primeira vez uma coisa a mais chamou minha atenção.
Angela estava experimentando uma sandália, passando a tira por seus tornozelos e olhando no espelho baixo, concentrada. Enquanto isso, Mike e Jessica se apressavam em discutir sobre aproveitar o sol de Forks no momento em que ela calçava uma rasteira prateada.
— Quero dizer, não lembro de ter visto tanto sol assim em Forks desde que me entendo por gente — disse Jess, andando um pouco para amaciá-los.
— Grande coisa — respondeu Mike, dando de ombros. — O que tem para se fazer no sol em Forks? O melhor é a praia de La Push e só.
Jessica começou a rir de repente, como que perdida em pensamentos extremamente visuais.
— Ah, não sei… — continuou, mexendo no cabelo cacheado. — Ver o gostoso do Edward Cullen usando uma camiseta sem mangas, talvez.
Meu coração disparou, sem saber se por me sentir estranho ao lembrar que Jess também reparava no corpo dele dessa forma, ou por realmente achar a imagem de seus braços expostos desconcertante, e a palavra "gostoso" ricocheteou por minha mente.
De qualquer forma, escutei com atenção.
— Não seja boba — respondeu a voz fina e baixa de Angela, próxima a mim. — Você sabe que ele nunca vai à aula quando tem sol.
Eu não disse nada de imediato, tentando processar o que suas palavras significavam; e o momento perfeito para fazer uma pergunta inocente e discreta sobre isso simplesmente escorreu por todos os lados e a perdi quando Jack continuou:
— Eu aproveito o calor pra ir na piscina do Mike — interveio ele, também perdido em pensamentos ao meu lado enquanto ajeitava os óculos. — É bem espaçosa.
Jessica se indignou de repente, voltando seu olhar para Mike e esquecendo os músculos dos braços de Edward por hora.
— Não sabia que você tomava banho na casa dele — disse, fuzilando Mike com o olhar. — Ele nunca chama ninguém pra lá.
Mike encolheu os próprios ombros largos no momento em que fingia ver alguns sapatos femininos, que não o interessavam, em um balaio grande.
— A gente acabou de se conhecer, Jess — resmungou, e era verdade. Os dois só se aproximaram um do outro por minha causa, quando cheguei na escola e os atrai para perto de mim por ser o aluno novo e desastrado. — Nem deu tempo ainda. Um dia eu chamo vocês.
E enquanto Jessica começava a listar as inúmeras maneiras de fazer uma festa na piscina dos Newton, animada de repente, aproveitei para chegar perto de Angela de forma discreta.
— Angela — chamei ela, perdendo um pouco da coragem ao encarar seus olhos castanhos pregados em meu rosto. Rapidamente baixei as mãos trêmulas para algumas sandálias que estavam amontoadas em uma cesta grande, imitando Mike ao revirar sapatos sem interesse nenhum. — O que foi que você quis dizer sobre o Edward não sair à luz do sol?
Ela não respondeu, e senti como se cada segundo fosse uma tortura.
— Ele não vai à aula quando o tempo esquenta — informou ela. Meu cérebro se apegou a cada uma de suas palavras sendo sopradas pela voz fina. — Nenhum Cullen vai, na verdade. Parece que saem pra acampar ou algo do tipo, o que é um pouco arriscado na minha opinião. Por quê?
— Sei lá, fiquei curioso. — Dei de ombros, pegando um tênis branco na mão trêmula, ainda sem nenhum interesse em comprá-lo. — Pensei que pudesse ser alguma doença de pele.
— Ah, não. — Ela sacudiu a cabeça, apoiando o pé em uma banqueta de três pernas e girando o tornozelo para dar uma boa olhada em frente ao espelho. — É só um programa em família
— Nossa, ficou muito bonito — soltei, apontando para o sapato e me apressando em encerrar o assunto; de qualquer modo, não menti, ele realmente ficou ótimo. O tom prateado derreteu em sua pele.
Angela fez uma careta para mim ao olhar o preço na etiqueta, e rapidamente se apressou em retirá-lo do pé com certa rapidez
— É, quem sabe outro dia — decretou, antes de caçar um sapato mais barato na pilha que eu fingia olhar, e foi impossível refrear meus próprios pensamentos sobre a família Cullen.
Rapidamente saímos do que pareceu ser a centésima loja, tons do entardecer pintando definitivamente de laranja o horizonte. Andamos lado a lado pelo meio-fio, carregando as sacolas das meninas nos braços ao mesmo tempo em que as vozes dos adolescentes soavam sem parar à minha volta. Quando discutiam o porquê do Sr. Mason nunca ter arrumado uma esposa e colocando a culpa na cara de buldogue raivoso e antipático que ele tinha vinte e quatro horas por dia, entramos em uma loja masculina.
— Tem certeza de que não quer ir, cara? — perguntou Mike no provador, minutos mais tarde, abotoando a camisa branca rapidamente. Ele precisava de ajuda para segurar a roupa que iria vestir, então me ofereci para acompanhá-lo no cubículo. — Você poderia ir com a gente, sabe, só pra curtir e tal.
Mike girou o corpo lentamente na frente do espelho comprido, seus olhos azuis pregados no reflexo. Achei que a roupa era bonita e realçava seus ombros largos, mas ele pareceu não concordar no momento em que soltou um bufo para si mesmo e se apressou em tirá-la.
— Não, realmente tenho planos para visitar Seattle nesse dia — menti, mas reparei que contava isso com tanta convicção que me perguntei se realmente tinha mesmo que ir.
Ele me lançou um olhar de olhos tristes, vestido apenas da cintura para baixo. Baixei os meus, meio constrangido, os relampejando nos pêlos loiros de sua barriga antes de desviá-los novamente para o carpete no chão.
— Bom, compromissos são compromissos — decretou, selecionando outra camisa da pilha em meu braço e encerrando o assunto ao se concentrar em vestí-la.
Faziam uns dias que não reparava no corpo cheio de Mike, mas era impossível não olhar discretamente para sua pele leitosa enquanto se distraía colocando a blusa de botões. A dele era muito diferente da de Edward: era mais rosada, de aparência mais macia e maleável, enquanto a do outro parecia feita de mármore por ser lisa, reluzente, uniforme e dura ao toque; e uma parte de minha mente se perguntou se era mesmo.
Rapidamente Mike baixou os olhos para mim e sorriu.
— Como estou? — perguntou, alisando a camisa e dando uma volta rápida.
— É linda — comentei, sacudindo a cabeça. O tecido leve recaia com delicadeza em seu corpo, e o azul celeste realçava seus olhos.
Ele aumentou o sorriso no alto, sacudindo a cabeça.
— Mas e eu, Ben? — perguntou, insistente. — Fiquei bonito?
Remexi o pé com desconforto, me lançando na tarefa de organizar sem necessidade as camisas sociais amontoadas em meu braço.
— É claro — respondi, tomando cuidado para não deixar com que minhas palavras o enganasse de alguma forma. — Já decidiu com quem vai ao baile?
Quando subi o rosto para ele, estava de costas para mim. Mas rapidamente o encontrei no reflexo, e grudou o olhar no meu quando alisou o tecido da camisa outra vez e sorriu.
— Bom, já que a pessoa com quem eu gostaria de ir está inventando desculpas sobre ir a Seattle… — começou, e rapidamente encarei meus all star.
— Mike — alertei, a voz extremamente baixa. — Conversamos sobre isso ontem.
Ele rapidamente começou a desabotoar a blusa e a pegar outra na pequena pilha em meu braço, que havia começado a pesar pelo esforço.
— Eu sei, cara — continuou, seminu outra vez, arrumando a roupa para passar em volta dos ombros largos. — Só que eu não posso simplesmente colocar meus sentimentos em uma caixa e pronto — fungou, e rapidamente percebi que balançava a cabeça. — Mas relaxa, só estou brincando.
É claro que eu sabia que não seria tão fácil assim voltar a normalidade com Mike, tendo ele alguns sentimentos amorosos por mim; mas eu torcia para que não os expusesse em voz alta dessa maneira, coisa que só me deixava constrangido.
Tentei desviar o assunto para outro ponto.
