Meus olhos demoraram a se acostumar com a claridade do lugar, por conta disso, pisquei algumas vezes até que minha visão ficasse nítida. Aparentemente estava num dormitório, porém diferente dos demais que havia visto, era mais sofisticado. Numa varredura pelo lugar, encontrei Wayland sentado numa poltrona do lado aposto onde estava. Ele encarava-me descaradamente, parecia estar fazendo isso a um bom tempo.
—Não acredito que desmaiei de novo — murmurei baixo, só para mim — Onde estou?
— No meu dormitório — ele ainda me olhava. Bufei.
— Por que me trouxe para cá?
— Achei que não seria necessário te levar para a enfermaria e também não achei confiável te deixar sozinha no seu dormitório. — ele veio até mim. Por que tão cuidadoso?
— Você acha que eu me saí bem no teste? — indaguei. Tentei sentar-me, não estava me sentindo tonta, somente com uma leve dor de cabeça.
— Provavelmente sim. Está melhor?
— Relativamente melhor — olhei a minha volta, ainda estava encantada com um quarto tão grande e chique. Ao invés de um simples armário, tinha um guarda-roupa de cor marrom, as paredes apesar de metálicas, tinham um papel de parede aveludado, a cama que estava era de casal e ao lado tinha uma estante. Um abajur e um porta-retrato estavam em cima do mesmo. A foto que abrangia o porta-retrato é de uma mulher, jovem e muito bonita, seus cabelos são dourados e aparentemente grandes, e pela foto, parece ser bastante feliz. Apesar da curiosidade, não perguntei quem era a moça — Isso é bem diferente do que costumo ver.
— Gostou? Os quartos dos tutores são mais sofisticados do que dos Escolhidos, mas a decoração foi por minha conta. — um sorriso ameaçou brotar em seus lábios
— Tens bom gosto.
— Obrigado. — ele franziu o cenho como se tivesse se lembrado de algo — Ah,a partir de amanhã as coisas vão mudar um pouco por aqui.
— Espero que para melhor
— Depende do ponto de vista. Vocês terão horários fixos para suas atividades e o treinamento físico vai ter inicio — ele me olhou, talvez esperando que eu tivesse uma reação rebelde ou coisa do tipo, mas somente movi os ombros. Nic tirou seu cartão do bolso e olhou as horas — Provavelmente o teste deve ter acabado. Já pode voltar para seu dormitório.
Wayland foi até a porta e abriu-a. Suspirei. Sair pela porta havia se tornado uma difícil missão só pelo fato dele estar ali a minha espera.
— Já que gostou tanto do quarto, fique a vontade para voltar aqui novamente... Quando quiser. — disse quando passei por ele. Estremeci. Isso soaria como uma cantada muito mal intencionada se não tivesse sido dita de maneira tão séria e imparcial... Ou talvez realmente seja uma cantada e eu esteja tão surpresa que não me dei conta disso. Na pior das hipóteses, estou enlouquecendo.
◇
As sirenes altas e atordoantes me fizeram despertar quase que involuntariamente. Algo dentro do armário também apitava me causando uma tremenda confusão. Levantei-me e fui até o móvel verificar o que era.
Dentro da caixa de chips, o som vinha estrondante, quando a abri percebi que se tratava do tablet. Pressionei meu dedão na barra inferior e a tela ligou. Uma espécie de agenda surgiu com todas as minhas atividades do dia e horários.
◦ 7h30min: Sala de treinamento.
Pelo visto o café da manhã não é priorizado por aqui. Bufei; após fazer todas minhas higienes de costume, saí perambulando pelos corredores. De acordo com meu cartão, eu tinha vinte minutos de antecedência.
Ao chegar ao meu destino, encontrei os tutores e alguns dos Escolhidos, sendo que Valerie estava entre eles. Quando me viu ela veio correndo até mim e abraçou-me.
— Fiquei com tanto medo de que tivesse acontecido algo com você ontem no teste — ela me apertava como uma pelúcia.
— Eu estou bem — afastei nossos corpos para encará-la — Como você se saiu?
