QUANDO O SOL NASCEU, eu ainda estava acordada, pensando nos dedos calejados de Agustin sobre o meu rosto. Ouvi os outros acordarem e começarem a circular pela cozinha. Sentei na cama e olhei pela janela. A Água continuava chamando, mas eu ainda não estava pronta para encará-La. Ou para deixar Agustin.
— Então vou ficar no barco até de tarde, e preciso falar com Lioneo —Jorge comentava com a boca cheia.
— Eu vou amanhã — Agustin prometeu. — Bom, estamos cumprindo as metas.
— Não tem problema. Sei que está indisposto hoje.
Sorri comigo mesma. Por um dia, Agustin seria só meu.
O barulho diminuiu; as portas abriam e fechavam, os carros vinham e iam.
Depois de um tempo, eu só conseguia ouvir Agustin arrastando os pés pela cozinha.
Por volta das oito, ele bateu na porta e enfiou a cabeça pela fresta. Eu estava sentada na cama, e ele me cumprimentou com um sorriso.
— Bom dia, rainha do baile de formatura.
Olhei para o vestido do outro lado do quarto. Eu tinha que me livrar dele antes que desmanchasse.
Agustin entrou com dois pratos e sentou na cama comigo enquanto comíamos. O gosto da refeição estava bem mediano, o que me fez pensar que tinha sido preparada por ele. Visto o histórico desastroso dele como cozinheiro, admirei o esforço.
— Então, jorge e valentina vão passar a maior parte do dia fora. Você quer dar uma volta pra ver a cidade ou precisa ir a algum lugar?
Fiz que não com a cabeça.
— A região é bem bonita, totalmente diferente de Miami. Lembro que você disse que morou em vários lugares, mas já esteve no Maine?
Pensei por um instante. Não.
— Muito bem, decidi que vamos ter o melhor dia de todos. Está proibido acontecer alguma coisa ruim, e se acontecer, procuramos o lado bom. Acho que nós dois merecemos um dia legal, não acha?
Concordei.
— Ótimo. Queria te agradecer de verdade por me ouvir falar dos meus pais ontem à noite. jorge é como um irmão pra mim, e valentina, bom…
Arregalei os olhos e levantei as mãos.
— É, ela é a melhor. Estou muito feliz por terem me acolhido, mas, não sei… às vezes é difícil conversar com eles.
Eu dei uma cotovelada de leve nele para que entendesse que eu não me importava nem um pouco de ser seu ouvido amigo.
— E obrigado por falar da sua família também. Sei que não é um assunto fácil.
Dei de ombros. Era complicado demais explicar que sentia saudades da minha família e, ao mesmo tempo, mal me lembrava dela.
— Pode soar estranho, mas logo depois que nos conhecemos, pesquisei um pouco. Achei meio fascinante você poder ouvir, mas não falar. Descobri que as pessoas mudas que não são surdas geralmente não falam por dois motivos. Ou é um problema físico, língua deformada ou algo assim, ou é algum trauma emocional que impede a fala. Comecei a pensar se…
Fiz o número dois com a mão. Doía tanto falar. Cantar. Rir. Minha voz era mortal, e eu a odiava.
— O.k. Bom, vou torcer para que você possa falar de novo um dia. Tenho a sensação de que tem ideias suficientes para vários livros. Eu adoraria escutá-las.
O olhar dele era suave, e fui tomada pelo sentimento de segurança que o rodeava. Agustin me encarava com uma expressão de encanto no rosto, e, apesar da nossa dor mútua, sorri para ele.
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