— Pensei que a Jessica fosse querer ir com você… — comecei, lembrando de que ela o achara atraente no passado, mas sem ter certeza se Mike gostava de garotas também. Decidi empurrar tudo para o lado da amizade, apenas. — Sei lá, acho que seria legal.
Mike sacudiu a cabeça, arrumando o tecido lilás em seu corpo flácido.
— Ah, não — respondeu, sua voz era dura de repente, e deduzi que fosse por conta do meu esforço para desviar o assunto. — Ela quer o Jack.
Isso me fez arregalar os olhos.
— Como é? — perguntei, perplexo.
— Isso mesmo. — Mike riu, divertido de repente ao retirar a camisa. — Por isso insistiu pra ele vir também.
Lembrei imediatamente do olhar que Jess lançou para Jack ao falar sobre o corpo de Edward, e logo lembrei da estratégia que ela bolou ao falar dos atributos de Mike para me causar ciúmes.
Eu só esperava que desta vez ao menos funcionasse.
— E eles vão juntos ao baile? — questionei, lembrando que desconhecia com quem eles iriam.
— É o que ela quer — afirmou Mike, encerrando o assunto ao não acrescentar mais nada.
Eu e Mike não conversamos mais, as palavras morrendo de vez dentro do cubículo. Me perguntei se o havia magoado de alguma forma, mas rapidamente abandonei a ideia, decidido de que já havia feito o suficiente ao conversar com ele e esclarecer em que pé estávamos.
Quando saímos para a área onde as garotas nos esperavam, Mike mostrou apenas as que ele mais gostou, as estendendo em seus braços; ele não era do tipo que gostava de desfilar, então não mostrou como elas ficavam em seu corpo.
Já Jack fez questão de abrir a cortina do provador e exibir como as camisas caíam em seu corpo, e logo percebi que os elogios de Jessica soavam mais insistentes à medida que ele fazia poses sensuais em frente às meninas. Me senti mais cego do que nunca por não ter notado antes.
Honestamente, eu estava feliz. Era como tirar um peso de minhas costas ter Jessica direcionando suas fantasias para outra pessoa, já que isso abriria as portas para que pudéssemos ser só amigos outra vez. E uma parte minha também torcia para que desse certo entre os dois.
Os meninos foram bem mais rápidos e decididos do que as garotas, e logo após escolherem uma gravata cada um, saímos outra vez para as ruas quase escurecidas de Port Angeles.
Jessica começou a tagarelar de imediato do quão faminta estava, e ao mesmo tempo em que os outros adolescentes começavam a dar ideias e mais ideias dos lugares em que queriam ir, lembrei que eu tinha visto um shopping no mapa em meu computador, perto da livraria em que encontraria Edward ao cair da noite.
Uma lâmpada acendeu em cima da minha própria cabeça.
— E que tal se fôssemos naquele shopping… — comecei, me perguntando se alguém aqui conseguiria desvendar meus pensamentos. — é perto do cais, eu acho.
Jack rapidamente se animou, me encarando intensamente.
— Ah, é! — soltou, antes de se virar para Mike. — Aquele que tem o arcade que eu comentei com você, cara!
Este se acendeu também, pulando com animação na calçada.
— Caralho! Aquele da caça ao tesouro e tal? Que você comentou quando a gente jogava videogame lá em casa? — perguntou, animado ao se dirigir para Jack. Quase pulei também ao notar a empolgação dos dois.
Angela queria experimentar um restaurante de comida orgânica que se encontrava por aqui, mas rapidamente cedeu quando até Jessica se animou com a ideia de ir ver as bolsas da loja grande do shopping — o olhar que ela lançou para a animação de Jack revelou em segundos o porquê de seu interesse repentino.
Rapidamente, voltamos até o carro dela e partimos para lá.
Claro que eu estava nervoso agora que me encontrava mais próximo de jantar com Edward do que nunca, observando a escuridão recair por todas as ruas iluminadas da cidade, mas mantive o controle. O shopping era grande e estava igualmente iluminado, e rapidamente segui o pequeno grupo para seu interior, tomado por gente de todo o tipo e plantas artificiais por toda parte.
Por todos os lados haviam lojas e mais pessoas, entrando e saindo de lugares com sacolas ou comida nas mãos. Jack nos guiou rapidamente para onde ele sabia ser a praça de alimentação, logo após a área de jogos, mas decidiu fazer uma pausa para ir ao banheiro.
— Nossa… Imagina quantos adolescentes não estão se pegando naquele lá — comentou Jessica, risonha. Ela apontava para um banheiro interditado e abandonado que existia aqui perto, depois que todos havíamos observado Jack passar pelas portas duplas e desaparecer no que funcionava.
— Acho melhor você parar de ler essas histórias sexuais, Jess — alfinetou Mike, rindo para a cara que ela fez. — Elas distorcem muito a realidade.
— Nem vem, só sei disso porque a Angela aqui é obcecada em ler sobre dois homens se pegando em banheiros públicos.
Angela encolheu os ombros quando todos olhamos para ela, arrumando a alça da bolsa de forma nervosa no ombro.
— Não julguem antes de experimentarem — decretou com a voz baixa, e a surpresa que me preencheu ao ouvir suas palavras me fez rir um pouco.
Depois de Jack aparecer através da porta dupla novamente, continuamos caminho até a área de jogos. Várias crianças passaram correndo por nós, com adultos que deveriam ser seus pais aparentando preocupação ao olharem para eles; ao mesmo tempo que outros lançavam olhares feios, provavelmente nem tão solidários assim com a bagunça.
Percebi que era um caos muito característico dos locais apinhados de gente de Phoenix, e notei também o quão falta sentia disso.
As meninas não gostaram muito de ter de esperar antes de comerem, mas já que haviam nos alugado pelo o que pareceram horas até escolherem os vestidos nas lojas intermináveis que passamos, não insistiram muito nas reclamações quando encaramos os arcades de longe.
Jack e Mike rapidamente foram até a parte de jogos, onde foi necessário comprar algumas fichas e depois as gastaram nas máquinas. Embora não fosse a coisa mais emocionante do mundo, foi legal sentar perto dos dois com Jess e Angela, e observá-los rirem um para o outro e esbarrarem seus ombros ao ganhar ou perder a partida; principalmente quando um dos dois acabou trapaceando e Jack agarrou Mike pelo pescoço, começando a esfregar o topo de seu cabelo loiro com força, sorrindo.
— Ele não é legal? — perguntou Jessica ao meu lado. Ela arrumou uma mecha de cabelo atrás da orelha e me mirou, concentrada em minha expressão confusa. — O Jack, Ben…
— Ah — respondi, voltando a olhar os dois empoleirados em frente ao videogame. Eu não o conhecia devidamente, mas ele de fato era gentil quando acenava para mim durante a educação física ou nos corredores a caminho de alguma aula. — É, ele um cara legal.
Ela assentiu.
— É… — respondeu, antes de fazer uma pausa e se virar para mim, parecendo eufórica de repente. — Bom, você é um homem!
Sua constatação pareceu abrupta e desnecessária, mas confirmei, hesitante, com a cabeça.
— E também enxerga as mulheres… — continuou, e passei minha mão suada pela calça jeans. — Então me diz. O que vocês homens mais gostam em uma mulher?
Continuei encarando meu all star, mexendo uma perna com nervosismo contra o chão do shopping.
— Ah, sei lá, Jess — respondi com a voz ainda mais rouca, procurando em nossos pés uma sacola de compras que pudesse me distrair; até lembrar que havíamos deixado-as no carro. — Acho que cada homem é único.
Jessica bufou ao meu lado, incrédula.
— Qual é, Ben! — insistiu, impassível, antes de perguntar: — Você acha que eu deveria valorizar mais os meus peitos? Ou usar um jeans mais apertado na bunda?
Angela interrompeu-a imediatamente, me libertando de suas garras.
— Jess, deixa ele.
Mas ela não deu ouvidos.
— Vai me dizer que você não quer umas dicas também? — questionou, e pude visualizar suas sobrancelhas serem arqueadas ao meu lado.
— Não tenho interesse — decretou.
Jessica soltou um bufo e deu de ombros, roçando seu braço sem querer no meu.
— Você e essa sua mania de querer morrer virgem, Angela.
