Lauren POV
Acordo com o barulho irritante do meu despertador, dando um tapa potencialmente forte no botão que o desligava. Aquela era mais uma das segundas feiras terríveis, daquelas onde o suicídio soa como algo melhor do que levantar e encarar a realidade.
Bufo contra o meu travesseiro e em seguida me levanto, já sentindo o tão conhecido vazio que me invadia todas as manhãs dos últimos 5 anos, desde que havia saído de casa.
A grande maioria das pessoas não aprecia uma boa relação familiar, mas eu nunca fui uma dessas pessoas, eu passei minha vida toda tentando ser uma boa filha e irmã, porque eu sabia que, no final das contas, eu seria só uma grande decepção.
Eu cresci em uma família onde "religião" não passava de um pretexto usado pra justificar o preconceito, e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso, além de fingir que não me sentia ofendida toda vez que alguém tocava no assunto com argumentos puramente homofóbicos.
Sim, eu sempre soube que eu era lésbica, desde a minha primeira crush do fundamental. Então, só imagine a pressão psicologica que é quando se tem 7, 8 anos, e se ouve todos dizendo que aquilo que você é, é errado.
Mas saindo de todo esse drama familiar, agora cá estou eu: Lésbica, com um emprego horrível que me paga pouco, e pra piorar, sozinha, completamente sozinha.
- Se eu não te conhecesse diria que passou o fim de semana em baladas, você está péssima. - Dinah diz, assim que me vê entrando na sala que era o setor de atendimento ao cliente do banco onde eu trabalhava. O que eu fazia era, basicamente, ouvir pessoas reclamarem e choramingarem empréstimos.
- Obrigada, DJ, você também está maravilhosa hoje. - Respondo, me sentando na minha mesa. Havia mais 6 ou 7 mesas naquele setor, alguns atendiam os clientes pelo telefone e os outros atendiam os clientes que iam diretamente até lá, e também tinha a mesa de Dinah, que ficava a frente de todas, já que o trabalho dela era supervisionar aquele setor.
- Seu sarcasmo vai te matar um dia. - Se levanta de sua mesa e vai até mim, me dando um beijo no rosto, depois puxa uma cadeira aleatória e se senta ao meu lado. - Ainda passando noites em claro?
- Consegui dormir algumas horas hoje, pareceu suficiente até o momento em que tive que acordar. - Passo as mãos pelo rosto, como se ao faze-lo isso diminuísse meu cansaço.
- Talvez se você não fosse tão estressada, isso não aconteceria. - A ouço dizer e reviro os olhos. - Nem adianta fazer essa cara de quem está ouvindo o mesmo discurso pela milésima vez. Você só tem 23 anos, Lauren, já pensou em começar a fazer coisas da sua idade? Sair, conhecer pessoas, fazer amigos além de mim?
- Não gosto de nenhuma dessas 3 coisas. Eu não preciso de pessoas, eu tenho você, um computador e muitas séries pra botar em dia, e estou bem assim, certo? Pessoas são sinônimo de problema e isso eu já tenho o suficiente na minha vida. - Digo, e Dinah abre a boca pra responder, mas acaba optando pelo silêncio, e pouco a pouco as outras pessoas que trabalhavam naquele setor iam chegando e tomando seus lugares.
(...)
- Ei, eu estou indo. - Aviso, pegando minhas coisas, enquanto via Dinah juntar as dela.
- Não quer sair comigo pra comer alguma? Ou beber e conversar, você que sabe. - Oferece e eu levanto uma sobrancelha. - Qual é, eu sinto sua falta, ultimamente você anda tão alheia a tudo.
- Eu não estou no clima e não quero estragar o seu início de semana com o meu mau humor, DJ. - Respondo e sua expressão muda pra uma potencialmente decepcionada. - Amanhã, tudo bem? Amanhã nós vamos naquele barzinho que você gosta e vamos nos acabar lá.
- E foda-se que tem trabalho na quarta? - Pergunta, parecendo desconfiada. Ela sabia que eu odiava faltar e odiava mais ainda atrasos, por isso não saia durante a semana (ou no final de semana, bom, eu não saia em dia nenhum).
