- Você trabalha numa lixeira.
Tobirama adentrou a casa do irmão destilando sua raiva acumulada desde o hospital, e Hashirama franziu o cenho em sua direção, sem entender o que contexto do que era dito, além da carranca do detetive. Com o final do expediente, o Senju seguiu até lá após encaminhar o caso de Izuna para Jiraiya, ainda puto com o jeito com o qual o pequeno estava sendo tratado.
- O que aconteceu? - Hashirama tomava um pouco de chá, ao qual o aroma circundava por toda a sala, tornando o ambiente bastante aconchegante. Sua expressão era muito melhor do que horas antes. - Ele já acordou?
- Sim. E eu sei que para todos os fins ainda é considerado sem identidade, mas é uma vítima traumatizada que foi colocada num quarto compartilhado com outro paciente. E está cego.
Tobirama não tinha engolido a história, e estava tendo uma indigestão com tudo aquilo, sabendo que Izuna estava à mercê daquelas pessoas. Apesar de o hospital não ter uma obrigação certa para com ele, era de se esperar que uma vítima pudesse ser mais bem levada em consideração, principalmente por estar desprovido da própria visão, o que tornava a situação mais delicada. Não era como se ele não fosse pagar por não querer ou algo do tipo.
Para Tobirama, ele tinha sido jogado naquele quarto da enfermaria e esquecido ali como se fosse responsabilidade da polícia e somente eles pudessem fazer algo. E isso o deixou puto de verdade.
- Infelizmente eles fazem isso. - Hashirama suspirou. - O serviço vai ser cobrado de qualquer maneira, mas isso não significa que vão oferecer a melhor condição, pelo menos não se houver garantia de que pode pagar pelo que vai ser oferecido.
Hashirama era educado demais para dizer de tal forma, mas não podia negar que o sistema de saúde era uma verdadeira bosta, e isso o incomodava muito, outro ponto para que quisesse deixar de trabalhar naquele lugar. Tobirama quase rosnou arisco com aquele absurdo.
- Mas e como ele está? – O médico continuou a conversa antes que o irmão continuasse a remoer aquilo de maneira a não levar em qualquer lugar, e ainda lhe causar uma gastrite ou qualquer coisa do tipo. - A essa hora o plantão já foi passado, mas não me ligaram.
- Está assustado. Quando eu cheguei lá, ele estava encolhido debaixo das cobertas, assustado com quem conversava do outro lado, sem qualquer informação. Não tiveram nem a decência de dizer que a polícia estava sabendo de tudo e ia cuidar do caso dele.
A irritação de Tobirama parecia sua própria sombra, que estava sempre ali para lhe acompanhar. Ele seguiu até o banheiro para lavar as mãos, e dispensou o chá que Hashirama lhe ofereceu. Sequer sentia sono, não enquanto perseguido pela raiva.
- Sinto muito Tobirama, se eu pudesse mudaria ele para um quarto sozinho, mas até voltar ao plantão pode demorar muito para isso. E ele já está frágil por tudo.
- A cegueira parece o verdadeiro problema agora. - O detetive sentiu o peso de vinte e quatro horas sem dormir, mas não demonstrou nada na frente de Hashirama. - Eu vou até lá amanhã novamente, ver o que posso fazer sobre isso.
- Vá, mas descanse um pouco antes. Eu fiz o jantar e depois te levo em casa.
O impedimento causado pela falta do veículo poderia fazer uma veia na cabeça de Tobirama explodir, mas ele se conteve porque pensou em Izuna naquele momento. Ele não era do tipo explosivo normalmente, na verdade tinha uma personalidade muito centrada e séria, e não caía na provocação alheia com facilidade, mas seu senso de obrigação e justiça estavam afetados pelo que se relacionava à Izuna.
E ele já tinha desistido de lutar contra os avisos que evidenciavam a loucura que poderia resultar de suas ações, se isso fosse prejudicar o outro. Porque a verdade é que Tobirama não parecia muito disposto a dar importância ao que talvez lhe rendesse uma grande dor de cabeça, porque queria fazer algo decente por Izuna, que fosse além de seus objetivos e se concretizasse de uma vez.
Então que parecesse de fato uma loucura anunciada, ele já tinha deixado aquilo de lado.
De modo que jantou junto do irmão, e quando o alimento forte pareceu drenar suas forças restantes, e fazê-lo dormir por ali mesmo, Hashirama o levou para casa, depois de tentar insistir algumas vezes para que ficasse aquela noite ali. Tobirama era bastante irredutível nesse sentido.