E quase morri de alívio ao ver os meninos finalmente se juntando a nós, ainda sorrindo um para o outro.
Depois que nos erguemos dos bancos, Jack informou que o shopping tinha um cinema em algum lugar por perto, e que Mike estava louco para assistir com ele um filme sobre um cavalo que enlouquecia e saia matando todo mundo a base de coices; mas claramente as meninas barraram a ideia.
— Nem pensar! — decretou Jess, ávidamente. — Estou morrendo de fome.
Ao seu lado, Angela apenas assentiu com timidez.
Os dois pares de olhos masculinos e brilhantes — como os de uma criança vendo um doce gigante em sua frente — rapidamente deram espaço para uma decepção que transbordou até o chão.
— Vamos ver se ainda vai ter o filme amanhã, então, Mike — se conformou Jack, arrumando os óculos e cutucando ele. — Já voltamos.
— Ah, sem essa! — reclamou Jess, chorosa. Ela fez um beicinho tão falso que meu rosto esquentou de vergonha. — Minha barriga está roncando, Jack, é sério.
— Não vai demorar um segundo — garantiu Mike. — A gente já volta.
E assim os dois saíram, sem dar tempo de Jessica reclamar mais um pouco.
O céu estava mais do que escuro ao lado de fora das janelas da loja quando resolvemos nos distrair com livros. Jessica, irritada por ter sido abandonada, estava atrás de um romance de época, enquanto Angela precisava de um guia ilustrado que a ajudaria em biologia II.
Quando se afastaram para uma área de romances eróticos, me esgueirei para o canto onde havia um grande arco-íris desenhado na lateral de uma prateleira pequena. Bati o olho nos títulos e agarrei uma estória romântica sobre dois homens durante a Segunda Guerra Mundial, mas a larguei rapidamente quando uma vendedora simpática chegou, falando meio alto.
Fiquei com medo de que ela tivesse me pegado no flagra, mas aparentemente não notou nada. A dispensei após agradecer, deixando o setor rapidamente e tentando despistá-la ao ir atrás dos livros de terror: tal coisa que eu simplesmente amava.
— Credo, Ben — soltou Jessica de repente, quando chegamos no caixa e ela notou os corvos tenebrosos que povoavam a capa de um livro que eu segurava. — Que coisa medonha.
Apenas sacudi a cabeça. Descartei imediatamente o comentário que fiz internamente, que dizia que o livro em que a silhueta de dois corpos nus dando uns amassos, firme na mão de Jessica, também parecia meio medonha para mim.
Aparentemente, enquanto ela passava seus livros para as mãos da vendedora, notei que Angela não tivera problema nenhum em ir até a área colorida e comprar vários volumes com relações românticas entre pessoas do mesmo sexo no enredo, como Jessica havia revelado mais cedo que ela adorava; diferente de mim, é claro, que fugi como o covarde que era.
Imediatamente, desejei ser mais como ela.
Apenas uma visita à livraria enorme não foi o suficiente para que os meninos tivessem voltado. Nos sentamos novamente nos bancos e aguardamos, Angela devorando seu novo romance enquanto Jessica olhava de forma impaciente para as próprias unhas e ajustava uma pulseira.
Mexi o pé com impaciência; acontece que olhar o céu escuro através da janela enorme do shopping me lembrava do quão atrasado eu estava, tendo combinado de encontrar Edward ao anoitecer. Me perguntei quanto tempo mais ele me esperaria, de repente de saco cheio de aguardar minha chegada à livraria e pronto para partir de volta à Forks.
Notei que minhas mãos suavam, e estava mais impaciente do que Jessica ao me erguer no ar de repente.
— Vou ver onde eles se meteram — comentei, baixinho.
O plano era comer e ir embora, e eu precisava agilizar as coisas o mais rápido possível. Ainda não havia bolado um plano para despistá-los, mas vinha trabalhando nisso ao longo do dia e só de pensar no que teria que fazer já me deixava desconfortável.
— Ai, Ben... — começou ela, suspirando. Angela não tirou seu nariz um centímetro sequer do livro aberto em sua frente. — Eu até iria com você, mas estou simplesmente exausta.
Sacudi a cabeça, determinado a ir sozinho.
— Relaxa, Jess. — respondi, já me virando e seguindo caminho antes que ela mudasse de ideia. — Eu encontro eles.
Corri até a parte do cinema, não sendo tão difícil assim de encontrá-la. Estiquei meu corpo o máximo possível, ficando na ponta dos pés, mas não encontrei nada além das nucas de pessoas estranhas para mim, que aguardavam para comprarem ingressos e pipocas. Nenhum sinal dos dois.
Voltei até a área de jogos e me lancei no meio das crianças e dos adolescentes, procurando por algum sinal de Mike ou Jack entre os rostos concentrados. Passei pela área de boliche e patinação no gelo, me perguntando se haviam se entretido com algo diferente.
Nada.
Por fim, determinado a ir no primeiro lugar em que um deles havia passado quando chegou, me dirigi até o banheiro em que Jack havia entrado mais cedo. Passei pela porta, marcada com uma placa minúscula de um boneco branco em um fundo azul, e entrei para um local amplo.
— Mike? — perguntei, olhando para todos os cantos do banheiro masculino. — Jack?
Um homem virado para o mictório ergueu a cabeça alguns centímetros na minha direção, mas logo me ignorou.
Assim que voltei para o lado de fora, me perguntei o que faria em seguida. Não poderia simplesmente pedir para anunciarem seus nomes em alto falantes como faziam com crianças que se perdiam em um shopping como este.
Olhei para todos os lados: para outra área de jogos no canto, para a loja que vendia aparelhos celulares de última geração que eu jamais teria dinheiro o suficiente para comprar, e para a loja de calçados chiques aqui perto.
Nada.
Mas no momento em que meus olhos caíram na porta do banheiro interditado, pararam por lá, presos.
Seria possível que… Não, impossível.
Ignorei a placa que sinalizava seu mau-funcionamento e entrei, fazendo o mínimo de barulho possível ao me lançar pelo aposento amplo. O lugar estava limpo e extremamente cheiroso, e me perguntei se alguém o havia limpado para quando voltasse a funcionar.
Por ser um ambiente que ecoava bastante, nem precisei me demorar muito em seu interior para notar o barulho molhado que se espalhou pelo ar. Me esgueirei lentamente até o último compartimento, sentindo meu coração prestes a saltar pela boca. Minhas mãos tremiam, mas as apoiei na porta fechada do último repartimento para espiar os mictórios que se escondiam lá atrás.
Os encontrei de imediato.
Jack pressionava as costas de Mike com força contra a parede do banheiro, sua boca devorando com fervor a dele. O óculos estava torto no nariz, mas eu sabia que não era nisso que os dois estavam preocupados no momento. Notei que a mão de Jack estava dentro da calça dele, movimentando seu interior sem parar.
E quando o beijo foi interrompido para este se ajoelhar no chão de ladrilho branco, correndo os dedos para as laterais da calça de Mike — de pé em sua frente — e puxá-la para baixo, eu soube que era a hora de ir embora.
Retrocedi meus passos até a porta novamente, fazendo o mínimo de barulho possível.
Apesar de achar extremamente duvidosa a escolha de um banheiro público para esse tipo de situação, não consegui deixar de sorrir para mim mesmo ao voltar até o fluxo incessante de pessoas.
Agora eu entendia porque eles queriam tanto se isolar no escuro que só o cinema poderia proporcionar.
Encontrei as meninas sentadas na mesma posição de antes, e tive que disfarçar o sorriso quando Jessica subiu o olhar carrancudo para o meu.
— Onde foi que eles se meteram? — perguntou ela, irritada, e encolhi meus ombros. Lembrei do que havia pensado sobre esperar que dessa vez seu plano de sedução funcionasse, e me senti mal por isso. Queria ver ela com uma pessoa legal.
— Não faço ideia — respondi, sacudindo a cabeça e passando a mão pelo cabelo curto. — Mas acho que estão se divertindo por aí… — soltei; ela não fazia ideia de como estavam. — E se a gente der uma olhada naquelas bolsas que você mencionou, Jess?
