Mal alcançamos o Jeep quando Edward me desprendeu do próprio peito escultural, que se destacava contra o tecido fino da camiseta de beisebol que ele usava. A porta do veículo já estava aberta assim que meus pés atingiram o chão gramado e olhei para cima. Ele logo ergueu meu corpo na direção do banco, e mal tive tempo de me arrumar no assento e limpar as bochechas molhadas antes das quatro portas baterem com ele, Alice e Emmett sentados no interior do Jeep, o motor estrondoso ganhando vida.
As mãos maciças de Emmett, sentando ao meu lado na parte de trás, logo me prenderam com os cintos. Em segundos estávamos de volta à estrada tortuosa e chacoalhante, Alice tagarelando no banco do carona por vários minutos enquanto Edward ficava calado atrás do volante à medida que partíamos.
— É tudo culpa minha — lamentou-se ela por fim, a voz completamente chorosa.
A de Edward logo atingiu uma raiva que jamais pensei testemunhar soando por ela assim que perdeu as estribeiras:
— É tudo culpa daquele filho da puta!
Todos erguemos nossos rostos assustados para ele.
— Qual deles? — Foi o questionamento de Emmett.
— O que aconteceu, Edward? — perguntou Alice ao lado dele, assustada.
— James aconteceu, o de rosto fino com cabelos pretos. Ele é um maníaco, Alice! — respondeu com desprezo, como se vomitasse as palavras no painel do veículo chacoalhante. — Um completo sádico!
A garota de cabelos espetados começou a encarar o parabrisa de repente, concentrado.
— Consigo vê-lo caçando — declarou com assombro.
Edward concordou com a cabeça, passando uma voz nervosa pelo cabelo ruivo.
— Sim, é um rastreador — revelou. — Eu vi seu rosto na mente dele, de alguma forma conhece você, Alice.
— Impossível. Eu nunca o vi na vida! — rebateu ela.
Ele lamentou, estalando a língua em desaprovação.
— Não tenho mais detalhes… — disse, meio cabisbaixo, antes de prosseguir com raiva: — O desgraçado é viciado em caçar pessoas por diversão, como se fossem animais, não somente para a própria alimentação. E pior: dedicou vários anos da existência para separar casais do mesmo sexo.
— Como é? — perguntou Emmett ao meu lado.
Edward confirmou:
— Isso mesmo — disse, agarrando o volante com mais força. — Ele disfarçou muito bem, mas a repulsa que sentiu quando Carlisle contou que eu e Benjamin estávamos juntos foi avassaladora. Já havia decidido nos separar antes mesmo de saber que o Ben é humano — prosseguiu, e se eu não estivesse tão paralisado por tudo o que havia acabado de acontecer, teria entrado em pânico agora mesmo e saltado pela janela do Jeep. — Isso se tornou o jogo mais emocionante de sua vida, principalmente ao descobrir que o protegeríamos como se fosse um espécie de "Rei" em nosso xadrez particular.
Um silêncio maciço recaiu no interior do veículo como se as palavras dele tivessem jogado uma mortalha em cima de todos nós. Até que uma voz encorpada se misturou ao barulho do motor estrondoso:
— Talvez aquele outro cara impeça ele de fazer algo, sei lá — argumentou Emmett, se referindo ao Laurent. — Parecia autoritário.
Mas Edward balançou a cabeça em negativa, fazendo o nó de esperança que havia se formado dentro de mim se desmanchar.
— Era um truque. James é o verdadeiro líder do grupo e ficou muito irritado quando Laurent o mandou ir embora. Mas ele usa isso como um disfarce para analisar a situação das sombras, como fez enquanto Laurent e Carlisle conversavam, então sabia que morreria se nos atacasse no ato. — A parte seguinte era quase um sussurro, e foi como uma lâmina estivesse passando por meu corpo conforme a ouvia: — Agora está disposto a caçar o Ben como se nada no mundo importasse mais.
— Então vamos matar o preconceituoso de merda antes que se atreva a encostar no carinha! — As palavras de Emmett trovejaram como se estivéssemos de volta ao campo de beisebol, irritado e com sede de uma briga.
Mas Edward negou outra vez.
— Só depois que estivermos bem longe daqui — disse, e pude sentir que ganhávamos cada vez mais velocidade, a paisagem selvagem e escurecida passando como um borrão pela janela e capturando meus olhos para seu breu interminável.
Quando enfim saímos para a rodovia, e Edward deu uma guinada forte com o Jeep na direção contrária à que pegaríamos até Forks, foi que o estupor que havia penetrado no meu cérebro desde o campo de beisebol pareceu sumir de uma vez só.
— Edward… — resmunguei, a voz ainda mais rouca e quebradiça. Precisei pigarrear algumas vezes antes de continuar: — Pra onde estamos indo?
Encontrei seu olhar apenas por um segundo no retrovisor, antes de desviá-lo outra vez para a estrada.
— Precisamos tirar você daqui, Ben — declarou, a voz doce outra vez ao falar comigo, abandonando a raiva que emanava dela há pouco.
Meu estômago se contraiu como se tivesse levado um soco poderoso, e minhas pernas se encolheram no banco.
— Que? — me exasperei em um sussurro de pânico, sentindo minha garganta fechar. — Cacete, e meu pai?
Ele respondeu com a maior calma do mundo, exatamente como Carlisle deveria fazer ao dar alguma notícia trágica para algum paciente do hospital:
— Depois o seu pai — continuou como um decreto.
O entardecer se estendeu por vários minutos, passando veloz pelo Jeep que intimidava os outros poucos motoristas que minavam seu caminho. Minha mente trabalha em uma velocidade incomum, pensando em uma solução para contornar a situação onde eu me encontrava — como se uma parede de concreto houvesse desabado em minha cabeça.
Até que fez um grande "click" e me empetiguei no banco, agitado com o que planejei.
— Edward, encosta — pedi, minha voz decidida e de volta ao tom rouco normal. — Tenho um plano.
Mas ele sacudiu a cabeça, impenetrável.
— Não, Ben. Me escute. Vamos tirar você daqui primeiro…
Toda a calma que eu havia construído cuidadosamente se ruiu de uma só vez com a fala dele.
— Não, ele vai matar meu pai, caralho! — explodi, sentindo minha garganta fechada queimar com meu grito. Minha voz perdeu toda a compostura ao ficar chorosa e quase incompreensível outra vez: — Encosta essa merda agora! Escuta o meu plano.
Alice arregalou seus olhos grandes para mim, ainda mais hipnotizantes no rosto fino, depois os virou para seu irmão no volante.
— Ed, escuta ele.
Ele não cedeu, passando uma mão nervosa pelo cabelo ruivo novamente e pisando com mais força no acelerador.
— Não posso.
— Vamos ouvir o que o plano dele. — Foi a vez de Emmett interceder por mim.
E foi a vez de Edward perder as estribeiras outra vez:
— Nada é mais importante do que a segurança dele! Eu sou responsável por isso, Emmett! É tudo culpa minha!
— Mas meu pai também tá envolvido nisso! — Precisei me meter, ainda embolado com as palavras. — Para esse carro!
— Ben… — pediu, baixinho.
Outro grito meu ecoou pelo veículo.
— Agora, porra!
Edward não cedeu, gritando de volta:
— Não posso!
Tentei me erguer no banco, mas as amarras me puxaram de volta. Tudo o que pude fazer foi gritar ainda mais alto:
— Você me deve isso!
A freada que o Jeep deu foi tão brusca que senti meu corpo prestes a ser fatiado em pedaços ao ser pressionado contra os cintos de segurança que me envolviam. Fechei meus olhos enquanto o barulho dos pneus em atrito com a rodovia era ensurdecedor e feria meus tímpanos, ecoando como uma especial de tortura sonora pelo meu cérebro.
Bati de costas no encosto do banco quando tudo acabou e o mundo parou de balançar. Em seguida, Edward me encarava do banco do motorista, o corpo inclinado para trás, os olhos castanhos em mim.
— Tem razão — disse com a voz no mesmo tom suave de antes. —, me desculpe.
Minha garganta doía e precisei limpá-la para continuar.
— Foi mal por ter gritado — respondi envergonhado, e estava sendo dolorosamente sincero. — E por todo o resto.
Edward contraiu os lábios cheios em um sorriso sem mostrar os dentes, mas percebi que estava tenso demais para ser totalmente verdadeiro. Não parecia em nada com os incontáveis sorrisos que havia me lançado desde que me conhecera, pronto para me tranquilizar quando alguma coisa parecia errada.
— Tudo bem, estamos todos nervosos — reconheceu. — Qual é o seu plano? Não temos muito tempo.
Respirei fundo, colocando meus pensamentos em ordem, tentando ser o mais cético possível para não desabar em um choro desesperado e interminável.
— Primeiro, vamos até meu pai — comecei, vacilando um pouco ao encarar os demais olhos atentos nos meus. — Se eu sumir agora do nada, ele vai colocar a polícia atrás de você e da sua família.
