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História A última melodia - A primeira melodia - História escrita por chaootics - Spirit Fanfics e Histórias
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História A última melodia - A primeira melodia


Escrita por: chaootics

Notas do Autor


Olá queridos leitores ♡ Antes que comecem a ler, vou dar algumas explicações sobre essa "oneshot" - que de oneshot não tem nada.

Essa história me surgiu ao ver uma fanart e confesso que minha ideia inicial era que ela fosse uma simples oneshot. Contudo, quando comecei a escrever, as ideias começaram a aumentar e bom, como podem notar, esse capítulo por si só tem 7 mil palavras... Contudo, essa fanfic não vai ter mais do que 3 capítulos, embora eles provavelmente sejam todos grandes assim. No fim das contas, ela é e não é uma fanfic curta, já que por mais que eu tente, não consigo encurtar as coisas kkkkk

Quem já leu minhas outras fanfics vai notar que essa é BEM diferente, a começar pela narração. Quem começar por essa e depois ler as outras, espero que não fiquem chocados, haha.

Espero que gostem dela, tenho me dedicado muito nos últimos dias e me debruçado sobre ela praticamente o dia inteiro, ando me alimentando e respirando essa fanfic hahaha Espero que tenham uma boa leitura ♡

Capítulo 1 - A primeira melodia


O sol já estava se pondo pela grande janela de vidro do salão principal, onde ele batia os dedos incansavelmente pelas teclas do piano, embora nenhum som agradável saísse delas. Era verdade que havia quadros enormes dele por todo o local, que mostravam sua bela face sorrindo ao lado dos mais refinados pianos com os quais já se deparara em seus vinte anos de vida. O garoto prodígio, a grande sensação que costumava encher teatros de espectadores, ansiosos por suas mais bonitas melodias.

Pelo menos, isso era tudo que Kang Daniel costumava ser durante os anos de 1930 em Helsinki, Finlândia. Filho de mãe coreana e pai finlandês, não eram apenas seus belos traços que encantavam, pois a música que saia de seus longos e finos dedos era capaz de acalentar os corações mais temerosos.

Contudo, Kang Daniel não era um jovem comum e nem nunca havia sido. Fadado por uma doença desde seu nascimento, a toxoplasmose ocular, ele foi pouco a pouco perdendo a visão enquanto crescia, até ficar completamente cego aos dez anos de idade. Foi só então que o piano se tornou seu melhor amigo e maior companheiro. Sentindo como se todos os seus outros sentidos tivessem ficado muito mais aguçados por conta de sua escuridão, ele encontrou na arte o seu maior refúgio.

Era comum que ouvisse as pessoas dizerem por suas costas o quão “coitadinho” ele era, o pobre menino rico, filho de um respeitado Almirante da Marinha Finlandesa, que podia ter tudo o que queria em suas mãos, mas que infelizmente não podia ver o mundo. Por causa disso, parou pouco a pouco de se relacionar com as pessoas e tinha em sua mãe sua única companhia.

Foi para a mãe que Daniel compôs suas primeiras e mais belas melodias e foi ela quem o incentivou a amar o piano em primeiro lugar. Por horas, os dois sentavam no grande salão da casa onde viviam e ele tocava para ela tudo que vinha estudando. Não demorou muito para que ela notasse que o talento do filho era especial demais para ser deleitado apenas por seus próprios ouvidos.

Aos doze anos, Daniel começou a fazer apresentações nas casas de amigos da família e recobrou sua confiança ao ouvir os aplausos a sua volta. Aos treze, já se apresentava em teatros pequenos com suas próprias composições.

A mídia estava fervorosa com a descoberta daquele novo talento, mas um trágico acontecimento fez com que ele se afastasse do piano por algum tempo: a morte de seu pai em serviço, quando ele tinha quatorze anos. Como não tinha mais avós paternos e nem maternos e seus pais não tinham irmãos, Daniel e sua mãe se viram sozinhos naquela enorme casa. Uma estrangeira e seu filho de duas etnias. Ela até mesmo pensou em retornar ao seu país de origem, mas o ano era 1933 e a Coreia estava sendo controlada pelo Japão no momento, o que fazia com que retornar para casa não fosse uma boa opção para nenhum dos dois.

Por conta disso, os dois permaneceram na Finlândia e a mãe decidiu que a melhor forma de solucionar seus temores era apoiar o talento do filho e vê-lo crescer como um grande homem. Os dois continuaram com as sessões diárias de aulas de piano, por vezes até o anoitecer, enquanto o filho se mostrava cada dia mais como um prodígio. Em homenagem ao falecido pai, Daniel compôs pelo menos quatro melodias que se tornaram um verdadeiro sucesso no ano seguinte.

Os anos foram se passando e a música deu ao garoto mais coragem para enfrentar as tumultuadas ruas de Helsinki com sua bengala. Ele já não dependia mais tanto da mãe e se tornava mais independente a cada dia. Graças ao seu talento e devoção única ao piano, ele enchia os maiores teatros da cidade e era aclamado pela nata da sociedade.

No início da primavera de 1937, quando Daniel já havia completado dezoito anos, sua mãe faleceu de uma súbita infecção pulmonar, deixando o garoto completamente sozinho. Por já ser maior de idade e não ter nenhum parente vivo, ele decidiu tomar conta da casa e se responsabilizar sobre tudo, como um verdadeiro adulto.

Contudo, a morte da mãe lhe deixou cicatrizes maiores do que ele esperava. Por ter sido sua grande companhia desde mais novo, a falta dela lhe doía todos os dias, cada vez mais. Sempre que sentava ao piano, pensava nela e seus dedos apenas deslizavam pelas teclas, pesados e sem vida. Ele tentava, tentava e tentava compor, mas parecia impossível, como se sua inspiração tivesse se esgotado para sempre.

