Charlie não se deu o trabalho de chamar um táxi para ir até a casa de seu amigo. Tamanha era sua preocupação que não permitiu que ela pensasse coerentemente. Hurricane podia até ser uma cidade pequena, onde tudo era praticamente perto, mas a distância do hospital até a casa de Michael levava quase uma hora. Entretanto, isso não foi motivo o suficiente para impedi-la de andar – quase correndo – pelas ruas desertas e escuras, quase quatro da manhã.
Não importa o que se passasse em sua mente, seus pensamentos sempre paravam em Michael. Não parou para analisar a situação e pensar que poderia esbarrar em William a qualquer momento. Na verdade, ela não estava nem um pouco preocupada com isso. Bom... Pelo menos, tentava não se preocupar, afinal, William era considerado perigoso, segundo Henry.
Seu coração acelerou novamente quando ela avistou a residência do amigo. Seus passos ficaram mais devagar devido ao medo do que poderia encontrar lá dentro. Mas ela sabia que precisava ser rápida, então, respirou fundo e reuniu o resto de coragem que ainda tinha e ficou frente à frente com a porta. Deu algumas batidas e... Nada. Bateu novamente e, outra vez, sem resposta. Engoliu seco e se atreveu a girar a maçaneta, logo se surpreendendo ao ver que estava destrancada. Empurrou a porta devagarinho, com certo receio. Olhou pela brecha e só enxergou escuridão.
— M...Michael? — Sua fala saiu trêmula. Ninguém a respondeu, tornando a situação ainda mais preocupante. Tomou coragem e decidiu entrar na casa. Nesse meio tempo, sua visão se acostumou com a ausência de iluminação no local e, em parte, ficou aliviada por não ter ninguém na sala além dela mesma.
Por outro lado, a tensão só aumentou. A casa vazia e desprotegida era sinal de que William havia aparecido ali, e, conhecendo bem o Michael, Charlie sabia que esse reencontro não foi nada saudável para o amigo. Michael era frágil psicologicamente, e o fato dele ter desaparecido, após a volta do William, quase fez a moça entrar em desespero. Mas ela não podia perder a calma. Ela lembrou de Elizabeth e Dave e não podia deixa-los voltar para casa agora.
“Eu não posso deixa-los correr o risco de encontrar aquele monstro!”
Deu meia volta e saiu da casa dos Afton a todo vapor. Seu corpo parou de súbito, ao mesmo tempo que sobressaltou ao dar de cara com Michael. Seus olhos avelãs se arregalaram um pouco pela surpresa e alívio ao ver seu amigo em sua frente, aparentemente bem.
— Ah, meu Deus, Michael! Que bom que você apareceu! Vim até sua casa, mas ela tava vazia e-... — Ela interrompeu sua fala ao notar o estado do amigo. Ele estava com os olhos inchados e avermelhados, seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo baixo, tendo alguns fios bagunçados e seus lábios cheiinhos estavam ressecados e esbranquiçados. — Michael, está tudo bem?
— Depois a gente se fala, okay? Estou muito cansado agora. — Sua fala saiu seca. Não havia um vestígio de ânimo em uma palavra sequer que saira de sua boca.
— Aconteceu alguma coisa com você? Olha, eu soube do que aconteceu, meu pai me contou tudo e eu vim correndo, com medo de que aquele homem fizesse algum mal a vo-
— Charlotte. Eu não estou a fim de conversa. Por favor... Me deixe em paz. — Tamanha rudeza assustou a ruiva. A moça sentiu o peito apertar ao ouvir seu nome sair da boca dele. Sabia que quando ele a chamava pelo nome, era sinal de que ele estava em seu limite de estresse. Ela apenas abaixou a cabeça e apertou a barra da blusa em sinal de constrangimento.
— Tá... Eu... Eu vou pra casa então. Se precisar conversar, você sabe o endereço... — Ele nada disse. Apenas observou friamente a reação da amiga e assentiu de leve. Se dirigiu até a porta de sua casa e, antes de entrar, disse:
— Não deixe Elizabeth e Dave voltarem para casa hoje. Se eles perguntarem o porquê, diga que eu precisei resolver alguns assuntos pessoais. Não quero que eles tenham a má sorte de rever aquele monstro. — E sem esperar resposta, entrou em casa e trancou a porta. Charlie ficou sem reação. Ela suspirou e, sem demora, trilhou o caminho de volta pra casa.