— A gente não vai ser pego pela polícia — garantiu Edward gentilmente.
Neguei com a cabeça.
— Não, eu sei. Mas assim que tudo isso acabar e a gente estiver a salvo de novo, vocês não vão ter que se mudar daqui se a polícia não estiver envolvida. Quero evitar isso. — A ideia dos Cullen deixando Forks fazia meu coração se fechar ainda mais.
Edward concordou.
— Continue.
Tomei mais fôlego antes de prosseguir:
— Depois disso, eu vou falar com Charlie. Vou explicar que quero ir embora e deixo ele pra trás por um tempo.
— Mas o rastreador pode atacar ele da mesma forma. — A voz de Edward ainda era gentil, como estivesse ouvindo alguma criança revelando seu sonho inalcançável.
— Não se o rastreador ouvir a gente. Se ele perceber que meu pai não tem nada a ver com isso, vai deixar ele em paz.
Edward sustentou meu olhar por um tempo.
— Ben, você não pode ter certeza disso.
Fechei meus olhos, respondendo calmamente ao esfregar minhas mãos trêmulas uma na outra:
— Beleza, mas a gente tá em maior número — objetivei, voltando a encarar os irmãos dele. — Se não funcionar, não tem como alguém proteger ele?
— É claro, Ben — respondeu Alice gentilmente. — Podemos fazer isso.
— Valeu — agradeci. — Então, vou deixar claro de que tô indo morar com minha mãe em Phoenix outra vez.
Minha voz morreu, e eles permaneceram me encarando por alguns segundos.
— E depois? — perguntou Emmett.
Eu sabia que não geraria as melhores reações do mundo ao completar:
— Depois vou pra Phoenix.
Emmett voltou a falar enquanto Edward contraiu os próprios lábios em linha reta:
— Não acha que isso seria meio óbvio demais, cara?
— Exatamente — respondi, me virando para o ser grandalhão sentado ao meu lado. — O rastreador nunca vai me procurar lá.
Ele assentiu lentamente, compreendendo o que minhas palavras inseguras significavam.
— Genial — sussurrou.
Alice foi a primeira a se dirigir a expressão estagnada do garoto ruivo ao lado dela.
— O que acha, Ed?
Ele manteve os olhos nos meus, mal abrindo os lábios ao responder:
— Há muitas falhas nesse plano.
Assenti, esperando por isso.
— E o que você sugere? — perguntei e não estava sendo estúpido. Minha dúvida carregava uma pergunta sincera.
— Não consigo pensar em mais nada — declarou.
Emmett riu, apoiando uma mão pesada em meu ombro frágil.
— Então é o melhor que a gente tem agora — declarou, como se desafiasse qualquer um a contestá-lo.
Percebi que era bom ter alguém ao meu lado nesse momento, tanto literalmente sentado no banco quanto concordando com o plano que soava duvidoso agora que era dito em voz alta. Tentei me manter firme em minha decisão de tentar salvar meu pai.
— Alice? — perguntou Edward, buscando os olhos atentos dela.
— Não vejo nada dando errado — declarou ao encolher os ombros delicados. — Na verdade, consigo vê-lo camuflado entre os arbustos, observando uma discussão dentro da casa do pai de Ben.
Pareceu que levara uma eternidade, todos os olhos presos em Edward enquanto todas as engrenagens de sua cabeça pareciam trabalhar de uma vez.
Lentamente, ele assentiu, voltando a esticar os lábios na minha direção.
— Vamos fazer isso, Ben. Você tem razão — declarou, e meu corpo interior relaxou brevemente, antes de se tencionar outra vez; a pior parte estava por vir, que era colocar o plano em prática. — O que eu faria se não tivesse você?
Não havia nenhum clima para uma das respostas irônicas e prepotentes que eu geralmente devolvia para ele, e a presença de seus irmãos me deixava desconfortável, então apenas baixei meu olhar para os tênis.
Permaneci sentado e cabisbaixo, com um sorriso mínimo dançando na boca, pronto para que o Jeep ganhasse vida outra vez, para nos levar de volta em disparada até Forks. Só que o veículo não se moveu.
— Aqui, coma um pouco — disse Edward de repente, pegando um embrulho no porta-luvas e entregando em minhas mãos.
Franzi minhas sobrancelhas, segurando o pacote de forma hesitante.
— Que isso?
Edward voltou a agarrar o volante, virado para o parabrisa outra vez.
— São sanduíches de pasta de amendoim que fiz para você comer depois do nosso jogo.
— Tô sem fome — me apressei em argumentar, enquanto o motor barulhento do Jeep ganhava vida outra vez.
Edward voltou a me encarar no espaço entre os bancos.
— Você não comeu nada desde cedo, Ben — insistiu, relutante. — Precisa se alimentar logo.
Eu realmente não tinha nenhuma vontade de colocar alguma comida em meu estômago — mal acreditava que coisa alguma fosse parar lá, de qualquer forma. Ainda assim, resolvi obedecê-lo.
— Tá legal — cedi, desembrulhando o papel alumínio e encarando os dois sanduíches dentro dele.
Edward rapidamente se inclinou para me dar um beijo rápido e tomei um leve susto ao constatar sua aproximação repentina, mas devolvi a pressão de seus lábios sem hesitar. Eu ansiava por esse contato com ele e lamentei mais do que tudo quando acabou rápido demais.
Depois que Edward voltou para o banco do motorista, notei que Emmett e Alice olhavam pela janela, aparentemente perdidos em pensamentos, mas eu desconfiava de que estavam nos dando certa privacidade. De qualquer forma, era grato à tentativa deles.
Logo que o pé de Edward pisou no acelerador, fizemos uma manobra extremamente fechada e voltamos para a direção de Forks, ganhando cada vez mais velocidade no momento em que o pouco céu visível para além das nuvens ganhava fortes tons de laranja acima de nós. Devorei os dois sanduíches em poucos minutos, percebendo que estava faminto.
O nervosismo impediu meu calcanhar de parar de bater no chão do carro durante todo o trajeto.
Rapidamente Alice abriu um pequeno celular prateado na mão e discou com agilidade os números pequenos. A tela minúscula se acendeu com o nome de Carlisle e depois de um segundo, ele atendeu. O resto da viagem foi marcada por Alice explicando meu plano a ele, e a voz fina o recitando para o aparelho parecia muito mais convincente do que a minha o havia feito.
Me permiti acreditar nela.
No momento em que enfim chegamos na cidadezinha de Forks — e Carlisle encerrou a ligação depois de me desejar sorte através de Alice —, o céu estava praticamente escuro e vários pingos de chuva nos recebiam ao baterem no parabrisa do Jeep. Minhas mãos estavam cruzadas em frente ao meu peito, e ver as mesmas casas por onde havia passado nesta mesma manhã ao retornar da casa dos Cullen fez outro bolo se formar em minha garganta.
Eu havia rido na cara dos moradores de Forks, satisfeito por saber do quão perigosa era a vida ao lado dos Cullen e que mesmo ciente disso estava feliz em participar dela. Agora pagaria o preço dessa decisão, dessa imprudência.
Assim que comi metade de um dos sanduíches e abandonei o outro intocado, nos aproximamos da rua de Charlie, meus olhos mais do que marejados, e acabei fungando de forma involuntária. Isso foi o suficiente para Emmett depositar sua mão fria e pesada no topo da minha cabeça, como se eu fosse um filhotinho de cachorro.
— Ei, carinha… — chamou, me obrigando a olhar para seus olhos castanhos no alto, e o tom de voz meio terno parecia meio cômico para alguém tão forte quanto ele. — Nós vamos proteger você e seu pai. Não esquenta. Estamos aqui por você.
Lancei um sorriso sem mostrar os dentes, antes de fungar outra vez.
— Valeu, Emmett. — Minha voz estava embargada e transbordava de sinceridade. — Valeu mesmo.
Ele assentiu, e então recolheu a mão, voltando a olhar através da janela. Respirei fundo, sabendo que os Cullen jamais deixariam algo de ruim acontecer comigo e que precisavam que eu fizesse tudo corretamente a partir de agora para que o plano desse certo.
Eles dependiam disso. E a vida do meu pai também.
Organizando meus pensamentos e passando a mão por minhas bochechas molhadas ao enxergar a casa de Charlie se aproximando, me preparei para o que precisava fazer em seguida.
— Certo, você tem uns quinze minutos, Ben. Se não conseguir sair de lá nesse tempo, eu vou ter que intervir, tudo bem? — perguntou Edward ao estacionar o Jeep um pouco mais afastado da casa, para o lado da floresta. Assenti para ele e enxerguei a casa de Charlie através do parabrisa, atrás de sua cabeça. Avistar a radiopatrulha do meu pai com minha picape ao lado deixava meu coração ainda menor, assim como a cesta de basquete que eu havia me obrigado a usar só para passar mais tempo com ele. — Não podemos arriscar que o rastreador chegue perto demais de você.
