Na sua estante
Will decidiu deixar tudo o que conhecia para trás. Não suportava mais a ideia de continuar se escondendo, de se render a uma vida que não era sua para agradar pessoas preconceituosas.
Naomi não reagiu bem quando ele se assumiu como bissexual, e mesmo assim Will se surpreendeu. Achou que a mulher gritaria, que ela o expulsaria de casa, que o acusaria de estar cometendo um dos piores pecados… Mas ela se limitou a ignorar sua existência, não o dirigindo a palavra durante semanas. O garoto se sentiu magoado, mesmo já esperando o pior.
E a ignorância de sua mãe foi como o rompimento do fio que o segurava naquele fim de mundo, a consolidação da cruel realidade em que vivia, destruindo completamente sua fantasia de que algum dia seria aceito.
Will estava farto. Farto da intolerância, farto do ódio, da exclusão, da alienação, dos segredos, da insegurança…
E ele deixaria tudo para trás, buscaria sua liberdade bem longe dali.
Mas enquanto havia tantas razões para sua partida, havia um único motivo que o fazia permanecer ali. Um motivo com a pele pálida, palavras sujas, e olhos negros que encaravam Will como se ele fosse a coisa mais preciosa de todo o mundo. E Will o amava tanto.
Por aquele garoto, Will desistiria de todos os seus planos, suportaria toda a pressão da comunidade em que viviam, se contentaria com os encontros em cantos escondidos, gestos discretos e confissões sussurradas.
Mas isso não estava certo. Não deveria ser assim. Will não deveria basear seu futuro e o de Nico em um namoro adolescente não assumido. Seus sonhos não poderiam ser limitados a uma cidade do interior.
Ele pensou sobre a possibilidade de levar Nico consigo, de construírem um futuro feliz, bem longe do poço de intolerância que era aquela cidade. Mas ele não poderia, Will não pediria isso a Nico, sabendo que diferente dele, o moreno possuía uma família que o amava. Nico tinha seus pais, suas irmãs e um futuro promissor.
Will tinha sonhos de outdoor, queria ser uma estrela, e isso significava que deveria deixar seu grande amor.
Usando uma parte de suas economias para pagar as passagens de ônibus e os primeiros meses do aluguel de um apartamento minúsculo, Will seguiu seu sonho na cidade de São Paulo. Devido a seu ótimo histórico escolar conseguiu uma bolsa em uma faculdade, no curso de publicidade e propaganda, estudando durante a noite, e trabalhando em uma cafeteria durante o dia, para pagar seus gastos.
Como uma luz em sua vida, ele conheceu Piper McLean. Ambos eram do mesmo curso na mesma faculdade, mas começaram a conversar apenas quando a garota entregou seu currículo na cafeteria em que Will trabalhava, sendo contratada na semana seguinte.
Piper McLean era simplesmente encantadora, filha de um ator aclamado mundialmente, mas desejava ter suas próprias conquistas, e por esse motivo recusava qualquer ajuda financeira que Tristan McLean lhe oferecesse. A garota também era uma excelente ouvinte, sempre disposta a oferecer apoio aos amigos, e graças a ela Will conseguiu se enturmar.
Além de Piper, o Solace fez amizade com Shell, a namorada da garota, que optou por não fazer faculdade, Leo, que estava no terceiro semestre de engenharia e Jason que terminaria o curso de direito no ano seguinte.
E graças a eles, seis meses depois de sua mudança, Will se sentia livre: ele havia começado a viver por si mesmo, sem se ocultar, sem ter vergonha de quem era, e cercado de pessoas que o aceitavam e compreendiam.
Mas, mesmo se sentindo feliz e realizado por tudo o que estava conquistando, em todas as noites, assim que sua cabeça repousava no travesseiro, as lágrimas inundavam seus olhos, e sentimento de solidão, a saudade tomavam seu ser.
Constantemente sonhava com Nico, com as conversas que haviam tudo sobre o futuro, a lembrança dos beijos que trocaram, as memórias do dia do término… essas eram as noites mais difíceis, nas quais ele se limitava a soluçar até que o sol nascesse.
Na madrugada de um fim de semana qualquer, Will decide resgatar seu violão, há muito tempo silenciado. O instrumento, coberto por uma fina camada de poeira, aguardava pacientemente no canto de seu quarto. Ao acariciar as cordas, uma melodia hesitante ecoa timidamente, mas à medida que os dedos relembram os acordes, a música começa a fluir. Cada nota resgata memórias adormecidas, envolvendo o ambiente em um sereno arranjo sonoro. O violão, outrora esquecido, revelou-se como um portal para a expressão emocional, fazendo com que Will se perdesse nas correntes melódicas do passado.
Will escorrou seu celular de qualquer jeito na estante, colocando-o para gravar, e sentado em sua cama, deixou que os acordes de “Na Sua Estante - Pitty” irrompessem o silêncio do quarto. Deixando sua mente vagar enquanto as palavras arranham sua garganta, a música o traz memórias e sentimentos que ele achava já ter superado.
"E essa abstinência uma hora vai passar"
Quando a música acaba, uma lágrima solitária escorre por sua bochecha, mas Will se limita a sorrir para a câmera de seu celular, e interromper a gravação. Em um ato impensado, o loiro posta o vídeo no YouTube, guardando o violão em seguida e decidindo ao menos tentar dormir.
...
No dia seguinte, assim que abriu seus olhos, percebeu instintivamente seu atraso. Seu expediente seria iniciado em menos de vinte minutos, então Will se limitou a colocar seu uniforme de qualquer jeito, e enfiar seu celular no bolso, quase correndo na direção da cafeteria, que por sorte não era longe de seu apartamento.
“Dois minutos atrasado” Drew, a garota antipática, que trabalhava no primeiro turno do café o acusa, revirando os olhos enquanto tira o avental, o pendurando em seu devido lugar, e saindo do local em seguida.
Will suspirou, colocando seu próprio avental e começando a limpar algumas mesas.
“William. Andrew. Solace.” Piper diz seu nome pausadamente, e quando se vira para encara-la, Will vê os olhos multi-coloridos da garota arregalados.
“Tudo bem Piper?” o loiro questiona, um pouco preocupado pelo olhar da garota.
“Como você nunca me disse que tem a porra da voz de um anjo?” Piper questiona, quase ofendida.
“Desculpe, como?” o loiro a encarou com um olhar perdido, esquecendo momentaneamente de seu trabalho para encarar a amiga.
“Will, você tem que gravar mais, você tem talento!” a garota pausou sua falta, suspirando pesadamente ao encarar a expressão confusa do amigo “Sol, você já olhou seu celular hoje?” a morena o lança um olhar que Will não soube decifrar, algo entre incredulidade e admiração.
Assim que Will ligou o aparelho, seus olhos se arregalaram apenas pela barra de notificação: dezenas de atualizações em seu Instagram, Twitter e YouTube. Centenas de hipóteses passaram pela mente do loiro: teria ele postado algo ofensivo no Twitter, e agora ele estaria sendo cancelado? Ele atendeu alguma pessoa famosa na cafeteria, e os internautas estariam especulando sobre uma possível relação? Talvez ele…
Will clicou em uma das notificações do YouTube e… Seu vídeo. O vídeo de seu cover havia alcançado dois milhões de visualizações. Centenas de novos seguidores em suas redes sociais, e diversas mensagens em suas dm’s.
“Puta que pariu” foi tudo o que ele conseguiu dizer, quase deixou seu celular cair “puta que pariu” ele repetiu ainda incrédulo.
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