- E foda-se que tem trabalho na quarta. - Repito e ela dá um gritinho de alegria, vindo me abraçar.
Dinah tranca a sala e nós saímos do banco juntas. Alguns funcionários ainda estavam por ali, conversando enquanto se preparavam pra ir embora, e já quase na porta eu esbarro em uma mulher que trabalhava na área de finanças.
- Perdão. - Digo, me abaixando pra pegar alguns papéis que haviam caido da pasta dela no momento da colisão.
- Não, tudo bem. - Diz, sorrindo nervosamente pra mim. - Lauren, certo? - Assinto positivamente e ela passa a mão livre pelos cabelos.
- E você é... Lucy? - Pergunto e ela faz o mesmo, parecendo genuinamente feliz ao ver que eu sabia seu nome.
- E eu sou Dinah. - Dinah diz, e eu rio.
- Eu sei, DJ. - Lucy ri também, elas não chegavam a ser amigas mas já as vi conversando algumas vezes. - Vocês estão indo embora, não é? Desculpe, não quis atrapalhar...
- Não atrapalhou. - Digo, com certeza, ganhando um sorriso tímido em troca. - Bom, te vejo por ai. - Digo, acenando pra ela enquanto eu e Dinah continuavamos andando em direção a saída.
- Ela gosta de você. - Diz, batendo seu ombro no meu.
- Que nada, ela só estava um pouco envergonhada. - Dou de ombros. Dinah e eu andamos até o estacionamento, onde nossos respectivos carros estavam um ao lado do outro. - Foi a primeira vez que ela falou comigo.
- Ela estava envergonhada porque ela gosta de você, acredite, eu já conversei com ela algumas vezes e em uma dessas vezes ela comentou sobre os seus olhos serem realmente bonitos, e quando ela percebeu o que havia dito, quase se enfiou em um buraco de tanta vergonha. - Conta, e eu rio, imaginando a cena. - Achei que você ia chamar ela pra sair e você não chamou, estou desapontada, mas não surpresa.
- Eu posso chama-la amanhã. - Digo, por fim.
- Você deveria parar de deixar pra amanhã o que pode fazer hoje. Nem sempre vai ter um "amanhã", Laur. - Me repreende, mas não fala mais nada, apenas me abraça e dá a volta pra entrar em seu carro, e eu faço o mesmo.
Meu apartamento era um pouco distante do banco, mais ou menos 1 hora, 1 hora e meia, e então, normalmente, depois de um longo dia de trabalho e 2 horas dentro de um carro, eu chegava em casa com força o suficiente apenas para me jogar na cama, e repassar todo o meu dia na minha cabeça em tentativas falhas de pegar no sono.
Mas naquela noite, bom, eu não cheguei em casa.
Eu estava passando em uma rodovia de mão dupla que sempre estava particularmente vazia aquela hora da noite, o que me dava mais tranquilidade ainda em passar ali, já que não havia trânsito e motoristas irritantes pra tirar o pouco de paciência que me restava.
Estalo o pescoço, bocejando, enquanto ouvia uma música lenta qualquer tocar no rádio, e meus olhos estavam como se fossem se fechar, até que de repente eu me deparo com um farol forte vindo na direção contrária, e quando dou por mim de que aquele carro vinha na minha faixa, já era tarde demais.
(...)
Acordo imediatamente tapando meus olhos com um braço por causa da claridade, já que o outro estava engessado e eu mal conseguia mexe-lo. Gemo de dor, sentindo uma dor de cabeça insuportável me invadir, meus pulmões pareciam explodir cada vez que eu respirava, e meu corpo todo doia como o inferno.
- Ei, calma. - Ouço uma voz dizer e logo a claridade já não era tanta, facilitando que eu pudesse abrir os olhos. - Você está em um hospital, tudo bem?
