[Miyavi]
Esses dias se tornaram um inferno na minha vida. Desde o dia que Kai se entregou à mim lá na loja, tudo dentro de mim não parece mais o mesmo. Por mais que tentasse lutar contra o que estava sentindo por várias razões tudo parecia em vão.
Sabia que o Kai era mais novo que eu, que era filho único e poderia já ter planos de formar uma família na vida adulta. Também tinha meu compromisso com a filha de Ryuichi-sama. Meus pais se encarregaram de fazer disso um compromisso desde que minha mãe fazia tanta questão de pertencer a família dele por sua esposa e ela serem amigas de infância.
No início achava divertido ter que comparecer a almoços e jantares com a família dela. Aprender do que ela gostava, do que desejava para o futuro mas isso tudo soava mais como amizade do que uma relação amorosa até porque nunca consegui vê-la como uma esposa ou algo assim. Parecia errado, sei lá.
Tudo ficou ainda mais confuso quando me dei conta do quanto gostava do Kai. Ele era um ser de luz! Sempre foi muito bonito, amável, carinhoso e aquele jeitinho como suas bochechas ficavam rosadas quando eu dizia um simples oi eram tudo para mim. Kai sem dúvida era encantador e não foi surpresa me ver apaixonado por ele dentro de tão pouco tempo.
Após me dar conta de como meu coração se sentia com relação a ele, minha relação que antes era bem sólida com a Melody passou a ruir. Eu tinha vergonha de dizer a ela que estava apaixonado por outra pessoa e não sabia como reagiria ao saber que estava trocando-a por um garoto.
Achei que fosse errado me ver interessado por um rapaz tão novo. Eu deveria estar enlouquecendo porque afinal de contas, Kai tinha idade para ser um tipo de irmão mais novo. Pensei até que fosse dessa forma que ele me via já que parecia ser tão carinhoso com os demais da nossa turma de amigos quanto comigo. Na verdade todos nós sempre fomos assim uns com os outros, era muito natural agir dessa forma como uma família.
Eu havia parado de frequentar a casa de Melody quando percebi o quão apaixonado eu estava por outra pessoa e não só ela como também sua família perceberam essa falta de interesse. Meu pai de certa maneira não me obrigava diretamente a ir até lá mas nada do que palavras carinhosas e sinceras não fizessem minha cabeça imaginar coisas então passei a me sentir envergonhado por não conseguir honrar com tal compromisso.
Meus pais cientes do que eu gostava decidiram com a família da Melody abrirem uma loja de instrumentos musicais e fazer um ateliê nos fundos da loja para que eu pudesse trabalhar lá, assim ficando mais próximo da minha pretendente.
Fiquei muito feliz em ter um lugar para colocar em prática todas as minhas ideias. Seria uma forma de espairecer e também de preencher a mente com outras coisas que não fosse aquele garotinho de sorriso encantador. Eu me esforçaria para tirá-lo do meu coração.
O tempo foi passando e nós fomos amadurecendo. Me contentei em ficar com o Kai somente com a posição de irmão mais velho. Estava claro que seria melhor para nós dois assim mas às vezes não conseguia me policiar e acabava entrando na vida dele mais do que deveria. Ouvir de seus lábios o quanto ele gostava de estar comigo fazia o ar sumir, a minha cabeça girar e coração bater tão forte que poderia sentir que ele ouvia essas batidas então por essa razão o dizia assim tão livremente como se fosse algo natural.
Eu chegava em casa a passos lentos após o trabalho e só conseguia me afogar em lágrimas ao pensar como minha mente não conseguia parar de pensar nele, como meu corpo me traia tanto por sentir-se atraído por aquele garoto bonito. Kai não era só um garoto bonito e sim o ser mais incrível que conheço.
A Melody fazia de tudo para chamar minha atenção. Fazia festas em sua casa, me convidava para acompanhá-la ao cinema, para tomar um sorvete e coisas do gênero que todos os casais fazem entretanto arrumava uma desculpa das mais esfarrapadas para não comparecer.
Estava na loja aquela tarde pensando em como deveria compor uma nova canção sobre como seu sorriso era como os raios de sol quando ele apareceu na loja. Fiquei muito envergonhado ao tê-lo no meu trabalho quando era dele que minha mente sempre pensava.
A chuva não poderia ter vindo em melhor hora. Ficamos ali, comemos um pouco da sobremesa que Melody havia encomendado do XClamation, apreciei como ele ficava bonito tocando bateria. Em nenhum desses anos de convivência ele havia me contado sobre como e quando aprendera a tocar tão bem.