Nos meses seguintes, ele deixou de se apresentar e já não tinha mais vontade de sentar ao piano. Dois anos após a morte de sua mãe, sua casa havia se tornado o mais completo silêncio, como se nada mais pudesse salvar o seu coração.

 

 

 

Em abril de 1939, Helsinki finalmente começou a esquentar com a chegada da primavera. Daniel se sentia melhor quando podia ouvir o canto dos pássaros e imaginava a bonita árvore de flores cor-de-rosa, que havia ao lado da janela de seu quarto, finalmente florescendo. Era como se a vida estivesse voltando ao seu corpo, mesmo que ainda houvesse uma grossa camada de pó por cima de seu outrora tão amado piano.

Como sempre fazia durante a tarde, ele preparou sua bengala e colocou um casaco para ir até uma confeitaria. Os empregados da casa já conheciam seu costume e apenas desejavam que ele voltasse em segurança, enquanto o garoto ia para mais uma aventura nas grandes ruas da cidade. A cegueira havia dado a ele a habilidade de se locomover sem maiores dificuldades usando seus outros sentidos – seu ouvido aguçado captava sons distantes e sua memória era capaz de lembrar exatamente onde havia obstáculos pelo caminho. Ele até sentia como se tivesse um “sexto sentido”, um que lhe permitia perceber as coisas à sua volta sem que as visse. Ou talvez apenas fosse seu poderoso anjo da guarda, lhe guiando para que jamais se perdesse.

Daniel fez o trajeto de sempre até uma confeitaria que ficava há duas quadras de sua casa. Lá ele pretendia comprar um muffin de chocolate, seu alimento favorito do mundo inteiro. Todos os dias fazia a mesma coisa, comprava dois muffins de chocolate e depois voltava para casa, para comê-los em uma mesa do jardim. Quando nevava ou chovia, ele comia na mesa da sala mesmo, pesaroso. A melhor parte da primavera era que ele poderia desfrutar seu café da tarde ao sol muito mais vezes.

Contudo, assim que chegou até a confeitaria, teve uma súbita ideia: havia outra, uma que ficava mais distante, mas que fazia um muffin de chocolate ainda mais delicioso. Ele vinha evitando ir até lá nos últimos meses de inverno, já que o trajeto era mais longo e estava muito frio. A neve também era um grande problema para ele, já que as ruas escorregadias por vezes faziam com que os empregados tivessem que lhe acompanhar. Daniel achava que ser acompanhado tirava sua independência, então preferia ir até a confeitaria mais perto de casa, para evitar qualquer tipo de problema.

Como hoje era uma bela tarde de sol e a temperatura havia melhorado consideravelmente, ele decidiu ir até a outra confeitaria mais distante. Ele provavelmente teria que caminhar uns vinte minutos, mas aquilo não era mesmo um problema para alguém que estava salivando ao pensar em seu muffin favorito.

Ele apreciou a caminhada até o local, ouvindo o som dos pássaros à distância e os corriqueiros sons da cidade, que ele tanto gostava. Vozes, buzinas, passos apressados. Era inegável que gostava de se sentir como parte daquele todo, mesmo que ele fosse diferente da maioria. Assim que chegou até a loja, foi reconhecido pelos vendedores, que o receberam com muita satisfação, e pediu seu doce favorito. Satisfeito com os dois muffins de chocolate que trazia na sacola, ele decidiu que já era hora de voltar para casa.

No entanto, seu ouvido captou um som diferente enquanto ia descendo a rua. Parecia com uma voz, uma bela voz masculina. Ele parou por um segundo e tentou se concentrar nela. Era um tom de voz que ele nunca havia ouvido antes e que, por alguma razão, parecia viciante aos seus ouvidos. Dando a volta no mesmo minuto, ele decidiu seguir o som daquela voz, para ouvi-la mais de perto, e não demorou muito para que chegasse até a fonte. Ele sabia que ainda estava na calçada, provavelmente em uma esquina. Havia um garoto cantando ali, com a voz mais bonita que ele já havia escutado em seus vinte anos de vida.

Por alguns instantes, ele fechou os olhos – sempre fazia isso por reflexo quando ouvia um som que lhe encantava – e deixou que aquela bela melodia preenchesse seu corpo e lhe entorpecesse. Era como se naquele momento não houvesse mais nada e nem ninguém ao seu redor, apenas ele e aquela voz, aquela voz magnífica.

O garoto terminou a música e foi aplaudido pelos demais que estavam por lá. Daniel ouviu o barulho de moedas sendo atiradas dentro de uma caixa e imaginou que as pessoas estavam pagando ao garoto pela bonita música que tinham escutado – e algo assim sequer tem um preço? – ele pensava. Tateou os bolsos de seu casaco, mas tinha trazido dinheiro apenas para os muffins. Então procurou com sua bengala pela caixa no chão e, quando a achou, depositou nela a única coisa que podia dar a ele naquele dia: um de seus muffins de chocolate.

O garoto estava entretido agradecendo a um de seus espectadores e se surpreendeu quando foi até sua caixa e viu um muffin dentro dela. Ele olhou para os lados, a procura de quem havia lhe deixado aquilo, mas não havia mais ninguém por lá.

 

 

 

Ong Seongwu era filho de um casal de coreanos que havia fugido de seu país por volta de 1915. Os dois tinham vivido na Rússia por um tempo e depois acabaram na Finlândia, onde Seongwu nasceu em 1919. O casal teve mais dois filhos: Ong Sehoon, em 1924 e Ong Seola em 1929. A família costumava trabalhar em uma fábrica de sapatos e levava uma vida de classe média-baixa, da qual Seongwu nunca havia reclamado. Ele não se importava de trabalhar duro, mas sempre sofria ao ver sua mãe arrebentando suas mãos no trabalho pesado da fábrica. 