Ela conseguiu chegar rápido em sua casa e o silêncio ali era estarrecedor. Não tardou em olhar todos os quartos, vendo que três deles estavam ocupados; Sammy estava em seu quarto e dormia de qualquer jeito, quase caindo da cama. Jen estava em um quarto de hóspedes com a sua filha, dormindo tranquilamente. No segundo e último quarto de hóspedes, estavam Elizabeth e Dave. Ambos dormiam abraçados e a cena era um verdadeiro calmante para Charlie.
A ruiva não suportou tamanho cansaço físico e psicológico e foi para o seu próprio quarto. Não se preocupou em trocar de roupa. Queria descansar e somente isso.
Casa dos Afton.
Michael não queria ter sido tão rude com a amiga daquela forma, mas ele já não tinha mais noção de nada. Não sabia mais o que sentir, não tinha forças para nada. Estava, de fato, esgotado. Havia chegado ao seu limite de estresse. Agora, o que ele mais queria era ficar sozinho, sem a presença de seus irmãos e nem de seus amigos. Apenas ele.
Trancou a casa e rumou em direção ao seu quarto. Ao entrar no cômodo, se jogou na cama, sem tirar a roupa nem o sapato. Estava destruído depois de uma noite tão conturbada como aquela. Sentia vontade de chorar, mas lágrimas alguma caíram. Então ele apenas fechou os olhos e adormeceu.
POV Michael: On.
Eu acordei com um peso enorme no meu corpo. Na verdade, não sei como eu consegui acordar após dormir apenas duas horas. Talvez fosse a noite anterior... Enfim. Eu precisava levantar e ir ao trabalho, caso eu ainda quisesse receber meu salário. Jocelyn é uma pessoa boa, mas eu não posso me aproveitar da boa vontade dela. Afinal, além de amiga, ela continua sendo minha chefe.
Pude sentir meus olhos inchados e ardidos. Me olhei no espelho do banheiro e, bom... Se eu já não tinha confiança em minha própria aparência, agora é que eu não tinha mesmo. Eu estava pálido, cheio de olheiras e meus olhos estavam estupidamente vermelhos.
— Que situação, hein, Michael... — Murmurei para mim mesmo. Sem perder mais tempo, me despi de toda aquela roupa pesada e me banhei rapidamente. Terminando minha higiene, vesti uma calça branca, um pouco justa, e um blusão preto. Coloquei um par de tênis pretos e, depois, arrumei meu cabelo. Por último e não menos importante, me banhei de perfume.
Eu não sentia fome, o que já não era mais novidade, então, peguei meus pertences e saí de casa. Comecei a caminhar pelas ruas as quais eu já estava acostumado. Ruas essas que me levavam ao meu local de trabalho. Enquanto isso, minha mente vagava. Vagou tanto que parou na noite anterior. Aquele reencontro com o William era a última coisa que eu queria ter nessa vida. Meu peito apertou e eu voltei à realidade, me surpreendendo ao ver que eu já estava em frente à cafeteria.
Respirei fundo e entrei no estabelecimento, vendo que alguns de meus colegas já arrumavam as mesas.
— Bom dia, Michael! — Gabe foi o primeiro a me notar, como sempre. Olhei para ele e lá estava aquele sorriso escandaloso estampado em sua face.
— Bom dia... — Cumprimentei de volta, sem muita vontade. Vi o sorriso dele morrer e eu respirei fundo, já esperando pelo que viria.
— Que cara é essa? Dormiu de mau jeito? — Como sempre, ele brincou. Pude ouvir a risadinha dele e o máximo que consegui retribuir foi um sorriso torto.
— É, digamos que sim. — Falei e desviei o olhar. Passei pelo balcão e fui em direção a uma porta, que era o vestiário. Enquanto isso, estava torcendo internamente pra que ele não me perguntasse mais nada, mas... É o Gabriel, né, insistência em pessoa.
— Falando sério agora, o que tá pegando? — Eu não disse? Insistência em pessoa. Parei em frente a porta e engoli seco, pensando numa resposta.
— Nada. Só cheguei tarde de um passeio com meus amigos e dormi pouco.
— Hm. Essa desculpa não colou, mas como a cafeteria vai abrir daqui a pouco, não vou encher sua cabeça. Vai lá se trocar. — E suspirei aliviado. Eu apenas agradeci e entrei no vestiário.
Saí uns cinco minutos depois, já uniformizado. Juntei meus cabelos e os prendi, enquanto me aproximava do balcão. Vi que Gabe já havia organizado as mesas e que Alice, Norah, Alliyah, Ethan e Aaron já haviam chegado. Cumprimentei todos eles, ainda que sem vontade, e aguardei a cafeteria ser aberta.
