Acordei e o sol ainda estava nascendo. Eu estava coberta por um cobertor que eu não lembrava de ter pegado na noite anterior.
Escutei um barulho vindo da cozinha e me levantei nem me dando o trabalho de calçar alguma coisa. Cruzei os braços tentando me aquecer na manhã fria de Hamburgo porque eu ainda usava o mesmo vestido de ontem
Andei devagar até chegar a pequena cozinha que havia depois da sala mas que não eram separadas por uma parede.
Vi Paul preparando alguma coisa para beber, provavelmente chá, ele percebeu minha presença e falou sem se virar para mim:
- Bom dia
- Bom dia
- Está com fome?
- Não obrigada
- Mas você não come nada desde ontem à tarde
- Eu to bem, só não estou com fome
- Então ta – ficamos em silêncio
- Paul, sobre ontem... – eu estava com medo de falar alguma coisa errada e que fizesse Paul ficar só com mais raiva de mim. Ele se virou deixando de lado o que estava fazendo para esperar que eu terminasse a frase – Eu agi sem pensar, eu só falei aquilo tudo porque estava com raiva e queria contrariar Astrid. Eu nunca teria dito aquilo sobre ela e também nunca teria dito que não amava ninguém porque há muitas pessoas que eu amo nesse mundo e de todas elas você é a mais especial, mas vocês estavam sempre a protegendo, dando atenção, viviam falando sobre ela até quando ela não estava perto e aquilo me incomodava. Eu me sentia excluída de certa forma e tudo que eu queria era só que vocês voltassem a ser como antes, principalmente você. Desculpa se o que eu falei sem pensar de certo modo te magoou ou se eu estou sendo uma chata, eu devo ser a pior namorada do mundo
Ele continuou em silêncio me olhando e aquilo só meu deixava mais apreensiva
- Fala alguma coisa – eu disse
- O que você quer que eu diga? – percebi que ele continuava magoado comigo
- Nada, não precisa falar nada, eu só queria pedir desculpas, mas você tem todo o direito de ficar com raiva de mim, eu nem sei por que eu vim para cá, talvez tivesse sido melhor ficar em Liverpool e... – ele deslizou sua mão até a minha e a segurou de leve entrelaçando seus dedos nos meus, fiquei sem fala, não entendia o que ele estava fazendo, se ainda estava com raiva de mim ou se já tinha me desculpado. Devagar ele deslizou sua mão pelo meu braço e eu senti um arrepio, ele segurou minha cintura agora com as duas mãos e me puxou para perto dele, tentei falar alguma coisa, pedir uma resposta, mas a minha voz não saía e o máximo que consegui sussurrar foi o nome dele.
Nossos rostos estavam tão perto que conseguia sentir sua respiração, quente assim como todo seu corpo, ele fechou os olhos e me beijou com sutileza e fervor ao mesmo tempo. Minha mão acariciava sua nunca e ele segurava firme minha cintura, aquilo era como se fosse nosso primeiro beijo, nosso primeiro toque, eu não sabia por que mas sentia que a cada dia que passava Paul tinha mais domínio sobre mim e a vontade de tê-lo para todo sempre só aumentava.
Nossos lábios se afastaram e eu abri meus olhos, ele me encarou por alguns segundos e eu ainda tinha minha mão em sua nuca. Ele me abraçou forte como se o mundo estivesse acabando naquele momento e esse fosse o nosso último abraço, seu corpo quente me aquecia do frio e seu cheiro era um alívio imenso depois de tudo que havia acontecido. Senti como se tivesse perdido tudo de mais importante para mim no universo e que agora o havia recuperado.
Ele não tinha me respondido nada mas isso já não me importava mais, tudo o que eu queria era continuar perto dele, para sempre se eu pudesse.
- Ninguém fez o certo nessa história, eu devia ter te dado mais atenção e percebido o quanto eu estava irritando minha namorada ciumenta – ele tocou a ponta do meu nariz com o dedo e sorriu
- Eu sentia a sua falta, você quase nunca ficava comigo...