Contudo, no último inverno, Seola pegou um resfriado tão forte que a família começou a se preocupar que ela não fosse sobreviver. Os dois irmãos mais velhos e os pais se revezavam ficando com a garotinha no hospital, enquanto continuavam o trabalho na fábrica. Em uma tarde de janeiro de 1939, Seongwu era o responsável por tomar conta da irmã, então foi ao hospital enquanto a família continuou trabalhando. Algumas horas depois, recebeu a fatídica notícia de que a fábrica tinha pegado fogo.

Toda a sua família morreu.

Seongwu se culpou diversas vezes, perguntou aos céus por que ele havia sido poupado. Seola se recuperou e teve alta do hospital e ele se viu sozinho com uma criança de dez anos para cuidar. Parecia que sua vida tinha desabado do dia para a noite e ele simplesmente não sabia o que fazer.

Além de trabalhar na fábrica – que fechou as portas por perda total depois do incêndio – a única coisa que Seongwu sabia fazer era cantar. Desde criança, sempre teve grande interesse pela música e costumava cantar para a família todos os dias depois do jantar, quando se reuniam na sala. Ele honestamente queria desistir de tudo agora, não achava que era forte o suficiente para encarar todos os problemas que viriam, mas Seola precisava comer. Ela precisava dele mais do que nunca. Foi então que juntou a coragem que tinha e começou a fazer o que sabia: cantar para ganhar dinheiro.

Naquela noite, ele chegou em casa com um pão e uma garrafa de leite que havia comprado com as moedas que ganhou cantando na esquina e um muffin de chocolate. Aquele surpreendente muffin que apareceu em sua caixa de moedas.

- O que é isso? – Seola perguntou assim que chegou em casa, já que quem tomava conta dela durante o dia era uma vizinha, para que Seongwu pudesse trabalhar.

- Você nunca comeu isso antes, né? – Seongwu sorriu – É um muffin de chocolate.

A garotinha arregalou os olhos e sorriu ao encarar o doce.

- Eu posso comer? – perguntou.

- É todo seu – ele respondeu e sorriu, bagunçando o cabelo dela com a mão.

Seola pegou o muffin com suas mãos pequenas e pensou em dar uma bocada, mas então se deu conta de que não havia outro muffin para o irmão. Ela então partiu o bolinho com a mão e entregou a outra metade para ele.

Seongwu sorriu para ela e agradeceu, pegando sua metade do muffin. Com um copo de leite, os dois tiveram sua melhor refeição noturna desde que os pais se foram.

 

 

 

Kang Daniel não conseguia parar de pensar na voz que havia ouvido naquela tarde, como se ela ainda estivesse em sua mente. Ele caminhou pelo grande salão e sentou diante de seu piano, confuso. Não sabia ao certo por que estava ali, era como se depois de muito tempo o piano estivesse lhe chamando novamente.

Colocou um dedo sobre uma das teclas e percebeu que ele ficou coberto de pó. Fazia mesmo muito tempo.

- Joseph – chamou por seu mordomo, que se aproximou logo em seguida com muita eficiência – Pode pedir para que tirem o pó do meu piano amanhã?

O mordomo arregalou os olhos, surpreso. Ele era um homem já por volta dos sessenta anos e tanto os cabelos brancos quanto a calvície vinham lhe atingindo.

- Está certo disso, senhor? Nunca mais limpamos o piano a pedido seu, senhor – o velho homem se explicou.

Daniel assentiu com a cabeça, ele sabia que fora ele mesmo quem havia ordenado que ninguém tocasse naquele piano. Contudo, agora ele subitamente se sentia diferente. Agora ele queria tocar.

 

 

 

Na tarde seguinte, decidiu ir novamente até a loja de muffins mais distante, dessa vez com o coração cheio de ansiedade e o bolso cheio de moedas. Comprou dois de chocolate como no dia anterior e então ouviu, para seu deleite, a voz que tanto esperava ouvir novamente. Caminhou apressado, porém cuidadoso, até a esquina onde Ong Seongwu já se encontrava cantando uma triste melodia sobre um amor impossível.

Assim como no dia anterior, Daniel fechou os ouvidos e deixou que o belo tom de voz preenchesse todo o seu corpo, curasse todas as suas feridas. Ele sentia como se fosse luz, como se aquela voz fosse um raio de luz que adentrasse seu ser e trouxesse calor para sua vida. Ele nunca havia sentido nada remotamente parecido com aquilo antes. Será que era possível se apaixonar pela voz de alguém?

Hoje, como tinha chegado mais cedo, teve o deleite de ouvir quatro músicas. Embora fossem de gêneros diferentes, todas elas tocavam o coração de Daniel de uma forma especial. De repente, percebeu que já não se sentia mais tão sozinho, como havia se sentido desde que sua mãe faleceu. Era como se aquela voz fosse uma espécie de conforto para o seu coração.

Quando a apresentação finalmente acabou, Daniel depositou uma boa quantidade de moedas na caixa e também um muffin, assim como no dia anterior. Contudo, diferente de ontem, dessa vez Seongwu viu quando ele depositou o doce na caixa.

- Então foi você? – o garoto perguntou, curioso – O muffin que apareceu ontem na minha caixa também pertencia a você?

Daniel ficou nervoso ao ouvir a voz que tanto tinha gostado falar com ele assim pessoalmente e apenas assentiu com a cabeça.

Seongwu percebeu a bengala na mão dele e foi então que se deu conta de que ele era cego.

- Obrigado – falou em um tom gentil – Minha irmã teve um jantar muito feliz ontem, graças a você.

- Você dividiu o muffin com sua irmã? – Daniel finalmente conseguiu perguntar algo, curioso pelo que ele havia dito.

Seongwu assentiu com a cabeça, mas então se deu conta de que o garoto em sua frente não podia enxergá-lo fazendo isso.

