Eu estava lá parado, literalmente congelado e chorando com o que Thiago havia acabo de fazer, ele tinha me exposto pra todos que estavam naquela sala, que saíram, assim que viu que tudo havia se tornado uma "grande tragédia".
Eu o olhei, com a vista ainda embaçada por minhas lágrimas, e o vi sorrir, "eu venci" a cara dele dizia pra mim.
Ele então se aproximou de mim, e esticou os seus braços em minha direção. Quando suas mãos tocaram o meu rosto, eu senti tanta raiva, que nem pensei no que eu estava prestes a fazer.
Eu empurrei Thiago com toda a minha forca, e ele cambaleou pra trás, e caiu em cima da mesinha de vidro, que estava lá no meio da sala.
Ele me olhou apavorado, seus olhos estavam arregalados, eu caminhei em sua direção enquanto eu ainda chorava de raiva;
- Ramon! Você ficou louco?! - ele berrou quando se levantou com dificuldade do chão, ele também tinha lágrimas nos olhos agora.
- Você...Você não tinha esse direito Thiago...Você me expôs na frente de todos...Isso era um lance meu...Eu quem deveria dizer as pessoas o que eu sou e não você! - Eu berrei de volta.
- É ? E quando você diria isso? Você não tem coragem nem de dizer o que sente por mim Ramon! - Thiago berrou.
- Sabe porque eu não tenho coragem de dizer o que eu sinto por você? Porque eu não sinto nada por você! - eu gritei e não me segurei, eu acertei um soco na cara do Thiago e ele caiu no sofá.
Eu o peguei pela camisa e comecei a dar mais socos neles, que tentava se proteger, mas sem sucesso.
Eu estava com tanta raiva, que com certeza acertei uns quatro ou cinco socos em sequência em seu rosto. Eu vi a boca dele sangrar;
- Ramon, para! Pelo amor de Deus! O que você tá fazendo cara?! - ele gritou desesperado, e eu o soltei.
- Eu quero que você saia da porra da minha casa agora! - eu gritei com raiva.
- Ramon, o que está acontecendo com você? - ele perguntou aos prantos.
- Você ainda não entendeu - eu me abaixei colocando o meu rosto na altura do dele - EU QUERO QUE VOCÊ VÁ EMBORA DA MINHA CASA AGORA! - eu respondi gritando.
- Ramon, me perdoa! Eu te amo tanto! - ele disse chorando, com os lábios inchados e o olho roxo.
- Não me obrigue a tirar você daqui Thiago! Eu vou acabar machucando você! Sai daqui agora! - eu gritei com raiva.
Ele se levantou devagar e caminhou até a porta, e ficou parado lá chorando;
- Saiba que eu--
Eu bati a porta em sua cara, antes que ele pudesse terminar sua frase.
Eu me joguei no sofá, com raiva, com ódio, com tristeza, com medo.
Eu chorava como uma criança perdida em uma grande floresta, sem saber pra onde ir.
Thiago quem contou sobre a minha sexualidade, mas, eu quem me sentia culpado, por mentir, por não ter sido sincero com todos, por não ter sido sincero comigo mesmo, vivendo uma vida baseada em mentiras e quando todos soubessem dessas mentiras, seria o meu fim, tudo o que eu gostava, estava em risco agora.
Bater no Thiago também não me preencheu em nada, nem fez a minha raiva passar, eu só estava mais errado em todos os níveis possíveis, quer dizer, bater nele aliviou a dor que eu sinto agora? Com certeza não.
A minha mão direta queimava, pelos socos que eu havia acertado no rosto dele.
Meu Deus, eu não consigo parar de chorar.
Eu olhei para o carpete da sala, estava cheio de vidro quebrado, eu teria que limpar aquilo, porque amanhã meus pais estariam em casa.
Os meus pais, o que eles vão pensar de tudo isso? Como eu posso saber que Thiago ou Paty não vão espalhar isso pra todo o colégio e isso logo chegaria até eles e o meu pai com certeza me mataria, assim como o pai da Júlia fez com seu irmão, ou como tantos pais fazem com seus filhos todos os dias..."Meu Deus...O que eu devo fazer?" - Eu me questionei.
