[Miyavi]
Essa semana passou não tão rápido como eu esperava, no entanto, sabia porque me sentia assim tão ansioso. Eu queria me encontrar com o Toshiya na clínica mais uma vez. Conversar com ele, descobrir coisas das quais poderiam sanar as minhas dúvidas, já que a outra parte não queria falar. Quem sabe ele não abria a boca logo de uma vez?
O dia tinha chegado e eu acho que nunca tinha contado tantas as horas para algo como estava para ir até a clínica. Eu não entendia muito bem essa ganância por respostas. Mesmo que eu não tivesse nada a ver com isso, me parecia certo pedir por isso e quem sabe hoje eu não tenha sorte?
Cheguei à clínica no horário combinado e para minha surpresa o Toshiya havia levado seu violão preto. Ele sem dizer nada ficava de um lado para outro atrás de mim fazendo o acompanhamento nas músicas.
Era estranho ver ele sendo... Prestativo dessa maneira, ainda mais se tratando de crianças. Toda vez que eu perguntava algo ele já se esquivava dizendo que estava lá unicamente para tocar e não para conversar.
As enfermeiras gostaram tanto da ideia da semana passada que fizeram uma recepção calorosa com uma mesa cheia de frutas, pães, suco e leite para as crianças. Elas estavam tão contentes como se estivessem em uma festa, o que era bom porque dessa forma elas esquecem um pouco do tratamento que era tão cansativo e muita das vezes dolorosa.
Vi pelo canto do olho que o Toshiya saiu da sala. Fui olhar e com certeza ele iria fumar outra vez. Eu tinha algumas perguntas importantes para hoje, então se eu tiver sorte, hoje enfim elas serão respondidas para o bem de todos do nosso grupo. Ainda mais que ele parecia bem calmo.
— Hey, você fuma muito, sabia? Isso não é bom para a sua saúde — Disse me aproximando e ele sequer me olhou. Outra vez o silêncio se fez presente e era um pouco perturbador — Você por acaso conhece o Yomi-chan?
Toshiya me olhou franzindo a testa. Será que ele responderia? Tomara que sim.
— Não sei de quem você está falando — Respondeu ele soando meio desdenhoso enquanto tragava mais uma vez o cigarro. A forma debochada que ele agia me incomodava bastante e acredito que todos a volta também sentiam isso. Não era algo, digamos que educado da parte dele. Achei melhor continuar a conversa para aproveitar que ele tinha aberto a boca pelo menos uma vez.
— É aquele menorzinho da nossa turma de amigos — Continuei a dizer e ele fez uma cara de quem não estava interessado, mas não me deixei abater porque eu não poderia perder a oportunidade de obter a resposta que eu precisava — Estava falando sobre aquele dia que você cantou aquela música para a garotinha e ele ficou tão nervoso que até caiu...
— Não me interessa o que ele fez ou os insuportáveis dos seus amigos. Eu quero distância de vocês e de problemas, então fique bem longe de mim — Respondeu bravo me empurrando com o ombro e quase colidindo com a Dra. Kendra que provavelmente havia ido nos chamar de volta. Pela cara dela, certamente ouviu a falta de respeito do meu colega de projeto.
— Me desculpe por isso, Sensei — Pedi um pouco envergonhado com a situação — Achei que hoje ele estaria disposto a conversar, mas pelo visto me enganei.
— Tudo bem, Ishihara-san — Disse ela e pedi que me chamasse somente de Miyavi, então ela sorriu agradecendo e continuou a conversa — Você conhece o rapaz que saiu daqui há muito tempo?
— Na verdade não. Foi esse ano que ele entrou para o mesmo colégio que eu através de uma bolsa de estudos, porém, por motivos óbvios nós não somos amigos — Respondi sincero.
— E... Ele é sempre assim com todo mundo? Meio... — Perguntou ela quando a completei com a palavra que achei encaixar no contexto perfeitamente.
— Explosivo? — Perguntei e ela acenou com a cabeça em positivo e então continuei dizendo — Ele é assim mesmo. Às vezes ele soa mais estranho e sua maneira de enfrentar as coisas é bizarra, mas acho que depois que os amigos dele se afastaram, ele ficou mais na dele. Nem causa mais confusões por lá.
A sensei ficou um tempo pensativa e depois me perguntou se eu conhecia alguém da família dele e eu disse que sabia sobre seu irmão, o Die. Eu não sabia o porquê daquelas perguntas, porém aquilo começou a deixar-me nervoso porque não sabia onde aquela conversa iria chegar.
A ideia inicial era eu buscar respostas através do Toshiya e agora sou eu que estou sendo interrogado. Era estranho como a vida nos prega peças e acabamos por mudar de lado sem saber.