- Eu sei, mas agora eu prometo que vou te dar mais atenção daqui para frente se você controlar esse seu ciúme mocinha, já passei por muita coisa com a Rebecca, não quero que isso se repita com nós.
- E não vai, eu não sou uma desequilibrada mental – sorri
- Eu te amo sabia?
- Também te amo Paul – o abracei novamente
- To vendo que o casal mais meloso de Liverpool já se acertou não é mesmo? – John falou chegando na cozinha vestido só com uma calça
- Acordou cedo por que Lennon? – Paul perguntou abraçando minha cintura por trás
- Eu nem dormi, só o Pete mesmo
- Viu, eu disse para vocês não ficarem tomando aquelas drogas
- Pelo menos nos mantém acordados na hora do show – John pegou um copo d’água
- É, na hora do show e por mais 24 horas
- Temos que pagar o preço não é – Paul falou
- Então... a Astrid vai ao clube esta noite? – perguntei
- Anna, deixa essa história para lá, em poucas semanas nós voltamos para Liverpool
- Não Paul, eu quero conversar com ela, como amiga eu prometo – ele suspirou e sorriu
- Então ta, ela vai nos ver hoje sim
- Ótimo!
O resto do dia os meninos resolveram ficar em casa, menos Stu que havia dormido na casa de Astrid, jogamos vários jogos e conversamos sobre várias coisas e eu me sentia bem por tê-los por perto de novo.
A noite chegou e eu fui me arrumar para ir ao clube com os meninos, quando chegamos Paul se despediu e foi para o palco deixando só eu e Astrid na mesa. Puxei a cadeira e me sentei ao lado dela, deu para perceber que ela estava um pouco atrapalhada com aquilo tudo mas eu havia tomado a minha decisão desde ontem a noite e não voltaria atrás agora
- Olá Astrid
- Olá Anna, como você está?
- Ótima e você?
- Bem também – eu sorri – Sabe Anna sobre ontem à noite o clima não estava muito legal mesmo, eu não queria que fosse assim
- Eu também não Astrid, mas às vezes por falta de uma simples conversa as pessoas acabam fazendo as coisas sem pensar, eu não tenho nada contra você e espero que também não tenha nada contra mim
- É claro que não tenho, pelo contrário, eu admiro essa sua atitude, esse seu jeito, eu não queria atrapalhar a sua relação com os meninos, desculpa se alguma vez eu falei alguma coisa que não devia
Sim ela já havia dito uma vez uma coisa que me fez querer torturá-la com as minhas próprias mãos, ela em uma conversa disse para John que ele tinha ciúmes dela com Stu, e que não era pelo melhor amigo era por ela mesma. Eu só havia escutado essa conversa porque estava perto e ela achou que eu não me importaria mas por raiva acabei dizendo “Ele não tem ciúmes de você Astrid, é mais fácil John ter ciúmes de um cachorro do que de você, ele não é como os garotos que costumam te rodear, você não conhece John Lennon há muito tempo então eu só vou te avisar uma coisa, para ele você é apenas mais uma das alemãs que ele vai dormir e depois quando voltar para Liverpool, para perto da namorada, vai esquecer” ela ficou um pouco sem graça e deu uma desculpa para sair da conversa, John apenas disse “também não precisava falar desse jeito com ela” e saiu
- Acho que eu também não falei muitas coisas que eram necessárias
- Amigas então? – ela estendeu a mão para um aperto então a segurei
- Amigas!
Continuamos assistindo os garotos e a cada dia eles melhoravam suas habilidades nos instrumentos. Conversamos sobre várias coisas e descobri que Astrid não era bem a pessoa que eu achava ser desde o começo, ela só queria Stu, estava perdidamente apaixonada por ele.
