As risadas despreocupadas percorriam por entre as árvores de grossas copas. A fogueira montada de forma precária aquecia os garotos com as roupas levemente molhadas e ajudava a manter o clima tranquilo entre os meninos que vez ou outra olhavam para trás nervosos com medo de alguém aparecer.
Histórias de terror corriam soltas e a graça era assustar algum dos garotos que iam mijar atrás do matinho.
— Hoje foi bom, né? — Daehyun perguntou baixo. Não sabia se tinha intimidade o bastante para conversar abertamente com os outros dois integrantes do grupo, mesmo Youngjae afirmando que ele podia ficar tranquilo.
— Foi sim. — Yongguk sorriu ao colega e Jongup apenas confirmou com a cabeça, enquanto Youngjae estava ocupado demais cochilando apoiado na mochila do Jung.
Jongup não estava completamente atento nas conversas. Preferia espiar o sol que fazia menção de querer aparecer por entre os troncos das árvores, iluminando também a água clara do riacho onde mais cedo brincaram.
A intenção não era molhar as roupas que estavam usando, mas na brincadeira de empurrar e jogar água um no outro, até o pobre Daehyun saiu molhado, e a fogueira que armaram ajudava a secar os tecidos também.
— Já está amanhecendo… você pode acompanhar Youngjae ou quer que a gente chame um Uber pra ele? — O Bang questionou baixinho ao se levantar junto do Moon.
Daehyun pensou por alguns segundos antes de responder.
— Ele vai gostar se eu acompanhá-lo?
— Com toda certeza.
— Então irei. — Daehyun sorriu pequeno chamando o namorado com carinho, balançando o ombro esquerdo do rapaz moreno, acordando-o.
Yongguk sorriu pequeno dando a mão para Jongup e seguindo em direção a saída da floresta. O Moon tropeçava em algumas raízes e o Bang o apoiava com os braços firmes e um murmuro pedindo cautela.
Jongup estava exausto e seu nariz parecia doer mais ainda em contato com o ar frio da madrugada entrando em suas vias aéreas. Doía bastante.
Yongguk procurava qualquer Uber ou táxi na madrugada mas não encontrava, então a melhor e única opção era andar. Os dois não ligavam para isso, afinal eram apenas alguns vinte minutos a pé e poucos dez de carro.
— Gup, tá bem tarde então a gente vai ter que ir andando mesmo, tudo bem por ti? — Sussurrou em um tom tão baixo que duvidou que o Moon tivesse ouvido, até mesmo pelo estado de torpor no qual se encontrava.
O acastanhado assentiu positivamente com os olhos quase fechando novamente os olhos e não abrindo até ter o corpo completamente descansado novamente.
Os passos pareciam infinitos e conforme o sol surgia no horizonte, por entre as casinhas bonitinhas e bem alinhadas lado a lado, o vento frio da madrugada deixava as ruas. O sol começava a iluminar a rua antes escuras e algumas pessoas saiam a pé ou com seus carros em direção aos trabalhos, e com isso, Yongguk e o Moon podiam apenas torcer para que não fosse ninguém conhecido para entregar-lhes para seus pais.
[...]
— Vamos, Jae, estamos chegando, só mais alguns passos… — Daehyun murmurou ao pé da orelha do Yoo enquanto terminava de subir a ladeira que levaria até a casa do mesmo.
Youngjae sabia que estava chegando, mas a preguiça falava mais alto e andar parecia uma tarefa impossível, não sabia ao menos se chegaria em seu quarto, e por isso, quando Daehyun abriu a porta da frente e fez menção de se despedir, segurou seu pulso e lhe lançou um olhar parecido com um cãozinho caído do caminhão de mudanças, e com isso, um sorrisinho brotou nos lábios do Jung.
Passou as mãos pela cintura de Youngjae e o guiou escada a cima enquanto procuravam o aposento do Yoo tentando não fazer nenhum barulho sequer.
O quarto de Youngjae era infantilizado. Havia prateleiras com alguns brinquedos antigos e também livros atuais. Havia pôsteres de bandas recentes e também de algumas que o Jung duvidava que Youngjae ainda gostasse. Paredes azuis claras e uma só pintada de branco, onde se espalhavam várias fotografias. Daehyun sorriu ao ver uma sua com Youngjae ao lado. Fora em seu primeiro encontro.
— Tu guardou a foto… — murmurou com um sorriso, sentindo algo esquisito em seu peito. Era conforto mesclado com algo pesado. Talvez nostalgia? Daehyun não sabia, mas sabia que ao mesmo tempo que gostava dessa sensação, ela lhe incomodava.
