De certo modo, é bom saber que há deuses gregos lá fora, porque aí temos alguém para culpar quando as coisas dão errado. Por exemplo, quando você está se afastando a pé de um ônibus que acaba de ser atacado por bruxas monstruosas e explodido por um relâmpago, e ainda por cima está chovendo, a maioria das pessoas acha que na verdade isso é apenas muita falta de sorte - quando se é um meio-sangue, a gente sabe que alguma força divina está tentando estragar o nosso dia. Então lá estávamos nós, Annabeth, Grover, Percy e eu, andando pelos bosques ao longo da margem do rio, em New Jersey, as luzes de Nova York tornando o céu amarelo atrás de nós e o fedor do rio Hudson entrando por nosso nariz.
Grover estava tremendo e balindo, e seus grandes olhos de bode, cujas pupilas haviam se transformado em fendas, estavam cheios de terror.
- Três Benevolentes. As três de uma vez.
Percy estava em estado de choque. Annabeth nos fazia seguir, dizendo: “Vamos! Quanto mais longe chegarmos, melhor.”
Eu carregava o brilhante e boboca (como dizem os campistas) sorriso apolíneo, o sorriso retardado dos filhos de Apolo. Nós quatro podíamos estar cansados, molhados e perdidos e eu estava sorrindo.
O porquê? Porque eu sabia que isso iria acontecer. Eu tinha tido uma visão - que na época não tinha sentido nenhum. Era por isso que estava sorridente, tínhamos quase morrido, mas pelo menos eu comprovei que meus sonhos estranhos eram visões.
Melhor do que nada. Era uma pergunta a menos na minha lista (sim, eu tinha uma lista).
- Todo o nosso dinheiro ficou lá atrás - lembrou Percy. - Nossa comida e nossas roupas. Tudo.
- Bem, quem sabe se você não tivesse decidido entrar na briga… - ralhou Annabeth.
- O que queria que eu fizesse? Deixasse vocês serem mortos?
- Você não precisava me proteger, Percy. Eu ia ficar bem.
- Fatiada como pão de fôrma - interveio Grover -, mas bem.
- Cale a boca, garoto-bode - disse Annabeth.
Grover baliu, triste.
- As latas... Uma sacola de latas perfeitamente boa.
Nós chapinhamos pelas terras lamacentas, por entre horríveis árvores retorcidas que tinham um cheiro azedo de roupa suja.
Depois de alguns minutos, Annabeth veio para o lado de Percy.
- Olhe, eu... - sua voz vacilou. - Eu gostei de você ter voltado para nos defender, ok? Aquilo foi realmente corajoso.
- Somos uma equipe, certo?
Ela ficou em silêncio por mais alguns passos.
- É só que, se você morresse... além do fato de que seria realmente uma droga para você, isso significaria o fim da missão. Esta pode ser a minha única chance de ver o mundo real.
A tempestade havia finalmente acalmado. As luzes da cidade diminuíram atrás de nós, deixando-nos em uma escuridão quase total. Não conseguia ver nada de Annabeth a não ser um reflexo de seu cabelo loiro.
- Você não sai do Acampamento Meio-Sangue desde que tinha sete anos? - perguntei-lhe.
- Não... apenas excursões rápidas. Meu pai...
- O professor de história.
- É. Não deu certo morar em casa. Quer dizer, o Acampamento Meio-Sangue é a minha casa. - Ela agora estava despejando as palavras como se tivesse medo de que alguém a interrompesse. - No acampamento a gente treina, treina. E é legal e tudo mais, mas o mundo real é onde os monstros estão. É onde a gente descobre se serve para alguma coisa ou não.
Se não a conhecesse bem, poderia ter jurado que ouvi dúvida em sua voz.
- Você é muito boa com aquela faca - falou Percy
- Você acha?
- Qualquer um que seja capaz de montar nas costas de uma Fúria, para mim, é muito bom.
Não pude ver direito, mas acho que ela deu um sorrisinho.
- Sabe - disse ela -, talvez eu deva lhe contar... Uma coisa engraçada lá no ônibus...
O que quer que ela quisesse dizer foi interrompido por um piado estridente, como o som de uma coruja sendo torturada.
- Ei, as minhas flautas de bambu ainda funcionam! - exclamou Grover. - Se ao menos eu pudesse me lembrar de uma melodia de achar o caminho, poderíamos sair desses bosques!
Ele soprou algumas notas, mas a semelhança da melodia com a de Hilary Duff ainda era questionável.
