— Michael...
Talvez ele estivesse delirando. Talvez aquilo fosse sua mente pregando-lhe mais uma peça, assim como aconteceu quando viu aquela garota esquisita e assustadora na rua. Ele se recusava a acreditar no que via. Queria acreditar que estava apenas alucinando.
Mas seu corpo ficou inerte ao ouvir aquela voz que, por muito tempo, havia esquecido do quão horrível era. Seus olhos estavam arregalados, a respiração estava falha, seu coração batia como se quisesse pular para fora de seu peito e seu corpo parecia ter perdido todo o sangue de tão gelado e pálido que estava.
Aquele homem. Aquele homem que tanto lhe machucou, que tanto perturbava a sua mente... Aquele homem que abandonou a si e aos seus irmãos, aquele que ele acreditou estar morto... As íris cinzas que lhe transmitiam terror encarava as suas cristalinas depois de seis anos.
Seis anos... E nada havia mudado naquele ser que ele tanto desprezava. Continuava com os cabelos negros do mesmo tamanho, na altura do pescoço, a pele amorenada agora tinha linhas de expressão devido a idade, e seus olhos... Ah, aqueles olhos... Continuavam com o mesmo ar sem vida e desumano.
— W...William... — Saiu como um sussurro. Sua garganta estava seca, sua mente girava e seu estômago embrulhava, sentindo que a qualquer momento colocaria para fora tudo aquilo que ingeriu.
Ele viu aquele homem se aproximar, mas não conseguiu mover um músculo sequer. Ainda tentava processar o que via. O choque fora enorme e ele não conseguia acreditar na sua visão.
— Uau, você... Você está tão diferente... — Voltou a falar, tendo um sorriso singelo estampado na face. Parou em frente ao rapaz mais novo, observando a reação chocada do mesmo. — Está mais... Maduro, eu diria?
Michael nada conseguia dizer. As lágrimas já de formavam e embaçavam sua vista. Quando voltou à realidade, seu corpo saltou para trás pelo susto recebido, se distanciando do mais velho. Era possível ver em seu olhar um misto de ódio e terror. As pupilas retraídas confirmavam tal coisa.
— O... O que você... C-Como... — Não conseguia formular uma frase coerente. Só de abrir a boca sentia que iria gaguejar, caso tentasse falar algo.
— Eu sei... Imagino o que você esteja sentindo, mas preciso que se acalma para que eu possa expl-
— Você estava morto... Não! V-Você ESTÁ morto! Is-isso tudo é apenas uma a-alucinação! — Michael proferiu exasperado. Encarou o mais velho com ambos olhos ainda arregalados.
— Não, Michael. Eu não estou morto, isso não é uma alucinação. Estou aqui, em carne e osso, bem na sua frente. Sou eu, o seu pai.
— VOCÊ NÃO É O MEU PAI! — Gritou enraivecido. Os membros de seu corpo tremiam de tamanho ódio que sentia naquele momento. Eram tantas coisas que ele queria jogar na cara daquele homem... Tudo o que ele passou, todo o trauma que adquiriu por causa dele... Havia guardado aquilo tudo por tanto tempo que, quando finalmente chegou a oportunidade, não estava sabendo lidar com toda aquela emoção.
William, por outro lado, observava todo o comportamento do filho sem reação alguma. Prestava atenção em cada movimento do rapaz, mas não moveu um músculo para ajudá-lo.
— Você é tudo... Menos o meu pai! Você só foi um pai pra mim até meus treze anos e sabe muito bem disso! — Vociferou com a voz já embargada. As lágrimas grossas caíam sem intervalos. — Três anos, William. Foram TRÊS MÍSEROS ANOS sofrendo nas suas mãos sem motivo ALGUM! Três anos de PURA TORTURA! Três anos sendo machucado por aquele que deveria cuidar de mim!
Continuou destilando toda sua dor e ódio em seu pai, que permanecia calado.