Meu pai ainda não havia espiado para fora da sala de estar, então não havia notado o ronco do motor. Eu iria pegá-lo de surpresa.
— Emmett, pode me tirar daqui? — pedi gentilmente. Ele logo começou a me desprender do banco.
— Vocês dois vão precisar ir na frente, para garantir que o caminho esteja seguro — disse Edward, olhando para os irmãos que haviam nos acompanhado. — Eu o levarei o mais rápido possível assim que derem o sinal.
Os dois assentiram ao mesmo tempo e se viraram para mim. A mão minúscula de Alice se pregou em minha bochecha quando ela me lançou um olhar simpático, enquanto que a de Emmett era muito mais pesada e voltou a pressionar meu ombro direito. Depois os dois abriram suas portas e desapareceram ao cair do crepúsculo chuvoso.
Esperei pacientemente no carro, fingindo não estar a ponto de colapsar completamente ao ouvir o familiar latino do cachorro dos Kent soando pela noite. Avistar o telhado da casa de Charlie e lembrar de uma época onde eu e Edward havíamos sentado lá, só para conversar na maior tranquilidade do mundo sem aparente preocupação nenhuma no mundo, foi como outra facada em meu peito.
Assim que ele sussurrou que poderíamos seguir, pulou com a agilidade de um leopardo para o banco ao meu lado, depois se inclinou por cima de meu corpo e abriu a porta para a chuva fina que caía. Me aninhei em seus braços sem hesitar e no momento seguinte foi nossa vez de nos perder na noite que começava a cair.
Em instantes me vi diante da porta de entrada, o barulho de gritos de puro horror chegando até nós. Meu corpo se tencionou por um momento, assustado do jeito que estava, e tomei algum tempo para me convencer de que era só a televisão da sala.
— Onde eles estão? — perguntei, depois de desviar meus olhos para a rua. — Não quero que se machuquem.
Edward brincou com seu dedo em uma mecha de cabelo curto que caía em minha testa.
— Emmett está na árvore perto de sua janela. Alice debaixo de sua picape. Vão ficar bem — garantiu. — Eu vigiarei a porta de entrada e depois irei até seu quarto.
— Tá bem.
Assim que Edward baixou sua mão de minha testa e a entrelaçou na minha, eu soube que nosso tempo havia acabado.
— Não se esqueça: quinze minutos — sussurrou.
Assenti, sentindo um bolo ainda maior se instalar em minha garganta.
— Entendi.
Ele pressionou os lábios com suavidade nos meus, seu hálito doce fazendo cócegas em minha boca ao falar baixinho:
— Chegou a hora.
Me virei para a porta de entrada, incapaz de passar um segundo sequer com Edward sem desistir de tudo e desabar em lágrimas em seus braços indestrutíveis. Simplesmente a abri e entrei, encarando o hall de entrada iluminado. Quando me virei para a porta outra vez, já não via mais a imagem de Edward parado na entrada. Ele havia se escondido como os demais.
Mal o som da porta se fechando ecoou pelo corredor e se espalhou pela casa quando a voz de Charlie logo chegou até mim:
— Onde esteve, Campeão? — perguntou da sala de estar, a voz abafada e disputando espaço com a televisão. — O filme já começou faz um bom tempo. Mas tudo bem, eu ainda não comi a pizza. Vem assistir comigo.
Caminhei hesitante até lá.
— Não vai dar, pai — soltei, minha voz ainda soando como ela sempre fora graças à minha concentração.
— Por que não? — perguntou, e parecia preocupado. Quando enfim cheguei no cômodo, notei logo a caixa de pizza fechada e aparentemente intacta em cima da mesa de centro, sendo iluminada pela luz lançada pela televisão que exibia um filme de terror. E apenas um olhar de Charlie em minha direção foi o suficiente para que meu rosto se contorcesse em uma expressão chorosa. — Filho, aconteceu alguma coisa?
— Eu preciso ir embora — respondi, antes de soltar um soluço e comprimir meu rosto com as mãos.
Sua velha poltrona rangeu quando Charlie se ergueu dela.
— Como é?
Sem confiar em mim mesmo o suficiente para não chorar por horas a fio agarrado em meu pai, virei meu corpo e deixei a sala. Os passos de Charlie me seguindo eram audíveis contra o chão.
— Briguei com o Edward — revelei ao me dirigir até a escada.
A voz dele explodiu pela pequena casa:
— Ele bateu em você!?
— Não, só gritamos um com o outro — deixei claro por cima do ombro, começando a subir os degraus de forma apressada.
— Mas por que? — perguntou Charlie do primeiro andar, a voz transbordando da mais completa confusão. — Por causa do jogo?
Reprimi um soluço com a mão, as lágrimas começando a vazar outra vez por meus olhos.
— Não, eu… Não quero falar disso — resmunguei ao chegar até a porta do meu quarto, o rangido da escada sinalizando que Charlie finalmente me seguia. — Só quero ir embora daqui.
Meu quarto familiar estava quase que completamente escurecido quando girei a maçaneta e dei de cara com ele, e fui capaz de notar certa movimentação na penumbra de seu interior. A voz de Charlie foi abafada depois que fechei a porta em minhas costas, a trancando, e acendi a luz no interruptor.
Logo notei que uma mala — a mesma que eu havia guardado minhas coisas para trazê-las até Forks — estava aberta em minha cama, e vez ou outra pequenas peças de roupas pareciam se materializar em seu interior em um átimo de segundo. Um leve borrão alaranjado no ar denunciava que Edward recolhia meus pertences rapidamente, seu cabelo se destacava contra os móveis do cômodo.
Assim que me abaixei no canto e peguei meus all star, a mão de Charlie começou a bater na porta, sua voz chamando meu nome ao mesmo tempo que eu esfregava meu rosto contorcido. Coloquei o tênis meio sem jeito dentro da mala e o corpo esculpido de Edward se materializou ao meu lado, os olhos nos meus.
Seu dedo de mármore roçou minha bochecha, secando outra lágrima que escorria por ela.
— Não vou conseguir mentir pra ele, Edward — sussurrei, a voz quebradiça.
Ele segurou meu rosto entre suas mãos pálidas.
— Você consegue.
Neguei com a cabeça.
— Não dá.
Os olhos castanhos e familiares, que transbordavam os mais diversos sentimentos — divertimento ao rir de uma piada péssima que eu soltava, luxúria ao me observar fazer alguma coisa obscena, alegria ao me ver todas as manhãs neste mesmo quarto —, agora estavam tomados de pena. Ninguém no mundo parecia lamentar mais alguma coisa do que Edward ao me ver no estado em que eu me encontrava agora.
Talvez ele quisesse me livrar disso desde o começo, quando tudo o que estava disposto a fazer era dirigir o Jeep sempre em frente, me levando para longe de todas as despedidas dolorosas que teria de enfrentar.
Agora, por escolha minha, eu precisava fazê-lo.
— Então conta a verdade — respondeu, em um sussurro ainda mais baixo do que o meu.
Meu pai agora implorava para que eu abrisse a porta do quarto e não parecia notar nossas vozes em seu interior.
— Qual verdade? — perguntei, mas é claro que já sabia a resposta.
— Sobre a gente.
A única palavra que saiu de minha boca foi soprada contra meus lábios entreabertos e chocados:
— Agora?
Seus dedos encaixados em meu rosto intensificaram o toque.
— É a vida dele que está em jogo, Ben — continuou, os olhos pregados nos meus de uma forma única: era como se suas íris fossem derreter e se derramar nas minhas. — Todos nós sabemos que jamais magoaria seu pai de propósito.
Assenti lentamente, cortando meu contato com Edward ao olhar para a porta. A maçaneta girava com mais força e a voz de Charlie parecia exasperada agora, meu coração martelando contra o peito de uma forma bem mais violenta do que os murros que meu pai dava contra a madeira.
Assim que voltei a olhar para Edward, ele fechava a mala e a colocava no chão.
— Dez minutos — sussurrou, me entregando a alça. — Vou esperar dentro da picape. Feche a janela para mim, por favor. E não esqueça de pegar algumas peças de roupa com seu cheiro na lavanderia e colocar na mochila.
Não consegui responder com medo de desabar em um choro compulsório e que jamais pararia. Havia algo para ser feito e só consegui assentir em resposta.
— Dez minutos — reforçou ele ao me beijar, e fechei meus olhos por um segundo, saboreando nosso pressionar de lábios. Quando os abri outra vez, eu estava sozinho no quarto.
Corri até a janela e a fechei, mal olhando para a rua. O medo de ver os olhos raivosos e vermelhos do rastreador, plantado no meio da rua e esperando eu sair para me matar e depois a Charlie, me impediu de arriscar.
Meus pés me levaram na maior recusa do mundo até a porta do quarto depois de agarrar a mochila que levava para a escola, passar a mão na carteira em cima da escrivaninha e dar uma última olhada na lata de refrigerante vermelha com a flor que colhi da campina, o me deixou ainda mais triste. Dei um longo suspiro antes de girar a maçaneta, a mochila em um ombro, a mala atrás de mim.