Em vez de achar um caminho, Percy imediatamente colidiu com uma árvore e arranjou um galo de bom tamanho na cabeça.
Depois de tropeçar, praguejar e, ainda sim, me sentir feliz por mais um quilômetro ou algo assim, comecei a ver luzes à frente: as cores de um letreiro de neon. Senti cheiro de comida.
Comida frita, gordurosa, excelente. Percebi que não havia comido nada que não fosse saudável desde que chegara à Colina Meio-Sangue, onde vivíamos de uvas, pão, queijo e churrasco light preparado por ninfas. Eu precisava de um cheeseburguer duplo. De preferência que não tentasse me matar.
Continuamos andando até que vi por entre as árvores uma estrada deserta de duas pistas. Do outro lado havia um posto de gasolina fechado, um cartaz de um filme dos anos 90 e uma loja aberta, que era a fonte de luz de neon e do cheiro gostoso.
Não era um restaurante de fast-food como eu esperava. Era uma dessas estranhas lojas de curiosidades de beira de estrada, que vendem flamingos de jardim, índios de madeira, ursos-pardos de cimento e coisas do gênero. A construção principal era um armazém comprido e baixo, cercado por quilômetros de estátuas. O letreiro de neon acima do portão era para mim impossível de ler, pois, se existe coisa pior para a minha dislexia do que inglês normal, é inglês em letras cursivas, vermelhas, em neon.
Para mim, parecia IMOEPRÓ ED NESÕA ED JNIDAR AD IAT MEE.
- Que diabos quer dizer aquilo? - perguntei.
- Não sei - disse Annabeth.
Ela gostava tanto de ler que eu esquecera que ela também era disléxica.
Grover traduziu:
- Empório de Anões de Jardim da Tia Eme.
Nas laterais da entrada, conforme anunciado, havia dois anões de jardim de cimento, uns nanicos e feios e barbados, sorrindo e acenando como se estivessem posando para uma fotografia.
Atravessei a rua, seguindo o cheiro dos hambúrgueres.
- Ei... - avisou Grover.
- As luzes estão acesas lá dentro - disse Annabeth. - Talvez esteja aberto.
- Lanchonete - falou, ansioso.
- Lanchonete - concordou ela.
- Vocês estão loucos? - disse Grover. - Este lugar é esquisito.
Nós o ignoramos. Estava acostumada com esquisitices.
O terreno da frente era uma floresta de estátuas: animais de cimento, crianças de cimento, até um sátiro de cimento tocando as flautas, o que deixou Grover arrepiado.
- Béééé! - baliu. - Parece meu tio Ferdinando!
Paramos diante da porta do armazém.
- Não bata - implorou Grover. - Sinto cheiro de monstros.
- Seu nariz está congestionado com as Fúrias - disse-lhe Annabeth. - O único cheiro que estou sentindo é de hambúrgueres. Você não está com fome?
- Carne! - disse ele, desdenhoso. - Sou vegetariano.
- Você come enchiladas de queijo e latas de alumínio - lembrei-o.
- São vegetais. Venham, vamos embora. Essas estátuas estão... olhando para mim.
Então a porta se abriu rangendo, e diante de nós estava uma mulher alta, do Oriente Médio - eu pelo presumi que fosse de lá, porque usava um longo vestido preto que escondia tudo menos as mãos, e sua cabeça estava totalmente coberta por um véu. Seus olhos brilhavam embaixo de uma cortina de gaze preta, mas isso foi tudo o que pude distinguir. As mãos cor de café pareciam velhas, mas bem cuidadas e elegantes, portanto imaginei que se tratasse de uma avó que fora outrora uma bonita dama.
O sotaque dela também tinha um quê do Oriente Médio. Ela disse: - Crianças, já é muito tarde para estarem sozinhas na rua. Onde estão seus pais?
- Eles estão... ahn... - Annabeth começou a dizer.
- Nós somos órfãos - falou Percy
- Órfãos? - disse a mulher. A palavra soou estranha em sua boca. - Mas meus queridos! Certamente não!
- Nós nos perdemos da caravana - disse eu. - A caravana do nosso circo. O Mestre-de-cerimônias nos disse para encontrá-lo no posto de gasolina se nos perdêssemos, mas ele pode ter esquecido, ou talvez se referisse a outro posto de gasolina. De qualquer modo, estamos perdidos. Esse cheiro é de comida?