— Na verdade eu queria sua ajuda, mas se você não puder ou não quiser eu vou entender — Dizia a mulher e eu pedi que continuasse — Já tem um pequeno período em que venho analisando o comportamento dele e o que me chama atenção é a rapidez com que ele muda o humor, quase como se fossem pessoas diferentes.
Era estranho ela dizer isso, no entanto, era aceitável já que tem um tempo que o Toshiya anda agindo diferente de antes. Às vezes ele fala de forma tranquila, outra hora desdenhosa e no mesmo instante seu temperamento mudava de forma agressiva. Era até difícil de acompanhar por assim dizer.
— Pelo modo dele agir, aparentemente não está bem e pelo visto não faz nenhum tipo de tratamento médico — Dizia a sensei e isso já estava me deixando com medo. O que ela queria dizer?
Não demorei a perguntar e ela respondeu que provavelmente ele tinha alguma síndrome causada por algum choque emocional ou físico, o que me deixou quase que em pânico.Como assim, síndrome? Choque físico ou emocional? O que está acontecendo com o Toshiya?
— Eu acho que ele precisa de uma avaliação. Aqui na clínica tem um médico que pode atender ele. Acho que precisará de terapia também. Nesses casos um acompanhamento é o mais indicado — Continuou a falar e eu só conseguia pensar em como ninguém nunca tinha prestado atenção nisso antes. Cadê os pais dele que nunca prestaram atenção no comportamento dele? — Eu sei que ele vai dizer que não precisa, mas eu precisava encontrar alguém que pudesse convencê-lo porque é importante demais para deixar passar. É uma vida e toda vida é preciosa.
— Eu posso tentar falar com ele — Respondi e logo ela sorriu agradecendo e se afastou. Por que eu disse que ia ajudar? Eu não tenho nada a ver com ele... Sem contar o que Toshiya fez com meus amigos durante esse ano. Não é algo fácil de esquecer.
Essa síndrome me deixou bem preocupado. E se ele ficar pior do que já está? Preciso dar um jeito de ajudar a sensei sem que todo mundo saiba. Quem sabe dessa vez eu acerto em alguma coisa?
Toshiya se recusou a me olhar depois que voltamos para a ala infantil. Eu sabia que pela cara dele estava muito bravo, por isso achei melhor deixar ele se acalmar um pouco. Muitas coisas vagaram pela minha mente aquela tarde e uma delas foi em pensar do porque ele ficou tão bravo quando falei do Yomi-chan. Com certeza aí tem coisa e eu estava disposto a me arriscar para descobrir.
A semana passou lentamente e eu me dobrava entre ficar na mesa com meus amigos e vigiar o Toshiya no fundo do colégio. Parecia que debaixo daquela árvore era quase que um lugar sagrado para ele, contudo, eu não entendia bem o porquê. Talvez seria por ser um lugar mais tranquilo e afastado dos demais.
Fiquei sabendo pelo Reita que ele abandonou o futebol depois que o amigo foi expulso do colégio e ele se viu sozinho. Como o colégio parecia ter medo dele devido à má fama que tem, era difícil saber se ele estava tentando criar algum problema sozinho ou se fora do colégio ainda tinha outros amigos que estariam dispostos a ajudá-lo em suas maldades.
Queria acreditar que o Toshiya havia decidido parar logo com isso. Às vezes as coisas que aconteceram serviram para que ele percebesse que o melhor caminho não era aquele. Se ele demonstrasse que estava melhorando, quem sabe não conseguia fazer novos amigos? E tomara que dessa vez eles fossem bons pelo menos.
Sobre a síndrome que a sensei falou, eu não conseguia pensar em outra coisa. Eu tentei buscar um pouco de entendimento sobre o assunto e achei melhor pesquisar na biblioteca do colégio. Lá encontrei muitas informações importantes sobre a síndrome de Asperger e síndrome de Borderline. Pelo pouco que conhecia o Toshiya, sabia que ele se encaixava em cada uma dessas, mas eu não era capaz de dizer em qual especificamente.
Ele tinha problemas de socialização, mas também tinha humor alterado, explosões de raiva, impulsividade e também tinha problemas em desapegar das pessoas porque ele vivia correndo atrás do Aoi antes, depois do Kou-chan e por aí vai. O Toshiya sempre usava a palavra “meu” dando a entender que a possessividade dele era extremamente tóxica.
Eu tinha pensado em pedir ajuda para algum dos meus amigos, porém me vi sem coragem quando eles abordaram o nome dele na mesa de forma extremamente negativa. Não podia culpá-los por isso, mas eu tinha muito medo de ser mal interpretado e assim ser expulso do grupo.
Todos conversavam animadamente na mesa do refeitório e acabei prestando atenção em cada um ali na mesa e para mim tinha algo diferente. A conversa seguia fervorosa sobre o Toshiya e achei melhor sair enquanto eu conseguia manter a minha boca fechada.