— E de repente, você some, me deixando apenas a porcaria de uma carta sem sentido! Por sua causa, William... Por sua causa, eu quase morri na droga de um hospital! — Revelou, sentindo seu peito doer de tanta angústia. — Ah, mas era isso que você queria, certo? Me queria morto, FORA DESSA SUA VIDA MEDÍOCRE! ERA ISSO O QUE VOCÊ MAIS DESEJAVA, NÃO É?! FOI POR SUA CAUSA QUE EU PASSEI QUASE DOIS ANOS DA MINHA VIDA AFUNDADO NA DROGA DA DEPRESSÃO, TENDO CRISES E MAIS CRISES AO PONTO DE EU QUASE PÔR UM FIM NA MINHA PRÓPRIA VIDA!
Os soluços escapavam dolorosamente. Sentia como se estivesse levando vários socos na regiam de seu torso; faltava-lhe ar e sua garganta já estava seca e dolorida.
— Eu só não concluí o que você tanto desejava porque meus irmãos precisavam de mim! Porque eu tive pessoas me ajudando a erguer a cabeça e seguir em frente! — Engoliu seco, fechando brevemente os seus olhos, enquanto as lágrimas continuavam a molhar seu rosto. — E desde que você foi embora... Eu coloquei na minha cabeça que eu cuidaria dos meus irmãos e não permitiria que NINGUÉM os machucasse da mesma forma que eu fui machucado. Eu preferi acreditar que você estava morto e segui com minha vida. Eu devo tudo isso ao tio Henry... Q-Que passou SEIS ANOS me dando suporte, me ensinando a como viver! Seis anos, William. Seis anos que você sumiu sem dizer absolutamente nada!
Michael sentia sua mente girar, como se a qualquer momento fosse desmaiar. Estava fraco devido a toda emoção sentida, devido a toda mágoa guardada durante tanto tempo.
— Você quase, QUASE acabou com a minha vida... Graças ao tio Henry, hoje tenho um trabalho e estou quase concluindo a faculdade. E repito, eu devo tudo isso a ele, não a você. — Acrescentou, olhando diretamente nos olhos de William. O mais velho permanecia calado. — Agora me diga. Me diga o porquê de você ter voltado! Tudo estava indo muito bem na minha vida, eu estava quase esquecendo, definitivamente, a sua existência! Mas parece que você estava adivinhando isso e resolve voltar, agora pra quê? Pra estragar tudo o que consegui construir ao longo desses anos?! Hein?!?
William não tirava os olhos de seu filho. Qualquer um que o visse podia notar a aura raivosa do rapaz. Pela primeira vez, Michael não foi capaz de segurar a língua e destilou toda sua angústia naquele homem.
O mais velho permitiu que uma risada curta e sem vida escapasse de seus lábios. Respirou fundo e tentou se aproximar do rapaz mais novo, vendo-o recuar.
— Estou muito surpreso com você, Michael. De fato, você não é o mesmo. Se tornou um homem corajoso e sincero. Estou admirado por você ter sido tão direto comigo. — Comentou, com um meio sorriso. — Mas respondendo sua pergunta, a verdade é que eu nunca estive longe.
— Que...? — Sua voz saiu em um sussurro.
— É, eu nunca estive longe. Sempre estive aqui, observando tudo. Cada passo seu, aonde vai, com quem vai... Eu sempre estive te observando, Michael. — Ele falava tudo aquilo com um pequeno sorriso, o que só irritou ainda mais o jovem rapaz.
— O que você está falando?!
— Você nunca percebeu, Michael? — Aquela pergunta fez vários flashes se passarem por sua mente conturbada.
O homem em quem havia esbarrado, quando estava indo para a festa de Jhon, o homem que passou por sua bacada, na exposição, analisando seu trabalho; o estranho que o observava do portão da faculdade...
— Era você... — Sussurrou para si próprio e levantou o olhar, encarando o mais velho com incredulidade. — Era você esse tempo todo?!
— Sim. Inclusive, belo trabalho você fez na sua faculdade. — Respondeu com um sorriso cínico. — É a prova de que até nisso somos iguais.
A última frase arrancou uma risada frustrada por parede de Michael.
— Você só pode estar brincando com a minha cara! — Se aproximou mais dele e apontou o dedo para o mais velho. — Ouça bem o que vou lhe dizer, William. Eu nunca fui, não sou e NUNCA SEREI igual a você. Para mim, é um insulto ser comparado a alguém tão repugnante como você. Eu te odeio como nunca odiei ninguém em toda a minha vida!
