Capítulo LI
“- Eu o havia visto se desculpar, e aquilo foi a parte mais estranha. De longe eu sabia que era o Primeiro Ministro Polonês, e por isso também o cumprimentei. Ele logo perguntou por você, dizendo que estava ansioso para conhecer o Izuku e os meninos. Relevei, pensando que se tratava da curiosidade geral depois que todos souberam do seu casamento e da gravidez de vocês.
- Não enrole, Fuyumi! – pediu já desesperado, enquanto andava de um lado para o outro na cozinha.
- O Enji inventou que os meninos tinham ficado doentes e que por isso vocês estavam cuidando deles. Um grande mentiroso mesmo.
- Isso todos já sabemos, adiante sua narração, por favor.
- Calma, vou chegar lá. Eles meio que trocaram um olhar suspeito, e então o nosso pai foi chamado por outra pessoa. Eu me afastei também, mas quando reparei bem, eles estavam saindo do salão, fui atrás, achei estranho. E com certeza, achei mais estranho ainda o fato deles não terem percebido que eu os seguia.
- Você acha que ele te viu? – Shouto quis saber.
- Isso eu não sei, só sei que foi lá que ouvi, ele estava fazendo um acordo: Ele ofereceu um bom dinheiro no Mamoru, por ser um ômega lúpus, mas o Enji disse que exatamente por isso ele valia mais, então quando Mamoru tivesse o primeiro cio, lá pelos doze ou treze, seria mandado para a Polônia, como moeda de troca em negociações de livre comércio de petróleo entre as nações, para se casar com o tal filho desse Ministro, o problema é que esse alfa, já tem uns 25 anos, ele terá uns 30 e tanto quando o Mamoru se casar com ele. – suspirou.
- E VOCÊ ACHA QUE ESSE É O PROBLEMA? A IDADE? ELE ESTÁ LOUCO? EU VOU MATÁ-LO! – esse tinha sido o berro que atraiu a todos durante a comemoração de ano novo.”
- Não pense que eu concordei com a ideia da Fuyumi. – se desesperou, sentindo pela marca o desgosto e ira que consumiam seu ômega.
- Que ideia, Shouto? – a voz era completamente fria.
- B-bem, ela disse que se eu não fizesse nada por enquanto, pelo menos teremos o tempo desses anos para descobrir e recolher todas as provas necessárias para que o Enji nunca saía da cadeia.
- ANOS? – respirou fundo, lembrando que estava em um hospital e não queria que aquela conversa fosse interrompida. - Você espera q-que eu viva por anos com essa faca sobre a cabeça do meu filho? – a voz embargava, mas nenhuma lágrima ousou cair de tamanha raiva que sentia.
- Não, claro que não! Eu só... Não sei o que fazer, acha que vou deixar ele fazer isso? É óbvio que não, no Japão esse tipo de negócio é criminoso, mas precisamos de provas para acusá-lo, então, eu... – se levantou, andando para todos os lados enquanto bagunçava os fios bicolores.
Um silêncio enlouquecedor se fez presente, tudo que Todoroki podia ouvir era a respiração pesada de Izuku que buscava se controlar a todo custo. O esverdeado se sentia cansado e abatido, seu corpo inteiro doía e não era para menos, mas a sombra em seu coração era o que mais lhe causava dor naquele momento.
- Izuku, eu sei que errei, mas... – a mão levantada do menor o fez se auto interromper.
- Chega, Shouto, não quero suas desculpas, errado é o seu pai, você, traiu a minha confiança. Chame o médico, por favor, quero ir para casa ver meus filhos.
Nunca, algo tinha doído tanto para o lúpus, nada se compararia a receber aquele gélido olhar e duras palavras da pessoa que amava. Se necessário, se atiraria ao chão e imploraria pelo perdão do esposo, entretanto, tinha convicção de que naquele momento tal atitude não ajudaria em nada. Se retirou do quarto, indo apenas fazer o que lhe haviam pedido.
[...]
Ter sido carregado até o quarto do casal, foi uma das coisas mais ultrajantes que Izuku precisou se submeter, suas pernas ainda não sustentavam o peso do próprio corpo sem parecer o Bambe que seus filhos tanto gostavam, mesmo sem entender muita coisa do desenho. A verdade era que precisava de um tempo para si, um momento sozinho para pensar, se acalmar e não agir impulsivamente.