Estava passando pela porta da biblioteca quando o vi correndo para os fundos do colégio. Ele parecia mal... O rosto muito vermelho possivelmente de chorar ou de raiva e fazia-me perguntar o que tinha acontecido agora.
Assim que cheguei na parede de onde ele tinha saído eu pude ver qual era o problema e isso me fez lembrar quando estava sentado à mesa. Era isso que estava faltando... O Aoi não estava lá e agora sei porque a razão. Aoi e Kouyou estavam aos beijos e pareciam muito apaixonados.
Não quis que me vissem porque se não tinham contado a ninguém era porque tinham motivos para esconder e acredito que o motivo principal tinha acabado de correr pelo campo. Achei melhor não me demorar ali e parti no mesmo rumo que o Toshiya. De longe eu vi ele chegando na árvore que costumava ficar embaixo e esmurrava-a com muita força gritando.
Cheguei o mais rápido que pude o agarrando por trás para afastá-lo da árvore em questão. Seus dedos estavam sangrando devido aos machucados que conquistou com aquele ato violento e isso fez meu estômago se revirar. Toshiya gritava para soltá-lo, mas era melhor tentar contê-lo primeiro antes que fizesse uma loucura maior.
— Toshiya, por Kami, se acalme! Se você não fizer não vou soltá-lo — Avisei com a voz mais alta em meio aos seus gritos — Eu vou te ajudar, mas preciso que pare agora.
— CALA A DROGA DA BOCA, PERGAMINHO RABISCADO! TÁ ME VIGIANDO, POR QUÊ? ME DEIXA EM PAAAAZ! — Vociferou e consegui por pouco tempo o conter quando caímos no chão. Segurei seus braços e enrolei as minhas pernas nas dele para que ficasse quieto.
— Eu estou tentando te salvar. A sensei disse que você precisa de ajuda e ela conhece alguém que pode ajudar — Respondi abaixando a voz, falando próximo de seu ouvido para que ele se acalmasse e ele calou por um momento — Sei que você deve ter passado por muita coisa ruim, mas ainda dá tempo de resolver tudo. Basta querer.
Toshiya ainda em meus braços havia parado de se debater. Ele chorava muito, praticamente soluçando e aquilo me apertava o coração porque eu sabia exatamente o tipo de sentimento que ele estava sentindo. Não era fácil ver a pessoa que a gente gosta com outra, porém precisávamos aceitar a realidade e seguir em frente. Ele também precisava entender isso assim como eu.
— Ele... Nãão podia ter feito isso comigo. M-mentir dessa ma-maneira — Dizia entre o choro e aquilo estava começando a me incomodar em um nível que não parecia legal — Por que tudo pra mim tem que ser mais difícil? Eu só queria ele comigo de novo.
— Toshiya, deixa eu te ajudar. Sei que você já passou por muita coisa e é por isso que eu tô aqui. Sei que sou um filho da mãe, mas dá tempo de se arrepender e consertar as coisas — Disse e ele gritou que não precisava de ninguém.
Um funcionário havia visto aquela cena e chamado o inspetor que mandou eu o soltar nos encaminhando para a sala do diretor. O que eu faço agora? Eu o estava agarrando enquanto ele gritava para que o soltasse.
Toshiya estava chorando e ferido, então com certeza todos achavam que eu fui o culpado. Sabia que pelas regras do colégio mais um problema e ele seria expulso como seu colega foi, por isso e precisava fazer algo, mas o quê?
Decidi dizer ao diretor que eu era o culpado pela situação e o Toshiya ficou espantado com a minha declaração, porque acredito que não esperava que fosse falar tal barbaridade. Ele ia contestar, mas falei por cima dele dizendo que eu tinha batido nele por causa de outra pessoa.
O diretor disse que chamaria meus pais e até o momento estava de detenção por uma semana. Toshiya olhava para os machucados de maneira estranha e seu olhar em mim depois foi de arrependimento. Era isso que vi nos olhos negros que ele tem.
— Eu posso ir embora agora? — Perguntou ele ao diretor e o mais velho respondeu que era melhor ele ir para a enfermaria para cuidar dos ferimentos. Toshiya estava saindo quando disse para ele que ainda dava tempo de mudar de ideia e ele me olhou por alguns segundos antes de ir embora da sala sem nada dizer.
Eu precisava esperar meu pai chegar até o colégio e com certeza não teria direito a assistir nenhuma das aulas restantes. Agora eu estava em silêncio pensando se tinha sido uma boa ideia pegar essa responsabilidade para mim. Com certeza todo o colégio iria saber e também meus amigos. Serão capazes de me perdoar quando descobrir o que estou fazendo? Não conseguia pensar em mais nada a não ser nisso.
“Estenda suas asas e veja asas de alumínio
Enquanto o demônio não está lá, vá rapidamente para o chão
Estenda suas asas e veja um sonho em colapso
Um sonho não realizado se espalhando rápido pelo chão”
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