— Sinceramente eu não sei, mas espero que bem — sorriu.
Aos poucos a sala foi ficando cheia até que todos já estavam presentes. Cada dupla — tutor e escolhido — tinha seu lugar exato; foi entediante ficar no fundo da sala.
— Não era para nós estarmos treinando ou algo do tipo? — olhei para Nic. Estranhamente estávamos parados olhando uns aos outros por cerca de mais ou menos cinco minutos.
— Antes vamos assistir ao pronunciamento do nosso líder
— Chester vai fazer mais um dos seus anúncios sensacionalistas? — debochei ao cruzar os braços.
— Na verdade não é o C.Eight... — e antes que Nic terminasse sua frase avistei um homem adentrar a sala. Meu coração gelou.
Não havia mudado nada desde a ultima vez que o vi. Alto e moreno, de cabelos castanhos médios e lisos, reparei que as primeiras linhas de expressões causadas por conta da sua idade já estavam evidentes, porém a barba grande, porém bem feita o deixavam curiosamente mais jovem. Puxei o ar entre os dentes e travei o maxilar, segurando para não vacilar diante dos meus sentimentos, esse homem não vale uma lágrima sequer minha.
— Chamem-me de Andrej. Andrej Nowak. — o ar superioridade que ele despeja sobre nós chega a dar nojo. Mesmo não querendo nem ao menos olhar para a cara do homem, a curiosidade gritava mais alto, o que ele estava fazendo ali? — A partir de hoje vou supervisionar e avaliar o treino de vocês e também seus testes já que infelizmente meu amigo C.Eight não tem todo o tempo do mundo para isso. Ah, espero que tenhamos uma relação boa, sei que não somos feitos para sentimentos e sim negócios, mas não quero viver em clima hostil, certo? Vou dar o meu máximo e espero que também dêem os seus.
Ergui meu olhar até Nic, por incrível que pareça ele não estava com os olhos fixos em Andrej, como todos faziam, e sim em mim, encarava-me com curiosidade. Somente ergui a sobrancelha, provavelmente Nic irá me encher de perguntas por perceber o meu grau de parentesco com o Sr.Nowak.
Logo, Andrej retomou seu discurso:
— Os testes serão avaliados por pontos, de um a dez, dessa maneira um ranking será criado. Ontem, vocês fizeram o primeiro teste no qual infelizmente não pude acompanhar, mas tive uma reunião com C.Eight e ele me passou todas as informações necessárias.
Ele retirou uma caneta do bolso e após movê-la como se tivesse escrevendo no ar, um painel digital surgiu. Andrej deslizou a caneta pelo painel e várias telas surgiram. Ainda deslizando a caneta, ele encontrou a tela desejada e firmou a caneta na mesma fazendo-a ampliar. Era o tal ranking, com nossos nomes, mas o espaço com as notas estavam vazios. Logicamente, os nomes estavam organizados de acordo com a ordem de Escolhidos. Ele começou a pontuar os Escolhidos, até o terceiro ninguém havia tirado dez, somente cinco.
— Escolhido de número 4, Kristofer, com zero ponto — percebi que Andrej segurou o riso, além de se achar superior é um esnobe. Rolei os olhos — Número 5, Matteo, com cinco pontos...
Ao anunciar os cinco pontos de Valerie, Andrej pareceu um tanto quanto perturbado, até procurou-a com os olhos e ao encontrar não manteve o contato visual por muito tempo voltando sua atenção para a tela.
— ... Escolhida de número 9... Vanessa, nove pontos.
Não tive tempo para ficar surpresa ou até mesmo feliz com minha nota, já que os castanhos obscuros dos olhos de Andrej invadiram os meus. Foi como encarar meu pior pesadelo, talvez realmente seja isso. Numa questão de segundos tudo ao meu redor perdeu vida e somente a figura de Nowak me parecia importar, como se tivesse sob efeito de algum feitiço ou droga, paralisada ao seu olhar; estava diante de meu pai, o meu pior pesadelo materializado diante dos meus olhos.
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