O toque soou.
E diferente do que Sasuke imaginava, não era o alarme.
Ele sabia que havia algo de estranho na forma como aquele som estridente reverberou pelo cômodo. Tinha certeza de que havia algo de estranho. Porque, pelos deuses, jurava de pé junto que ainda era de madrugada. E talvez isso tivesse a ver com o cansaço rotineiro, que sempre lhe proporcionava a sensação de noite mal dormida.
Então, como um mero assalariado fodido, ele apenas rezou para que fosse um engano de seu celular.
Estendeu o braço no ar, por sobre o vão entre a cama e a mesinha da cabeceira. Tateou a madeira desleixadamente, torcendo mentalmente para não acabar derrubando o telefone barulhento. Quando seus dedos roçaram na tela gelada do aparelho, Sasuke respirou bruscamente contra o travesseiro, expondo sua indignação ao mundo. Então, lentamente, virou a cabeça para o lado. Esperou encontrar a luz do dia lhe aperriando, querendo entrar por entre as frestas das cortinas. Muito embora, deu de cara com o mais profundo breu.
Estava chovendo.
Ele sabia disso antes mesmo de abrir os olhos. Por isso se sentiu ainda mais morgado que o normal ao escutar o alarme soar; chuva, ônibus e trabalho não combinavam. Ele sujaria o tênis de lama e teria que lidar com o cabelo frisado. Chegaria no hotel ao qual trabalhava com as vestes ensopadas e ainda teria que aturar seu chefe irritante lhe pedindo para ficar até mais tarde.
Porque era uma sexta-feira, e a porcaria do "sextou" que flutuava entre os storys dos adultos que cercavam a vida de Sasuke não era a sua realidade. A porra do sextou não existia. Às sextas, ele chorava no banheiro do trabalho porque queria estar dormindo, e almoçava chorando porque seu horário de almoço era curto demais, e ele tinha que escolher entre descansar ou almoçar. Tudo isso, escutando o chefe insuportável. Sério. Sasuke não aguentava mais ter que lidar com aquele homem amargurado. Era como se todos os outros funcionários fossem bons, menos ele. E não importa o quão perfeito soasse, o quão impecável fosse seu trabalho ou o quanto ele se esforçasse, sempre resultaria no mesmo: nada de aumento salarial.
Sasuke Uchiha que se foda.
E ainda tinha o TCC! Ah. O TCC. Puta que pariu. Como ele odiava ter que lidar com a faculdade! E com a vida, caramba! Por que as pessoas nascem? Qual é o motivo de um sistema tão capitalista? Por que não podemos simplesmente excluir o dinheiro do mundo e formar um sistema ao qual todos plantam mandioca durante a tarde e finalizam o dia com uma xícara de chá de camomila, assistindo ao pôr do sol enquanto rega a plantação de morangos? Seria tudo tão mais fácil.
Sasuke odiava ser vítima do sistema capitalista.
Que se foda o mundo.
Queria retornar ao útero.
Então, porra, sim! Uma noite de sono era muito essencial em sua vida. Ele trabalhava de segunda a sexta, e costumava bater ponto muito mais tarde do que deveria — culpa de seu chefe. E ele não ganhava mais por isso — culpa de seu chefe. Estava constantemente estressado e, por conta disso e apenas por isso, brigou com seu namorado, como se o coitado tivesse algo a ver com isso — culpa de seu chefe. Estava sobrecarregado, cansado, fadigado, derrotado, chocho, capenga, manco, desnutrido, com sono e com uma vontade incomensurável de dormir por uma década. O mínimo que merecia era uma noite de sono decente, porra!
Caralho.
Inferno.
— Maldita seja a camisinha que estourou — Sasuke praguejou, respirando fundo. Bem fundo mesmo. Aquele tipo de respiração que você exala com tanto ódio e amargura, que as pessoas ao seu redor simplesmente lhe olham torto. Como se fosse errado respirar um pouco mais bruscamente do que o normal.
Caralho, todo mundo é tão chato!
Quase chorou ao sentir a luz do celular em seus olhos. E quase ficou cego também. O combo completo de tristeza, para a depressão lhe derrubar de uma só vez!
Então, quando avistou o horário, um balde de água fria despejou-se sobre sua cabeça:
3h30min.
Sabe o que isso significa?
Que ele tinha mais duas horas de sono.
Faz ideia do que são duas horas de sono?
Pelo amor de Deus! Era, tipo, o paraíso.
Quase chorou. Novamente.
E quando seus olhos finalmente encontraram o "Uzumaki" brilhante sob o ecrã, Sasuke já não sabia mais o que sentir.
E porra, não vem de julgamento, não! Ninguém é obrigado a colocar coraçãozinho brega ao final do contato salvo. E aliás, por que colocar um apelido é tão importante? Este era o papel de Naruto na relação. Ele adorava uma breguice.
Sasuke sempre tinha vontade de esmurrar quem falava asneira sobre o nome que salvou no contato do namorado.
Afinal, que se foda o mundo!
Pessoas são insuportáveis. Convenhamos.
Sasuke não soube como, mas conseguiu deslizar o dedo sobre o ícone verde na tela. Conseguiu aceitar a maldita ligação que havia lhe acordado naquela noite fria, chuvosa e perfeita para dormir de uma sexta-feira.
Porque, afinal, era Naruto. E ele ainda era uma prioridade.
A única importante.
A única que Sasuke permitia interromper seu sono.
— Alô? — ele teve que fazer um esforço imenso para falar. Não soube dizer se era sono, preguiça, garganta seca demais ou simplesmente o ódio entalado em sua goela.