Jessica esticou o pescoço ao se levantar, como se pudesse enxergar eles além da multidão às minhas costas, mas acabou desistindo e concordou com a cabeça. Segui seus cachos para dentro da loja e tentei não pensar no que acabara de ver no banheiro.
Passamos um bom tempo entre bolsas e mais bolsas que não me interessavam nem um pouco, e ainda assim eu só conseguia pensar em Mike e Jack se beijando em minha mente. Apesar do nervosismo, me permiti me distrair ao idealizar o encontro com Edward que se aproximava.
Como será que o jantar se desenrolaria? Ele me convidaria para uma mesa mais afastada e me contaria como foi que parou a van de Tyler e cruzou o estacionamento em uma velocidade impressionante? Eu esperava que sim. E uma parte minha queria que as lendas que Jacob contara fossem verdadeiras, só para que fosse mais fácil confrontá-lo. Eu já sabia de tudo, ele só precisaria confirmar. Mas se fosse tudo verdade, o que isso significaria para a gente? Para mim? Será que eu corria risco de vida toda vez que me encontrava com ele?
Me perdi em espirais e mais espirais de pensamentos enquanto passava, sem interesse, a mão pela textura artificial de couro de cobra que Jessica estendia para mim.
Finalmente, quando Angela voltou da loja ao lado — que vendia acessórios para gatos, e nos mostrou a coleirinha cor de rosa que trazia nas mãos —, os dois apareceram. Tentei não olhar para Mike e Jack com outros olhos, depois do que os flagrei fazendo escondidos, mas foi impossível enquanto se encaminhavam até nós.
— O que aconteceu? — perguntou Jessica quando nos encontramos na porta dupla que levava para fora da loja e ao restante do shopping, a voz dura como pedra. — Estão meio ofegantes.
— O que você esperava em um shopping como esse? — respondeu Jack de prontidão, arrumando os óculos. — Impossível não estar, é enorme.
— É, nos perdemos… — confirmou Mike rapidamente.
— E vai ter horário para o filme? — perguntou ela, ainda impaciente.
Mike pareceu confuso.
— Que filme? — perguntou, atordoado de repente, e me segurei para não dar uma cotovelada em sua barriga por conta de sua falta de atenção; e, ao julgar pelo o que os olhos de Jack revelaram, ele também fez o mesmo.
— O que vocês foram ver se tinha horário para amanhã, oras! — Jessica cruzou os braços e ergueu as sobrancelhas, impassível. — Não foi para isso que nos deixaram aqui, esperando?
— Ah, claro! Vai ter, sim — emendou Mike, se atrapalhando com as palavras e apontando para a coleira que Angela segurava entre os dedos longos. — O que é isso?
Por ainda ser capaz de ver os lábios dos dois colados um no outro, seus corpos pressionados contra a parede do banheiro, eu sabia que ele estava desesperado para mudar de assunto; mas elas não pareceram notar nada.
— Uma coleira pro Figs. — respondeu Angela, quando saímos de vez da loja, mas sem nenhuma bolsa cara na sacola.
Mike franziu as sobrancelhas.
— Pensei que fosse macho.
Ela olhou para ele, imitando sua expressão.
— E é.
— Mas é cor de rosa — insistiu, apontando para a coleira que Angela já havia guardado na sacola.
Ela revirou os olhos com tanta força que fiquei com medo de não voltarem ao normal nunca mais.
— Ah, Mike. Faça o favor…
E assim a conversa foi encerrada e o assunto do sumiço dos dois definitivamente esquecido. Fiquei aliviado, embora triste por Jessica.
Mas ainda assim era extremamente satisfatório ver alguém com a timidez de Angela tão solta do jeito que estava; era como se o ambiente escolar aprisionasse ela, e ouvir o que realmente pensava na presença dos amigos era incrível.
Mais uma vez, desejei ser mais como ela.
Encontramos a lanchonete em segundos, e Jessica praticamente se lançou como uma predadora ágil e feroz na pobre presa que era o cardápio, quando nos sentamos muito próximos uns dos outros na mesa.
Um homem barbudo chegou para anotar nossos pedidos, e não demorou muito para estarmos rodeados de comida e embalagens.
— Nossa, isso aqui é muito bom! — disse Jess, fechando os olhos ao envolver a boca com um hambúrguer, antes de mastigar e engolir tudo. — Mas preciso parar. A dieta já está ameaçando me esganar.
Angela olhou para ela imediatamente, cheia de comida na boca. Também teve que mastigar de forma rápida e engolir antes de falar com a amiga.
— E você não me conta que dieta é essa! — reclamou, voltando o olhar para a própria comida, antes de olhar para ela outra vez. — Você emagreceu muito, Jess. Qual foi o truque?
Ela deu de ombros, simplesmente.
— Fechei a boca — revelou, se calando logo em seguida. Percebi que estava estranhamente evasiva, mas não comentei nada ao saborear a salada que pedi; pelo menos não iria passar nenhuma vergonha na frente de Edward, comendo tudo o que viria pela frente por conta do nervosismo.
E assim que Jack acabou seu lanche — se atirando contra a própria cadeira e fechando os olhos —, pensei que os outros também estavam satisfeitos como ele; até que, de repente, Jack soltou um grito sobre a sobremesa, e a mesa inteira elevou as próprias vozes em respostas animadas.
Acabei não pedindo nada, e senti os demais adolescentes se olhando entre si quando recusei o que a garçonete sugeria. Mais uma coisa na longa lista para me acharem um cara meio esquisito, mas eu meio que já estava acostumado.
— Quer um pouco, Ben? — me ofereceu Mike, estendendo o braço por cima da mesa e erguendo uma colherada de sorvete de baunilha. Por não saber exatamente onde Mike havia enfiado a boca nos últimos minutos, enquanto estava no banheiro interditado, resolvi recusar.
Ao mesmo tempo em que eles saboreavam o doce — Jessica quase morrendo de satisfação ao devorar uma banana split —, forcei meu cérebro a trabalhar em um plano perfeito para despistá-los e correr até a livraria onde Edward deveria estar me esperando. É claro que eu estava com tanto medo que não sabia se ficava triste ou feliz com a ideia de conseguir sair.
Esperei para que decidissem o que fazer em seguida, assim que todos pagamos a conta e voltamos a nos sentar em um banco ali por perto. E quando Angela se levantou com a bolsa e foi ao banheiro — e o restante decidiu que era hora de ir embora e pegar ela no caminho —, me apressei em dizer:
— Gente, vocês se importam de irem sem mim? — desci o olhar para as sacolas aos nossos pés.
Um silêncio tão grande se instaurou logo após minhas palavras que me perguntei se os três ainda estavam aqui, me rodeando.
— Como é? — perguntou Jessica, confusa.
Juntei minhas mãos no colo, lutando para que minha voz saísse alta e clara
— Ir à Forks — emendei, hesitante. — Voltarem para casa.
A voz de Mike soou tão confusa quanto a dela.
— Ficou maluco, Ben? Olha a hora… Você nem tem como voltar.
Afirmei com a cabeça, erguendo o olhar o suficiente para os três pares de olhos que me fitavam. Eu não gostava nada do plano que havia arrumado, mas sabia que me deixariam em paz.
— Tudo bem, eu combinei de encontrar alguém.
Não era exatamente mentira, mas eu me sentia constrangido em entrar nesse assunto. Simplesmente não consegui pensar em nada bom o suficiente para que me abandonassem por minha conta em uma cidade grande como esta.
— Alguém? — perguntou Jess, sacudindo o cabelo. — Você tem amigos aqui em Port Angeles?
— Bom, não é bem uma amizade… — comecei, baixando o olhar para meus all star. Ouvi um arfar vindo da direção dela e já consegui imaginar as fofocas que sua cabeça estava arquitetando para lançar pelos corredores da Forks High School, finalmente tendo algo em primeira mão para contar sobre mim.
— Nossa, Ben — exclamou Jack, extremamente divertido de repente. — Não sabia que você era pegador assim! Marcou com uma garota e tal? Ela é bonita?
Apenas encolhi os ombros, incapaz de proferir as palavras. Ele entendeu tudo quando riu.
— Tem certeza de que quer ficar sozinho? — perguntou Mike outra vez, resistente. — A gente pode esperar, sei lá.