Me sentia flutuar. Não sabia direito se era de alegria por ficar algumas horas apreciando sua presença sem ter que dividir sua atenção com ninguém ou se era em função do teor alcoólico da sobremesa porém quando nossos lábios se tocaram a primeira vez meu corpo praticamente entrou em combustão de tal maneira que foi impossível segurar.
Precisava sentir mais do Kai, sentir como seu corpo parecia estremecer diante do contato de nossos corpos. Meus lábios tinham a necessidade de marcá-lo como meu. A carga de sentimentos somada ao prazer que sentia de estar com ele fez que perdesse a razão e o fiz meu por inteiro. Aquela necessidade de tê-lo pra mim, aquele desejo que anuviava meus sentidos, o sabor de seus lábios, o calor de seu corpo foi o estopim para perder a razão e fazer o que fiz.
Depois de se entregar a mim da maneira mais doce possível, perdi os sentidos por algum tempo com ele em meus braços mas quando me dei conta estava às sós com Melody em sua casa.
Eu estava deitado em uma cama desconhecida quando acordei e não senti os braços de Kai ao meu redor. Meu coração batia forte em pensar que tudo aquilo não havia passado de uma alucinação da minha cabeça entretanto a prova de que havia sido real se fez presente quando me levantei e tudo girou ao meu redor em função da bebida.
O coração quase saiu pela boca quando me dei conta de que Melody estava deitada comigo na mesma cama. Já não estava maquiada e usava uma camisola de seda. Isso não poderia estar acontecendo, não agora. E o Kai? Onde ele foi? Porque estou aqui e porque a Melody está deitada na mesma cama que eu?
Tentei sair da cama para ir embora quando ela abriu os olhos me perguntando onde eu ia. Não sabia o que dizer. Responderia o que? Que não podia ficar e que não fazia ideia de como cheguei naquele lugar.
Ela sorriu docemente me chamando para voltar a deitar alegando que me amava e que aquele tinha sido a melhor noite da sua vida. Meu corpo não respondia aos meus gritos na cabeça me dizendo para fugir dali e não voltar nunca mais. Isso não podia estar acontecendo. Eu não fiz o que estou pensando que fiz! Eu estava com o Kai como que depois acordo com a Melody? Será que fiquei com ela achando que era ele? Kami, estou enlouquecendo, só pode!
Fiquei muito chocado com a possibilidade de ter feito...isso com ela. Não era minha intenção, nunca foi. Ela era uma amiga, só uma amiga. E agora? Como vou fugir dessa responsabilidade? Com muito custo consegui dizer que precisava ir embora então aceitou respondendo que trocaria de roupa para me levar até em casa.
Enquanto ela foi para o banheiro, pensei em tirar o pijama e colocar novamente a minha roupa quando fui surpreendido pela mãe da Melody entrando e me encontrando em pé no meio do quarto. Seus olhos dobraram de tamanho e vi quando suas bochechas enrubesceram. No mesmo instante a Melody saiu do banheiro vestida segurando a camisola que vestia.
Ela disse que estava saindo para me levar para casa e então sua mãe cedeu passagem. Nem troquei de roupa, indo para casa de pijama mesmo. Mais ferrado do que estava era impossível. Como que saio desse problema agora?
Depois de um banho, tentei colocar a cabeça no lugar acreditando que entre Kai e eu não houve nada, que tudo não passou de uma loucura da minha cabeça ao passar a noite com a Melody e então tentaria fazer o que fazia de melhor. Refrear minha mente, sufocar meus sentimentos pelo menino de covinhas e seguir a vida como a minha família sonhara.
Quando descobri que tinha sido real e eu estava sendo um tremendo babaca com o garoto meu mundo caiu. Não podia ter acontecido da mesma forma que eu não deveria ter acordado na casa da Melody. Agora sei que fiquei com os dois na mesma noite e não vem em minha mente nada que possa me salvar desse problema grave.
Ver o quanto fazia o garotinho de sorriso bonito sofrer ao imaginar que não me lembrava de nada do que aconteceu, doía. Sim, doía como o inferno mas era necessário. Ele sofreria agora mas logo se esqueceria do que aconteceu, seguindo sua vida ao lado de alguém que pudesse ficar com ele e eu tentaria caminhar como estava planejado pelos meus pais desde que nasci.
