— Tudo bem… Eu queria dormir, se não tiver problema.
— Consegue se mexer?
— Consigo.
— Eu nunca vim aqui, então vou precisar que você me guie até seu quarto. Aliás, sua casa é muito agradável, a sua cara mesmo.
Clara deu as instruções, facilitando Marina de a levar até o quarto. Abrira a porta e ajudava Clara a deitar na cama, puxando os cobertores.
A fotógrafa voltara para pegar um pouco de água e o remédio de Clara, aquele que a ajudaria a dormir melhor. A tranquilizaria. Marina dera um beijo em sua testa e deitara ao seu lado, ficando de lado enquanto observando a arquiteta pegar no sono, o que não levara muito tempo para acontecer.
Ver Clara mal deixava Marina mal numa intensidade próxima, ela sabia como era se sentir daquele jeito. Não sabia que, após os problemas, Clara tivera que lidar com uma ansiedade aflorando, então sentira-se culpada. Culpada por tudo que veio anteriormente. Não pudera ajudá-la da mesma forma que recebera ajuda há alguns anos. Não sabia o quanto Clara teve que aguentar sozinha.
A preocupação tomava conta dela, o que a impediu de adormecer. Naquele momento, ela só queria estar acordada e atenta caso Clara precisasse dela. Marina queria a recompensar por toda ajuda que recebera e toda a atenção que tivera. A dor de Clara doía nela. Talvez, só talvez, doesse até mais.
À noite passara voando para ambas. Mesmo que acordada, Marina via as horas correrem pelo relógio, o contrário do que a branca desejava. Ela queria eternizar aquele momento não pela situação que o antecedeu, mas por estar ali com o amor da sua vida, só por estar ali. Marina não sabia se esse momento aconteceria há alguns meses, não sabia nem se veria Clara novamente e se seria capaz de retornar tudo que existia e ainda existe entre elas. O amor permanecera. Mas e se elas não tivessem a chance de viver isso novamente?
Elas queriam. Queriam quebrar todas as barreiras ainda existentes e irem ao encontro uma da outra com a sensação de libertação do passado que tanto as assombrava. Marina temia seu passado. Temia os efeitos que ele ainda poderia causá-la. Suas recaídas não aconteceram mais, todavia, qual a garantia que ela tinha de que não voltaria a tê-las? Qual a certeza de que o relacionamento com Clara – ciente de todos os vestígios de dor e tristeza – decolaria da melhor forma? O amor seria suficiente? O amor seria seu remédio definitivo?
Suas perguntas não tinham respostas completas, mas Marina sabia que só descobriria enfrentando tudo de novo. Lá estava ela, encarando Clara e rezando para que tudo desse certo entre elas, tudo seguisse bem externamente e internamente. Como estava a cabeça de Clara durante todo esse tempo? Quais os outros problemas ela tinha e Marina não estava ciente? O que teriam de enfrentar?
Clara mostrara os primeiros sinais de desperto, assustando Meirelles que viajava em seus pensamentos. Seus olhos piscaram com fraqueza, irritados com a claridade que adentrava o quarto através da janela. Marina não reparara na quantidade de luz que surgira com o passar da noite.
— Você está muito linda me olhando assim, mas eu tomei um susto quando abri os olhos… Não que isso aconteça sempre, tomar um susto ao te olhar, mas foi estranho. — murmurou Clara.
— Desculpa, não pude tirar os olhos de você essa noite, fiquei preocupada. Você é mais linda ainda enquanto dorme, parece um bebê.
— Essa comparação é meio estranha, mas tudo bem. — riram — Ficou a noite toda acordada? — Marina assentiu — Meu Deus, Marina, você precisa dormir um pouco, sabia? Que horas têm?
— São 07 h e alguma coisa ainda. Você dormiu pouco, viu?
Clara se sentou na cama, fazendo Marina sentar também.
— Meu corpo já está acostumado a acordar esse horário, não tem mais jeito. Eu levanto 07 h todos os dias, só durmo mais se eu chegar em casa de madrugada, e de preferência bêbada. Você deve estar cansada, não quer descansar um tiquinho? Eu vou tomar banho, levar o Thor na rua um pouco e terminar o projeto, minha cabeça está melhor.