Senti como se meu rosto fosse derreter de tanto calor que emanava dele, mas imaginei Edward sentado na livraria, olhando para a rua e esperando por mim, pronto para vomitar as respostas que eu tanto queria.
Respirei fundo.
— Acho melhor não — comentei, baixinho. — Nós devemos demorar pra caralho.
A voz de Jack explodiu de repente.
— Meu Deus! — soltou, gargalhando. — Quem vê você todo quietinho assim se engana muito. Porra! Quer umas camisinhas? Eu posso dar umas dicas…
Sua oferta me levou a passar a mão por meu cabelo curto de forma nervosa.
— Estou legal — garanti.
Quando ergui meus olhos para seus rostos novamente, Jack sorria de orelha a orelha, enquanto Jess me lançava um olhar intrigado e Mike brincava cabisbaixo com a manga de sua camiseta.
— Tudo bem, se é assim… — garantiu Jess de repente, se apressando em recolher as sacolas. — Não vamos ser empata foda, não é mesmo!?
Me senti aliviado, apesar do rosto que estava a ponto de derreter e da mentira que ameaçava me roer de dentro para fora.
— Ah, poderiam levar minhas compras com vocês, por favor? — pedi, apontando para minha sacola com alguns livros. — Eu pego de volta na aula, na segunda.
Eles assentiram e me apressei em girar nos calcanhares e sumir o mais rapidamente daqui.
Alguns minutos depois de ter me despedido, parti meio correndo para onde sabia que as portas duplas da saída me receberiam. Mas no caminho acabei trombando com Angela, que saía apressada do banheiro feminino por um lugar que eu não esperava.
— Ah, aí estão vocês! — exclamou ela, arrumando a bolsa na lateral de seu corpo e tentando enxergar para além de mim. Senti cada grama de meu corpo congelar ao ser parado por ela. — Onde estão os outros?
Baixei o olhar para meu all star outra vez, me sentindo idiota por não tem pensado em evitá-la.
— Estão arrumando as coisas para irem embora — respondi, apontando com o polegar por cima do ombro, para onde a praça de alimentação ficava.
Angela franziu as sobrancelhas em segundos.
— E você não vai com a gente?
Encolhi os ombros.
— É que existe uma pessoa que eu preciso encontrar.
Ela arregalou os olhos levemente, claramente curiosa. Não era como a curiosidade de Jess, que queria sugar tudo de mim até não restar mais nada; era uma curiosidade inocente, pura.
— É mesmo? Algum amigo seu? Ou uma amiga sua? — perguntou, séria, antes de sorrir para mim. — Traz aqui para ficar com a gente.
Baixei o olhar outra vez, me sentindo horrível por ter que repetir esta mesma desculpa constrangedora para outra pessoa.
— Não é bem só na amizade, eu acho.
Minhas palavras saíram atrapalhadas, já sem coragem para continuar. Mas Angela parecia não ter refreamento algum ao perguntar com a voz suave:
— Ah, é o Edward Cullen, não é?
Subi meus olhos imediatamente para os dela, completamente arregalados; jamais senti tanto choque se espalhar como fogo pelo meu corpo, queimando cada parte do meu ser e avermelhado minhas bochechas pálidas.
— Como é!? — perguntei, sentindo o sangue congelar nas veias quando finalmente encontrei a voz e a soltei de forma esganiçada.
Angela praticamente revirou os olhos.
— O Edward Cullen, Ben! — disse, determinada a sustentar sua ideia. — Da nossa aula de biologia II.
Gaguejei por alguns segundos mas era impossível ouvir algo com o barulho ambiente, e imaginei que só estava me entregando ainda mais ao gesticular nervosamente para ela, sem sucesso.
— Como sabe? — perguntei, meio alto, depois que desisti de tentar me explicar.
Algo em sua expressão se suavizou, como se estivesse satisfeita com minha resposta
— Não sou cega.
Eu simplesmente não soube o que dizer, tentando desviar o olhar para as pessoas que passavam como um rio por nós dois. Minhas mãos estavam suadas e fui incapaz de falar, completamente paralisado.
Graças ao meu embaraçamento, Angela pareceu constrangida por ter se intrometido, mas ainda satisfeita.
— Não estou surpresa, de verdade — me assegurou ela, encarando meu silêncio como outra confirmação ao lançar um olhar tímido para mim. — Sempre notei o jeito que você olha para ele, principalmente quando almoçaram juntos.
Ela pareceu perdida em pensamentos de repente, como se estivesse revivendo o momento em que Edward sentou comigo no refeitório e passou seu dedo frio por minha boca.
— É sério? — perguntei baixinho, inseguro.
Angela se animou em segundos, quase dando saltinhos no chão do shopping ao responder:
— Sim! E ele é todo misterioso, charmoso e muito alto — disse ela, sorrindo. — E você é bem baixinho e todo tímido. Fica vermelho e sem jeito perto dele. Sério, vocês são um casal muito fofo!
Sacudi a cabeça com vigor.
— Não somos um casal.
Ela assentiu.
— Ainda — afirmou, confiante.
— Para com isso, Angela… — sacudi a cabeça em negativa, me atrapalhando com as palavras. — É, é… é complicado.
Ela assentiu outra vez, extremamente compreensiva com minha situação.
— Tudo bem — disse, segurando meus ombros com as duas mãos. Ergui meu olhar para o dela no alto, meio hesitante. — Então você vai sair por aquela porta, descomplicar tudo e agarrar aquele homem, entendeu!?
Eu poderia responder qualquer coisa à ela, mas a ideia de que meu segredo foi descoberto dessa maneira era o que mais assustava meu corpo trêmulo.
— Ninguém pode saber — sussurrei, ciente de que ela não podia me ouvir. Imaginei que tivesse adivinhado pelo movimento dos meus lábios, porque rapidamente voltou a sacudir a cabeça.
— E ninguém saberá.
Não me movi de imediato; permaneci paralisado no mesmo lugar, inseguro, ainda agarrado por ela e seus olhos castanhos e amigáveis.
— Agora vá, Ben — insistiu, me sacudindo de leve. — Não perca tempo.
Mas não me mexi.
— Não sei se tenho coragem — confessei, baixando os olhos para o chão do shopping, tentando ignorar as pessoas que passavam por nós dois.
— O que foi? — perguntou ela, me soltando. Sua voz soou preocupada de repente. — Ele intimida você?
— Não é isso… — neguei. — Não é sobre ele. É sobre mim, o que eu sou…
E falar sobre isso pela primeira vez me deu um nó na garganta. Eu não tinha certeza do porquê falar sobre minhas insegurança agora, mas se alguém nesse mundo pudesse me compreender verdadeiramente, esse alguém com certeza seria a Angela.
— Mas você gosta dele, não gosta? — perguntou, cética. — De Edward, um cara?
Não me senti corajoso o suficiente para falar nada, então apenas afirmei com a cabeça. Ela pareceu entender, revirando o interior da bolsa de repente.
— Toma — disse, me entregando um de seus volumes coloridos com dois homens ilustrados na capa mole. — Para ajudar você a se encontrar.
Sorri para o livro que ela me estendia, meio tristonho. Tomei de suas mãos, o segurando com meus dedos trêmulos e usando a sacola em que ele estivera enrolado para carregá-lo.
— Agora vá, não deixe seu futuro marido escapar — continuou ela, praticamente empurrando minhas costas com as duas mãos espalmadas na direção da porta.
— Angela… — reclamei, mas meus pés já não estavam mais tão resistentes assim.
— Coragem, Ben. Você é corajoso! — exclamou ela, e não havia dúvida em suas palavras, jogadas contra meu ouvido. — Vá!
Nos despedimos perto do segurança que aguardava na porta automática, ela me abraçando com força antes de correr para junto de Mike, Jessica e Jack em algum lugar do shopping lotado. Quando seu cabelo desapareceu dentro da multidão esmagadora, eu soube:
Angela tinha razão.
Depois de inalar o refrescante ar noturno ao sair para a rua, permiti que esse sentimento poderoso e avassalador tomasse cada parte do meu corpo, me enchendo por inteiro enquanto eu praticamente corria na direção de Edward. Agarrei com força a alça da sacola que aninhava o livro.