Gabe girou a placa que ficava na porta, sinalizando que o estabelecimento já estava aberto, e trinta minutos depois, começou a chegar cliente. Começou fraco, mas logo foi enchendo de gente. Eu anotava os pedidos, entregava aos meus colegas que ficavam na cozinha, e logo voltava para atender os que iam chegando. Tentava dar o meu melhor sorriso para não parecer mal educado, afinal, ninguém ali tinha nada a ver com meus problemas, então eu precisava ser simpático com eles, como sempre fui, ainda que eu estivesse dilacerado por dentro.
Minha mente já não estava mais no meu local de trabalho. Eu parecia estar no modo automático, enquanto um turbilhão de coisas corriam à solta em minha cabeça. Todas essas coisas voltadas para o meu pai. Senti um embrulho no estômago tão forte que eu me curvei um pouco. Olhei para a Norah, que fica na caixa registradora, e pedi para que ela ficasse no meu lugar por alguns minutos, e corri para o banheiro.
Não dava mais pra segurar. Tamanha era a pressão em minha cabeça que eu reagi dessa forma: vomitando tudo o que eu ingeri na noite passada. Meu abdômen doía juntamente de minha cabeça, tanto que sentei no chão e fechei os olhos, respirando fundo várias vezes. Tentei me levantar, mas minha cabeça girava. Tudo em minha volta se movia e isso me impedia de ficar de pé. Comecei a ficar nervoso, eu não queria que minha demora se tornasse suspeita e alguém viesse atrás de mim. Não queria que me encontrassem desse jeito, ainda mais se esse alguém for o Gabe ou a Jocelyn.
E como se eu tivesse chamado por um dos dois, a porta se abriu e a voz de Gabe se espalhou pelo banheiro. Eu permaneci de olhos fechados, não queria ver sua reação ao me encontrar sentado no chão, perto da privada... Com certeza, ele já sabia o que havia acontecido...
— Cara, tá tudo bem? — Ouvi os passos dele se aproximarem de mim e eu suspirei.
— Estou... Não se preocupe...
— Como não, cara? Olha seu estado, você tá pálido!
— Cara, relaxa... Devo ter comido algo que não me fez bem, não esquenta com isso... — Eu sabia que tentar fugir do assunto era algo inútil, quando se tratava do Gabriel. Sabia também que ele não descansaria até saber o que estava acontecendo. Eu tentei ficar de pé, mas me desequilibrei. Sorte que fui amparado pelo Gabe e o próprio me ajudou a levantar.
— Anda. Fala logo o que tá acontecendo. — Ele cruzou os braços e daí eu já sabia que não tinha mais saída.
— Tá... Meu pai resolveu voltar. Depois de seis anos, tive o desprazer de reencontra-lo. — Os olhos do Gabe só faltou pular pra fora de tão abertos que estavam.
— É o que?!
— Pois é. Eu tô acabado, Gabe... Quando pensei que havia superado tudo isso, aquele homem me mostra que não. Eu não superei. Ainda estou ferido, magoado, dilacerado... Minha cabeça dói de tanto problema, eu não me alimento direito, e quando tento comer, meu estômago não suporta de tanta angústia. — Desabafei e ele apenas ouvia. — As vezes eu penso que seria melhor que eu morresse...
— Você não se atreva a falar algo desse tipo novamente. Você acha que se fosse pra você morrer, você estaria aqui, agora?? Você não tá nesse mundo em vão, Michael. Seus irmãos precisam de você, cara, querer morrer não vai resolver seus problemas! — Fiquei envergonhado. Abaixei a cabeça e apenas ouvi o que ele tinha a dizer. Não tinha mais forças nem para falar. — Escuta, você vai voltar pra casa e vai descansar, okay?
— Que?! Não! Eu não posso deixar meus problemas interferirem na minha vida profissional! Eu vou continuar aqui e só vou sair no horário certo.
— Afton. Você vai fazer o que eu tô mandando. Se o problema for a Jocelyn, eu aviso a ela que você passou mal e foi pra casa. Eu me responsabilizo por isso. — Eu o encarei por breves segundos, ainda receoso. Me senti um lixo por ver que o Gabe corria risco de levar advertência por minha causa, mas eu não podia fazer nada. Ele era teimoso, não iria me ouvir.