A voz do outro lado demorou um momento para responder.
Sasuke manteve o corpo imóvel, deitado confortavelmente. Apenas deixou o celular apoiado no travesseiro, ao lado de seu rosto.
Quando Naruto resolveu responder, ele já estava quase cochilando:
— Oi, xuxu... Podemos conversar?
Sasuke resmungou.
— Agora?
— Desculpa... Te acordei, né? — ele parecia sem jeito.
Sasuke revirou os olhos.
— Apenas diga logo o que tem para dizer. Estou com sono.
Do outro lado, Naruto suspirou.
— Estou com saudade — ele admitiu.
Sasuke arqueou as sobrancelhas. Ainda estava com os olhos fechados, só para constar.
— Me ligou às três da manhã para dizer que está com saudade?
Naruto soltou uma pequena risada sem graça.
— Podemos nos resolver, benzinho?
Sasuke revirou os olhos.
— Agora não. Estou com sono. Sem coerência intacta para negociar com você.
— Também estou sem coerência. Mas é pela brisa — Naruto disse, todo mansinho e calmo — Estou com saudade...
Sasuke teve que revirar os olhos mais uma vez.
— Nos vimos anteontem.
— Anteontem. Praticamente dois dias, que na minha cabeça é a mesma coisa que duas semanas. E todo mundo sabe que duas semanas é o mesmo que dois meses!
Sasuke sorriu levemente.
Bem levemente.
Uma ondulação mínima no canto dos lábios. Soltou até um arzinho bem humorado pelo nariz.
— Meu Deus. Você precisa parar de me ligar quando fuma, sério. Fica mais esquisito que o normal.
— Este sou eu demonstrando todo o meu amor por você. Qual é o problema, xuxu? — ele murmurou. Sasuke pôde sentir perfeitamente o sorrisinho que ele tinha nos lábios enquanto falava — Vai renunciar meus sentimentos, amor?
— Vou. Tchau e benção.
Naruto riu nervosamente.
— A culpa foi minha. Me desculpa, vida...
Sasuke franziu a testa.
— Mas foi eu que gritei com você primeiro, idiota.
— E por que brigamos, mesmo? — Naruto questionou, ignorando o pequeno insulto.
— Porque eu sou um idiota com irresponsabilidade afetiva. Coloquei a culpa em você, quando não devia ter colocado. Sou um babaca — por fim, Sasuke desabafou, suspirando pesadamente — Desculpa.
— Fico feliz que tenha reconhecido seu erro. Isso é bom — Naruto disse, com a voz calma e paciente — Estamos bem?
Sasuke pareceu pensar por um momento.
— Talvez eu precise ir em um daqueles lugares onde quebram pratos para relaxar... — admitiu em um tom brincalhão, embora houvesse muita honestidade em meio à frase — Mas estamos bem, sim.
Naruto riu.
— Esse pode ser nosso próximo local de encontro. O que acha?
— Acho ótimo, na verdade. Preciso libertar meus demônios.
— E eu preciso de você. Vamos juntar o útil ao agradável.
— Com um vinho, isso ficaria perfeito — Sasuke acrescentou, com um pequeno sorriso. Sua voz soava baixa e ligeiramente rouca, ainda sonolenta. Ele fechou os olhos e suspirou — Definitivamente vamos fazer isso.
Naruto soltou uma pequena risadinha.
— Certo. Vou imprimir uma foto do seu chefe pra você usar de inspiração — brincou.
Sasuke fez careta.
— O dono do lugar certamente vai nos expulsar. Vou dar prejuízo.
— Hm.. Aposto que podemos lidar com isso.
Sasuke sorriu.
Então encolheu-se suavemente por baixo do edredom, subindo o lençol até metade do rosto. Estava tão confortável, que ele quase soltou um gritinho de felicidade genuína. A chuva pareceu ter afinado consideravelmente.
— Quer ficar em ligação até pegar no sono, benzinho? — Naruto perguntou, como sempre fazia em ligações no período da noite.
E Sasuke, como sempre, murmurou em concordância.
Odiava ligações.
Não era a pessoa mais comunicativa do mundo, e em algum momento ficaria sem assunto — havia uma grande chance desse momento ocorrer entre os primeiros cinco minutos de conversa —, mas Naruto era diferente. Ele sempre sabia o que dizer. Ele nunca ficava sem palavras. Seja uma frase boba, um "eu te amo" aleatório em meio ao silêncio ou as besteiras que falava diariamente, sempre teria algo. Era um homem bastante comunicativo.
Mas naquela noite, foi diferente.
Quem quebrou o silêncio foi Sasuke.
— Ei, Naruto?
— Sim? — sua voz ainda era mansa. A brisa definitivamente havia batido, porque o tom de voz estava arrastado e lento demais para alguém tão hiperativo.
— Me desculpa? — veio quase como um sussurro inaudível.
Por sorte, o ambiente era silencioso entre os dois lados da chamada, calmo o suficiente para que até mesmo o soar de um papel caindo no chão fosse escutado entre a chamada.
Naruto soltou um pequeno sopro bem humorado.
— Desculpo.
Sasuke sorriu.
— Boa noite, então... — ele bocejou, ajeitando a postura na cama — Te vejo amanhã?
Naruto riu.
— Sim, xuxu. Nos vemos amanhã.
Sasuke deixou a cabeça relaxar contra o travesseiro.
E novamente o silêncio reinou entre a chamada.
Um fio de respiração escapou de seus lábios quando, em meio ao silêncio, sussurrou:
— Eu te amo.
Sasuke capotou.
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