- Vou buscar os meninos na casa da Fuyumi, ficará bem sozinho? – depois de acomodá-lo na cama, o alfa perguntou.
No entanto, a resposta não veio, o ômega apenas virou o rosto para o lado oposto, evitando o olhar do maior.
- Não demoro. – novamente a resposta não veio. Resignou-se, saindo do ambiente de forma silenciosa.
Com a saída do marido, Izuku pôde finalmente respirar em paz, sentia as grossas e quentes lágrimas banharem suas sardas e não fazia mais esforço de contê-las. Precisava extravasar de alguma forma ou enlouqueceria, sentia ódio pela própria impotência, sentindo-se um fraco por nem mesmo ter como fazer algo por seus filhos, e por mais que soubesse que Shouto não era o responsável por nada que lhes acontecia e com toda certeza, o alfa deveria estar sofrendo tanto quando si, naquele momento precisava jogar a culpa em alguém; de forma lamentável, o dicromático tornou-se o alvo.
[...]
O lúpus já havia feito de tudo, tentando conversar com o mais novo diversas vezes, até mesmo implorar ele acreditava já ter feito, podia sentir que Izuku estava dividido mesmo que não soubesse bem o porquê, no entanto, o ômega se mantinha irredutível, sem se quer olhar em sua direção completamente. Nos primeiros dias, por conta da pouca mobilidade de Izuku em recuperação ainda, o meio-ruivo era o responsável por cuidar das crianças e do próprio marido, facilitando assim que tivessem pelo menos o mínimo de contato, porém depois de duas semanas, quando o alfa voltou ao trabalho, sentiu que a distancia entre eles só aumentava.
- Ashido, poderia, por favor, falar com ele? Eu realmente não sei mais o que fazer. – suspirou encostando-se no balcão.
- Você sabe muito bem que fui completamente contra esse plano, por que deveria ajudá-lo? – cruzou os braços.
- Eu... – se auto-interrompeu. - Não sei mais o que fazer, me dói demais o silêncio dele. – abaixou a cabeça.
Não era comum um alfa demostrar fraqueza, ainda mais fraqueza emocional, nem mesmo a própria família tinha o costume de compartilhar nada, mas ali estava ele, um lúpus despido de seu orgulho, mostrando o quão cabisbaixo estava pelo simples fato de seu companheiro o estar ignorando. Pela sociedade, Todoroki teria todo o direito de obrigar o esverdeado ao que bem quisesse e não só questões de cunho sexual, que ele poderia alegar estar sendo negligenciado, porém também, o fato do menor se quer lhe responder quando perguntava algo, isso certamente já teria sido motivo de castigos físicos em qualquer outro casamento, afinal, Shouto era o “dono” dele.
- Tudo bem. – se compadeceu. - Eu precisava mesmo levar uns documentos para ele assinar sobre a reinauguração da outra loja, aproveito e converso com ele quando sair daqui.
- Obrigado, muito obrigado. – quase sorriu.
- Não me agradeça ainda, irei ouvir os motivos do Izuku-cham, e se forem plausíveis o suficiente, saiba que ficarei do lado dele. – encerrou, vendo que um cliente entrara na livraria.
Não era o ideal, mas era alguma coisa. Se a alfa rosada conseguisse pelo menos tirar algumas palavras dele, já seria o suficiente. Shouto tinha a impressão que fazia dias que não ouvia o seu nome ser pronunciado pelo outro, e ele não estava errado, tudo que se ouvia de interação do ômega era com os filhos e nada mais. Uma vez que ele se recusou a receber qualquer pessoa que fosse, se sentindo traído por todos os amigos, apenas Asui tinha sido recebida, vindo em nome do marido que não queria deixar o sócio constrangido, pediu que a mulher tratasse em seu lugar sobre como fariam em relação a abertura da loja.
Uma verdadeira confusão. O esverdeado estava tão absorto em seus pensamentos e tristeza, que esqueceu de algo fundamental no presente: como resolveria o escândalo do hut de Todoroki. Quando finalmente sentou para avaliar os possíveis danos colaterais, avaliando tudo o que era postado na mídia, descobriu que tudo que falavam era em relação ao lúpus ter o princípio de cio durante a inauguração da sua livraria e que em seguida eles haviam saído do local. Embora houvessem muitas fotos dos beijos nada castos do heterocromático, milagrosamente o caso parecia ter sido abafado, sem nenhuma especulação de que eles teriam passado todo o período ali dentro.