- Descanse o suficiente pelo menos. - O mais velho dirigia com tranquilidade, e sua calma poderia fazer qualquer pessoa ao redor cair no sono. Hashirama parecia ter um poder curativo que emanava de suas células. - Nada de sair durante a madrugada para passear.
O silêncio de Tobirama, seguido pela risada de seu mais velho evidenciavam a personalidade oposta de cada um, sequer pareciam irmãos. O mais novo estava quase cedendo ao sono de vez quando viu a rua de casa após horas que poderiam parecer eternas para alguém que não dormia há tanto tempo, e somente agora estava sendo tomado pelo cansaço.
- Se cuide um pouco Hashirama, você ainda tem algum tempo naquele hospital antes de poder sair de lá.
- Eu vou ficar bem. - Ele sorria com uma facilidade invejável. - Por enquanto cuide de si mesmo, e fale para o Izuna que se ele precisar de alguma ajuda médica pode contar comigo.
Tobirama anuiu. - Obrigado.
O detetive tinha certeza de que um amor muito grande corria nas veias de Hashirama, e um senso de cuidado e afeto que ele nunca tinha visto em qualquer outra pessoa, ao mesmo tempo em que sabia que Izuna não poderia ser mais bem cuidado por outro, como seria pelo mais velho. Então isso soava como um abraço confortável no meio daquele frio todo.
Eles se despediram bem rapidamente, e Tobirama seguiu para dentro do prédio acompanhado pelo vento gélido, e a neve que soprou sobre seu rosto. O olhar rígido encarou a si próprio no espelho quando dentro do elevador, e as marcas da falta de dormir se apresentavam sobre a pele pálida como se fosse uma agressão imensa sobre a cútis.
Ele parecia ter vindo de um caso muito longo e difícil buscando somente o descanso que a noite poderia oferecer, e entrou em casa com a sensação de que tinha ficado longe por bastante tempo de fato. O casaco - que continuava com o cheiro de Izuna e parecia muito mais inflamado com o passar do tempo - foi parar no aparto atrás da porta, e Tobirama deixou os sapatos ali na entrada, trocando por pantufas.
Ele e Hashirama tinham crescido nos Estados Unidos, mas suas raízes orientais eram evidenciadas em casa pelos pais - principalmente por Butsuma -, e vários dos costumes foram adotados pelos irmãos mesmo morando tão longe do Japão. Depois disso ele passou pelos cômodos, verificando cada um, e conseguindo uma toalha na área de serviço voltou para o quarto, onde a roupa social estava alinhada sobre o cabide.
Tobirama se permitiu um banho reconfortante depois de um dia gelado e estressante, que aliviou os nós de seus ombros e o fez relaxar um pouco. Ele respondeu a mensagem de Hashirama antes de se deitar e ser encarado pela roupa que permanecia pendurada no mesmo lugar.
De alguma maneira, parecia lhe acusar de que muito tinha mudado, e era o momento de enfrentar o fato. Izuna estava deitado naquele quarto de enfermaria compartilhado, aos cuidados de pessoas que não eram tão cuidadosas quanto Hashirama, e quase deixado a própria sorte, e o Senju se incomodava de verdade com tal fato. Principalmente porque não sabia quem era a pessoa que estava na cama ao lado, separado apenas por um biombo de tecido velho.
Então quando se deitou, e antes de ser consumido pelo cansaço extremo, pensou mais uma vez no que aquilo poderia representar, mas aceitando a consequência em nome de algo maior.
xXx
Ser da polícia não garantia status de celebridade, e um ir e vir permitido a todo o momento, mas quando se falava em Tobirama Senju, e seu encontro com uma vítima, ele não se importava de passar por cima de qualquer regra que fosse necessária, e eram poucas as pessoas que o paravam de alguma maneira. Por isso, quando chegou logo pela manhã no hospital, foi indicado pelos recepcionistas para o andar de Izuna.
A roupa social - de um tom grafite muito bonito, complementado por um casaco grosso de tonalidade cinzenta parecida - lhe dava um ar de maior seriedade, e a equipe daquele dia não era a mesma do anterior, então a enfermeira que lhe acompanhou até o quarto de Izuna pareceu muito mais agradável do que a do outro dia.
- Eu passei aqui logo cedo, nós fomos informados da situação. - Ela falava rápido, como se estivesse sempre numa emergência. - Ele não conversou comigo, só fez alguns gestos respondendo "sim" ou "não", mas tudo bem simples. O café da manhã foi entregue faz pouco tempo. Ele não demonstra resistência quando é examinado, mas também não conversa muito.