Eu queria me jogar em seus braços, queria que ele envolvesse minha cintura com os dele e me girasse no ar. Eu estava louco por Edward, e não tinha nenhuma vergonha de admitir isso.
Não mais.
Fui incapaz de deixar de sorrir para meus all star apressados pela calçada, me dirigindo até a esquina. A noite me dava medo, mas pelo fato de serem apenas poucos metros de caminhada até a livraria — junto com o sentimento que transbordava por Edward me preenchendo —, não me importei.
Quando uns caras encostados no muro começaram a gritar na minha direção e a assoviar, simplesmente apertei o passo. Não estava ligando para eles, nem para seus uivos enlouquecidos quando podia me concentrar no sorriso estonteante que o garoto ruivo me lançaria ao encontrar meu olhar.
Eu estava vendo a esquina, quase podendo visualizar o Volvo prata estacionado no meio fio e o corpo de Edward aparecendo no local bem iluminado. Era tudo o que eu queria ver nesse momento, seus dentes relampejando em minha direção, se arreganhando ao me verem através dos olhos castanhos e enrugados.
Só quando ouvi os passos atrás de mim, que meu corpo se empertigou.
Espiei discretamente por cima do ombro para notar dois homens cambaleando pela calçada; as pernas estavam bambas, mas não hesitantes. Eles marchavam até mim, completamente focados em meu corpo trêmulo. Enterrei as mãos na calça jeans, e nunca senti tanta falta do meu casaco grosso e do boné costumeiro ao sentir um calafrio percorrer meu corpo.
Apressei o passo outra vez; eles jamais chegariam até mim sem que eu alcançasse a esquina. Era impossível. Me perguntei se Edward iria usar seus poderes contra eles e sorri para meus pés — o que ajudou o pânico a diminuir e a ideia de vê-lo jogar raios pelos dedos florescer segurança dentro de mim.
Mas meu corpo se empertigou ainda mais quando passei em uma parte em que a luz amarelada do poste não iluminava, e uma montanha de sacos de lixo me deixou alerta. Temi que alguém pudesse saltar de lá e me agarrar, mas felizmente ultrapassei o amontoado e me aproximei da esquina de forma ilesa.
E logo ali estaria ela, se assomando na esquina, um local que transbordava cheiro de livros e café; eu só precisaria dobrá-la para dar de cara com o calor da segurança que seria encontrar a livraria aberta e pronta para me receber. Talvez pudéssemos tomar um café juntos, enquanto Edward explicava sobre seus poderes especiais.
Era o que eu mais queria.
Mas quando obriguei meus pés apressados a cruzarem a calçada, de forma confiante, meu coração parou por um momento. Apenas um breu completo me encarou de volta, e nada iluminava a nova rua para onde eu me dirigia.
Não havia nenhum sinal de familiaridade aqui: nenhum Volvo prata, livraria, ou o próprio Edward.
Nada.
Quando girei nos calcanhares e dei de cara com os homens cambaleando na minha direção, meu coração voltou a bater mais forte do que nunca. Eu não poderia deixar o pânico me dominar, não importava se minha respiração estivesse falhando.
Eu provavelmente havia virado para o lado errado da rua, e a livraria se encontrava na outra esquina do shopping. Agora eu não tinha como voltar, porque mesmo que eu contornasse esses bêbados que me seguiam, ainda teria que lidar com outros que apinhavam a rua. Eles com certeza mexeriam comigo.
Ou pior.
Estremeci só de pensar.
Me apressei em ignorar a rua do shopping e corri para dar a volta no quarteirão. Eu não sabia exatamente como faria, mas deveria ter algum estabelecimento com telefone por aqui; para me abrigar enquanto eu me acalmasse e pudesse ligar para alguém me socorrer.
Cruzei a rua correndo, ignorando o caminho que tomei ao vir, e tentei não deixar os assobios me desestabilizassem. Cheguei na outra esquina sem grandes obstáculos, mas na hora de subir a calçada acabei tropeçando no meio-fio e caí no cimento.
Minhas mãos rasparam no chão mas não liguei, juntando minha sacola com o livro de Angela e continuando a correr. Estava deixando-os para trás agora, observando os faróis brilhantes que passavam ao final da rua logo mais a frente e pronto para pedir ajuda. Lá estava a segurança de que eu precisava, e não estava muito longe. Tudo o que eu tinha que fazer agora era chegar o mais rapidamente possível até ela e parar qualquer um daqueles carros para pedir ajuda. Provavelmente estavam indo para o shopping, e poderiam me levar para junto de meus amigos outra vez, se ainda estivessem lá.
De qualquer forma, eu precisava seguir caminho e logo estaria a salvo.
Eu quase poderia ter respirado com alívio, longe do perigo do jeito que estava; não fossem os demais caras que me esperavam em um lugar mal iluminado, escondidos em uma lixeira até que me aproximei o suficiente.
— Se perdeu, foi? — ouvi uma voz masculina soar, e não parecia bêbada, o que levou meu corpo a se empertigar; parecia bem lúcida e foi isso o que mais me assustou. — Volta aqui, cara.
Abaixei a cabeça e cruzei os braços no peito onde meu coração galopava; eu só queria estar de volta aos corredores da escola, onde abaixava a cabeça e apertava o livro contra o peito só para não receber atenção. Era difícil, principalmente depois de tudo o que trouxe as fofocas para perto de mim, mas era mil vezes melhor do que aqui.
— Que foi? — perguntou uma voz mais próxima, e senti meu corpo tremer ainda mais. — Ficou com medo de nós?
Consegui ouvir os passos dos demais homens que uivavam ao se dirigirem até mim, me seguindo apressadamente e aparecendo de todos os lados.
— Não se preocupa aí. Não vamos machucar você. — disse um homem alto quando me alcançou e se postou em minha frente. Ele bloqueou a calçada, derrubando uma lata de lixo com estrépito aos meus pés para me assustar.
É claro que funcionou.
Apenas resmunguei, não podendo confiar que minha voz sairia normal ao sentir as lágrimas brotarem em meus olhos. Minha garganta estava tão seca pelo nervosismo que não gritei, incapaz de pedir socorro; eu sabia que essa tentativa apenas os encorajaria a acabar comigo mais rapidamente.
Senti uma mão pesada puxar minha camiseta de repente, mas mantive meus olhos nos all star ao me desvencilhar dela.
— Qual foi? — perguntou outro cara, espalmando as duas mãos no meu peito ossudo ao me alcançar e me obrigando a parar. — Vai ignorar a gente?
Alguém puxou minha calça para baixo para me provocar e passou a mão no meu cabelo de forma violenta quando me vi cercado. Uma mão pesada derrubou minha sacola e o livro rolou no chão com estrépito, mas fui incapaz de reagir.
— Olha só! — disse alguém, animado de repente; sua voz soava como se ele tivesse achado um baú de tesouros enterrado na rua e o estava mostrando com certo orgulho para os demais colegas. — Olha o que o cara anda lendo!
Algumas risadas começaram a brotar na rodinha de homens mas não consegui levantar o olhar. Minhas pernas tremiam e eu sentia como fosse derreter no cimento da calçada, incapaz de erguer o olhar para seus rostos. Minha visão estava turva, meu coração soando ensurdecer nos ouvidos e finalmente minha reação foi fugir, incapaz de me controlar.
Quando tentei passar pelo meio de dois caras, senti seus dedos em volta do meu cabelo, me jogando sentado no chão com violência ao me desequilibrar.
— Onde pensa que vai, viadinho? — perguntou um deles na minha frente, sua voz soando raivosa de repente ao acertar um chute na lateral da minha coxa com força. — Vai fugir pra bater uma punhetinha suja com esse livro nojento, é?
As risadas explodiram em minha volta.
— Vamos ver se ele vai gemer quando você foder ele, Jeff. — soltou outro à minha direita, divertido com a ideia, e senti como se eu fosse engasgar com a respiração ofegante, ainda encolhido no chão.
— Pode ser que ele goste — confirmou alguém quando me levantei do cimento, cambaleante. — Que nojo.
De repente, uma mistura de imagens preencheu minha mente. Elas foram despertadas por seus uivos e gargalhadas para a noite escura, o tipo de atitude que me retraía desde sempre.