- Ah, meus queridos - disse a mulher. - Vocês precisam entrar, pobres crianças. Eu sou a tia Eme. Vão direto para os fundos do armazém, por favor. Ali há um lugar para refeições.
Agradecemos e entramos.
Percy e eu fizemos um soquinho pelas costas da mulher
O armazém era abarrotado de mais estátuas - pessoas, todas em poses diferentes, usando roupas diferentes e com expressões diferentes no rosto. Fiquei imaginando que era preciso ter um jardim bem grande para alojar ainda que uma única estátua daquelas, porque eram todas em tamanho natural. Mas eu estava mesmo era pensando em comida.
Vá em frente, pode me chamar de idiota por ir entrando na loja de uma senhora estranha como aquela só porque estava com fome, mas às vezes faço as coisas por impulso. Além disso, você nunca sentiu o cheiro dos hambúrgueres da tia Eme.
Percebi que a mulher olhava para as minhas costas, mais especificamente, para minha aljava com o arco dentro.
- É para a minha apresentação, senhora. Eu não posso perder nenhuma flecha. - esclareci. Mas se ela podia ver a aljava, então podia ver através da Névoa.
Passei a reparar nos soluços nervosos de Grover, no modo como os olhos das estátuas pareciam me seguir ou no fato de que a tia Eme trancara a porta atrás de nós.
Lá estava, no fundo do armazém, um balcão de sanduíches com uma grelha, uma máquina de refrigerantes, uma estufa de pretzels e uma máquina de queijo nacho. Tudo o que poderíamos querer, mais algumas mesas de piquenique de aço na frente.
- Por favor, sentem-se - disse a tia Eme.
- Fantástico - comentou Percy.
- Hum - disse Grover com relutância -, não temos nenhum dinheiro, senhora.
Antes que eu e Percy pudéssemos dar uma cotovelada nas costelas dele, a tia Eme disse:
- Não, não, crianças. Nada de dinheiro. Esse é um caso especial, certo? Para órfãos tão simpáticos, é por minha conta.
- Obrigada, senhora - disse Annabeth.
Tia Eme enrijeceu-se, como se Annabeth tivesse dito algo de errado, mas depois, com a mesma rapidez, relaxou.
- Não tem de quê, Annabeth. Você tem uns olhos cinzentos tão bonitos, criança.
Então eu pensei: “Fudeu”. Não tínhamos dito nossos nomes.
Nossa anfitriã desapareceu atrás do balcão e começou a cozinhar. Antes que eu me desse conta, ela nos tinha trazido bandejas de plástico com cheeseburgers duplos, milk-shakes de baunilha e porções gigantes de batatas fritas.
Percy, na metade de seu sanduíche, deu um longo suspiro. Só naquele momento ele tinha lembrado de respirar.
Annabeth sorveu ruidosamente seu milk-shake.
Eu não comi nada, mas coloquei um hambúrguer e um copo de milk-shake - ambos embalados - no bolso do casaco.
(Dica para pequenos ladrões: tenham bolsos grandes)
Grover beliscou as batatas fritas e olhou para o papel-toalha da bandeja como quem poderia experimentar aquilo, mas ainda parecia nervoso demais para comer.
- O que é esse chiado? - perguntou ele.
Prestei atenção, mas não ouvi nada. Annabeth sacudiu a cabeça.
- Chiado? - perguntou tia Eme. - Talvez você esteja ouvindo o óleo de fritura. Você tem bons ouvidos, Grover.
- Eu tomo vitaminas. Para os ouvidos.
- Admirável - disse ela. - Mas, por favor, relaxe.
Tia Eme não comeu nada. Estava sentada com os dedos entrelaçados, observando.
Percy tentou puxar assunto.
- Então, você vende anões.
- Ah, sim - disse tia Eme. - E animais. E pessoas. Tudo para o jardim. Sob encomenda. As estátuas são muito populares, sabe.
- Há muito movimento nessa estrada?
- Não, nem tanto. Desde que a autoestrada foi construída... a maioria dos carros já não passa por este caminho. Preciso cuidar bem de cada cliente que recebo.
Senti um formigamento na nuca, como se alguém estivesse me observando. Virei-me, mas era apenas a estátua de uma garotinha segurando uma cesta de Páscoa. Os detalhes eram incríveis, muito melhores que os vistos na maioria das estátuas de jardim. Mas havia algo de errado com seu rosto. Ela parecia assustada, até mesmo aterrorizada.