- Sim – disse verbalmente – Minha irmã mais nova nunca havia comido algo assim, ela com certeza aprovou – sorriu.

- Nesse caso... – Daniel colocou a mão dentro da sacola e pegou o outro muffin, estendendo diante dele – Pegue mais um.

- Ah, não, não – Seongwu respondeu, sem jeito – Imagina, não precisa não. Um é mais do que suficiente.

- Sua voz merece muito mais do que apenas dois muffins – Daniel sorriu – Mas, infelizmente é tudo que tenho hoje. E tenho certeza que sua irmã irá apreciá-los mais do que eu.

Seongwu agradeceu e pegou o muffin das mãos dele. Ele não era acostumado com gentileza daquela forma, então ficou realmente tocado com aquele gesto. Enquanto ia para casa no fim do dia, sentia seu coração mais cheio de fé na humanidade, mas todas as coisas boas que trazia no peito sumiram assim que viu um homem parado na porta de sua casa.

Eles estavam lhe dando um ultimato. Como ele não vinha conseguindo pagar o aluguel da pequena casa onde vivia com a irmã, ela seria alugada para outra pessoa. Ele devia sair em até uma semana. Como os donos eram conhecidos de seus falecidos pais, eles deixariam que os dois saíssem sem pagar o que deviam, o que para Seongwu era uma salvação, mas ao mesmo tempo o preocupava. Onde os dois iriam viver?

- Esse é inteirinho para mim hoje? – Seola perguntou, olhando para o muffin que o irmão havia colocado em sua frente.

- Sim – Seongwu respondeu enquanto pegava o jornal para ver se encontrava algum local para alugar com um preço que ele pudesse pagar.

- Quem está te dando esses doces? – a garotinha continuou as perguntas, com o rosto enfiado no muffin.

- Um garoto que me assiste enquanto eu canto no centro da cidade – ele respondeu, não prestando muito a atenção nela.

- Já gosto dele – Seola disse, sorridente.

- Você não pode gostar das pessoas assim tão fácil – Seongwu a recriminou.

- Ele te dá muffins de chocolate – ela respondeu, séria – Como seria possível não gostar de uma pessoa assim?

Mesmo que não concordasse exatamente com aquela afirmação, Seongwu deu uma risadinha e bagunçou o cabelo dela com a mão, antes de voltar sua atenção para o jornal.

Talvez, de certa forma, ela não estivesse errada.

 

 

 

Daniel tirou as mãos das teclas do piano e sorriu para si mesmo, orgulhoso. Passava da meia noite e ele já estava tocando há umas quatro horas, mas não conseguia parar. Era como se toda a criatividade adormecida dentro dele estivesse vindo à tona naquele momento, enquanto aquela belíssima voz continuava soando em seus ouvidos. O mordomo e alguns empregados o ouviam tocar de longe e todos pareciam muito felizes com o fato de que a música finalmente havia voltado para aquela casa.

 

 

 

Os próximos dias se passaram da mesma maneira. Daniel ia para a confeitaria mais distante e comprava três muffins de chocolate – um para ele e dois para o garoto – e ia até a esquina para ouvir seu cantor favorito. Depois, voltava para casa e compunha por horas e horas, bonitas melodias em seu adorado piano. Ele sentia como se finalmente estivesse vivo novamente e podia jurar que sua mãe se orgulhava dele, onde quer que estivesse.

Em uma dessas tardes, porém, Daniel chegou até a esquina e não ouviu som algum, além dos passos apressados das pessoas que passavam por ele. A princípio ficou um pouco confuso, será que havia chegado muito cedo? Mas, tinha certeza de que tinha saído de casa no horário de sempre... Será que o garoto da bela voz não viria hoje? E se... E se ele desaparecesse?

Aquela era uma ideia inconcebível. Daniel sentia que não podia viver sem aquela voz, que precisava dela para sempre. Culpava-se por nem sequer saber o nome dele, nem tinha como procurá-lo. Então sentou na beira da calçada, aflito, e decidiu esperar.

Era tudo o que podia fazer no momento.

- Oh, o que você está fazendo aí?

Daniel levou um susto com o som que ouviu meia hora mais tarde e levantou imediatamente. Seu coração se encheu de luz e ele não conseguiu evitar sorrir. Sua voz favorita no mundo havia retornado.

 - Eu estava esperando por você – ele respondeu sorridente, enquanto ouvia o som da caixa de moedas sendo colocada no chão.

- É mesmo? – Seongwu coçou a lateral do pescoço, sem jeito – Desculpe... Eu estava procurando trabalho.

- Você precisa de um trabalho? – Daniel perguntou curioso.

- É... Preciso alugar um lugar para morar com a minha irmã – ele respondeu enquanto ajeitava as coisas para começar a cantar – Meus pais morreram, então sou o único responsável por ela.

Daniel fez um “aaaah” e assentiu com a cabeça. A vida daquele menino não era nada fácil, pelo que ele pensou.

- Se você arrumar um emprego, não vai mais cantar aqui? – ele quis saber.

- Provavelmente não – Seongwu respondeu, ainda entretido arrumando as coisas ao redor de si.

Foi então que Daniel começou a se desesperar. Se ele arrumasse um emprego e não cantasse mais, ele não teria mais sua inspiração diária e não ia mais conseguir compor. Não, ele não podia deixar que algo tão trágico assim acontecesse, não agora que tinha encontrado a voz de sua vida. Então começou a pensar em uma solução, desesperado. Até que algo lhe ocorreu...

- Eu me chamo Kang Daniel – disse, pegando Seongwu de surpresa, e deu dois passos para frente, estendendo a mão na direção onde imaginava que o garoto estava.

- Ong Seongwu – o outro respondeu confuso, enquanto apertava a mão dele.

- Seongwu? – Daniel perguntou, parecendo surpreso – Você é coreano?