Assim que abro os olhos começo a olhar em volta, como uma criança assustada faz quando se perde dos pais. A mulher estava na janela, terminando de endireitar a cortina pra que a claridade não invadisse o quarto com tanta intensidade como antes.
- Achei que não acordaria tão cedo. - Diz, se aproximando da cama. Ela parecia ter a minha idade mas se vestia como uma adolescente: calça jeans, um moletom cinza com os personagens do desenho Apenas Um Show na frente, e chinelos nos pés. Seus cabelos eram longos e escuros, e seus olhos eram castanhos, fodidamente castanhos, e ela parecia cansada.
- Desculpe mas, quem é você? - Arregalo os olhos, começando a entrar em pânico. - O que aconteceu? Eu estou tendo amnésia?
- Amnésia? Não, relaxa. - Responde. - Pelo menos eu acho que não. - Franze o cenho, de forma adorável. - Você lembra seu nome?
- Lauren, Lauren Jauregui. - Respondo com convicção, respirando aliviada. - Mas eu não me lembro de você.
- Isso é porque nós não nos conhecemos, coração. - Esclarece. - Me deixe explicar, certo? - Assinto e ela continua. - Você sofreu um acidente de carro a três dias e esteve inconsciente desde então. Eu estava na mesma rodovia, com meu carro a alguns metros do seu, quando um outro carro apareceu do nada vindo na nossa faixa e vocês se chocaram, a polícia disse que o motorista estava bêbado - o que parece até uma piada, porque quem diabos fica bêbado em uma segunda feira? - Mas, bom, não é uma piada.
- E o que aconteceu com ele? - Pergunto, sentindo as memórias já martelando minha mente. A rodovia vazia, o farol alto e um carro em alta velocidade vindo em minha direção, tudo vindo a tona ao mesmo tempo. Minha cabeça doía cada vez mais.
- Eu fui até ele e ele já estava morto. - Diz, colocando as mãos nos bolsos dos jeans. - Mas você não, e eu consegui te tirar de lá e te trazer pra cá a tempo. E talvez eu não devesse te dizer isso, mas se você não for uma pessoa religiosa, é melhor começar a ser. - Diz e eu franzo o cenho, confusa. - Eu ouvi os médicos falando que você estar viva pode ser considerado um milagre, moça. Não foram quaisquer ferimentos, você bateu a cabeça com muita força e fraturou algumas costelas, uma delas perfurou o seu pulmão, fora o braço quebrado. - Aponta pro gesso no meu braço esquerdo. - Basicamente, eles não entendem como você pode ter sobrevivido e nem eu, mas de qualquer forma, cá estamos nós. - Dá de ombros. - E você me deve o dinheiro da gasolina e do lava-jato que eu tive que pagar pra limpar o seu sangue do meu carro.
- Anotado. - Respondo, fechando os olhos e massageando minhas têmporas. - Você disse que o acidente foi a 3 dias. Se nós não nos conhecemos, porque ainda está aqui?
- Eu não sei, é só que, depois de sofrer um acidente de carro e quase morrer, eu não queria que você ainda tivesse que passar pelo trauma de acordar sozinha em um hospital no meio do nada e ouvir uma versão genérica do seu acidente pelos médicos, fora todo o papo furado sobre Deus estar te dando uma segunda chance. - Coça a parte de trás de sua cabeça. - Eu sei que acordar em um hospital no meio do nada com uma estranha não é muito diferente, mas foi o melhor que eu pude fazer, já que você estava apenas com o seu telefone no bolso e ele estava bloqueado. - Tira meu telefone do seu bolso de trás e o joga pra mim. - E ah, o seu carro explodiu, então se tinha algum documento seu lá, a polícia não achou, por isso você está registrada aqui quase como uma indigente.
- Esse é o seu jeito de tentar fazer com que eu me sinta melhor?
- Sim e não, na verdade, você tem que se sentir melhor só pelo fato de estar viva. - Me oferece a mão e eu aceito. - Camila Cabello, e nesse caso, acho que o prazer é todo seu.
- Encantada. - Respondo, de forma sarcástica, e ela ri, um sorriso realmente bonito.
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