- Ah! - disse tia Eme com tristeza. - Você pode notar que algumas das minhas criações não dão muito certo. Elas são defeituosas. Não vendem. O rosto é a parte mais difícil de sair perfeito. Sempre o rosto.
- Engraçado, elas se parecem muito com pessoas de verdade. Como se você tivesse transformado pessoas em estátuas.
Tia Eme se mexeu desconfortável com minha observação.
- Meu bem, eu me dedico bastante às minhas obras, afinal, ninguém iria querer um trabalho mal-feito.
- Você mesma faz estas estátuas? - perguntou Percy.
- Ah, sim. Já tive duas irmãs para me ajudar no negócio, mas elas faleceram, e a tia Eme ficou sozinha. Só tenho as minhas estátuas. É por isso que as faço, sabe? São minha companhia.
Duas irmãs perdidas, pessoas em estátuas, olhos tapados, o comentário sobre os olhos cinzentos de Annabeth. Eu sabia com quem estávamos lidando.
Annabeth se inclinou e disse: - Duas irmãs?
Ela também sabia quem era aquela mulher.
- É uma história terrível - disse tia Eme. - Não é para crianças, na verdade. Veja, Annabeth, uma mulher má estava com inveja de mim, muito tempo atrás, quando eu era jovem. Eu tinha um... um namorado, sabe, e essa mulher má estava determinada a nos separar. Ela provocou um acidente terrível. Minhas irmãs ficaram do meu lado. Compartilharam a minha má sorte enquanto foi possível, mas por fim morreram. Elas se esvaíram. Só eu sobrevivi, mas a um preço. Que preço.
Percy me olhou com aquela cara de: “Coitada da velha senhora. Quem ia querer fazer mal a alguém tão gentil?”
E eu queria responder: “O seu pai e a mãe da Annabeth, por isso vocês estão ferrados”
- Percy? - Annabeth o sacudia. - Acho que devemos ir. Quer dizer, o mestre-de-cerimônias do circo deve estar esperando.
A voz dela estava tensa. Grover estava comendo o papel encerado da bandeja.
- É, vamos, irmão, - era a primeira vez que eu chamava Percy de irmão na frente de um dos campistas. Provavelmente eles achavam que éramos apenas melhores amigos. - Não podemos nos atrasar.
- Que olhos cinzentos bonitos - disse tia Eme, outra vez para Annabeth. - Ah, mas faz muito tempo que não vejo olhos cinzentos como esses.
Ela estendeu o braço como se fosse acariciar o rosto de Annabeth, mas Annabeth se levantou abruptamente.
- Precisamos mesmo ir.
- Sim! - Grover engoliu o papel toalha encerado e pôs-se de pé. - O mestre-de-cerimônia está esperando!
- Por favor, queridos - implorou a tia Eme. - É tão raro eu estar com crianças... Antes de ir, não gostariam de pelo menos posar para uma foto?
Eu queria gritar que não.
- Uma foto? - perguntou Annabeth com cautela.
- Sim, uma fotografia. Vou usá-la como modelo para um novo conjunto de estátuas. Crianças são muito populares, sabem? Todo mundo ama crianças.
Annabeth balançou de um pé para o outro.
- Acho que não podemos, senhora. Vamos, Percy...
- Claro que podemos. É só uma foto, Annabeth. Qual é o problema?
- Sim, Annabeth - a mulher murmurou. - Não há mal nenhum.
Então lá fomos nós tirar a maldita foto.
Tia Eme nos conduziu até um banco de jardim perto do sátiro de pedra.
- Agora - disse ela - vou posicionar vocês corretamente. A mocinha no meio, e os dois jovens cavalheiros em cada lado. Vou fotografar a bela Aline sozinha, espere um pouco, minha querida.
- Não há muita luz para uma foto - observei.
- Ah, é o suficiente - disse tia Eme. - Suficiente para enxergarmos um ao outro, não é?
- Onde está a sua câmera? - perguntou Grover.
Tia Eme deu um passo atrás, como que para admirar a foto.
- Agora, o rosto é o mais difícil. Vocês podem sorrir para mim, por favor, todo mundo? Um grande sorriso?
Grover deu uma olhada para o sátiro de cimento a seu lado e murmurou:
- Parece mesmo com o tio Ferdinando.
- Grover! - ralhou tia Eme. - Olhe para este lado, querido.
Ela ainda não tinha nenhuma câmera nas mãos.
- Percy... - disse Annabeth.