O rosto de Charlie estava muito próximo do meu e vermelho como nunca no momento em que abri a porta. Sua expressão raivosa durou um segundo, depois ele olhou para mim e tudo se suavizou.
— Ben, o que foi? — perguntou, assim que desviei de seu corpo no batente e entrei no banheiro. Recolhi minhas coisas espalhadas pela pia e enfiei na mala pequena de mão que levava junto com a grande. — Vai sair da sua própria casa por conta desse garoto? Você vai fazer novas amizades por aqui, tenho certeza.
O ignorei outra vez e voei cabisbaixo até as escadarias.
— Essa nunca foi minha casa, pai — declarei com a voz quebradiça por cima do ombro ao deixar Charlie para trás, consciente de que meu tempo estava se esgotando. — Tô voltando pra Phoenix, vou voltar pra minha cidade.
Ele me seguiu pelos degraus.
— Do que tá falando, Campeão?
Quando atingi o corredor e entrei na lavanderia, passei a mão em um casaco jogado no cesto e procurei minha calça de moletom preta, catando umas duas camisetas mergulhadas no monte de tecidos embolados. Coloquei tudo na mochila, como Edward pedira.
— Eu odeio morar aqui — resmunguei, tentando não olhar para seu rosto atrás de mim.
Sua voz era tão trêmula quanto a minha ao surgir em minhas costas:
— Não fala assim, filho. Você tá feliz aqui comigo. — Charlie parecia falar para si mesmo, como se estivesse tentando convencer a si próprio de que isso era verdade. Quando saí do cômodo e cruzei o corredor a fim de alcançar o hall de entrada, ele me impediu. — Ei, filho, espera.
Charlie agarrou meu pulso e me virei para ele, descendo meus olhos em suas pantufas logo em seguida. Um relógio tiquetaqueava em um algum lugar, e era como se o som dos ponteiros penetrassem pelo meu cérebro, um lembrete incessante de que a cada momento os dentes de James estavam mais próximos do pescoço do homem parado em minha frente, me segurando.
Respirei fundo, meu peito doendo com o ato, meu coração se encolhendo cada vez mais.
— Feliz como, pai!? — Meu sussurro raivoso se espalhou pelo corredor como se fosse o mais poderoso dos gritos, mas não o olhei nos olhos; mesmo encarando seus pés, percebi que seu corpo inteiro se encolheu com minhas palavras agressivas. — Com uma droga de picape que não anda porra nenhuma? Tendo que limpar essa casa toda sozinho porque você é incapaz de ajudar com alguma coisa? Cozinhar pra você todas as noites? Nessa merda de cidade que só chove o tempo todo e que eu não posso ser quem eu sou de verdade? — Minha voz soava quase incompreensível, tamanho os soluços que começaram a balançar meu corpo. Senti meu peito rasgar como se um monstro estivesse com suas garras fincadas em meu coração, pronto para dilacerá-lo. Assim que olhei para Charlie, sua expressão ferida sugeria que o mesmo ocorria com ele. Precisei dar uma pausa para acrescentar: — Tendo que esconder uma droga de relacionamento só porque você jamais iria aceitar ele!?
Seus olhos se arregalaram ainda mais.
— Do que tá falando? — Foi a resposta dele, a voz quase inaudível.
Estagnei no lugar, desviando os olhos para as paredes, notando seus dedos ainda firmes em mim. Eu me sentia em queda-livre de um precipício, voando de cabeça para a morte certa enquanto o vento forte tentava empurrar meu corpo sem nenhum sucesso; mas, de alguma forma, consegui me amparar antes de chegar ao fundo, agarrando na terra do penhasco. Eu poderia voltar atrás agora, se quisesse, como se estivesse apenas falando de Jessica ou de outra garota de Forks.
Só que eu não podia. Não podia porque o tempo estava escorrendo velozmente por meus dedos e a cada segundo era a vida de Charlie que ameaçava ter um fim abrupto. E não podia porque jamais me trairia dessa maneira.
— Do Edward — continuei, minha voz se desfazendo em um suspiro fraco e tristonho. Precisei respirar fundo para continuar: — Ele não é meu amigo. Ele é meu namorado.
Charlie permaneceu me encarando, sua expressão tão perdida que pensei ter morrido de súbito. Até que sua voz rouca como a minha saiu baixa:
— Namorado? — perguntou, confuso e paralisado ao mesmo tempo. — Como assim namorado?
Preguei meus olhos para as pantufas dele outra vez, soltando um soluço seco.
— A gente namora já faz um mês, pai.
Sua mão ao redor do meu punho enfraqueceu seu aperto até que me soltou, me liberando para ir embora. Eu queria que Charlie gritasse comigo e me expulsasse de vez porta afora, que me agarrasse pelos cabelos e me jogasse com força no meio-fio, ansioso para me ver longe de sua casa. Óbvio que eu sabia que ele jamais faria uma coisa dessas, mas a única vontade que eu tinha no momento era de ser libertado do olhar que ele me lançava.
Ao menos, salvaria sua vida logo e eu poderia fugir para algum lugar qualquer, o deixando extremamente bravo comigo por magoá-lo. Mas vivo.
Só que Charlie rapidamente escondeu sua expressão ao passar as mãos pelo rosto, voltando a si. Quando falou, sua voz era mais calma, mas ele agora não me encarava mais:
— Então trás ele aqui de novo, filho — pediu, ainda baixinho. — Vamos conversar.
Dei um passo involuntário para trás.
— Como é? — perguntei, surpreso.
Ele assentiu com a cabeça, erguendo os olhos timidamente para os meus.
— Trás ele aqui e explica isso direito — continuou, dando de ombros. — A gente pode fazer um jantar ou alguma outra coisa.
Meu coração continuou disparado e meus olhos se encheram de lágrimas, mas não da mesma forma que antes. Eu não estava triste por o estar magoando, mas encantando com sua resposta. Eu queria jogar a mochila no chão, abandonar minha mala e correr para os braços de Charlie, pronto para abraçar também a aceitação que ele estava me oferecendo. Era como se todas as vezes em que eu tivesse idealizado uma reação compreensiva por parte dele estivesse se realizando; mas a pior parte era que eu não poderia aceitá-la.
Como um balde de água fria, o som do relógio lembrava do porque eu estava aqui, plantado no corredor e segurando minhas bagagens. Eu estava aqui por conta de um objetivo e não havia nada no mundo que pudesse me fazer abandoná-lo.
— Eu jamais traria ele pra jantar com você, Charlie — respondi, com uma raiva que não sentia.
Suas sobrancelhas se ergueram, surpresas, e não consegui mais olhar para seu rosto. Me virei na direção da porta de entrada, a alça da mochila no ombro ao mesmo tempo em que arrastava a mala atrás de mim.
— Eu proíbo você de sair nesse estado! — gritou a voz dele atrás de mim, de um jeito autoritário que não o servia.
Me engasguei com as palavras que lancei por cima do ombro:
— Já sou maior de idade.
Mas isso não retardou a velocidade de Charlie, que se adiantou ao mesmo tempo em que eu pegava as chaves da picape no gancho da parede e depois agarrava a maçaneta, espalmando uma de suas mãos na porta e parando ofegante ao meu lado:
— Não vai embora, filho, por favor — implorou, baixinho. Seus olhos estavam em meu rosto contorcido mas não consegui encará-lo. — Eu amo você, sabe disso.
Eu queria responder que também amava ele e é claro que sabia disso, tendo vivido muitos momentos bons com ele durante o breve período que estive aqui nesta casa, que aos poucos estava aprendendo a chamar de minha. Mas a faca brilhava em minhas mãos trêmulas, fria e assassina e eu precisava terminar o serviço.
— Se eu não sair agora — resmunguei, começando a soluçar. —, vou acabar preso aqui com você igualzinho a minha mãe.
E então a mão dele soltou a porta e não vi que expressão tinha em seu rosto. Simplesmente cruzei o batente da porta e corri pela noite que chuviscava, me lançando de forma desastrada até a picape ao arrastar a bagagem atrás de mim. Mal tive tempo de destrancar a porta antes das lágrimas começarem a rolar por minhas bochechas, me atrapalhando ao atirar a mochila para o banco e me sentar no banco, puxando a mala comigo e também a depositando ao meu lado.
Liguei a ignição e a picape logo ganhou vida — a mesma que Charlie havia me dado como um presente de boas-vindas, feliz por me ter junto a ele; e que agora tinha que ouvir-me reclamando dela, antes de observá-la me levar para longe.
Os soluços balançavam meu corpo inteiro, as mãos trêmulas no volante da picape, os olhos embaçados graças as lágrimas que começaram a escorrer.
Mesmo não conseguindo enxergar direito ao tirar a picape de ré da entrada de carros, arrisquei um olhar para a varanda da casa antes de me lançar pela rua— e percebi que a imagem de pura dor no rosto choroso de Charlie jamais seria apagada da minha memória. Eu era capaz de recordar várias versões daqueles mesmos olhos castanhos que me observaram crescer e que ganharam rugas ao longo dos anos.