Eu já não tinha certeza de onde estava exatamente, mas as mesmas gargalhadas saiam da boca de garotos altos e mal encarados em minha frente, me encurralando no banheiro do vestiário de Phoenix enquanto eu tentava trocar minha roupa suada depois da educação física. Puxavam a toalha que eu usava para proteger meu corpo nu e magrelo, e me empurravam para todos os lados, me cercando, me jogando no piso e cuspindo palavras venenosas em minha cara apavorada e pressionada contra o chão do banheiro.
Ergui o olhar para o que se assomava na minha frente, o homem que me levava de volta às noites escuras de Port Angeles. Seu rosto estava embaçado, mas senti raiva de cada detalhe borrado dele e precisei fazer alguma coisa.
Resmunguei, raivoso.
— O que disse? — perguntou ele, desafiador de repente.
O treinamento de defesa pessoal, que Charlie havia me ensinado durante as férias em Phoenix, foi revisado em segundos por minha mente perturbada e avancei nele ao conjurar as instruções de meu pai em minha mente.
— Para não tocar em mim, filho da puta! — Não tive certeza se ele ouvira com clareza as palavras que cuspi com raiva e de forma atrapalhada. Minha voz saiu rasgando pela garganta seca, mas antes de terminar a frase eu já havia acertado um chute forte e certeiro em sua virilha.
Ele gemeu e se curvou para a frente, mas não demorou muito para zombar com o resto dos outros homens:
— Parece que o boiola sabe brigar. — Ele riu, voltando a se erguer acima de mim com apenas um fantasma de dor no rosto. — Gosto quando resistem.
Outro homem riu, atrás de mim.
— Vamos ter que fazer em grupo com esse daí — disse, se aproximando também. — Eu vou primeiro.
Foi a última coisa que ouvi sair por sua boca antes de levar um socão na cara, tendo sido desferido pelo homem em minha frente. O mundo pareceu girar de repente quando pontinhos coloridos dançaram em minha visão turva e tombei com força na calçada.
Queria permanecer aqui, encolhido no chão e deixado em paz; mas inúmeros chutes que explodiram em minhas costelas me privaram da imobilidade que eu tanto desejava. Finalmente consegui gritar, obrigado pela dor lancinante que ameaçava explodir cada parte do meu corpo ao ser golpeado.
Senti minha camiseta sendo puxada quando fui erguido do chão e outro soco acertou minha boca. E em seguida outro na cabeça. E mais outro no estômago, e deitei no chão novamente.
De repente, eu estava beirando a inconsciência, as risadas dos demais homens se embaralhando em minha mente meio apagada. Notei o ar frio da noite envolver minhas coxas à medida que minha calça jeans era puxada com violência. Alguém segurou meus pulsos bem firmes quando ela deslizou por meus tornozelos e eu só conseguia espernear e gritar, sem resultado nenhum em me livrar das garras deles.
Não tive forças para me soltar, incapaz de puxá-la de volta ao ser arrancada de meu corpo junto com os tênis, e soube que estava prestes a desmaiar. Eu iria simplesmente apagar nessa rua escura e desconhecida, e não poderia impedir meus agressores de fazer o que quiserem com meu corpo nu e inerte.
Nunca me senti tão indefeso e inútil quanto agora, sozinho com vários desconhecidos em volta. Pensei que fosse meu fim, no momento em que alguém apalpou minha cueca.
Até finalmente ver uma luz no fim do túnel; ou melhor, duas luzes de faróis de um carro que se aproximavam.
Percebi que os homens em minha volta vacilaram seus movimentos e senti que afrouxaram o aperto. O pouco de forças que ainda me restava, usei para erguer minha cabeça do chão e agarrar minha cueca junto ao corpo. Meus olhos estavam embaçados pelas lágrimas, mas vi o suficiente até os pneus cantaram pela rua silenciosa. Percebi o veículo frear com tudo a centímetros dos caras aglomerados ao meu redor, parando perto de nós.
Quando a porta do motorista se abriu, um único rosto entrou em foco por trás da luz cegante. Demorei alguns segundos para reconhecer Edward; ainda era o mesmo cabelo ruivo e bagunçado, os lábios cheios e o rosto angelical, mas seus olhos eram assassinos.
Muito mais assassinos do que quando haviam me encarado durante meu primeiro dia de aula em Forks, sentado na cadeira ao lado.
Pela primeira vez, senti um medo real deles.
A porta do carro bateu e de repente eu o perdi de vista. Até que um pandemônio se instaurou em minha volta. As gargalhadas debochadas deram lugar a gritos de puro terror, sons de golpes e mais golpes enquanto corpos voavam para todos os lados e uma arma era disparada pela rua.
Me abaixei na calçada e cobri a cabeça com as mãos, o coração batendo como nunca. E então um silêncio esmagador se instaurou no ar.
— Ben? — disse uma voz raivosa, completamente transtornada, mas familiar. Braços envolveram meu corpo caído, e eu sabia que eram os dele. Ouvi sua voz soar entredentes, próxima ao meu ouvido, extremamente contida de repente — Você está bem? — perguntou, e era tão bom ouvir o som musical outra vez, mesmo que estivesse falsamente tranquilizador.
Não pude me impedir de sorrir em resposta ao me virar para seu rosto, assentindo com a cabeça e o tranquilizando de forma silenciosa. Edward também sorriu através do meu único olho que ainda estava aberto, e seus lábios esticados duraram poucos segundos; até seus olhos mirarem meu rosto com preocupação e uma ruga delicada se formar entre suas sobrancelhas.
— Segure firme — sussurrou.
No instante seguinte, minhas costas bateram no banco do carro bem-iluminado e a porta ao meu lado se fechou com força. Me afirmei levemente na lateral do assento quando o Volvo arrancou e o impacto do carro girando bruscamente me mostrou que eu já estava usando cinto de segurança e Edward se encontrava atrás do volante — de alguma forma que eu não saberia explicar.
Não fui capaz de notar mais nada ao voar pelos corpos caídos pela rua e partir pela escuridão de prédios vazios. O carro disparou por longos minutos, saindo em uma rodovia extremamente movimentada e cruzando vários sinais vermelhos, recebendo buzinas em resposta.
Encostei a cabeça no banco e fechei os olhos, deixando as lágrimas rolarem por minha bochechas. Os soluços logo começaram e sacudiram todo o meu corpo dolorido, mas me permiti ficar calado enquanto Edward nos guiava pela rua movimentada.
Não durou muito, mas foi o suficiente para meu coração parar de ameaçar perfurar meu peito e a segurança que vinha acompanhada dele, ao meu lado, penetrar lentamente cada parte do meu corpo.
Estremeci involuntariamente ao sentir frio em minhas pernas nuas, vestindo apenas uma cueca que mais parecia um calção de banho. Um movimento brusco me assustou, e era um casaco cor de caramelo sendo jogado em meu colo.
— Vista isso, por favor — disse ele de forma contida, mas sem prestar muita atenção em mim, os olhos cravados na rua.
Ele vestia uma roupa mais sofisticada, provavelmente para o nosso jantar de hoje à noite. Mas estava manchado de vermelho em vários pontos, e tentei não pensar nisso ao me obrigar a entender que estava seguro agora, na familiaridade do interior de seu Volvo e de sua presença.
Me aninhei em seu casaco, envolvendo o tecido em minhas pernas nuas e me preparei para a viagem até Forks enquanto limpava as lágrimas outra vez. Não seria uma viagem fácil, mas eu estava me acalmando aos poucos.
Até que, de repente, os pneus do Volvo cantaram e percebi que chegamos em um local escuro e afastado da cidade. Foi quando o motor foi desligado e um silêncio mortal se instaurou, que Edward se virou para mim e aparentemente bloqueou os próprios pensamentos.
— Merda — soltou ele, e ouvir um palavrão saindo por sua voz doce soou diferente para mim. Foi o suficiente para me distrair. — Está sangrando.
Depois de franzir os lábios, Edward rasgou um pedaço da própria camisa cara de botões e estendeu o tecido branco para mim. Segurei seu pulso no ar, fechando meus dedos ao redor de sua pele fria e maciça com certa dificuldade, levando-o a franzir o rosto para mim.