— Guardei. — Youngjae disse finalmente; arrancando as roupas e ficando apenas de cueca, sem ao menos se importar com o Jung ali.
Deitou-se em baixo das cobertas e acenou preguiçoso para Daehyun, este que se inclinou sobre o colchão e deixou um beijo demorado na testa de Youngjae. Parou logo em seguida observando as feições do menino, e beijando a ponta de seu nariz e seus lábios, sendo retribuído mesmo que de forma desajeitada. O Jung sorriu bonito e afastou-se da cama.
— Boa noite, Yoo Youngjae. — Murmurou ao garoto e saiu em silêncio, fechado a porta e seguindo até a sala com toda a cautela do universo.
Nesse momento pode notar mais fotografias emolduradas e grudadas na parede, e alguns porta-retratos em cima de escrivaninhas e balcões espalhadas pela sala. A mãe de Youngjae era bonita, pelo que podia ver nas fotos, e o pai parecia ser sério em algumas, mas em outras, assemelhava-se a alguém extrovertido. Era meio que contraditório, pois mesmo que fosse um homem bonito, sorrir parecia não combinar com seu estilo, e isso intrigava Daehyun, que não se demorou muito mais na residência do Yoo e correu da forma que conseguiu, o mais rápido possível para sua casa.
Entrar lá era quase mais desconfortável do que quando você está na casa daquele teu amigo com quem você não tem tanta intimidade, e ele lhe pede para abrir a geladeira e pegar algo. Uma confusão automática se cria em sua mente. Sua mãe lhe ensinou a nunca abrir a geladeira da casa das pessoas, e agora seu amigo lhe pede exatamente o contrário? Era quase isso com Daehyun, mas de outra maneira a se encaixar essa sensação.
Amava os pais. Sim, mesmo que algumas pessoas pensassem que não deveria, ele amava; mas também os temia.
Daehyun entrou em casa com as mãos tremendo de medo, e correu até seu quarto logo depois de deixar os sapatos na entrada. Os pés quase que não faziam barulho no chão, e os únicos ruídos na casa, eram de sua mãe fazendo o café e pode ouvir o chuveiro, onde seu pai deveria estar tomando banho.
Correu até seu quarto, destrancou a porta e após entrar, trancou-a novamente, jogando-se na cama e cobrindo-se, já esperando o que a rotina de todos os dias lhe trazia: seus pais brigando.
Com as mãos, procurou o celular e o fone que deixara para carregar durante a noite, e quase sem enxergar nada pelo sono, ligou uma música qualquer para não ficar no silêncio.
Como se em um roteiro, ouviu seu pai descendo as escadas mesmo por cima da música. Ele estava irritado.
Sua mãe já esperava isso também, então bastou esperar.
— Você vai ou não passar essa casa pro meu nome? — sr. Jung disse em alto e bom tom.
— Eu já disse que estou pensando. — Daehyun não ouviu, mas, já tão familiarizado com a cena, pode imaginar o pai respirando fundo, seus olhos arregalando-se em raiva e o pescoço enrijecendo junto dos músculos dos braços.
Daehyun encolheu-se na cama. Queria chorar.
— Como assim? — Ouviu seu pai gritar. — Essa casa é minha, eu quem comprei. Eu quem paguei, como não vai passar para meu nome?
— Em caso de divórcio, você me chutaria para fora desta casa, como quer que eu passe para seu nome? — A mulher suspirou ao dizer as mesmas palavras da noite anterior antes de Daehyun sair.
Na realidade, o Jung pediu para Youngjae chamar os amigos para o parque naquele dia.
Jung Daehyun estava com medo. Os passos de seu pai subiram as escadas e ouviu a maçaneta da porta rodando, e logo em seguida, o ouviu bater.
— Daehyun, abra. — O senhor não se preocupou se o filho dormia.
O Jung guardou o celular e os fones embaixo do travesseiro e com os pés enroscando-se uns no outro, abriu a porta.
O pai entrou como um furacão no local, e Daehyun engoliu em seco.