Eu subi até o meu quarto, e me olhei no grande espelho do guarda roupa, eu me sentia tão mal, tão sujo, tão fora de mim, a minha mente não parava nem por um segundo, havia muitas vozes e pensamentos dentro dela.
Eu não sabia pra onde ir agora, não sabia pra onde correr.
Porque tudo tem que ser assim? Porque eu fui nascer gay? Eu não poderia ser a porra de um hétero? Me casar com uma garota que eu amasse e ela me amasse também? Casar, ter filhos e me encaixar nessa porra de sociedade?
Deus, porque o Senhor me fez assim? Porque eu simplesmente não podia ser normal? Porque eu tenho que ser alguém que sofre apenas por gostar de outro homem? Todo esse esforço vale a pena? Quer dizer, continuar vivo...vale a pena?
Eu me sinto tão quebrado por dentro, tão angustiado e toda essa merda de que estou falando, as pessoas acham que entendem, uns por serem gays também, outros porque acham que eu talvez esteja dramatizando tudo, mas não é assim...Eu posso lhes contar sobre a minha dor, mas você nunca poderá senti-la...
Eu não estar aqui, não com os meus pais, eu tenho orado todos os dias, pra alguém me salvar, mas ninguém é heroico ao ponto de me tirar de todo esse inferno em que eu vivo.
Eu sei que estou sofrendo profundamente, mas não posso demonstrar, porque eu sou o capitão do time, porque eu sou "macho demais para chorar e macho não chora".
Eu nunca tive um lugar para chamar de meu, eu nunca tive um lar de verdade, já que eu não pertenço aqui, um lugar onde eu sei que não serei bem recebido, quando eu sair desse grande armário que estou preso.
Os meus pais querem tanto um filho perfeito, mas fazem exatamente três dias que eles viajaram e a minha mãe me ligou uma vez. "Onde você esteve? Onde você está?" O que se passa na sua cabeça?" Você é feliz?"
Eles se importam? - Quando termino esse pensamento, eu dou um soco no grande espelho a minha frente e automaticamente ele se quebra, minha mão escorre um pouco de sangue, mas nada muito grave.
- Eu não aguento mais isso. - eu digo pra mim mesmo.
Eu pego minha mochila e coloco algumas peças de roupas.
Pego o meu baú, a caixinha em que guardo meu dinheiro, tem uns quinhentos reais, que eu pego e guardo na minha bolsa.
Eu vejo o meu celular e respondo o Sebastian, dizendo que está tudo bem, mas, não está, porém, não quero que ele venha até aqui.
Eu só quero sair, ficar longe, deixar o celular e tentar fugir de tudo isso.
Eu preciso de paz agora.
Eu peguei uma folha de caderno e deixei um bilhete pra Júlia, dizendo que eu estava bem, mas que eu precisava ir embora, sumir por um tempo talvez.
Eu sai de casa e caminhei até um ponto de ônibus, que havia próximo dali.
Não demorou até um ônibus passar, eu embarquei e me sentei no fundo, coloquei a touca do meu moleton e chorei mais uma vez.
Eu desci na rodoviária e não tinha mais nenhuma noção do que eu estava fazendo, pra onde eu deveria ir.
Metade da minha mente gritava pra mim voltar pra casa, mas a outra metade gritava para que eu continuasse.
Eu vi um ônibus parado, com o letreiro marcando "Bertioga", eu já tinha visto esse nome, mas, não me recordei no momento, não estava com meu celular pra pesquisar no Google, então meio que foda-se pra onde esse ônibus vai me levar.
Eu comprei uma passagem e embarquei.
Me sentei em uma poltrona e observei pela janela o ônibus partir.
Eu não sei quanto tempo durou a viagem, mas eu vi a placa na entrada da cidade que havia chegado em Bertioga e logo eu comecei a ver o mar, senti um grande arrepio correr pelo meu corpo.