E com certeza se isso chegasse a conhecimento público, o conservadorismo das famílias tradicionais japonesas, poriam seu negócio a falência antes mesmo de começar, já que era até possível imaginar mães passando para a calçada oposta, como se o simples fato de serem vistos próximos a faixada da livraria, os contaminaria com aquele antro. Entretanto, por mais que não soubesse ou não quisesse nomear o santo – sendo fácil imaginar quem não gostava de escândalos e teria o poder para abafar tal – se sentia aliviado, precisariam apenas esperar um pouco mais de tempo até que outra coisa chamasse mais atenção nos tabloides e assim a livraria seria apenas mais uma loja naquela região.
[...]
Fuyumi andava de um lado para o outro naquele parque, já fazia quase um mês desde que recebera o primeiro e-mail com aquela história. Eram sempre contas diferentes, mas todas assinadas com o mesmo remetente, o problema era a dúvida sobre a sua autenticidade, como saberia que se tratava de quem realmente estava dizendo ser? Não importava quantas vezes tentasse, o remetente nunca era encontrado quando tentava responder as mensagens, como se a conta fosse excluída logo após o envio. No entanto, o último continha algo diferente, há dois dias instruções haviam sido adicionadas, todas lhe indicando o que deveria fazer para aquele momento em específico. As 16h, a alfa ouviu o tom de chamada, esta que foi atendida ao segundo toque:
- Natsuo? Você está aí? – de forma insegura e quase inaudível perguntou.
- Está me ligando de um aparelho novo? É pré-pago? – a voz grave um tanto semelhante a de Enji questionou em resposta.
- Meus deuses, Natsuo! Onde você está?!
- Responda!
- Sim, sim! Eu fiz exatamente como você tinha dito, fui eu mesma comprar um aparelho, escolhi um que ainda abre e remove a bateria, comprei longe do centro e também comprei o chip em uma banca de jornal no metrô, coloquei os créditos lá mesmo e ativei com o documento de um funcionário de outra filial minha, uma em Nagoya. – explicou exacerbada. - Onde você está? Para quê tudo isso? Você está fora do país? Esse número é estranho.
- Estou em Londres, em uma cabine pública na verdade e depois que eu te explicar tudo, você vai entender o meu cuidado...
E lá se foram apenas alguns minutos de ligação, talvez nem chegasse a meia hora, mas o suficiente para que a alfa entendesse a gravidade da situação que rodeava a todos. Ela não sabia como lidar com aquilo, muitas informações de uma só vez, tantas que sentia sua cabeça rodar, a obrigando a sentar em um banco próximo.
- O que eu faço? – buscou a ajuda do irmão, não tinha motivos para duvidar dele, o problema era que realmente não sabia o que fazer.
- Por enquanto, nada. Como lhe disse, ainda vai demorar uns meses para que eu consiga tudo de forma definitiva, meus contatos aqui na Inglaterra me avisaram que estavam sendo vigiados, então, obviamente, não poderemos agir por um tempo, estou pensando em ir aos Estados Unidos, talvez, ou outro lugar, preciso sumir um pouco, mas voltarei a entrar em contato.
- E o Shouto? O que digo a ele?
- Absolutamente, nada, nada dessa conversa deve chegar ao ouvido dele, já deve estar sendo muito difícil lidar com tudo isso sobre a venda do filho ômega dele, não podemos colocar mais pressão, por enquanto sigam com o plano de vocês, quanto mais reunirmos, melhor. Ah! A propósito, eu vi uma foto dos meus sobrinhos por esses dias, algo sobre uma inauguração e cio, eles são bem bonitos... – e pela primeira vez desde que aquela ligação iniciara, Fuyumi se permitiu sorrir. - O ômega de Shouto também, o garoto tem bom gosto. – riu do próprio comentário. - Só lamento não poder conhecê-los ainda, mamãe ficaria encantada com eles, quem diria que o caçula se casaria primeiro? Bem, se cuide e não esqueça...
- Não se preocupe, vou descartar o aparelho e o chip separadamente. Se cuide também, e me dê notícias para que eu saiba que está tudo bem com você. – pediu.
- Tentarei. Até mais, querida irmã. – encerrou, nem permitindo que a outra desse seu adeus.