— O que foi? — perguntou, confuso.
— Não tá desconfortável? — devolvi com outra pergunta, aparentando igual confusão em meu rosto. Minha voz soou ainda mais rouca do que o normal, e estava extremamente chorosa.
Sua expressão não vacilou, ainda complexada.
— E por que estaria? É você quem não pode ver sangue.
Ele tinha razão, é claro. Eu tinha plena consciência de que minha boca estava sangrando, graças ao gosto metálico que sentia; mas me encontrava tão perturbado com tudo o que havia acontecido, que o enjôo nem teve brecha para aparecer desta vez.
Baixei o olhar para o banco, sentindo meu braço dolorido pesar ao segurar sua mão a poucos centímetros do meu rosto.
— Sabe o porquê — insisti, de uma forma quase inaudível e estrangulada, ainda soluçando um pouco.
— Não sei do que está falando — negou, entredentes, mas não deixei que sua resposta evasiva me impedisse; já estava acostumado com elas. Edward recolheu a mão e se encostou no banco do Volvo, voltando seu olhar para o para-brisa, estudando as próprias palavras por longos e tortuosos minutos, até desistir. — Não o daqueles merdas. Sinto repulsa pelo deles.
Seus rostos embaçados voltaram a piscar em minha mente, e senti outro calafrio percorrer meu corpo ao secar minhas lágrimas outra vez.
— Você matou eles? — perguntei, baixinho.
Edward respondeu de imediato, e parecia insatisfeito. Sua voz era de um tom ríspido que eu nunca tinha ouvido antes.
— Infelizmente, estão vivos.
Assenti com a cabeça, um pouco surpreso com a resposta; não parecia possível que alguém tivesse sobrevivido àqueles sons horripilantes e grotescos.
— E quanto ao meu? — perguntei, determinado a afastar novamente a conversa dos homens asquerosos. — Se sente desconfortável perto do meu?
Edward voltou a me encarar de supetão, e mesmo sabendo o quão surpreso ele ficava com várias coisas que eu dizia, nunca tinha visto uma expressão tão chocada em seu rosto.
— Como pode pensar uma atrocidade dessas, Ben? — perguntou, completamente incrédulo. — Se houvesse alguma chance de ficar desconfortável com o seu, naturalmente eu estaria bem longe de você agora.
Voltei a deitar a cabeça no banco e a encará-lo, suspirando e fazendo uma careta de dor logo em seguida.
— Cara, é muito bom ouvir isso.
Minhas mãos estavam tremendo, meus calcanhares — vestidos só com as meias — batendo de encontro ao chão do carro sem parar, nervosos; mas me inclinei para ele, os braços para baixo e o rosto erguido.
Ele também me encarou por mais alguns instantes, sua expressão voltando aos poucos ao normal, antes de esticar o braço novamente e pressionar o tecido da camiseta rasgada contra meu queixo ralado e por minha boca ensanguentada.
— Como me achou? — perguntei com dificuldade, graças a ardência no machucado que ficava mais nítida ao toque de seus dedos firmes. E também à minha voz horrível e quebradiça, mas falar sobre isso ajudava a me distrair. — Não consegui gritar.
Edward arrancou mais um pedaço da camisa e a depositou em minha mão, formando uma bola de tecido e me pedindo para manter pressionada no ferimento.
— Segure firme, vai parar de sangrar — instruiu ele, antes de firmar as mãos no volante outra vez e voltar a encarar o para-brisa escuro. — Preciso levar você para casa.
Finquei o pé, decidido, ao mesmo tempo em que pressionava o tecido na pele e fitava meu único olho bom em Edward.
— Eu preciso de respostas, cara — decretei, mas ele não estava prestando atenção.
Sua mão girava a chave, acendendo o ronronar praticamente silencioso do motor. Senti meu corpo sacudir quando deu uma arrancada com o carro, nos tirando do beco escuro rapidamente e voltando para a estrada principal.
Caímos em um silêncio por alguns momentos, uma chuva fina começando de repente, até que ele resolveu responder, crispando os lábios cheios.
— E irei dá-las a você, prometo — lançou um olhar para mim, e suas palavras parecia sinceras, antes de encarar o para-brisa novamente. — Mas não hoje. Não com você nesse estado. Talvez semana que vem nós possamos ir para um lugar mais reservado e conversaremos sobre tudo.
Lembrei de todos os momentos ansiosos que passei nestes últimos dias — revirando durante a noite pela cama e me perdendo em pensamentos durante o preparo da comida —, e estremeci. Sem chances, seria simplesmente impossível esperar mais uma semana para saber a verdade. Eu havia feito uma promessa para mim mesmo ao deixar minha cama antes do almoço: arrancar a verdade de Edward, independentemente de qual fosse.
E o preço de sair atrás dela de forma desesperada, ao ponto de me enviar para um beco escuro e tomado de pessoas asquerosas, quase havia custado minha vida.
— Amanhã — respondi, impassível.
Ele me olhou como se eu fosse louco.
— Como é?
Limpei a garganta, me preparando para falar com clareza.
— Precisamos conversar amanhã.
Edward sacudiu a cabeleira ruiva, passando a mão pálida por ela logo em seguida e as depositando no volante outra vez.
— Facilite as coisas para mim, Benjamin — pediu.
Desviei para meu reflexo na janela, determinado a não deixá-lo me influenciar. Ver meu rosto cortado e ensanguentado, juntamente com o olho esquerdo extremamente roxo, me assustou por um tempo. Mas não demorei a me recuperar.
— Tô facilitando — soltei, perfurando meu próprio olho castanho contra o céu escuro e respingado por gotas de chuva. — Pra caralho. Mas você tá me devendo um jantar — lembrei, irritado. — e vai ser amanhã.
— Você é impossível — respondeu, mas já estava rindo, sem humor nenhum na voz.
Me virei para ele, surpreso com sua reação abrupta.
— O que é engraçado? — O perfurei com os olhos, mas minha voz falhada não pareceu tão intimidadora.
— Você… — decretou, os lábios cheios sendo repuxados sobre os dentes mais um pouco. — pensando que é algo bom saber mais sobre mim.
Sacudi a cabeça.
— Não importa… Sei que não vai me machucar — afirmei, e não sabia se dizia isso para ele ou para mim mesmo. — Não depois de hoje.
Ele pareceu ponderar por um tempo, os olhos castanhos e agitados percorrendo a estrada. Mas foi quando se pregaram em mim, em meu rosto machucado, que pareceram se decidir.
— Pego você em sua casa, depois do cair da noite. — Foi tudo o que disse antes de olhar para a frente, e me senti satisfeito ao acomodar meu corpo no banco.
O barulho do motor do Volvo era rítmico e constante, parecido com um ronronar de um gato. O barulho me acalmava, me relaxava, e apesar de não querer fechar os olhos de jeito nenhum graças ao medo que tinha dos outros homens voltaram à minha mente, me aninhei em seu casaco e deitei a cabeça para o lado.
Seu cheiro inundou minha mente, o mesmo cheiro que eu havia captado durante o acidente com a van no estacionamento da escola, o cheiro que senti em seu Volvo quando quase nos beijamos. Era doce e inebriava meu cérebro. Não reclamei, longe disso.
De repente, dedos gelados chegaram até o topo da minha cabeça e me sobressaltei. Edward havia esticado seu braço e pressionava meu cabelo, ainda de olho na estrada. Rapidamente me aconcheguei novamente, aceitando seu toque enquanto ignorava as costelas doloridas.
Ele também me acalmava, descrevendo círculos no topo da minha cabeça enquanto o barulho do motor e o movimento do carro finalmente tiravam os nós de tensão que se armaram por todo o meu corpo, embora algumas lágrimas ainda rolassem.
— Durma, meu amor. — Ouvi a voz dele ser sussurrada próxima a mim, sentido sua boca pressionar com um beijo gelado onde sua mão tocava. — Eu protejo você.
As palavras dele chegaram até meus ouvidos de imediato, se espalhando por cada parte de minha mente em segundos. Elas me preencheram, e enquanto as últimas lágrimas voltaram a cair e fui recebido de vez pela porta da inconsciência, acreditei profundamente em cada uma delas.
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