E então eu estava descendo a rua — e ponderei por exatos dois segundos o que aconteceria se pisasse no acelerador com força demais e seguisse em frente até uma das árvores que passava por mim. Mas as mãos de Edward agarraram a direção e ergueram meu corpo, sentando no banco do motorista e me aninhando em seu colo. Abandonei o volante e me encolhi contra seu peito de pedra.
Assim que me acomodei contra seu corpo a picape sacolejou, como se uma pedra houvesse acertado sua caçamba, o que me sobressaltou.
Edward me tranquilizou, sussurrando calmamente:
— É só o Emmett, estamos bem — garantiu. — Precisamos passar em minha casa agora.
Não respondi, voltando a me embolar contra o corpo de pedra dele, os olhos no parabrisa de onde os limpadores expulsavam a pouca água que se acumulava em sua superfície.
Depois de alguns quilômetros, finalmente parei de chorar o suficiente para falar:
— Ele nunca vai me perdoar — resmunguei, incapaz de dizer as palavras com clareza ao me despedaçar em sua camiseta branca.
A voz de Edward era serena em meu ouvido e sua mão desceu até meu cabelo.
— É claro que vai — respondeu, me acariciando. — Você fez o que era certo.
Sacudi a cabeça, me encolhendo com mais força contra o peitoral dele.
— Eu exagerei demais.
Edward depositou um beijo em minha cabeça, voltando a acariciá-la logo em seguida.
— Não, foi perfeito. Charlie jamais deixaria você sair se tivesse sido diferente — objetivou calmamente.
Ele não entendia o que havia acabado de acontecer.
— Eu nunca vou me perdoar! — Me exasperei, as palavras se embolando outra vez pelos soluços. — Você não viu a cara dele, Edward… Merda, eu só quero abraçar meu pai — confessei, baixinho.
O braço dele se intensificou ao redor de seus ombros, criando um campo maciço que me atava ainda mais a ele.
— E você vai fazer isso — prometeu, sussurrando. — Em breve.
Assenti, depositando um pequeno beijo molhado em seu pescoço de mármore, sentindo a pele fria em contato com a minha. Consegui normalizar minha voz o suficiente para perguntar:
— E o rastreador? — questionei, sentindo um arrepio descendo por minha espinha.
— Ouviu toda a conversa entre você e seu pai e o deixou em paz. Seu plano deu certo! — Ele colocou um pouco mais de empolgação na última frase, mas não consegui esboçar um mísero sorriso sequer. — Agora ele está vindo atrás de nós, perseguindo a picape. Mas estamos seguros com Emmett e Alice na retaguarda.
Suas palavras tranquilizadoras não tiveram tanto efeito assim sobre mim. Enquanto a rodovia iluminada parecia se estender para sempre em nosso trajeto — o motor do veículo ancião reclamando ao ganharmos velocidade —, aos poucos os espasmos em meu corpo começaram a aumentar.
A ideia do ser pálido de olhos vermelhos correndo para me pegar me paralisou e me imaginei como um dos cervos amedrontados nas caçadas dos Cullen. Minha perna começou a se remexer contra o chão da picape e meu corpo começou a tremer nos braços de Edward.
Ele intensificou o abraço, sussurrando em meu ouvido:
— Ben, tente se acalmar — pediu ternamente. Minha respiração começou a ficar cada vez mais ruidosa, a puxada de ar se tornando meio bruta demais. Não importava quantos vezes eu tentasse, era como se meus pulmões tivessem parado de funcionar. — Está passando mal, Ben? Precisa de ar? Está me assustando — confessou ele, a voz assumindo um tom preocupado
— Não… — tentei dizer, o rosto enterrado em seu peitoral. — Não consigo respirar.
Ouvi a janela ao lado do banco do carona ranger muito ao ser aberta.
— Alice! — explodiu a voz de Edward de repente.
Em questão de segundos, braços minúsculos estavam me aninhando e me tirando do colo de Edward.
— Ei, está tudo bem — disse Alice, me abraçando junto ao próprio peito ao me puxar e fazer meu corpo deslizar pelo banco comprido. Sua voz normalmente estridente e eufórica se tornou pausadamente controlada, não parecendo nada com o jeito dela de falar. — Estamos bem, B. Deixaremos seu pai sendo vigiado por alguns de nós, não tem com o que se preocupar. Em breve vamos estar bem longe daqui e logo iremos despistar o rastreador. — Eu não era capaz de responder; tudo o que consegui foi chorar convulsivamente e inspirar com força. — Ben, eu preciso que você controle a própria respiração.
E então Alice me pediu para encarar seus grandes olhos castanhos na penumbra e imitá-la inspirando e expirando lentamente; tal coisa que eu sabia que ela não precisava. Mas acabou dando certo: aos poucos consegui acalmar minha respiração ofegante e soluçante, passando os pulsos pelas bochechas molhadas, minha perna deixando de bater contra o chão da picape até voltar tudo a quase normalidade.
Uma olhada na direção do parabrisa me mostrou que já estávamos em uma estrada de terra e que logo chegaríamos na casa dos Cullen. Eu me sentia cada vez mais seguro conforme avançávamos para lá.
— Está se sentindo melhor? — perguntou Edward, uma mão no volante e a outra agarrada à minha em meu colo. — Você quase me matou de susto e isso é tecnicamente impossível.
Esbocei um pequeno sorriso na direção dele.
— Foi mal — resmunguei, fungando outra vez. — Tô melhor agora. Valeu, Alice.
A garota de cabelos espetados ao meu lado me envolveu com os braços outra vez, beijando uma de minhas bochechas salgadas, aceitando meu agradecimento choroso.
— Sim — disse Edward de repente, como se estivesse ouvindo vozes. — Seria melhor.
E então Alice agarrou a manivela da porta ao seu lado e abriu a janela que rangia outra vez, depois se atirou por ela até a escuridão e desapareceu de vista.
Eu ainda encarava com perplexidade as árvores escuras passando por nós enquanto fechava a janela, mas compreendendo sua retirada abrupta: provavelmente ela seria mais útil em nossa escolta se seguisse a pé e tivesse uma área de alcance maior para bloquear o perseguidor.
É claro que constatar isso não me ajudou a relaxar pelos minutos restantes até nosso destino. Deitei minha cabeça no ombro de Edward e me agarrei em seu braço, observando as árvores mal iluminadas que se assomavam para todos os lados.
Era impossível para a imagem de Charlie parado na varanda deixar minha visão.
— Laurent está em minha casa — disse Edward de repente, entre dentes. Senti seu braço ao meu lado se flexionar ainda mais, se tornando um bloco de concreto. — Está conversando com Carlisle. Não parece se tratar de uma armadilha.
Ele seguiu firmemente pela estrada de terra, sem hesitar, então confiei nele — Edward jamais me levaria em alta velocidade direto para o perigo se desconfiasse que fosse esse o caso.
Seguimos tropegamente pelo resto do caminho selvagem, a picape reclamando sem parar conforme o pé de Edward pisava no acelerador. Até que a última vegetação deu lugar para a casa sofisticada aparecer pelo parabrisa, completamente iluminada e exposta pelas placas de vidro enormes que estavam no lugar das paredes.
Assim que paramos na entrada de veículos, notei que Carlisle e Esme estavam lado a lado na sala de estar, mas bloqueavam minha visão de Laurent. Depois que o motor da picape se aquietou de vez, fiz menção de sair pela porta do carona, mas a mão de Edward em meu braço fino me parou.
— Espera — pediu, me encarando. — Emmett quer ter certeza de que o rastreador não vai tentar nada.
E como se esperasse a deixar, a porta foi aberta e Emmett olhava para Edward com uma expressão aborrecida no rosto.
— O que aquele merda tá fazendo aqui? — perguntou, mais do que chateado.
Edward se virou para ele.
— Tudo bem, Emmett, só veio para conversar com Carlisle — respondeu, encarando o irmão. — Ele não vai machucar o Ben.
Emmett soltou uma risada baixa e desdenhosa.
— Nem conseguiria mesmo. — Os olhos castanhos desviaram para os meus. — Pronto, carinha?
Demorei uns segundos para entender o que ele queria, até estender os braços maciços para mim. Rapidamente me aninhei em seu colo, e Emmett me agarrou como se eu fosse uma bola de futebol americano, me enrolando contra seu peito musculoso e correndo pela noite que chuviscava até a entrada da casa.
A porta estava entreaberta, e assim que ele me colocou no chão com Edward se materializando ao meu lado em um piscar de olhos, entramos.
Era estranho constatar que essa mesma casa havia me recebido em um clima muito diferente hoje de manhã — principalmente porque um vampiro havia corrido comigo pela grama para me proteger de uma chuva torrencial, agora outro tinha feito o mesmo para me proteger do ataque de um vampiro sanguinário.