E quando Tobirama adentrou o quarto, e o viu tateando devagar sobre a bandeja tentando encontrar seus itens, sentiu muito mais necessidade de lhe proteger e cuidar de todos aqueles detalhes para que ele ficasse confortável. A enfermeira o deixou ali, e apesar de o outro paciente ter encarado o Senju, e disfarçado a encarada depois que Tobirama a devolveu com muito mais intimidação, o homem conteve seus ímpetos de reclamar sobre visitas fora do horário.
- Izuna? - O menor deu um pequeno pulo na cama, quase conseguindo fazendo Tobirama rir. - Desculpa, eu te assustei.
- Tudo bem. - Ainda não se via um sorriso puro no rosto de Izuna, e ele pareceu bastante preocupado de não derrubar o copo e fazer um estrago imenso. - Caiu alguma coisa?
- Não. Está tudo no lugar. - Tobirama lavou as mãos antes de se acomodar ao lado de Izuna, na cadeira vaga. - Quer ajuda?
O pequeno assentiu devagar. Mas quando respirou mais fundo, e pareceu dar atenção a outro ponto, também atraiu o olhar do Senju. Ele parecia muito intenso em suas ações, e atencioso para o que se desenrolava ao redor, que poderia ser consequência da cegueira, ou uma de suas marcantes características.
- Você está cheiroso. - Izuna era mesmo adorável.
- Obrigado. - Tobirama se incomodou um pouco sobre o menor não conseguir ver sua expressão com um sorriso, mas não deu atenção ao próprio sentimento. - Você parece um pouco melhor hoje. Está sendo bem tratado?
- Algumas pessoas parecem mais gentis do que outras. - Ele recebeu um pequeno pote com maçãs cortadas, e agradeceu. - Uma mulher ontem me disse que eu tinha um amigo muito bravo.
Com certeza era a enfermeira que ouviu as acusações de Tobirama. Ele não se sentiu culpado por isso.
- Algumas verdades não doem. - O Senju ergueu o olhar para a televisão. O noticiário indicava alguma coisa sobre as estradas ficarem fechadas nos próximos dias por conta da neve, o que poderia se estender para dentro das cidades. - Consegue comer? Ou sente dor?
Era bastante visível que Izuna parecia mais aliviado quando Tobirama aparecia, mas ainda não demonstrava segurança, tranquilidade, ou qualquer sentimento ameno que tinha sido massacrado após o ataque, e o Senju tinha certeza de que estar sozinho ali não ajudava. Seu humor poderia oscilar como num piscar de olhos.
- Eu só queria agradecer. - Ele tocou com cuidado na bandeja, deixando o pote de maçã quase intocado ali, com medo de derrubar. - Por estar me ajudando assim. Não pareço muito melhor estando cego.
- Não fale assim, vai te fazer mal. - O Senju buscou sua mão, a envolvendo. - Sei que não vai apenas se esquecer de tudo que aconteceu, mas agora vamos fazer o possível para cuidar de você, tudo bem? Não se sinta mal por precisar de cuidados.
Izuna ainda parecia muito confuso quanto a seus sentidos, de modo que moveu a cabeça algumas vezes antes de conseguir ter certeza de onde vinha a voz de Tobirama, e não se virar para o lado errado. Então se voltou para ela, e apesar de parte do rosto ainda estar coberto pela faixa, na altura dos olhos, era possível visualizar toda a expressão triste e machucada dele.
- Não, eu sou agradecido pelos seus cuidados. - Ele também buscou a mão de Tobirama, tendo como um ponto de segurança e primeira lembrança de quase foi resgatado. - Mas não sei o que pensar sobre o depois.
De certa maneira, nem mesmo o Senju. Ele moveu os dedos para mostrar que ainda estava ali, mas de imediato não foi capaz de responder, porque mesmo seus pensamentos poderiam estar embaralhados naquele momento, enquanto a mente era bombardeada de todos os lados por sinais e palavras que se confundiam. Izuna engoliu seco em decorrência daquilo, e sua cabeça se tornou cabisbaixa.
- Nós precisamos conversar um pouco. - De repente, a voz do Senju soou baixa e bem próxima a seu ouvido, como se estivesse lhe confidenciando um segredo. - Mas aqui no hospital não parece seguro e nem mesmo adequado. Vou falar com algum médico da sua situação, e te levar embora assim que puder tudo bem?
Izuna moveu a cabeça mais uma vez, e se não fosse pela faixa Tobirama teria certeza de que estava sendo encarado e visto por ele. Havia um tom de ansiedade nas palavras que Izuna não havia dito, e que demonstravam seu medo de forma escancarada.