- Meus pais... – disse, ainda confuso com aquela apresentação aleatória – Eu nasci aqui.

- Eu nasci aqui também, mas minha mãe era coreana – Daniel sorriu, achando aquela coincidência divertida.

Seongwu também achou que aquilo era um tanto surpreendente, mas continuava tentando entender onde ele queria chegar com aquilo tudo, até que ele continuou:

- Você quer trabalhar para mim, Seongwu? – Daniel disse, sério – Eu te pago o quanto você quiser. Eu também te ofereço hospedagem e alimentação. Tudo o que você precisa fazer é cantar para mim todos os dias.

Seongwu arregalou os olhos e fez uma expressão muito esquisita com o rosto, a qual ele deu graças a deus que Daniel não podia ver. Aquela era a proposta mais estranha que ele já tinha recebido e achou tudo muito suspeito. Por que alguém pagaria a ele para cantar? E ainda daria hospedagem e alimentação? Ele sabia que existiam muitos psicopatas nos dias de hoje, então preferiu nem cogitar essa hipótese.

Tentou negar com o máximo de simpatia possível, mas percebeu que o outro ficou chateado. Se aquela proposta não fosse tão esquisita, até poderia pensar em aceitar, ainda mais na situação que estava. Mas, não podia submeter sua irmã a isso, afinal ele era o único responsável por ela.

Contudo, assim que começou a cantar, percebeu que Daniel havia fechado seus olhos, como sempre fazia, e parecia imensamente em paz. Ele não tinha cara nem jeito de psicopata, mas às vezes essas pessoas enganavam bem. No entanto, a felicidade que ele emitia enquanto o ouvia cantar era tão prazerosa que Seongwu se pegou olhando e cantando diretamente para ele diversas vezes. Para ele, aquilo era um tanto confortável, principalmente porque Daniel não podia vê-lo. Seongwu achava que uma expressão facial podia esconder muitas verdades, mas o tom de voz jamais mentia.

Daniel sentia seu corpo inteiro brilhar na energia que tanto gostava de sentir quando ouvia Seongwu cantar. Ele sentia, de uma forma que não sabia explicar como, que aquela música estava sendo cantada diretamente para ele. Seu coração ainda doía pela rejeição da proposta pelo outro e ele tinha medo de nunca mais poder ouvi-lo novamente, mas, por hora, tudo o que podia fazer era guardar cada detalhe daquela bela voz em seu coração.

 

 

 

Quando Seongwu chegou em casa naquela noite, viu que todas as poucas coisas que tinha estavam jogadas em frente à porta e havia um papel colado nela, que explicava que os novos moradores chegariam na manhã seguinte. Ele olhou ao redor e, pela primeira vez desde que seus pais haviam morrido, não soube o que fazer.

Seola o ajudou a guardar tudo o que tinham dentro de duas bolsas grandes e uma mochila e os dois foram até uma vizinha, a que costumava tomar conta da garota durante o dia. Ela morava em uma pequena casa e tinha oito filhos, ou seja, não havia espaço para mais ninguém. Ela permitiu que os dois ficassem no chão da sala, mas já havia outras crianças dormindo por lá, então ele sabia que eles não poderiam ficar por mais do que uma noite.

- O que você pensa em fazer? – a vizinha perguntou na manhã seguinte, colocando uma caneca de café preto diante do garoto.

- Não sei... – Seongwu suspirou – Tem uma grande amiga da minha mãe que mora em uma cidadezinha no interior, talvez ela pudesse nos dar um abrigo temporário, mas nem mesmo tenho como pagar o transporte até lá.

- Sabe que se eu pudesse eu ajudava vocês, né? – a mulher respondeu e Seongwu assentiu com a cabeça – Mas, também não tenho um centavo.

O garoto tamborilou os dedos na mesa, pensativo. Havia algo que não saia de sua mente desde a noite anterior. Aquela proposta de emprego feita pelo garoto cego, o tal Kang Daniel. Ele sabia que era loucura aceitar algo como aquilo, mas dormir com Seola pelas ruas não seria ainda pior?

Foi então que decidiu apostar toda a sua sorte naquela proposta. Se o garoto fosse mesmo um psicopata, ele daria um jeito de fugir dele e proteger sua irmã. Contudo, havia a possibilidade de que ele fosse mesmo um anjo que os céus haviam mandado para a vida dele. Não dava para saber, no fim das contas.

Seongwu sentou com Seola na beira da calça, na esquina onde ele sempre costumava cantar. Ainda era cedo, passava do meio dia, então ele sabia que o garoto demoraria a aparecer. Com as últimas moedas que tinha, comprou um pão para a pequena e os dois o dividiram enquanto esperavam pelo possível anjo da guarda.

- Ele não é ruim – Seola falou, com a boca cheia de pão – Eu sinto que não é.

- Você nunca nem o viu, Seola – Seongwu a recriminou.

- Ele te ofereceu um emprego, um lugar para a gente ficar e me deu muffins todos os dias – a garotinha deu de ombros – Eu tenho certeza que ele não é ruim.

Seongwu desistiu de discutir aquilo com ela, achando incrível e ao mesmo tempo assustador o quão inocentes as crianças eram. Ficou olhando para as pessoas que passavam de um lado para o outro daquela rua movimentada, perguntando-se como sua vida havia chegado a tal ponto, como ele tinha perdido tudo que tinha assim do nada. A única coisa que lhe restava na vida era Seola, e ele nunca iria se perdoar se algo ruim acontecesse a ela.

Foi quando viu Daniel subir a rua com sua bengala em mãos. Achou incrível como ele andava sozinho pela rua mesmo que não enxergasse nada e mais incrível ainda que ele não se perdesse. Ele nunca havia pensado por aquele lado, então seu coração ficou um pouco mais calmo enquanto se levantava para abordá-lo no meio do caminho.