No dia do festival estava disposto a cantar aquela música que falava de meus sentimentos contidos pelo Kai mas em parte meus planos foram por água abaixo quando meu pai fez com que levasse Melody. Tudo poderia ter sido menos agitado no meu coração se ele não estivesse tão bonito naquela roupa!
Cantei e toquei a canção que havia feito para ele e nada me preparou para o baile logo em seguida. Porque o tio Yoshiki tinha que me colocar justamente para dançar com ele? Será que lia mentes agora porque olhando ao redor, ele criou os casais mais chocantes da festa.
Estar de novo com o Kai me fazia relembrar dos momentos que passei no ateliê e isso fazia minha mente não raciocinar fazendo com que cometesse mais uma besteira. Porque eu disse pra ele me esperar na sala àquela hora da noite? Estava cansado de tentar apagar aquela vontade louca de tê-lo comigo mais uma vez.
Vê-lo naquela sala escura a mercê dos meus beijos me deixou mais fora de mim e não contentei-me a dizer somente que ansiava por ele desde aquele dia. O tornei meu outra vez sem conseguir frear aquela vontade louca de marcá-lo novamente como sendo meu. Era involuntário sentir aquela loucura toda por seu amor, por seu corpo, por seus beijos.
Depois que tudo aconteceu a realidade chegou como um balde de água fria. Eu havia deixado Melody sozinha no pátio para ficar com ele. A troco de que se não posso corresponder aos seus sentimentos? Precisava acabar logo com isso antes que fosse tarde demais e enlouquecer de vez.
Dizer que não podíamos ficar juntos era a pior coisa que havia dito em toda a minha vida. Saí daquela sala em passos rápidos e quase voltei quando dei de cara com a Melody me procurando. Ela tinha uma cara estranha e quando me perguntou onde estava meu sangue gelou. Afirmei que tinha ido no banheiro mas algo em seu olhar demonstrava não ter acreditado embora não falasse mais nada sobre o ocorrido.
Com o passar dos dias eu me sentia mais maluco do que de costume. Eu sabia que tinha sido um idiota com o Kai mas o que eu poderia fazer além de fugir de mim mesmo? Fui pego sim de surpresa pelo murro que o Ruki me deu. Até que aquele baixinho tem força nas mãos e eu poderia tê-lo segurado se não soubesse o quão culpado era por aquela situação.
Em seguida ver aquele menino da outra sala sentando na nossa mesa e cortejando o Kai daquela forma escancarada fazia meu sangue ferver. Se não saísse de lá poderia partir a cara daquele moleque e causar mais confusão. Não queria ter que justificar a todos a minha perda de razão.
Tentei aceitar que eles estavam se conhecendo e seguir com a minha vida mas não conseguia mais esconder o meu descontentamento por aquela aproximação. Já nem queria ficar mais no ateliê. Parecia que minha vontade de criar as coisas tinham ido embora junto com a minha razão de viver.
Depois do dia que o Kai disse que estava namorando aquele tal de Hitsugi quando nos encontramos na saída do parque me vi arrasado. Eu tinha terminado com a Melody aquele dia. Tinha sido franco em dizer a ela que não podia ser fiel a seus sentimentos porque gostava de outra pessoa.
Ela ficou brava, arrumou um escândalo mas logo entendi que aquele dia que que fiquei com o Kai a primeira vez não havia acontecido nada entre ela e eu porque eu estava desacordado. Ela acabou soltando entre berros que eu deveria ter ficado com ela e não com o garoto. Então ela sabia de tudo o tempo todo e não disse nada. Não conseguia acreditar que foi tão baixa a ponto de criar um cenário que nunca existiu para que continuasse ao seu lado. Apesar do que aconteceu, saber que nada aconteceu entre nós dois de certa forma foi como se um peso tivesse sido tirado de minhas costas.
Corri o mais rápido que consegui até a casa do Kai para dizer que estava livre e que poderíamos ficar juntos mas para minha surpresa, seu pai tinha dito que ele tinha saído com um rapaz com o destino ao parque. Fui o mais rápido que consegui de encontro a ele mas quando o mesmo disse que já estava namorando eu perdi a cabeça e as forças.
Tentei de todas as formas conversar as sós com Kai mas ele nunca estava sozinho e isso dificultava muito as coisas porque eu tinha sido ameaçado pelo Ruki de não chegar mais perto dele e eu até tinha intenção de seguir com o acordo mas não conseguia.