— Tem certeza disso?
— Tenho.
— Hum. Acho que eu vou aceitar, viu? Sua cama é bem confortável, mais que a minha até. — riu — E eu achava impossível ter alguma cama mais confortável que a minha. Eu sempre deitava e dormia leve quando não tinha nenhum problema tomando conta da minha mente.
— Eu sei, eu achava o mesmo. Mas, enfim, você pode ficar deitada até o almoço se quiser. Eu vou fazer algo para a gente comer, te acordo e depois vou até a sua casa com você, caminho. Tenho que deixar um presente da Gi por lá, depois vou para a empresa.
— Tem problema se eu ficar sem short? Isso está me apertando, na pressa e no escuro eu peguei o que mais me apertava.
— Não… Mas é tentação demais. — Clara dera uma piscadela para Marina antes de levantar — 12 h eu te chamo, pode ser?
— Pode.
— Fechou então. Bom descanso, Mari.
Clara dera um beijo na testa de Marina, fechara a cortina para impedir a entrada de luz no quarto e fora para o banheiro.
A arquiteta fizera todo o planejado, assim como concluir o projeto 3D da casa. Seu suspiro aliviada colocava para fora toda a ansiedade e nervosismo que tomava conta de seu corpo. Havia algum tempo que ela não fazia algo tão grande como o projeto atual, havia algum tempo que não sentia sua força e sua criatividade renovadas. Ela podia sentir o sangue correndo com velocidade em suas veias. A adrenalina tomar conta do seu corpo com a sua triunfante volta ao mercado.
O almoço não demorara a ficar pronto. A morena não dominava tanto a cozinha, mas fizera macarrão ao molho branco para elas, com queijo parmesão raspado em cima. A comida estava boa.
Passados alguns minutos depois do combinado entre elas, Clara vai até seu quarto e desperta Marina com dois beijos na bochecha. A fotógrafa revira-se na cama e logo acorda, apalmando a cama, em vão, a procura de seu short ainda com os olhos fechados.
— Está aqui na minha mão. — disse Clara.
— AH! Obrigada…
Marina levantara e colocara o short. Clara mal a enxergava devida a escuridão do quarto, mas notara algumas marcas de corte entre as coxas da fotógrafa. Sua espinha se arrepiara. Fazia tempos que ela não via sequer marca no corpo de Marina.
Marina jogara uma água no rosto e elas logo foram almoçar. A fotógrafa saboreava o macarrão com vontade, estava delicioso. Ela não lembrava se já havia comido algo preparado por Clara, sua memória não alcançava esse momento, se é que aconteceu. Elas passavam muito tempo juntas, mas haviam recordações que evaporavam da mente da Marina pelo tempo que se passara. Detalhes de momentos escapavam de sua cabeça, não a recordando muito de diversos acontecimentos e isso a entristecia.
Elas não conversaram muito. Recuperada da noite seguinte, mas agora tocada pelas marcas em Marina, Clara não falava. Já a fotógrafa, ainda cansada, também não fizera muita questão até que fosse necessário haver comunicação entre elas. O que não houve por um curto período de tempo que parecera mais uma eternidade.
Arrumaram a mesa, lavaram a louça e Marina esperara por Clara se vestir para irem. Thor se divertia correndo entre as pernas de Marina, criando um afeto pela branca. O cachorro, apesar de pequeno, era um tanto agressivo e não se dava bem com todos, o que dava uma alegria a Clara. Ver seu cão, tão antipático, gostar e brincar com a pessoa que ela ainda amava a emocionava e dava a ela mais certeza de que Marina era a pessoa certa. Os animais sentem, dizia ela. Eles sentem.
Trocaram poucas palavras antes de irem. Naquele momento, o silêncio entre elas era reconfortante e o agradecimento mútuo compreendido. Clara se via surpresa ao reencontrar sua antiga inimiga, ansiedade, que deixara de aflorar há alguns meses, assim como se encontrava grata pelo apoio e presença de Marina. Seu amor fora transmitido naquele abraço enquanto seu corpo não se movia.
Deixara Marina em casa, logo partindo para cumprir o resto de suas obrigações.