- Tudo bem. - A voz fraquinha tornou a aparecer, evidenciando a insegurança e o medo. - É algum abrigo?
- Não. - Tobirama tocou no topo de sua cabeça, como se deixasse um afago. - Eu vou entender se você disser que se sente mais seguro em outro lugar, mas até então pretendia te deixar na minha casa.
O detetive sabia que poderia soar muito invasivo dizendo aquilo, porque afinal de contas Izuna não o conhecia e estava desprovido de um importante sentido, então era de se esperar que muito pudesse lhe assustar, e com razão. Porque apesar de Tobirama ter lhe resgatado, ele poderia estar confuso e perdido, e estar junto a um estranho não tinha a impressão de amenizar isso, ainda mais após um trauma tão grande.
No entanto, quando um sorriso pequeno surgiu na face alheia, evidenciando um pouco mais de calma, Tobirama soube que estava tudo bem. A mão menor, que até então suava, parecia menos tensa em contato com a sua, como se Izuna tivesse relaxado por inteiro, e seus fantasmas fossem afastados. Ele também parecia estar se entregando a algo maior, mesmo que estivesse cheio de dúvidas.
- Eu... - Seus lábios se estreitaram, como se não conseguisse se expressar. - Eu não quero dar problemas.
Era evidente que falar sobre qualquer coisa que não sua situação parecia muito mais tranquilo, e o futuro se mostrava um imenso ponto de interrogação, o que Tobirama conseguia constatar apenas pela maneira como se expressava.
Os cuidados naquele momento eram importantes, e toda uma ajuda psicológica, necessária. Mas já parecia bastante óbvio que continuar mantendo Izuna no hospital não estava ajudando no processo de recuperação, principalmente naquela enfermaria com um sujeito mal encarado do outro lado do biombo e a ausência de uma mão amiga e um contato conhecido que pudesse lhe fazer bem.
Não era como se Tobirama fosse seu conhecido, mas certamente era uma referência, tinha salvado sua vida.
E por sorte, o detetive tinha em sua vida um irmão que era médico, e não somente isso, mas sim por ser Hashirama.
- Lembra de quem cuidou de você quando chegou aqui? Pelo menos um pouco? - Izuna meneou a cabeça, concordando. - É o meu irmão. E ele me pediu para te dizer que vai te ajudar com qualquer cuidado médico que precise tudo bem? Dúvidas sobre medicamentos e essas coisas. - O pequeno assentiu novamente. - Isso te deixa mais confortável?
- Sim. - Izuna parecia bastante desconfortável, e prosseguir com a conversa não se mostrava muito produtivo. - Eu só... Só queria não incomodar.
- Não é problema nenhum tudo bem? - O toque de Tobirama era suave e cuidadoso, ainda que ele não se visse assim. - Vou fazer o que precisar para cuidar de você, e te deixar em segurança.
Izuna ainda se lembrava de aquelas palavras, pois as mesmas, ou semelhantes haviam sido ditas no momento em que Tobirama o ajudou ainda naquela praça, e que ele vinha repetindo sempre que parecia necessário, quando Izuna parecia desconfortável.
Era o que estava sendo seu ponto de segurança, bem como aquele contato carinhoso entre suas mãos.
- Eu tenho pesadelos desde aquela noite. - Sua voz pareceu imensamente triste. - Não... Não consigo falar com as pessoas, tenho medo de que alguém me machuque de novo. E eu sei... Eu sei que isso tem deixado as pessoas daqui bravas. Se pudesse, iria embora hoje.
A situação de Izuna era difícil de descrever, explicar. Porque muitas vírgulas poderiam ser inclusas para tentar justificar uma ou outra ação e, no entanto, para Tobirama o que realmente importava era como o pequeno se sentia, uma vez que ele era o ponto central, e quem precisava de ajuda. Qualquer outro era descartável.
Então, para o Senju, não era preciso muito para saber o que fazer numa situação daquelas. Ele estendeu o copo de café ainda quente para Izuna, e o pão.
- Só quero que você coma agora, tudo bem? Precisa se alimentar para ir melhorando. - Izuna anuiu. - Além do café não tem nenhum líquido, então não se preocupa, ficaram só as maçãs na bandeja. Eu já volto.
Tobirama já não estava confortável em deixar Izuna sozinho e tinha uma enfermeira que não ia com sua cara em razão de suas acusações. Com um pedido daqueles não havia muito a ser decidido.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.