- Não vai demorar nem um segundo - disse tia Eme. - Sabe, não consigo vê-los muito bem por causa desse maldito véu...
- Percy, alguma coisa está errada - insistiu Annabeth. Jura que algo está errado, Annabeth?
- Errada? - disse tia Eme, erguendo as mãos para remover o véu em volta da cabeça. - De modo algum, querida. Estou em tão nobre companhia esta noite. O que poderia estar errado?
- Aquele é o tio Ferdinando! - disse Grover, arfando.
- Ah! Você é a única coisa errada aqui, górgona! - eu gritei.
Antes de chutarem idosos, eu peço que se certifiquem que: N°1 - O idoso em questão é um monstro mitológico; N°2 - O idoso quer matar você e/ou seus amigos: N°3 - Você não vai estar assinando sua sentença de morte.
Eu tinha certeza da N°1 e da N°2.
A Medusa caiu de cara no chão. A parte ruim? Ela estava sem o véu.
- Não olhem para ela! - gritou Annabeth. Num piscar de olhos, ela enfiou o boné dos Yankees na cabeça e desapareceu. Suas mãos invisíveis empurraram Grover e Percy para fora do banco.
Pude ver Grover correndo para um lado e ouvir Annabeth ir para o outro. Percy tinha caído no chão e seus olhos iam subindo em direção ao rosto da Medusa
- NÃO, PERCY! NÃO OLHE PARA ELA! - gritei.
- A dos Olhos Cinzentos fez isso comigo, Percy - disse a Medusa, ela não soava como um monstro. - A mãe de Annabeth, a maldita Atena, transformou a bela mulher que eu era nisto aqui.
- Não dê ouvidos a ela! - gritou a voz de Annabeth, de algum lugar entre as estátuas. - Corra, Percy!
- Silêncio! - rosnou a Medusa. Depois sua voz voltou a ser um murmurar tranquilizante. - Você está vendo por que preciso destruir a menina, Percy. Ela é filha de minha inimiga. Vou esmagar a sua estátua até virar pó. Mas você, querido, você não precisa sofrer.
- Não - murmurou.
- Você quer mesmo ajudar os deuses? - perguntou a Medusa. - Entende o que o espera nessa missão boba, Percy? O que acontecerá se chegar ao Mundo Inferior? Não seja um peão dos olimpianos, meu querido. Você estará melhor como estátua. Menos dor.
- Percy!
Atrás de mim, ouvi um zumbido, como o de um beija-flor de cem quilos dando um mergulho. Grover gritou:
- Abaixe-se!
Eu me virei, e lá estava ele, Grover, no céu noturno, vindo bem na minha frente, com os tênis voadores batendo as asas, segurando um galho de árvore do tamanho de um bastão de beisebol.
Seus olhos estavam fechados com força, a cabeça se agitando de um lado para o outro. Guiava-se só pelos ouvidos e o nariz.
- Abaixe-se! - gritou ele de novo. - Vou pegá-la!
Aquilo por fim me acordou para ação. Conhecendo Grover, tinha certeza de que ele ia errar a Medusa e me acertar. Mergulhei para um lado.
Plaft!
De início pensei que fosse o som de Grover atingindo uma árvore. Então a Medusa rugiu de raiva.
- Seu sátiro miserável - rosnou. - Vou acrescentá-lo à minha coleção!
- Essa foi pelo tio Ferdinando! - gritou Grover de volta.
Eu mirei uma flecha na cabeça dela, mas Grover deu um rasante para cima da górgona, mudando ela de posição. A flecha acertou seu antebraço.
- Filha do sol! Irei te…
- Vai o que? Me matar? Me transformar em pedra? Qual é, seja mais criativa. E a propósito, meu pai é o deus do sol, não o sol. Eu tenho quase certeza que o deus-sol é Hélio, mas…
- Chega! Não quero ouvir mais nenhuma baboseira sua!
- Meus professores sempre diziam isso. E mais uma coisa: tchau tchau, cabelo de minhoca
Percy cortou a cabeça da Medusa.
Algo caiu no chão ao lado do meu pé. Precisei reunir toda a minha força de vontade para não olhar. Pude sentir uma secreção morna empapando meus tênis e pequenas serpentes agonizantes puxando os cadarços dos meus sapatos.
- Ah, eca! - disse Grover. Seus olhos ainda estavam bem fechados, mas imagino que conseguisse ouvir aquilo gorgolejando e fumegando. - Megaeca.