A quase albina ainda se demorou por ali, refletindo sobre tudo que acontecia e aconteceria dali para frente, mas se tudo desse certo, era no máximo um ano até que todos tivessem a devida paz. Rogava as divindades que sim. Ficou tanto tempo imersa em sua mente que só se deu conta do horário quando percebeu por fim as luzes dos postes amarelados, substituindo a iluminação natural. Precisava ir para casa, não teria mais cabeça para voltar ao trabalho e encarar o turno da noite, mesmo que possivelmente tivesse uma ou outra reunião com os professores noturnos. Estava exausta, por isso nem percebeu alguém que a chamava a distância, se assustando quando uma mão tocou seu ombro.
- Você não anda, corre! – a rosada parou para respirar, recuperando o fôlego de uma provável carreira. - Está tudo bem? Parecia distraída. – observou.
- Só o estresse cotidiano.
- Dia difícil para os Todoroki’s? – brincou.
- Como assim?
- Eu fui falar com o Izuku-cham a pedido do seu irmão, problemas no paraíso, sabe.
- A culpa é minha, mas nem mesmo tive tempo de ir me desculpar com ele, Shouto deve estar tendo que lidar com tudo sozinho e para o Izuku-kun também não deve estar sendo fácil. – suspirou.
- Acho que agora vão ficar bem. – notou a curiosidade surgir no rosto da mais velha. - Está ocupada? Não quer ir comer alguma coisa comigo? Vamos beber e esquecer os problemas. – convidou de forma animada.
- Beber numa quarta-feira?
- A pergunta certa é: por que não beber numa quarta-feira? – sorriu, logo passou o braço sobre o ombro alheio. - Aquele ali é o seu carro? Vamos, conheço um lugar que tem um Yakiniku excelente.
Só restou a Fuyumi se deixar levar, com certeza precisava de uma distração, e Mina parecia ser a pessoa certa para isso, sempre tão animada e brincalhona, talvez lhe fizesse bem naquele momento; uma noite apenas sem pensar nos eminentes problemas não iria a matar.
[...]
Infelizmente fora obrigado a ir para uma chata reunião, com pessoas chatas. Parte da vida de um assessor, era ter que praticamente bajular velhos – em sua maioria – rabugentos, com falas retrógadas e insuportáveis. Lidou sem dificuldades com o jantar, nada muito do que viveu a vida inteira. Tentou avisar a Izuku sobre o fato de que não jantaria em casa, mas ao ver a mesa com sua comida bem servida, embora coberta, sabia que o mais novo não deveria ter visto o recado no celular. Realmente era uma situação complicada, havia deixado de ligar para o outro porque nunca era atendido, e saber que nem mesmo suas mensagens eram lidas, o machucava.
Retirou o paletó, colocando na cadeira ao lado da sua, afrouxando a gravata e desabotoando as mangas e colarinho. Sentiu a coluna reclamar, o dia tinha o atribulado e tudo que queria era poder tomar um banho e dormir. Provavelmente àquela hora todos já estariam dormindo, mas ainda assim passaria para ver os meninos antes, tomaria o merecido banho no banheiro do corredor para não despertar o esposo e só então se dirigiria ao quarto, para mais uma noite onde se quer poderia abraçar o companheiro.
Decidiu guardar as comidas na geladeira, mesmo com o clima ameno, ainda poderiam estragar, as comeria no dejejum, porém quando viu do que se tratava, franziu o cenho, ali em sua frente estava o seu tão amado soba frio, o prato que era seu favorito desde que se entendia por gente, mas o que não fazia sentido era o seu ômega haver o cozinhado para si, não estava com fome, no entanto se sentiu na obrigação de comer, sabendo como era difícil preparar aquilo e imaginando o esposo lhe esperando para o jantar com os meninos enquanto ele estava lá rodeado da escória da sociedade.
- Não precisa comer se não tiver fome. – a voz suave atrás de si o assustou.
- Eu estou com fome. – queria agradar o outro.
- Não minta para mim, Shouto, eu conheço você, ou eu acho. – sussurrou desnecessariamente a última parte, fazendo a alegria que o alfa sentiu de finalmente ouvir seu nome da boca alheia sumir.
- Hum, me desculpe. – pediu constrangido. Mas antes que pudessem criar um clima ainda mais desconfortável o ômega falou:
- Podemos conversar? Acho que precisamos resolver isso de uma vez por todas. – e Todoroki sentiu seu sangue gelar com a seriedade do esverdeado a sua frente
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