— E aí, Marina? — disse Vanessa ao encontrar Marina no corredor de casa — Lembrou que você tem uma casa e que divide sua rotina com pessoas além de você?
Marina, na noite anterior, saíra de casa as pressas, sem dar notícias. Vanessa que sempre era uma das primeiras a acordar, assim como a primeira a falar com Marina, notara a falta de sua presença e se preocupara com a fotógrafa. Marina não atendia nenhuma de suas ligações. Como de costume, sempre que saía, mandava uma mensagem ou deixava um bilhete para Vanessa, ciente de sua preocupação; mas, dessa vez, esquecera-se.
— Adoro a recepção que eu tenho nessa casa, é sempre bem agradável. — disse ao desviar de Vanessa que impedia sua passagem — A Clara teve um problema, eu precisei ir até ela.
— Que problema foi esse?
— Acho que ela desenvolveu ansiedade em algum tempo aí que eu não estava presente… Talvez seja culpa minha. Enfim. Ela entrou em crise, estava sozinha em casa, conseguiu me ligar a tempo e eu fui, não tinha como te avisar, desculpa.
— Meu Deus, Marina. Como que ela está agora?
Marina e Vanessa caminharam até o quarto da fotógrafa. Marina que pensava, ainda sem responder a pergunta de Vanessa, via e sentia um peso ao imaginar que poderia ter um terço de culpa no problema de Clara. Sua cabeça sempre voltava ao passado que tanto a assombrava. Sua cabeça nunca a deixava esquecer.
Quanto tempo foi preciso, após a partida de Marina, para Clara desenvolver sua ansiedade? E, de novo, o que mais ela tinha ou teve? Faria diferença se Marina estivesse com ela?
A fotógrafa imaginava carregar todo o fardo da dor que causa a Clara pelo resto de sua vida. Ela sabia que Clara merecia alguém melhor e tentava se tornar esse alguém, mas seu rastros até aqui nunca a permitiam seguir sem errar. O amadurecimento não fora completo, para seu azar. Ela nunca se perdoara por tudo que fizera e afetara Clara de forma direta, mesmo sabendo que não tinha o controle em suas mãos na maioria das vezes.
— Agora está bem, mas, se voltou a atacar, pode acontecer de novo. — pausa — Você acha?
— Bom, se voltou, ela precisa ir ao psicólogo e ver se vai ter que tomar algum remédio, fazer terapia… O quê?
— Que o que aconteceu entre a gente influenciou nisso. Na ansiedade dela.
— Não sei, Marina. Você não tem culpa, sabia? Nada foi controlado naquela época, nada foi proposital. — suspirou — Tu precisas colocar isso na cabeça e aceitar de verdade. Ficar se martirizando por uma coisa que só te faz mal é péssimo. Você precisa se perdoar por essas coisas, Marina.
— Eu sei, mas é difícil. Doeu tanto ver a Clara daquele jeito, Van… Acho que foi maior do que toda a dor que eu já senti nessa vida. Eu passaria por tudo de novo só pra que ela não sinta isso.
— Você é uma pessoa incrível e o seu passado te tornou nisso, incrível. Ás vezes a gente precisa viver um caminho complicado para evoluir, se tornar uma pessoa melhor e isso aconteceu com você. — sorriu — Foi difícil, mas esse mesmo caminho te trouxe a Clara, o sucesso que você é hoje, eu e as meninas. Certamente a Clara vai conseguir resolver o probleminha dela, mas você não tem nada a ver com isso.
— Eu vou tentar, prometo.
— Espero que você se recupere logo porque nós temos um ensaio em uma hora.
Depois do ensaio fotográfico, Marina pedira para que Clara passasse em sua casa ao sair da empresa, e assim o fez. A morena conversara com Flavinha, quem estava criando uma amizade a cada vez que encontrava, depois ficara com Marina. Uma pequena discussão ascendera entre elas, fazendo com que Clara saísse às pressas da casa. Marina não havia entendido o porquê.
— Você pode me falar o que aconteceu, Clara? — Marina perguntou ao segurar a mão da morena, impedindo-a de andar — E aí?
— AH! — rosnou Clara — Me solta, Marina.
— Não enquanto você não explicar o quê que acabou de acontecer.