Aquele dia em questão eu estava disposto a mudar tudo. Entrar na sala do Kai e dizer tudo que tinha a dizer era o certo porque me conhecia, sabia que gostava dele e eu sabia que ele tinha sentimentos por mim.
Quando o garoto disse que seu coração pertencia ao outro e o mesmo apareceu atrapalhando nossa conversa achei que meu fim havia chegado. Escapei daquele lugar o mais rápido que consegui aos tropeços, empurrando pessoas até o fundo do bloco C. Precisava ficar sozinho.
Me escondi atrás daquela parede sentindo minhas pernas perderem forças e fui ao chão no mesmo tempo que as lágrimas molhavam meu rosto. Estava arrasado e com razão. Perdi o que mais amava por algo que nunca tinha sequer sido escolha minha.
Para a minha surpresa não estava mais sozinho. Outra pessoa chegara e parecia muito bravo. Era o Toshiya. Ele dava murros e chutes na parede descontando toda a sua ira, quase espumando o boca de tanta raiva. Até que ele parou colocando a mão no peito parecendo sentir-se mal. Não sabia se ajudava ou não mas tudo mudou quando seu olhar encontrou os meus.
Ele tentou se erguer ficando na defensiva perguntando o que fazia ali. Respondi que nada de mais.
- Vocês são mesmos ridículos. Está aqui com a cara toda vermelha de tanto chorar feito um bebê e vem dizer que não é nada? – respondeu desdenhando da minha cara porém não quis contrariá-lo. Ele também estava com os olhos embargado de lágrimas e se esforçava bastante para não deixá-las caírem.
- Você não parece melhor que eu, meu caro – respondi cruzando os braços e ele me encarou por um tempo com um simples hmm. Tirou do bolso da calça uma carteira de cigarro, se agachou começando a fumar como se ali fosse um lugar qualquer.
- De fato. Algumas coisas saíram do controle hoje mas vou resolver isso rápido. Só preciso pensar um pouco mais. O problema é que não vou ter muito tempo já que preciso fazer aquela droga de trabalho voluntário – respondeu passando a mão pelo rosto e nos cabelos enquanto a outra segurava o cigarro que fazia questão de tragar com muita vontade – e o que você faz aqui? Deixe-me adivinhar! Está correndo daquele garoto de sorriso idiota, não é?
Minha vontade era de socar a cara desse idiota que está falando do Kai na minha frente. Quem ele pensava que era pra falar isso? E como sabia que o Kai e eu...não podia ser verdade. Será que estava tão claro assim? Então todo mundo já sabia que eu gostava do Kai muito antes que mesmo tivesse a certeza?
- O Kai não tem sorriso idiota. É muito bonito e carinhoso. Se o conhecesse saberia disso e – estava dizendo quando ele desdenhou dizendo que não fazia a menor questão.
- Hmmm...tanto faz. Até que você é diferente dos outros ao meu ver – disse Toshiya – ficaria melhor no meu grupo. Tenho vaga na minha turma agora que Kaoru foi embora.
- Não, obrigada. Não vou ficar com alguém que usa as pessoas em benefício próprio e por uma causa que ninguém sabe. Eu não vou fazer mal para as pessoas que gosto – cuspi as palavras e Toshiya gargalhou na minha cara antes de jogar o toco de cigarro no chão e então pisa-lo.
- Tem certeza que você é a pessoa certa pra me dizer isso? Só eu uso as pessoas? O que você fez com aquele garoto, heim? Não foi para benefício próprio? Não me venha dar lição de moral porque você e eu somos iguais. Você só queria o que era seu e eu também. Não há nada de errado nisso - respondeu Toshiya se virando para ir embora me deixando sozinho porém não podia perder a oportunidade de dizer o que era verdade, o que valia tanto quanto para mim.
- O certo era deixar eles escolherem com quem querem ficar – praticamente gritei para ele que parou sem virar para mim – não é justo a gente obrigar alguém a ficar com quem não ama.
Ele voltou a andar e foi embora sem dizer nada. Se essas palavras não fariam alguma diferença no modo dele pensar eu não sei mas seria um bom começo. Agora preciso pensar em seguir com a minha vida. Quem sabe fazer algo de bom por alguém? Seria uma maneira boa de tentar viver com o coração quebrado.
"Mas eu sempre te amei
Era só isso, era simplesmente isso, mas
para mim era a única coisa
E assim, sem mudar, te amo até agora"
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