O ônibus desceu no terminal rodoviário e caminhei pela cidade, que já estava um pouco vazia para aquela hora da noite.
Na verdade eu não sabia que horas eram naquele momento, mas continuei caminhando em direção ao centro.
Eu me lembrei já havia ido a Bertioga, há muito tempo, mas estar lá, me fez lembrar o quanto já me diverti ali, sabia como chegar até o mar.
Eu levei cerca de dez minutos caminhando, até chegar ao calçadão da praia, algumas poucas pessoas caminhavam ali.
Era uma noite agradável, quando cheguei na areia, eu tirei os meu tênis, guardei dentro da minha mochila, e comecei a caminhar sobre a areia fofa, que me fez me sentir conectado ao ambiente, é quase que como se o mar me chamasse para entrar.
Eu quase não podia enxergar de tão escuro que estava, mas o som do mar era hipnotizante, era gostoso de se ouvir.
Uma voz na minha cabeça dizia;
"Seus olhos não abrem mais, estão tão machucados, que eles não podem enxergar nada a sua frente.
E eu não conseguia mais dormir, tuudo o que ele queria era ir para o mar...
E dormir profundamente..."
Eu observei o mar em todo a sua grandeza e chorei muito, mas, no fundo eu me sentia bem.
Eu larguei a minha mochila na areia, e caminhei mais a frente, chegando até a areia molhada, e logo a água atingiu os meus pés, parecia tão quentinha, parecia me trazer grande paz naquele momento.
Eu caminhei em direção ao mar, e quando me dei conta, a água já estava em meu peito, o que me deu um grande choque de realidade naquele momento!
Tudo estava gelado agora, eu levei um grande susto, quando me dei conta que estava no mar a noite, foi como se eu tivesse acabado de acordar de um sonho!
Eu fui devagar demais em meus pensamentos, e então uma onda me cobriu, me puxando mais ainda pra dentro do mar.
Eu me debati, tentando voltar a superfície, mas era inútil, eu não tinha força o suficiente para voltar, sentia o meu corpo como uma rocha que afundava cada vez mais. Eu senti tanto medo, senti tanto arrependimento de não ter ficado em casa, e ter lhe dado com todos os meus problemas, porque agora eu sentia medo de perder a minha vida e caramba, eu realmente não queria aquilo!
Foi naqueles instantes de desespero, que eu percebi que eu queria viver, que eu não preciso e não posso morrer hoje, há uma grande vida lá fora me esperando, e eu tenho que vive-la!
Eu finalmente quero estar vivo, eu não quero morrer hoje...
Eu senti uma mão pegar o meu braço e me puxar, e eu pude respirar novamente, vendo um grande céu estrelado, eu sorri grandemente, agradeci por estar vivo;
- Escuta - um homem me segurava pela cintura, foi só aí que me dei conta que foi ele quem me puxou - O mar está agitado, mas não estamos muito longe da areia, mas preciso da sua ajuda para sairmos daqui. Vou te colocar nas minhas costas e vamos juntos nadando, ok? - ele perguntou e eu só concordei.
Outra onda nos atingiu, mas ele me segurou firme ao seu corpo.
Quando voltamos a superfície, eu segurei sem suas costas e ele começou a dar largas braçadas e eu apenas me segurei nele.
- Há outra onda vindo, pegaremos impulso nela! Se segura garoto! - ele gritou.
E eu segurei ainda mais forte em seu corpo.
Quando a onda nos "pegou", fomos impulsionados por ela e logo consegui sentir o chão.
Então eu desci das costas do homem, que segurou em minha mão.
Nós saímos rápidos da água e quando chegamos a areia, o homem se sentou, ofegante e eu me sentei ao lado dele.
- Meu Deus, você tá bem? - ele perguntou.
A pergunta dele, me fez "quebrar", e eu chorei mais ainda, e ele apenas me abraçou naquele momento.
Eu não sei quem era aquele cara, mas ele havia acabado de salvar a minha vida, havia acabado de me salvar de mim mesmo.
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