Os olhos castanhos e preocupados de Carlisle e Esme se pregaram em mim de imediato, mas não foram esses dois pares que me paralisaram mais uma vez. Os olhos vermelhos de Laurent viajavam por meu rosto, assombrados ao me verem e ainda mais destacados na iluminação artificial do lustre.
— Eu nunca vi ninguém como James antes — declarou, me encarando. — A caçada é a maior obsessão dele.
Os braços de Edward ao redor de mim me puxaram para mais perto de seu corpo.
— Não tem como passar pela gente — respondeu, baixinho.
Laurent desviou o olhar para o dele; não parecia concordar com o que dizia.
— Ele é ardiloso e calculista, não o subestimem. E sua irmã, Victoria, tem um senso de autopreservação impecável — listou, mas não parecia orgulhoso do que dizia. Realmente se tratava de um alerta. — Fazem uma bela dupla.
Emmett rosnou ao nosso lado.
— Por que tá aqui? — indagou, feroz.
Laurent manteve a mesma frieza no olhar ao encarar o garoto musculoso.
— Porque não quero fazer parte disto. Eu nunca gostei muito de James, mas sempre me agradou a ideia de pertencer a algum lugar. — Seu olhar procurou o de Carlisle. — Talvez eu encontre essa sensação de pertencimento no clã do Alasca que você mencionou.
— Os Denali — informou Carlisle ao assentir, e parecia feliz com a constatação dele. — Posso dar as coordenadas.
— Agradeço — disse, antes de passar com suavidade seus olhos bizarros pela sala de estar sofisticada dos Cullen. — Se não estivessem no meio de tamanha confusão, certamente aproveitaria muito vossa companhia.
Carlisle estendeu uma mão de dedos pálidos para ele, cordial.
— Está convidado a retornar depois de resolvermos esse impasse
Laurent a apertou e foi conduzido na direção da porta. É claro que Carlisle estava ansioso para que o pequeno encontro acabasse; todos nós estávamos.
— Agradeço outra vez — repetiu suavemente. Mas assim que os dois pararam em frente a enorme porta entreaberta que dava para a rua escura, seus olhos voltaram a encarar os meus. — Será que todo esse esforço vale mesmo a pena?
Edward soltou um resmungo baixo ao meu lado e Emmett um muxoxo, mas foi Carlisle quem respondeu:
— É claro que vale. — Sua resposta saiu sem nenhuma hesitação. — Lutamos por nossa família aqui, Laurent.
Ele voltou a encarar o homem que o acompanhava para a saída.
— Acredito em suas palavras, jovem Carlisle. Vou torcer para que tudo ocorra bem para vocês — garantiu, e após Carlisle detalhar a localização exata da casa dos Denali, ele acenou com a cabeça na direção dele, antes de atravessar o batente. — Até breve.
E então sumiu porta afora em um piscar de olhos, os dreads batendo em suas costas sendo a última imagem que minha visão conseguira capturar.
A porta mal se fechou antes que Carlisle virasse para Edward.
— Precisamos decidir o que faremos a seguir — disse, os olhos transbordando de preocupação conectados ao rosto do filho.
Mas este não se moveu.
— Não quero fazer isso dessa forma — respondeu, de forma contida.
Os olhos de Carlisle pareciam implorar silenciosamente para ele, e um silêncio pesado recaiu sobre todos nós.
— Emmett, pode ajudar o Ben a se trocar, querido? — perguntou Esme de repente, abrindo minha mochila e despejando seu conteúdo embolado no chão brilhoso da sala de estar ao mesmo tempo em que o garoto grandalhão assentiu. — Edward pediu para vestirmos as roupas impregnadas com o cheiro humano.
— Pode pegar algumas peças no meu quarto para o Ben usar — disse Alice, chegando na sala de algum lugar do segundo andar e se aproximando de nós.
— Tudo bem, irmão, pode soltar — disse Emmett ao se aproximar de mim e Edward, atados um no outro. — Prometo que não vou morder ele.
Edward não riu, mas se apressou em tirar seu braço protetor de meus ombros.
— Lá vamos nós de novo. Pronto, carinha? — E mal tive a chance de olhar para o rosto de Emmett no alto, depois de confirmar com a cabeça, antes que ele pudesse me pegar no colo como se eu fosse um travesseiro de penas. — Se vomitar na minha camiseta eu mesmo te jogo do segundo andar.
Resmunguei contra seu peito:
— Vou me comportar.
E então o ar passou como um jato por nós outra vez, meu corpo mal balançando ao ser firmemente guiado por Emmett escadaria acima. Era uma sensação diferente do que ser carregado por Edward, que sempre tinha minhas mãos em volta de seu pescoço, como se fosse um humano normal me pegando no colo; com Emmett parecia que eu era um simples objeto que ele queria transportar na maior facilidade do mundo.
Em segundos já estávamos em um quarto escuro, que se iluminava quando ele acendeu a luz. Não tive muito tempo para reparar no que parecia ser uma mistura de ateliê de moda e quarto de casal antes de um dos inúmeros closets serem abertos pelas mãos grandes de Emmett e este começar a procurar algumas peças de roupas mais discretas de Alice para mim.
Ele rapidamente me entregou uma camiseta e uma calça e me encarou, esperando que me trocasse, mas hesitei. Provavelmente Emmett havia sido escolhido por ser o único homem da família Cullen — tirando Carlisle e Edward que estavam ocupados bolando nossos próximos passos — que não ficaria preso em um espaço apertado comigo ansiando a todo momento por me matar. Só que sua proximidade não era menos desconcertante e, apesar de tudo o que estava acontecendo, meu rosto esquentou de vergonha.
— Tá, se vira aí, cara — pedi, indicando a parede atrás dele com meu queixo.
Ele gargalhou no pequeno aposento.
— Cacete, Swan — se exasperou, e eu sabia que estava tentando aliviar toda a tensão. — É difícil aceitar isso, mas nem todo mundo quer ver seu corpinho.
Esbocei um leve sorriso, mas continuei firme ao pedir outra vez:
— Então não olha.
Ele revirou os olhos castanhos e se virou para o lado oposto, expondo as costas largas para mim.
— Caralho… — resmungou.
Agarrei a barra da minha camiseta e passei a gola do tecido pela minha cabeça na maior velocidade e precisão do mundo. Emmett parecia uma estátua corpulenta há poucos metros de distância, completamente imóvel enquanto eu vestia a roupa de Alice. Logo expus minhas coxas magrelas depois de tirar meus tênis e descer a calça até os tornozelos.
Em seguida estava pronto, com uma camiseta roxa de Alice e uma calça com um tecido leve e macio ao toque — ao olhar para baixo, percebi que tudo parecia meio fora do lugar no momento em que calçava meus all star meio detonados. De qualquer forma, o tempo era curto demais para escolher roupa melhor e esta teria que servir enquanto eu era perseguido por um assassino imortal.
Assim que autorizei Emmett a virar de frente para mim, ele resmungou um sonoro "finalmente" e agarrou minha roupa abandonada no chão. Depois se despiu em uma agilidade impressionante e de repente a cama de Alice e Jasper parecia bem interessante para que eu pudesse desviar meu olhar de seu corpo nu.
— Por que vai ser você quem vai usar minhas roupas? — perguntei, curioso quanto ao resultado de alguém enorme como Emmett vestindo algo meu.
— Faz parte do plano que Carlisle bolou — respondeu de prontidão.
Rapidamente conjurei a imagem de um corpo miúdo e gracioso em minha frente.
— E por que não a Alice?
Ele hesitou um pouco antes de responder.
— Temos outra tarefa pra ela.
Não tive tempo de questionar o que queria dizer, só notando que estava vestido quando me tomou em seus braços de novo, nós dois voando escadaria abaixo até o primeiro andar enquanto eu tentava ignorar a visão hilária da minha camiseta minúscula em seu peitoral esculpido.
Edward não estava em lugar algum a vista, e quando perguntei, Alice e Esme me explicaram que ele, Carlisle, Rosalie e Jasper estavam montando estratégias de emboscadas na garagem, o que levou Emmett a nós abandonar também. Por enquanto, precisávamos esperar um pouco, e logo notei que nem meu casaco preto e sem-graça conseguia deixar Esme menos graciosa.
Apesar da tentativa falha de me distrair, cada minuto me deixava mais ansioso.
— Será que tá tudo bem com eles? — perguntei, nervoso.
Esme lançou um olhar discreto para Alice ao seu lado, mas me respondeu logo em seguida:
— Carlisle está tentando convencer Edward de que é melhor que Alice e Jasper leve você para Phoenix de forma discreta, enquanto eu e Emmett espalharemos seu cheiro em duas direções diferente, para despistar o caçador. — Notei que ela falava calmamente, com medo de minha reação. — Deve imaginar que não está sendo uma tarefa muito fácil.