Se fosse outro alguém ouvindo tais palavras tão duras como aquela, com certeza, já estaria aos prantos. O que não foi o caso de William. Aquelas palavras não o atingiram nem um pouco. Ele continuou impassível, tendo a face neutra, livre de qualquer expressão. Só após alguns minutos que ele riu soprado e encarou Michael profundamente, intimidando o rapaz. Pôde nota-lo engolir seco e dar um passo para trás.
— Escute, Michael. Eu não vim aqui para ouvir seus chiliques. Vejo que me enganei e você continua o mesmo pirralho de seis anos atrás. Eu tenho consciência de toda essa porcaria que eu fiz na droga do meu passado, não necessito de um lembrete. Se você quer me perdoar ou não, isso fica a critério seu. Agora uma coisa eu quero e exijo que você saiba: Todos esses anos eu me preocupei, sim, com vocês. Isso obviamente inclui você também. Eu não sou esse monstro que você construiu ao longo dos anos. — Uma risada se espalhou pela sala. Uma risada alta, mas não havia diversão nela. Do contrário, trazia consigo um misto de dor, raiva, mágoa... Uma risada rasgada deixara a garganta de Michael.
— Como pode ser tão cínico? Tão ridículo, TÃO FALSO?!
— JÁ CHEGA! — Vociferou de volta, enxergando o olhar assustado do filho. O mais velho segurou o braço do rapaz com certa força, fazendo-o se aproximar mais de si. — Abaixe seu tom de voz. Você pode até ser um adulto, ter um trabalho e uma faculdade, mas eu continuo sendo seu pai e não vou admitir DE FORMA ALGUMA você me tratando dessa forma! Eu voltei na intenção de me resolver com você, mas você não está colaborando. Na verdade, você nunca colabora! Quer me odiar? Me odeie. Agora eu exijo respeito! Eu não morri, eu continuo sendo SEU PAI!
William sentiu o canto da boca arder e soltou o braço do filho no mesmo instante. Olhou surpreso para o mais novo, não acreditando no que acabará de acontecer. Michael havia desferido um forte soco na boca do mais velho por puro instinto. Nem ele próprio estava acreditando no que fizera, mas já era tarde.
— Não encoste, NUNCA MAIS, essa mão nojenta em mim! Digo e repito: Você NÃO É O MEU PAI! VOCÊ NUNCA FOI! Eu cresci, William! Não tenho mais dezesseis anos! Estou com vinte e dois e não vou permitir que você encoste em mim novamente, não vou permitir que me machuque novamente! Nem a mim e nem aos meus irmãos! — Advertiu, vendo um sorriso ladino se formar nós lábios cheios do mais velho.
— Falando nisso, onde está a Elizabeth e o Dave? Devem estar enormes, huh? — Provocou, rindo rouco em seguida.
— Não lhe interessa. Eu não quero que você se aproxime deles, você me ouviu?!
— Eles são meus filhos, Michael. Tenho todo o direito de conversar com eles. Aliás, vão ficar felizes em saber que o pai deles está de volta. — E sorriu maldoso, dando ênfase na palavra “pai”.
— Vai embora. — Fora o que conseguiu dizer diante daquela provocação. — VAI EMBORA DAQUI ANTES QUE EU CHAME A POLÍCIA!
— Eu vou. — Abriu a porta e olhou para o rapaz, tendo um sorriso cínico estampado na face maliciosa. — Mas tenha certeza de que eu volto.
E ele se foi.
Michael ficou encarando a porta, sentindo as lágrimas grossas desceram. Seu corpo ainda estava trêmulo devido ao enorme estresse enfrentado. Um grito rasgado de agonia escapou de sua garganta, machucando suas cordas vocais. Não suportou seu próprio corpo e despencou, caindo de joelhos no chão, ignorando a dor que sentiu com o choque. Tamanho era seu sofrimento que chegou a descontar em seus cabelos, puxando-os e arrancando alguns fios.
Naquela noite, Michael chorou como há muito tempo não chorava. Choro de dor, angústia, aflição, desgosto... Chorou de ódio, de insuficiência. Chorou por pensar que, talvez, esse fosse o seu destino; sofrer o resto de sua vida pelos erros de seu pai. Chorou por carregar esse peso sozinho, durante seis agonizantes anos.
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