Os garotos já estavam no final da terceira hora de apresentação quando quatro policiais altos, fortes e com punhais nas mãos entraram no clube. No começo achamos que estavam de folga e que eram clientes mas eles se dirigiram rapidamente para o lugar onde os meninos estavam, eles pararam de tocar e um policial disse algo como:
- Bitte zeigen Sie die Identitäten
Astrid correu para perto deles e eu a segui
- Ele pediu para mostrarem as identidades
- Identidade? – Paul olhou para George que engoliu seco
John mostrou a sua, depois Pete, Stuart, Paul e quando chegou na vez de George, Astrid disse para os policiais:
- Er hat erst 17 Jahre (Ele tem apenas 17 anos)
- Ich wusste! (Eu sabia!) – dois policiais agarraram George só lhe dando tempo de entregar sua guitarra ao Paul
- Espera, mas ele está com a gente, ele tem uma banda
- Desculpa mocinha mas a regra é clara, vocês deviam saber que menor de 18 anos depois da meia noite é proibido! – o policial falou e levando George
- Aquenta firme pirralho, nós vamos te buscar – John gritou
- Já era John, eles não vão deixar George sair, ainda mais sendo inglês – Astrid sentou na beirada do palco, todos no bar estavam olhando nos assustados com o acontecido
- Não! Eu não vou deixar que façam nada NÃO COM O GEORGE! – falei pegando meu casaco
- Aonde você vai? – Paul perguntou
- Na delegacia para onde levaram ele ué
- Sozinha?
- Lógico que não, vocês vêm comigo – puxei Astrid e os outros vieram logo atrás depois de guardarem os instrumentos e pedir a permissão ao dono do pub para saírem
-DEPORTADO? Como assim o George vai ser deportado? – gritei
- Calma Anna, ele não tem idade o suficiente para ficar na Alemanha sendo de outro país e não tendo um visto, o mínimo que eles podem fazer é deportá-lo – Astrid colocou a mão no meu ombro e eu tampava minha boca com a mão
- Imagina como ele vai se sentir Astrid, sozinho voltando para Liverpool depois de ser deportado da Alemanha, não é justo, ele queria tanto isso...
- Não há nada que possamos fazer Anna – Paul falou
- Há sim, e é o que eu vou fazer!
Sai depressa da delegacia e pedi para que os meninos me levassem para casa, já estava quase amanhecendo e George seria levado até o trem em duas horas, depois disso pegaria um navio e outro trem até chegar em Liverpool.
Abri a porta correndo e peguei todas as minhas roupas que estavam no guarda roupa, Paul sem entender nada veio atrás de mim assim como todos os outros
- O que você está fazendo? – ele perguntou
- Indo embora
- Mas Anna, nós todos vamos continuar aqui, George sabe o caminho de volta
- É Paul? Imagina se fosse você? George é o mais novo e foi deportado por isso sem ter culpa nenhuma, eu vou com ele, está decidido e pronto!
- Por que você protege tanto o Harrison enh?
- Porque ele é como um irmão para mim Paul, um irmão que eu nunca tive
- É só por isso mesmo
- É claro que sim, deixa de ser paranóico e me ajuda a arrumar essas coisas
Quando chegamos à estação George já estava a espera do trem mas não havia nenhum policial por perto, ele estava sentando em um banco e Paul levava suas malas
- Até que em fim vocês chegaram, mas eu não trouxe esse tanto de malas não...
- Eu também vou voltar para casa George, o que tinha que acontecer em Hamburgo aconteceu – ele sorriu
- Obrigado Anna, achei que teria que enfrentar todas essas horas de viagem sozinho
O trem chegou e George e eu nos despedimos do restante
- Tchau Pete... Tchau Stuart... Foi um prazer te conhecer Astrid, mesmo depois de tudo, é bom termos nos entendido
- O prazer foi meu Anna e lembra de mandar cartas viu? – ela me abraçou
- Eu vou mandar – sorri e me aproximei de Paul – Então... tchau?
- Até mais – ele sorriu e me beijou, um beijo rápido mas o suficiente para me arrancar a respiração e acelerar meu coração – vou sentir saudades
- Não vai ser por muito tempo – o abracei e acenei para os outros enquanto entrava no vagão
George e eu nos assentamos e eu passei quase toda a viagem dormindo, na maioria das vezes que eu acordava entre um cochilo e outro estava com a cabeça apoiada em seu ombro e agarrada a um sobretudo mas ele não parecia se importar, olhava apenas para a janela dando ao seu rosto um ar maduro, era incapaz de dizer que tinha acabado de ser deportado de um país por não ter idade o suficiente.