Assenti, capaz de visualizar um Edward relutante em seguir o plano; eu mesmo não me sentia muito diferente quanto a isso, sentindo as palavras dela derreterem como ácido por meu cérebro enquanto este as processava.
O tempo escorria lentamente entre nós, e a cada segundo a sensação de estar tendo tudo o que eu havia construído desde que cheguei em Forks arruinado se espalhava como anestesia por meu corpo, o deixando molenga.
E então me dei conta de uma coisa que precisava fazer por garantia.
— Alice — chamei-a. As feições finas de fada se viraram na minha direção, atentas a mim. — Preciso ligar pra uma amiga minha, você pode me ajudar?
Ela se animou ao assentir e sacar um aparelho celular prateado do bolso da própria calça.
— Posso encontrá-la na lista telefônica.
Não levou um minuto para que eu estivesse com o celular contra o ouvido, vários toques soando pelo alto falante.
— Angela? — perguntei, hesitante quando a chamada foi atendida.
Até que ouvi a voz familiar de Angela soar na outra linha, tal coisa que me preencheu por completo e apaziguou o aperto no coração que não parei de sentir desde o campo de beisebol.
— O que foi, Ben? — questionou depois que chamei o nome dela. A voz parecia muito preocupada. — Aconteceu alguma coisa? Você tá bem?
— Tô — me apressei em tranquilizá-la. — Como tá a Sra. Weber?
Ela parecia aliviada ao responder:
— Se recuperando bem — disse, suspirando. — Já está voltando à ativa.
— Ah, que bom! — respondi, e estava transbordando de sinceridade. Depois que um leve silêncio constrangedor se instaurou entre nós, eu soube que não havia mais como fugir do assunto: — Eu liguei porque… queria falar com você sobre a Jessica.
Ao invés de esclarecer o que acontecia, acabei piorando a situação.
— A Jessica?
— É — respondi, inseguro se seguiria em frente ou não. Após raspar meu próprio pé com nervosismo no tapete sofisticado, recebi um aceno de cabeça encorajador de Alice e continuei: — Eu percebi um comportamento dela meio estranho em relação à comida… Já que vocês são próximas e tal, tô avisando pra ficar de olho nela por mim, se puder.
Angela demorou um pouco para responder. Aguardei os segundos se passarem de forma arrastada, e nem percebi que minha mão apertava o aparelho pequeno com força até sentir uma dor aguda na palma.
— Que tipo de comportamento?
Eu não queria expor a vida de Jessica dessa maneira, então hesitei.
— Não posso dizer — respondi, revirando os olhos para mim mesmo e me achando um idiota. — É pessoal demais. Só preciso saber que posso contar com você.
Me perguntei se ela me acharia louco ou se responderia com hesitação; mas a resposta de Angela foi firme e determinada:
— Tá bem — disse, decidida. — Vou fazer isso.
E então mais um silêncio se instaurou na linha de telefone e outra sensação encheu meu corpo da cabeça aos pés, incapaz de ser silenciada.
— Angela.
— Sim? — perguntou sua voz, curiosa.
Não hesitei em dizer a ela:
— Eu amo você. — Minha voz saiu meio baixinha e sufocada pela vontade de desabar com as lágrimas que ameaçam escapar, mas eu sabia que se não dissesse tais palavras agora, podia ser que jamais teria a chance de dizê-las algum dia.
Ao invés de espelhar meu sentimento de angústia, Angela soltou uma risada leve.
— Você tá bem mesmo? — perguntou, incrédula.
Isso também me fez soltar uma risada leve.
— Tô.
— Eu também amo você, Ben — prosseguiu, aparentemente constatando que eu não estava tendo nenhum surto psicótico.
Sorri para o aparelho celular em minha orelha, indeciso se continuaria a falar o que tinha em mente. Uma rápida olhada nos corpos paralisados de Alice e Esme, esperando o restante retornar a qualquer momento, me obrigou a apressar as coisas.
— Estava pensando… você pode ficar com minha coleção da Jane Austen se quiser — declarei, lembrando do quanto ela havia gostado, apenas para continuar com um assunto leve.
— Para com isso… É a sua coleção — objetivou ela, cética.
Mas minha voz era insistente.
— Eu quero dar ela pra você — garanti.
Angela soltou um som negativo com a boca, como se descartasse a ideia.
— Amanhã a gente conversa sobre isso.
Suas palavras envolveram meu coração e o apertaram ainda mais.
— Ah, sobre isso… — comecei, tentando não chorar compulsoriamente outra vez. — Talvez eu não apareça amanhã. Tenho umas coisas de última hora para fazer em Port Angeles e pode ser que eu falte alguns dias.
A preocupação era tangível através do fone.
— Tá tudo bem?
Me apressei em responder:
— Aham, não fique preocupada — pedi. Não hesitei em prosseguir, me agarrando a cada grama de coragem que ainda tinha no corpo. — É que eu queria aproveitar para falar sobre o Mike também.
Angela indagou, contida:
— O Mike?
— É. Isso tem que ficar entre nós, tudo bem? — Abaixei meu tom de voz automaticamente, como se Esme, Alice ou qualquer um naquela casa não fosse ouvir o que eu tinha a dizer a seguir. Eu também não queria expô-lo dessa forma, por isso tomei cuidado para não o fazê-lo, ainda que eu estivesse em uma situação completamente delicada e incomum agora. — Mas acho que ele talvez tenha uma queda por mim. Não tenho certeza.
— O Mike Newton? — repetiu ela, mas em um tom completamente diferente agora, beirando a perplexidade. — Caramba, agora muita coisa faz sentido. Eu achei que ele fosse só obcecado pela amizade de vocês mas… É, pode ser — emendou com uma risada.
De repente os Cullen romperam na sala de estar, um tanto barulhentos e agitados e nada parecidos com eles mesmos.
— Eu tô preocupado com ele também porque pode ser que seja difícil lidar com essa parte dele mesmo — continuei, apressado. — Queria que acolhesse ele como fez comigo, porque eu sou o único que desconfia e ele pode se sentir meio sozinho nos próximos dias.
Angela não demorou um segundo para responder:
— É claro. Vou ficar atenta.
Meu coração minúsculo e machucado se encheu de gratidão por ter alguém como Angela em minha vida, e eu sabia que Mike estaria em boas mãos, as mesmas que eu estive. A imaginar entrando no quarto dele e fingindo dormir enquanto se encontrava com Jack, ou com outro cara que gostasse, me deixou contente e tristonho por talvez não fazer parte desse momento da vida dos dois.
Mas eu não podia perder as esperanças.
— Valeu mesmo, Angela — disse, quando Edward se aproximou de mim e disse gentilmente com a expressão que eu precisava desligar.
Sem falar nada em voz alta, pedi para ele esperar um momento enquanto ouvia a resposta dela.
— Até logo, Ben — disse Angela, e parecia meio desanimada ao acrescentar: — Já sinto sua falta.
Essa foi a punhalada final em meu peito magrelo.
— Eu também vou sentir — confessei baixinho, a voz completamente embargada agora, e desliguei antes que ela pudesse entender a dor implícita em minhas palavras, e o que elas significavam de verdade.
Assim que abaixei o aparelho do ouvido, minha expressão se contraiu em choro e os braços de Edward me envolveram em um abraço maciço. Seus lábios se aproximaram do meu ouvido.
— Não se preocupe — cochichou docemente. — Em breve estaremos bem longe daqui e tudo estará acabado. Esse pesadelo vai ter fim logo e você vai voltar em segurança para perto deles.
Assenti, raspando o topo dela em seu queixo, minha bochecha contra seu peito. Eu não queria soltá-lo.
Mas Alice se aproximou para perguntar se tudo tinha corrido bem — como se ela não tivesse ouvido cada palavra, mas imaginei que não quisesse soar invasiva — e devolvi o celular para ela ao confirmar que sim.
Eu queria ligar para Jessica e para Mike também, ouvir a voz deles uma última vez antes de partir de Forks, mas eu sabia quais seriam suas reações acerca de minha partida abrupta a Port Angeles e quanto menos perguntas me fizessem e menos informações tivesse sobre meu paradeiro, melhor para nós. Então reprimi minha vontade, me convencendo de que deixá-los nas mãos de Angela era o melhor que poderia fazer por eles no momento.
Os braços de Edward ainda estavam ao redor dos meus ombros enquanto Carlisle dava instruções para o restante da família há poucos metros de nós. Alice não se moveu de perto da gente, parecendo estranhamente agitada.
— Acho que Carlisle tem razão e é melhor Jasper e eu levarmos o Ben para Phoenix — disse.
A careta que Edward fez quando desviei meus olhos dela para os dele no alto era o mais puro dos desconfortos.
— Nem pensar — deixou claro, determinado. — Eu não posso sair de perto dele.
Alice não parecia impaciente, mas suas mãos se retorceram.
— Pense um pouco, Ed. — As palavras eram serenas na voz suave. — O rastreador sabe que vai estar com ele e vai seguir você, não a gente. Todo nosso plano de despistá-lo será inútil se você estiver com o Ben.