— Okay... Eu vou fazer isso... — Falei e depois suspirei. Lavei a boca para tirar aquele gosto terrível e logo saí do banheiro, sendo acompanhado por ele. Senti o olhar da Norah sobre mim e eu a olhei de relance. Ela me olhava preocupada, o que não era surpresa. Eu apenas fui para o vestiário e troquei de roupa. Peguei meus pertences, me despedi dos meus colegas e saí da cafeteria.
Comecei a trilhar meu caminho de volta pra casa, enquanto olhava distraidamente para frente. Agradeço pelo Gabe ser compreensível, apesar de insistente, mas eu não queria voltar para casa. Não queria voltar para aquela casa. Infelizmente, eu não tinha escolha. Quando eu menos esperava, eu já estava na frente de casa. Respirei bem fundo antes de destrancar a porta e entrar. Tomei um baita susto quando vi duas criaturas sentadas no sofá, assistindo desenho. Era a Elizabeth e o Dave.
— Michael! — Dave foi o primeiro a me notar e correr até mim. Ele me abraçou apertado e eu retribuí.
— Chegou cedo... O que houve? — Ouvi Elizabeth perguntar e eu não a respondi de imediato.
— É, eu fui liberado antes do esperado... E que horas vocês dois chegaram? — Perguntei de volta, ignorando o questionamento dela.
— Ah, chegamos agora pouco. A tia Jen que nos trouxe, já que o tio Henry tá no hospital. — Essa última frase fez meu coração errar uma batida. Eu tinha esquecido completamente que o tio Henry havia ido pro hospital.
— Ah... Vocês sabem me dizer se ele está bem?
— Charlie falou que sim. Ele vai ter alta à tarde. — Dave explicou e eu fiquei mais aliviado.
— Ainda bem... Bom, gente, eu vou descansar agora. Não saiam sozinhos e não abram a porta pra ninguém, ouviram? — Isso soou mais como uma ordem e os dois assentiram. Eu tinha fortes motivos para não deixar que eles saíssem.
— Mike, antes que vá, alguém mandou eu te entregar isso! — Dave correu até mim e me estendeu um pequeno envelope. Ainda estava selado, sem qualquer sinal de rasgo. Eu franzi a testa e peguei a pequena carta.
— Alguém? Quem foi esse “alguém”? Consegue descreve-lo pra mim? — Me abaixei pra ficar na mesma altura que ele e encarei seus olhos. Eu estava desconfiado e muito temeroso com a resposta que viria.
— Ah, foi um senhor alto de olhos cinzas, cabelo aqui no pescoço e pele igual a sua. Ele parecia um pouco com você e disse que era seu amigo. — É, minhas suspeitas foram confirmadas. Tentei controlar minha face, mas foi impossível e eu franzi minha testa mais ainda. Quanta audácia!
— Ele veio aqui?
— Uhum. Depois que a Liz entrou, eu demorei um pouco porque tava tirando meu sapato. Aí ele me chamou e mandou eu te entregar essa carta. Ah! E ele não disse o nome, só disse que era seu amigo.
— Hm... Tá, entendi. Valeu, Dave. — Afaguei os cabelos negros do meu irmão, que sorriu e me abraçou. Logo me soltou e correu pra perto de Elizabeth. Eu me levantei e fui pro meu quarto parecendo uma maria fumaça de tanta raiva que eu estava sentindo.
Fechei a porta e logo me sentei na cama. Olhei por consideráveis segundos a carta em minhas mãos. Por fora, não havia nada escrito. Respirei fundo e resolvi abrir aquilo, sem mais demoras. Havia apenas um papel pequeno dentro do envelope e não havia muita coisa escrita nele.
— “Estou neste endereço. Espero por você às nove da noite e não ouse faltar, ou eu irei atrás de você. E acho que Dave e Elizabeth vão adorar saber que eu estou de volta, hein?” — Eu li tudo em voz alta, mas num volume que só eu escutasse, e cerrei os punhos. Esse cara só podia estar me testando, não é possível. Eu estava com tanta raiva que amassei o papel sem querer. Respirei bem fundo e abri o papel, numa tentativa falha de corrigir o que eu fiz. Dobrei o papel e guardei de baixo do meu travesseiro.
No momento, eu não queria saber de mais nada. Minha cabeça estava cheia, mas tinha apenas uma única coisa que estava me sufocando. Como eu iria contar aos meus irmãos que o William está vivo? Eu não fazia ideia. Tinha até medo da reação deles. E foi mergulhando nesses pensamentos que meu corpo cedeu ao cansaço e apagou.
POV Michael: Off.
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