— Marina, isso me cansa. Parece que você não confia em mim, que essa semana toda só serviu para nos aproximar. — pausou — Você continua se limitando a falar comigo, diferente de mim que procura ser o mais sincera possível com você porque eu confio. Mas, você não confia em mim. Já confiou alguma vez?
— Clara…
— Você ainda acha que é possível o Diogo ter me pago para reaparecer e ficar com você? Acha? — gritou — Porque se for isso, eu paro por aqui.
— Não! Claro que não. — a interrompeu — Eu confio em você. — sua voz falhou.
— Tem certeza disso?
— Por que eu não teria?
— Eu tenho que ir embora. Vai chover e eu não quero ficar doente porque peguei chuva. — Clara disse olhando para o céu que estava cinzento — Vá para casa, conversamos outra hora.
— Você vai é me ouvir agora e tampouco me importo de pegar uma chuva; não fico gripada com facilidade. Eu me importo de te perder, Clara. De novo. — suspirou — Eu não posso e eu não vou te perder uma segunda vez.
Os pingos de chuva começaram a cair sobre elas. Para Marina, o tempo era indiferente, uma vez que um dos seus piores pesadelos estava prestes a acontecer e ela precisaria fazer qualquer coisa que pudesse impedir Clara de ir embora com tal pensamento.
— Marina…
— Por favor. Clara, eu descobri o amor em você. Descobri que sim, é possível amar depois de tanta derrota, sofrimento; você entrou na minha vida quando eu mais precisava de alguém, sabe? Se hoje eu estou aqui, você tem uma parcela de culpa nisso. Você foi tudo que eu precisava naquele momento e o resto, sem querer jogar uma responsabilidade em cima de você.
A chuva começara a apertar.
— Eu me apaixonei por você, não foi proposital, eu não queria, mas aconteceu. Não sabia se você também me amava, mas, mesmo assim, continuei te amando. Talvez platônico até você me beijar… E, Clara, quando eu tive a certeza de que aquilo era recíproco, eu me revigorei. Você fazia parte de todos os meus planos desde então e eu fiz questão de a colocar neles. — sorriu — Queria casar, ter filhos, uma casa só nossa. Te fazer feliz. Infelizmente, eu não lidei bem com tudo e isso nos afastou e me fez perceber o quão forte sempre foi o que eu senti por você. Doze anos longe e eu continuo te amando, amando mais.
Clara não pudera evitar sorrir ao ouvir aquelas palavras. Era como se tudo ao redor, incluindo a chuva, não importasse.
— Você é a razão pela qual eu lutei todos os outros dias, por achar que vale a pena continuar, além de mim. Você só precisa me deixar cuidar de você que eu faço o que me for possível para te provar que eu confio em você. O meu coração bate por você. — ela colocara a mão de Clara em seu peito, fazendo a arquiteta sentir seus batimentos — Meu corpo todo sente sua falta e precisa de você. Eu tenho me esforçado para não deixar que o passado nos atrapalhe agora. Eu te amo tanto, Clara.
— Eu também te amo.
— Você é o meu único e definitivo amor, faria o possível para te reconquistar porque você me conforta, me passa segurança e eu dedico todo o meu amor a ti. Sendo bem clichê e brega agora, mas você é tipo a minha lanterna em uma caverna, é o sol da minha manhã. Meu corpo e alma são seus. Eu tentei, por todos esses anos, sobreviver normalmente sem você, mas foi tão difícil; os dias luminosos são opacos aos meus olhos sem você comigo, a vida não me encanta. Tudo com você é diferente e melhor.
O silêncio predominou. A chuva continuava ficando forte.
— Tudo que eu digo vem do fundo do meu coração, mas, não sou capaz de expressar todo o sentimento que eu tenho por você. Até que a morte nos separe é muito pouco para mim, Clara, eu preciso de você por mais de uma vida.
As lágrimas que rolavam pelo rosto de Marina se misturava com as gotas de água da chuva.
— Eu sei, não é o melhor momento ou o melhor jeito, mas, Clara, você quer recomeçar? Você quer namorar comigo?
Clara não hesitou em juntar seus lábios aos de Marina.
— Isso é um sim? — disse Marina ao se separarem.
— Sim. Sim. — sorriu.
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