— Sua mãe é uma cachorra, Daehyun. Sem honra. — Daehyun assentiu positivamente, mas não por concordar, apenas para que ele fosse embora logo. — Eu quem paguei essa casa. Eu e meu pai, agora falecido! Nós demos tudo em dinheiro vivo! — O Jung mais velho grunhiu e Daehyun assentiu novamente. Agora seu pai gritava em alto e bom tom, e Daehyun temia pelos vizinhos. — Eu vou embora, Daehyun. Eu vou largar sua mãe e você, se não quiser vir comigo. Você pode ficar com ela, mas vai arranjar uma grande briga com seu pai, vai perder tudo o que tem, o que eu lhe ajudei a conseguir. Peça ajuda para essa bêbada quando precisar de algo, está entendendo? Deixarei vocês dois por conta própria. — Daehyun sentia lágrimas brotando em seus olhos, um bolo em sua garganta e o nariz formigando. A respiração estava descompassada e os dedos tremiam levemente.
— Não quero mais você saindo com ela para os lugares. Você não mais vai poder andar de carro com essa bêbada pela cidade, pegar estrada e coisa e tal, você entendeu? Se você fizer isso, vai arrumar briga com teu pai, moleque, tá entendendo? — Daehyun assentiu, mas dessa vez em concordância. O medo lhe percorria as veias mas a expressão serena não deixava seu rosto, como se não ligasse. A única coisa que o denunciava eram as lágrimas, e isso lhe dava mais medo ainda.
— Engole esse choro. — Fechou os olhos em expectativa ao que viria, e logo sentiu a mão do mais velho lhe acertando a bochecha. — Homens não choram, Jung Daehyun. Você não é homem?
Daehyun reprimiu um soluço com os lábios crispados e assentiu novamente. Os olhos espremidos impedindo as lágrimas de correrem.
Sr. Jung deu uma última encarada no filho e saiu do quarto batendo a porta.
Daehyun esperou alguns segundos, completamente petrificado, sentindo as lágrimas rolarem por seu rosto. Os lábios tremiam e os dedos também. O rosto ardia. Ele não era homem apenas porque chorava? O que isso tinha a ver com ser homem ou não?
Daehyun trancou a porta e sentou-se encostado na mesma, o choro caia livre e tentava a todo custo reprimir soluços que deixavam sua garganta sacudindo seu corpo todo com violência, e a única coisa que lhe distraia era alguma música em volume altíssimo, estourando no fone a ponto de lhe fazer sentir a cabeça vibrar com as ondas sonoras.
Odiava finais de semana.
Pegou o celular com as mãos trêmulas, os dedos errando os botões por causa das lágrimas que lhe embaçava a visão, e, com isso, chamou as pessoas que pensava poderem ajudar.
[...]
— Como assim, Dae? — Junhong gargalhou alto sentando-se no encosto do banco para ficar mais alto que os amigos. — Ele
nem notou que tu saiu durante a noite, foi? Quem tu foi comer dessa vez?
— Ninguém, eu queria só esfriar a cabeça.
— De quê, porra? — Himchan, o mais velho entre os três murmurou colocando uma bolacha na boca e mastigando lentamente, com cuidado para que os farelos não caíssem em sua roupa.
— Uns bagulhos aí, mano, nada de importante.
— Tu tem de tudo e mais um pouco, tem que reclamar de nada não, doido. — Junhong murmurou. Logicamente era mentira, nem ele próprio acreditava naquilo, mas às vezes fingia que sim.
— É, né. — Daehyun concordou. Não mentira se dissesse que se sentia confortável com os amigos, mas preferia a companhia de Youngjae.
— Pensa, tu pelo menos não é parente daqueles três esquisitos, Dae. Pensa bem ter coisa a ver com aquele trio de viado? — Himchan riu. — Deus que me livre.
Daehyun concordou se jogando no gramado úmido pelo orvalho noturno que ainda não tinha desaparecido por completo. Aquele parque ficava vazio pela manhã, mas ao entardecer começava a encher de pessoas e crianças brincando e gritando. Daehyun achava aquele local muito bonito, porém barulhento demais.
Encarou Junhong e Himchan por alguns segundos sem falar nada, apenas admirando a pose forte que os dois impunham. Sabia ser mentira por parte do Choi, porém, não sabia muito sobre Himchan. Ele era aquele garoto que todos conhecem, invejam, gostam e até mesmo tentam conversar, mas ninguém realmente sabe o que se passa no interior de sua mente. Ninguém sabe o que lhe aflige.
Himchan é a famosa playlist inexplorada, e Daehyun suspeitava estar cheia de músicas do The Cab, e se pudesse arriscar, chutaria Troye Sivan, Fall Out Boy e Panic! At The Disco.
Junhong era mais como Blackbear e algumas músicas espalhadas do Benny, com o emocional baseado no último álbum do 5 seconds of summer. Daehyun separava as pessoas como playlists, mas nunca parou para se auto-avaliar.
— Realmente… Deus que o livre. — Daehyun sussurrou.
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