- Ei... Daniel – Seongwu disse, sem jeito, parando em frente a ele na calçada.

- Oh? – o garoto parou de caminhar no mesmo instante e parecia confuso, tateando o chão com sua bengala – Seongwu? Eu ainda não cheguei à esquina, cheguei?

- Não – o outro respondeu, um pouco tímido – Eu... Queria falar com você. Sobre a sua proposta.

O rosto de Daniel se abriu em um enorme sorriso e ele assentiu com a cabeça. Depois de sugerir que eles fossem sentar em uma das mesinhas que tinha dentro da confeitaria onde ele sempre comprava os muffins, os três foram até lá.

- Sua irmã está com você, né? – Daniel perguntou assim que eles sentaram em uma mesa perto da janela.

Seongwu e Seola se olharam surpresos, já que a garota ainda não tinha dito uma palavra.

- Como você sabia? – ela perguntou, curiosa.

- Posso ouvir seus passos e sua respiração – Daniel sorriu e estendeu a mão – Muito prazer, eu me chamo Kang Daniel.

- Ong Seola – ela respondeu, apertando a mão dele de volta – Obrigada pelos muffins.

- Você quer comer mufins hoje ou quer outra coisa? Pode pedir o que quiser – Daniel disse e a garota saltitou na cadeira de felicidade.

- Você não... Precisa fazer isso... – Seongwu respondeu, sem jeito.

- Lógico que preciso, vocês são meus convidados – Daniel sorriu e pediu que eles escolhessem tudo o que queriam comer. Como ambos estavam apenas com um pedaço de pão no estômago, decidiram aceitar.

Depois de fazerem os pedidos, Seongwu achou que já era a hora de conversar sério, enquanto sua irmã se divertia com os doces que tinha pedido. Ele cada vez se convencia mais de que Daniel não era um psicopata, ainda mais agora que ele estava com a boca toda suja de creme e parecia uma criança comendo – tanto quanto sua irmãzinha – mas, ele não podia se deixar influenciar assim tão fácil.

- Por que você quer que eu trabalhe para você em condições tão boas? – Seongwu perguntou, curioso.

- Eu sou um pianista – Daniel respondeu, entretido com seus bolinhos – Mas, fazia anos que eu não conseguia compor nada... Até que eu ouvi sua voz pela primeira vez. Desde então, tenho ficado até de madrugada compondo ao piano.

Seongwu arregalou os olhos e Seola sorriu, com a bochecha cheia de creme.

- Viu, ele não é um psicopata – a garotinha falou.

- Você acha que eu sou um psicopata? – Daniel virou o corpo para onde ele imaginava que Seongwu estava sentado em sua frente e deu uma risadinha.

- Você pode ser um psicopata – Seongwu resmungou, contrariado.

- Posso – Daniel sorriu – Mas, eu realmente só preciso da sua voz. Você pode fazer isso por mim?

Seongwu acabou sendo levado pelas palavras do outro e, quando viu, já estava caminhando até a casa dele. Tanto ele quanto Seola estavam muito tensos enquanto caminhavam atrás dele na rua, mas o garoto andava com confiança, como se nem mesmo fosse cego.

- Ele é incrível – Seola disse, pasma.

Seongwu nem pôde discordar dela daquela vez.

Foi então que eles chegaram até um semáforo, que estava com o sinal aberto. Seongwu foi rapidamente até Daniel e o segurou pelo braço, preocupado.

- O sinal está aberto – falou, nervoso.

- Obrigado – Daniel deu um sorrisinho e se sentiu muito bem por aquela ajuda. Ele gostava de ser muito independente, então não sabia bem por que tinha gostado daquilo. Seongwu continuou com a mão em volta de seu braço até que eles atravessassem a rua.

Nenhum deles imaginava que a casa de Daniel pudesse ser tão grande. Seongwu estava com o queixo caído quase nas canelas e a garotinha parecia estar diante de um castelo. Um homem abriu o portão para que eles entrassem e Daniel ordenou que outros dois carregassem as bolsas deles. Seongwu ficou se perguntando como ele sabia que eles tinham bolsas pesadas nas mãos.

Seola ainda olhava com admiração para tudo a sua volta, quando eles chegaram até a porta da frente, que também foi aberta para que passassem. Aquilo era praticamente um tratamento de realeza para Seongwu e sua irmã, que jamais haviam chegado perto de uma vida como aquela.

- Você vive aqui sozinho? – Seola perguntou, enquanto uma das empregadas recolhia o casaco dela.

- Sim – Daniel respondeu – Meus pais morreram já faz alguns anos.

- Meus pais também morreram – ela respondeu, enquanto Seongwu apenas olhava tudo ao seu redor, curioso – Eu sinto muito.

- Sinto muito também – Daniel disse, mas logo colocou um sorriso no rosto – Mas, vamos falar sobre algo bom. Quer conhecer o seu quarto?

A garotinha começou a saltitar ao redor dele, então Daniel indicou com a mão a direção onde ela deveria ir. Ele também disse que pediria aos empregados que colocassem cobertores de princesa em sua cama e ela parecia não acreditar que aquilo tudo era verdade.

- Seu quarto é ao lado do quarto da sua irmã – Daniel disse, virando na direção onde ele acreditava que Seongwu estava –Achei que ia querer ficar perto dela.

- Obrigado – Seongwu respondeu, sem jeito.

- Se aloje com calma e me encontre mais tarde no salão do andar de cima, certo?

Daniel se afastou dele ainda com um sorriso nos lábios e começou a subir uma enorme escadaria que havia no centro da sala. Seongwu ficou admirado olhando enquanto ele subia todos aqueles degraus sem se machucar ou tropeçar. Havia milhares de coisas que estavam deixando-o sem fala naquele dia e todas elas tinham a ver com Kang Daniel. 