Assim que a primeira viagem de trem terminou pegamos um navio que fez com que chegássemos à outra estação de trem após o escurecer.
Dessa vez eu sentei na janela e quase não havíamos conversado durante a viagem todo quando ele falou:
- Você só veio porque estava com saudade Liverpool? – sorri um pouco cansada
- Também não queria que voltasse sozinho
- Eu não sou nenhuma criança
- Não importa – o abracei deixando com que minha cabeça se apoiasse em seu peito e continuei olhando para fora. Ele ficou em silencio por alguns segundos até voltar a falar novamente
- Você é estranha sabia?
- Sou?
- Sim, as vezes você fala umas coisas que parece...
- Parece o que?
- Parece que você conhece todo mundo, cada segredo ou cada ponto onde tocar, suas brigas com a Astrid não foram pelo Paul, foram pelo John
- Havia prometido a Cynthia...
- Não, os ciúmes pertenciam só a você
- É eu gosto do John, ele é um amigo muitos especial, assim como você
- Mas não é como Stuart e Pete, você não sente a mesma coisa por eles não é?
- São casos diferentes...
- Diferentes como?
- Me identifico mais com vocês
- e em que você se identifica comigo? – o encarei por um tempo
- nascemos no mesmo mês Harrison – eu sorri
- Você entendeu o que eu quis dizer, vai fala...
- Sei lá, você não escolher seu be... quer dizer, seu amigo favorito, é ele que te escolhe, o tempo, as diferenças e as coisas em comum, é tudo uma questão de universo George, ele sempre conspira a nosso favor
- E um dia eu teria a chance de ser mais que seu amigo? – ele aproximou se rosto do meu, agora eu estava focada em seus olhos castanhos, completamente hipnotizada
- Você é mais do que meu amigo – falei quase sussurrando
- Não vem com aquela conversa de irmão...
- Não é nada de irmão George
- Então me explica Anna, explica o que você sente por mim afinal
- Eu... eu... te admiro – falei me afastando e me encostando na janela ainda virada para ele
- Admira como se eu nunca fiz nada que prestasse nessa vida?
- Você acha que não
- Mas pouco me importa, o que você sente por mim não é admiração e isso está bem claro
Antes que eu pudesse falar alguma coisa suas mãos envolveram minha cintura e em frações de segundos eu senti seu corpo pesado sobre o meu, sua boca se aproximando cada vez mais, seu hálito refrescante e quente ao mesmo tempo, suas mãos deslizavam pelas minhas costas no centro de um decote deixado pelo vestido vermelho. Tentei afastá-lo com o pouco da razão que ainda me restava mas eles foi mais rápido e me segurou contra seu corpo com mais força. Quando percebi já estava o beijando, seus lábios macios encaixados com o meu, movimentando-se rápido e me deixando quase sem ar. Eu segurei sua nunca, não poderia lutar contra George, eu nem ao menos sabia porque estava fazendo aquilo mas me deixei levar pelo instinto. O beijo continuava cada vez mais excitante, sua mão deslizava pela minha cintura até chegar a minha coxa, ele a deslizou suavemente subindo e descendo acompanhado pela beirada do vestido. Naquele momento a imagem de Paul surgiu na minha mente, as noites em que passamos juntos, todas as brigas e todos os pedidos de desculpa, o que eu senti quando brigamos naquela noite em Hamburgo, aquele sentimento de ter perdido quem eu mais amava na vida e agora eu só estava me dirigindo para o mesmo caminho só que cem vezes pior, se continuássemos com certeza eu perderia Paul de vez.
Afastei George em um impulso, continuei encostada na janela com a respiração ofegante
- Não era mesmo só admiração, aquilo tudo que você me disse no navio, “As vezes as pessoas tomam uma decisão que nem sempre é a que queriam tomar...” você estava falando de você e o Paul não é? Eu sei Anna
- Não George! - Ele segurou meus braços com força
- Então fala, pelo amor de Deus fala logo, eu não quero mais ficar no meio de vocês dois, me fala de uma vez, com quem você vai ficar... comigo ou com o Paul?
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