Annabeth se aproximou de mim, os olhos fixos no céu. Estava segurando o véu da medusa.
- Não se mova - disse ela.
Com muito, muito cuidado, sem olhar para baixo, ajoelhou-se e embrulhou a cabeça do monstro no pano preto, depois a ergueu. Ainda estava pingando um suco verde.
- Tudo bem com vocês? - perguntei com a voz trêmula.
- Sim - concluiu Percy - Por que... por que a cabeça não evaporou?
- Depois que você a decepa, ela se torna um troféu de guerra - explicou Annabeth. - Como o chifre do Minotauro. Mas não a desembrulhe. Ainda pode petrificá-lo.
- Nosso grande aviador - disse eu. - Bom trabalho, cara.
Ele conseguiu dar um sorriso envergonhado.
- Se bem que, na verdade, não foi nada divertido. Bem, a parte de acertá-la com o pau, isso foi bom. Mas me arrebentar contra um urso de concreto? Nada divertido.
Ele agarrou os tênis no ar. Percy pôs a tampa em minha espada. Eu guardei o arco. Juntos, nós quatro voltamos cambaleando para o armazém.
Encontramos alguns sacos plásticos velhos atrás do balcão de lanches e embrulhamos duas vezes a cabeça da Medusa. Com um plop, largamos a coisa em cima da mesa onde havíamos jantado e nos sentamos em volta, exaustos demais para falar.
Por fim, Percy disse:
- Então temos de agradecer a Atena por esse monstro?
Annabeth o lançou um olhar irritado.
- A seu pai, na verdade. Medusa era namorada de Poseidon. Eles combinaram um encontro no templo de minha mãe. Foi por isso que Atena a transformou em monstro. A Medusa e suas irmãs, que a ajudaram a entrar no templo, se transformaram nas três Górgonas. É por isso que ela queria me picar em pedacinhos, mas ia conservar você como uma bela estátua. Ainda gosta de seu pai. Você deve tê-la feito se lembrar dele.
O rosto de Percy estava vermelho como um tomate.
- Ah, então a culpa de termos encontrado a Medusa é minha?
Annabeth endireitou o corpo. Em uma péssima imitação da voz de Percy, disse:
- “É só uma foto, Annabeth. Qual é o problema?”
- Deixa para lá - falou. - Você é impossível.
- Você é insuportável.
- Você é...
- Ei! - Interrompeu Grover. - Vocês dois estão me dando enxaqueca. E sátiros nem têm enxaqueca. O que vamos fazer com a cabeça?
Eu olhei para aquilo. Uma pequena serpente estava pendurada para fora de um buraco no plástico. As palavras impressas no saco diziam: AGRADECEMOS SUA VISITA!
Eu estava zangada, zangada com todos os deuses por causa daquela missão, por nos terem tirado da estrada e pelas duas grandes batalhas logo no primeiro dia fora do acampamento. Nesse ritmo, jamais chegaríamos vivos a Los Angeles, muito menos antes do solstício de verão.
Eu e Percy, nós entreolhamos
- Voltamos já.
Vasculhamos os fundos do armazém até encontrar o escritório da Medusa. Seu livro-caixa mostrava as seis vendas mais recentes, todas remessadas para o Mundo Inferior para decorar o jardim de Hades e Perséfone. De acordo com uma nota de embarque, o endereço de cobrança do Mundo Inferior era os Estúdios de Gravação M.A.C. – Morto ao Chegar -, West Hollywood, Califórnia. Dobrei a nota e a enfiei no bolso.
Na caixa registradora encontrei vinte dólares, uns dracmas de ouro e algumas guias de remessa do Expresso Noturno de Hermes, cada qual com uma pequena bolsa de couro anexa, para moedas.
Procuramos o restante do escritório até encontrar uma caixa do tamanho certo.
Voltamos para a mesa de piquenique, Percy encaixotou a cabeça da Medusa e eu preenchi uma guia de remessa:
AOS DEUSES
MONTE OLIMPO,
600° ANDAR,
EDIFÍCIO EMPIRE STATE
NOVA YORK, NY
COM OS MELHORES VOTOS,
PERCY JACKSON & ALINE WOLF
- Eles não vão gostar disso - advertiu Grover. - Vão achá-los impertinentes.
Coloquei alguns dracmas de ouro na bolsa anexa. Assim que a fechei, veio um som como o de uma caixa registradora. O pacote flutuou para fora da mesa e desapareceu com um pop!
- Nós somos impertinentes.
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