 

 

 

Seongwu subiu as escadas e foi até o salão principal do segundo andar encontrar Daniel assim que terminou de arrumar as coisas no enorme quarto que lhe haviam providenciado. Ele encontrou o garoto sentado em frente ao piano, tocando uma bela, porém triste melodia. Ele ficou em silêncio enquanto o ouvia tocar e sentiu que aquela canção tocava seu coração de uma forma um tanto especial. Talvez esse fosse o grande dom de pessoas incrivelmente talentosas.

- Seongwu? – Daniel perguntou assim que tocou as últimas teclas do piano.

O garoto se surpreendeu e cada vez se perguntava mais como Daniel sabia de todas aquelas coisas mesmo que não pudesse ver.

- Desculpe, não queria atrapalhar – respondeu, sem jeito.

Daniel balançou a cabeça e sorriu.

- Eu queria mesmo falar com você, sobre como quero que você trabalhe para mim – começou e o outro se aproximou para ouvir a proposta – Gostaria que você pudesse cantar para mim por duas horas, depois do jantar todas as noites, o que você acha?

- Tudo bem – Seongwu achou aquilo um tanto fácil.

- Te pagarei 300 por semana, pode ser? – Daniel completou.

- 300? – Seongwu deu uma gaguejada, pasmo – Uau...

Ele estava mesmo lhe oferecendo toda aquela quantia apenas para trabalhar por duas horas? Parecia como uma enorme fortuna para um garoto como ele que mal fazia isso em um mês de trabalho na fábrica.

- Eu... Realmente espero que você não seja um psicopata – Seongwu disse e Daniel riu – Obrigado pela oportunidade.

- Eu que te agradeço por confiar em mim.

Seongwu ficou olhando para o rosto de Daniel por um tempo e sentiu suas bochechas corarem, mesmo que Daniel não pudesse vê-lo ou sequer saber que ele o estava encarando. Ele era um garoto bonito, aquilo era inegável. Tinha belos traços e um sorriso um tanto acolhedor. Era uma pena que fosse cego, porque se pudesse enxergar, provavelmente faria muito sucesso. Foi então que se deu conta do tipo de coisa que estava pensando e bateu na própria cabeça, para que aqueles pensamentos fossem embora. Naquele momento, um dos empregos entrou, avisando que o jantar já seria servido.

- Vamos lá? – Daniel sorriu e pegou sua bengala.

Seongwu sorriu de volta para ele e achou que era uma pena que ele não pudesse saber quando ele sorria. Então o acompanhou silenciosamente até a escadaria.

- Você tem certeza que não precisa de ajuda para descer? – Seongwu olhava a quantidade enorme de degraus e se perguntava como ele poderia descer tudo aquilo sem se esborrachar no chão.

Daniel pensou por um segundo sobre aquilo. Ele sabia descer aquela escada como a palma de sua mão, já que fazia aquilo todo dia. Contudo, lembrava-se de mais cedo, quando Seongwu segurou seu braço para que atravessassem a rua, e subitamente teve vontade de ser ajudado de novo, ele nem mesmo sabia o porquê.

- Se você quiser me ajudar, eu não vou negar – Daniel respondeu, um pouco sem jeito.

Seongwu suspirou ligeiramente nervoso e então colocou as duas mãos ao redor do braço esquerdo dele, enquanto o outro segurava no corrimão com a mão direita. Daniel gostava da forma carinhosa como ele o ajudava, não como se ele fosse um “coitadinho” que precisava de ajuda. Ele não sabia exatamente como explicar o que sentia vindo de Seongwu, mas com certeza era um sentimento diferente desse.

Seola já havia sido acompanhada pelos empregados e se encontrava na enorme mesa quando eles sentaram para jantar. Daniel havia sentado em seu lugar na ponta e os outros dois sentaram nas cadeiras ao lado dele. Seongwu ficou admirado com a quantidade de comida que havia na mesa e imaginou que, pela primeira vez na vida, iria começar a engordar se ficasse muito tempo naquela casa. Daniel pediu que eles se servissem sem fazer cerimônia e ficou um bom tempo conversando com Seola, como se os dois já fossem bons amigos. Seongwu se perguntava se sua irmã mais nova tinha mesmo razão desde o início, se Daniel era mesmo a boa pessoa que aparentava ser.

- Seola, há algum brinquedo que você gostaria de ter? – Daniel perguntou enquanto se servia sozinho sem deixar a comida cair do prato, aos olhos surpresos dos irmãos.

- Uma boneca! – a garota respondeu no mesmo instante e Seongwu a recriminou.

- Não, não, nada disso – falou antes que ela ficasse empolgada – Não posso aceitar que você compre presentes, não depois de tudo que já nos deu.

Daniel fez uma expressão triste e Seola parecia desapontada com ele. Seongwu se perguntou por que diabos de repente ele parecia ser o vilão da casa.

- Tudo bem... – Daniel suspirou – Nesse caso, gostaria de dar uma olhada nos meus antigos brinquedos? Se não forem comprados não tem problema, certo? – perguntou, virando-se em direção ao garoto.

Seola olhou para ele com os olhos brilhando e ele suspirou, dando-se por vencido.

- Se forem antigos, não tem problema – disse, por fim.

Daniel e Seola sorriram e a garotinha pediu que ele levantasse a mão. Daniel a obedeceu prontamente e então ficou surpreso quando sentiu a mão dela bater de leve na sua. Aquela era a primeira vez que ele batia mãos com alguém e tinha achado incrível. Foi quando se deu conta de que aquelas pessoas talvez proporcionassem a ele muito mais do que apenas algumas novas composições.