No fundo, eu sabia que isso teria de acontecer, e me apressei em emendar:
— Ele também sabe que Jasper é novo nesse estilo de vida e tal. — Em contrapartida, minha voz era quebradiça e nem um pouco serena como a de Alice. — Depois do que falaram no campo de beisebol, não vai pensar que você nos deixou para nós escondermos no mesmo lugar.
Edward permaneceu me encarando por um longo tempo e percebi que estava contando comigo para convencer os demais de que era melhor ficarmos juntos. É óbvio que eu concordava com isso, mas precisava pensar com frieza se quisesse ser mais calculista do que o vampiro sanguinário em nosso encalço. Não havia escolha, mesmo que me separar dele à essa altura fosse como tirar um pedaço de mim mesmo.
— Não quero fazer isso — sussurrou, mesmo que todos pudessem ouvi-lo com bastante clareza.
— Nem eu — cochichei de volta, o bolo entalado em minha garganta ficando maior. — Mas será preciso para a gente vencer esse merda do caralho.
E eu precisava vencer. Pelo meu pai, pelos meus amigos, pelos Cullen. Por Edward. Precisava voltar para todos eles.
— Eu sei — lamentou, os lábios quase pressionados nos meus, o hálito doce deslizando até mim. — E se você está disposto a fazer isso, eu também estou. — Então se virou para a irmã ao seu lado. — Não esqueça de dar comida a ele, por favor, Alice.
Ela balançou a cabeça.
— Não vou, prometo.
E então ela sorriu levemente, se afastando quando Jasper a chamou. Edward voltou a me encarar.
— Eu só vou descansar depois que você estiver seguro de novo — confessou, e existia uma raiva suave pontilhando o que ele dizia.
Assenti.
— Vai conseguir.
Os dedos dele logo começaram a brincar com os meus.
— Eu sei que é demais pedir isso… — começou, ainda baixinho. — Mas espero que algum dia você consiga me perdoar por ter lhe metido nessa situação horrenda.
Fiquei na ponta dos pés ao me esticar na direção dele, tomando seu rosto esculpido em mármore entre minhas mãos.
— Estamos juntos nessa, cara — respondi, o encarando com mais intensidade do que nunca. — Eu escolhi me envolver com você, Edward, mesmo com tudo o que viria de brinde — continuei, lembrando do quão ferrenha havia sido minha busca pelo o que ele realmente era por trás de todas as ilusões que apresentava para os moradores de Forks. — Não consigo me arrepender disso. Nem mesmo agora.
— Nem que eu viva por mais cem anos vou merecer alguém como você.
— Você é incrível — continuei, ainda erguido na direção dele.
Então Edward agarrou meus cotovelos e me ergueu no ar, nossas bocas se encaixando na mesma altura, a pressão chegando avassaladora e necessitada, como se nunca mais fosse ter outra oportunidade de fazer o mesmo de novo — e é claro que nós dois temíamos que isso fosse verdade.
— Está na hora — A voz de Carlisle soou pela sala de estar e pude sentir tudo mudar ao nosso redor.
— Leve para proteger você — disse Edward ao se separar de mim e me colocar outra vez no chão, rapidamente colocando algo em minha mão. — Foi tudo o que minha mãe deixou para mim e quero que fique com isto enquanto estivermos separados.
Era a corrente prateada que vivia na volta de seu pescoço de mármore e que eu sempre notava quando o via sem camiseta. Já conhecia a história por trás dela e mal tive palavras para resmungar em sua direção enquanto a guardava em meu bolso.
— Eu… — começou ele apressadamente, mas hesitou. Seu rosto angelical de traços finos e lisos estava contorcido de dor. — Você é muito importante para mim, Benjamin.
— Você também é — respondi fracamente.
Edward se afastou alguns passos, tirando os dedos dos meus braços.
— Eu não consigo mais fazer isso…
Soltei, quando ele começou a se virar:
— Vamos nos encontrar logo, logo — prometi, embora não pudesse garantir isso.
A voz dele falhou e não pude ver sua expressão contraída, apenas que passava a mão pelo cabelo ao se afastar.
— Não dá, eu… — disse, a voz falhando.
E então o corpo de Alice se materializou em minha frente.
— Vamos? — perguntou, meio tensa. — Está na hora.
Assenti com a cabeça, ainda com a pressão dos lábios de Edward contra minha boca, ansiando por mais.
Eu sabia a falta que sentiria daquele toque que se tornara tão essencial para mim e perceber que, mesmo que tudo corresse bem, ficaria um bom tempo sem senti-lo e isso me torturava.
E pensar que há poucas horas ele me agarrava no Jeep de Emmett, me enchendo de promessas obscenas como se tivéssemos todo o tempo do mundo para aproveitarmos o corpo um do outro, foi como mais uma das inúmeras punhaladas em meu peito.
Me arrastei até o pequeno grupo reunido perto do carpete, os olhos no chão. Carlisle explicava o que faríamos a seguir:
— Agora que Esme e Emmett estão com as roupas do Benjamin — Olhei brevemente para o irmão grandalhão de Edward, que estava vestido com uma jaqueta minha da pilha de roupas. Ainda ficava pequena nele, mas era melhor do que a camiseta minúscula. —, precisamos nos dividir. Primeiro, eu vou seguir em meu carro com Esme e Rosalie para o leste e assim Edward e Emmett irão para oeste. Isso vai dar espaço para Alice e Jasper levarem o Benjamin para o sul. Só saiam daqui depois que eu ligar para vocês, está bem?
Os sete vampiros ao meu redor concordaram com a cabeça e quando ergui meus olhos para os demais Cullen ao notar Rosalie e Carlisle usando dois dos meus bonés, tentei não olhar para Edward. Jamais conseguiria abandoná-lo se o fizesse, assim como ele; precisava ser forte por Edward também.
Assim que se colocaram em suas posições, Alice me envolveu com seu braço e me levou na direção da porta.
Esme e Carlisle se despediram de mim com uma expressão pesada em suas faces de porcelana, e até recebi um aceno de cabeça de Rosalie ao passar, antes dos três partirem para outro cômodo que eu nunca visitei. Logo um motor ronronou e imaginei que fosse a tal garagem citada por Edward.
Depois de alguns minutos, Edward disse em uma voz dolorosa de se ouvir que James havia mordido a isca, mas que a mulher ainda estava à espreita em torno da casa. Então Carlisle ligou para o celular em sua mão e ele voou para a porta, na direção da minha picape, enquanto Emmett voava para mim. Seus braços me ergueram no ar e me rodopiaram rapidamente, antes de me colocar de volta no carpete e sumir em instantes.
E por último Alice ficou atenta ao meu lado, Jasper parado há alguns metros de distância. Quando ela atendeu a ligação de Carlisle, disse que Edward o havia informado de que a mulher havia seguido os dois na picape e que a barra estava limpa.
Assim que Alice saltitou com leveza para a garagem, com a promessa de levar o carro até a porta de entrada, fiquei sozinho na enorme sala de estar com Jasper. Minha perna batia de encontro ao chão, nervosamente, e eu era capaz de sentir a falta que o corpo de Edward fazia em contato com o meu.
Ainda que eu mesmo fosse parte responsável por nossa separação ao incentivar ele a seguir o plano de Carlisle, me perguntei se não havia sido um erro. Se os Cullen estando tão engajados e arriscando as próprias vidas ao se colocarem um alvo nas próprias costas através de roupas minhas não era um erro.
Eu parecia pequeno demais para tudo isso, de certa forma.
— Carlisle tem razão — disse Jasper de repente, o que me assustou um pouco.
— Como é? — perguntei, depois de me recuperar.
Seus olhos castanhos e vidrados estavam em mim, e percebi o quão tenso era seu corpo, plantado no piso brilhante.
— Você vale a pena. — Foi tudo o que disse, antes do som de um carro ser ouvido do lado de fora e uma buzina soar.
— Valeu, Jasper. — Meu agradecimento soou hesitante e baixo, mas ele pareceu entender cada palavra.
Então Alice abriu a porta de entrada pelo lado de fora e agarrou minha mão, sem temer nenhum ataque surpresa ao me guiar calmamente até o banco traseiro do carro preto e discreto.
Ela logo assumiu a direção, e me perguntei se era para que Jasper pudesse manter toda sua concentração na única tarefa de não acabar comigo em segundos. De qualquer forma, não reclamei ao colocar o cinto de segurança.
Quando partimos, agarrei na corrente prateada de Edward como se fosse uma parte importante de mim mesmo e a coloquei em volta do pescoço, com extrema dificuldade graças ao sacolejar do veículo. Me agarrei também na promessa dele de que voltaria para mim, a mesma que sua mãe havia feito ao vê-lo pela última vez na vida.
E, à medida que a casa agora abandonada dos Cullen sumia e as árvores escuras passavam velozmente por nós, tive que conter um arrepio ao lembrar que esta era uma promessa que sua mãe não havia tido a chance de cumprir.
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