Depois do jantar, ele acompanhou a garota até um grande quarto de brinquedos, que continha tudo com o qual ele havia brincado na infância, desde a época em que ainda podia enxergar. Por conta disso, lembrava-se das cores da maioria dos brinquedos e achou divertido recordar boas memórias ao lado da garota. Por fim, ela ficou em seu paraíso particular enquanto os dois voltaram ao salão principal, para que pudessem enfim começar o trabalho.

Seongwu ajudou Daniel a subir as escadas novamente e ele sentia cada vez mais que gostava muito daquela ajuda um tanto desnecessária. Quando chegaram até o salão, Daniel sentou em seu tradicional lugar em frente ao piano e Seongwu ficou parado ao lado dele, sem saber direito o que fazer.

- Eu devo... Apenas cantar qualquer coisa? – Seongwu perguntou, nervoso.

- Talvez... – Daniel ficou pensativo por um instante – Talvez uma música romântica – se decidiu por fim.

- Certo.

Seongwu começou a pensar nas músicas românticas que conhecia e optou por uma que seus pais costumavam ouvir muito. Quando começou a cantá-la, jamais imaginou que Daniel pudesse conhecê-la, então se assustou quando percebeu que estava sendo acompanhado pelo piano.

- Eu amo essa música – Daniel sorria, enquanto passava os dedos com delicadeza pelas teclas do instrumento.

Seongwu sorriu também e cantou com mais vontade. Aquela era a primeira vez que cantava com o acompanhamento de um piano e ele até se sentia um cantor de verdade naquele momento. Quando terminaram, ambos pareciam muito satisfeitos com o resultado.

- Sua voz é mesmo linda, Seongwu – Daniel disse, sorridente.

- Você também é um ótimo pianista, Daniel – Seongwu respondeu, também sorrindo.

Os dois cantaram e tocaram mais três músicas juntos, até que Daniel pediu que Seongwu sentasse ao lado dele no banco em frente ao piano.

- Você deve estar cansado de ficar em pé o tempo todo – disse, preocupado – Quer beber água? Descansar um pouco?

- Você é realmente um bom patrão – Seongwu riu – Eu me sinto bem, obrigado.

Daniel ficou em silêncio por um tempo, um pouco nervoso, como se estivesse hesitando em dizer algo que queria. Demorou para que tomasse coragem, mas achou que deveria dizer, já que era importante para ele.

- Seongwu – disse, temeroso – Posso tocar em seu rosto? Sei que parece estranho, mas essa é a única forma que tenho de saber como você é. Parece esquisito que eu não saiba, já que você até mesmo está na minha casa.

Seongwu ficou olhando para ele um tanto surpreso. Aquele era realmente um pedido nada usual, mas o que era usual quando envolvia aquele garoto?

- Tudo bem, sem problema – respondeu, não sabendo por que se sentia tão nervoso.

- Muito obrigado – Daniel respondeu educadamente e então virou o corpo na direção dele.

Tentou encontrar o rosto dele com a mão por um momento, mas estava um pouco sem jeito pelo súbito toque. Seongwu então o ajudou, pegando em sua mão e a levando devagar até o seu rosto. Daniel deu um sorrisinho, sentindo-se um pouco mais calmo e respirou fundo, antes de começar a analisá-lo.

Aquilo era algo no qual ele era bom, em descobrir como as pessoas eram apenas pelo toque. Claro que não fazia ideia se a imagem mental que tinha condizia mesmo como a pessoa era, mas gostava de imaginá-los assim, era melhor do que não saber, de forma alguma, como a pessoa se parecia. Começou passando os dedos devagar pelas bochechas dele, analisando o formato de seu maxilar de cada um dos lados, chegando até o queixo. Seongwu sentia seu coração bater apressado no peito e nem mesmo sabia por que se sentia tão agitado com aquele toque. As grandes mãos de Daniel deslizavam com cuidado pelo rosto dele, quase como se fossem uma carícia. Com os dedões, sentiu o formato de seus lábios e sorriu ao tocá-lo ali, embora Seongwu não soubesse bem o porquê. Foi quando se viu fechando os olhos, como se pudesse sentir aqueles toques em outro nível com os olhos fechados. Daniel subiu os dedos por seu nariz, contornando o formato calmamente e depois circulou em volta de seus olhos e pelas pálpebras, com toda a doçura possível. Tateou suas sobrancelhas e a testa cuidadosamente. Aproveitou para dar uma analisada em como era o seu cabelo e concluiu nas orelhas. Seongwu abriu os olhos quando sentiu que ele havia terminado.

- Obrigado – Daniel disse – Agora tenho uma imagem sua na minha cabeça.

- Espero que não seja muito feia – Seongwu respondeu e riu.

A imagem que Daniel tinha em sua cabeça naquele momento definitivamente não era feia, mas achou que dizer aquilo para ele era um pouco demais, então apenas deu de ombros. Depois de se sentir reconfortado com a recém-descoberta, achou que já era hora de voltar ao piano.

Seongwu continuou cantando para ele, assim como o combinado e Daniel acabou tendo ainda mais inspiração para uma nova melodia. As duas horas do trato já haviam se passado, mas Seongwu não saiu da sala, empolgado em ouvir o que o outro havia criado. Daniel tocou em algumas teclas e mostrou a ele o que tinha pensado e Seongwu aprovou, achando aquela uma melodia um tanto interessante. Ele ficou bastante chocado que o garoto já tivesse assim tão rapidamente pensado em algo como aquilo e ficou se perguntando se ele era mesmo uma fonte de inspiração tão impressionante. Aquele pensamento aquecia seu coração de certa forma, já que era a primeira vez na vida que ele era importante para alguém.

Daniel finalmente tirou os dedos do piano quatro horas mais tarde, com uma nova música completa. Seongwu já cochilava ao lado dele no banco do piano, enquanto o garoto sorria para si mesmo, satisfeito como não se sentia há muito tempo.

Aquela era a primeira melodia, a primeira que os dois haviam criado juntos.



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