- Hoje nessa sala teremos a famosa torta de climão.
- Ai, você acha que vai ficar um clima chato mesmo, Amora? – Giovanna perguntou preocupada.
- Mas é claro, né, Giovanna! Não faz a sonsa!
- Porra Amora, mas que culpa eu tenho? Você bem que podia ter deixado escapar na sexta, quando eu não estava aqui, que eu tinha namorado!
- Eu? Porque você não falou?
- Como eu ia chegar e falar isso assim, do nada, pra uma pessoa que eu acabei de conhecer? No trabalho ainda por cima!
- Eu é que não ia estragar a felicidade do cara! Eu tava torcendo pro Leonardo ficar preso em São Paulo e você e o gostoso do Nero se pegarem. Já tô shippando vocês! – Amora respondeu entre gargalhadas, mas Giovanna estava séria.
- Para mulher, que é sério o negócio... Será que ele ficou puto?
- Mas é claro que ele ficou puto! Ele perdeu uma gostosa e ainda teve que ver o Leonardo com você a noite toda.
- Ai, que merda... – Giovanna gemeu, apoiando a testa nas mãos. – Eu queria ter conversado com ele depois, mas o Léo não me largou um minuto naquela festa!
- Conversar e falar o que? Se explicar?
- Não tem nem como explicar nada. Queria conversar só pra sentir o clima, ver se estava tudo bem. Passei o fim de semana todo agoniada, sem saber como ele estava.
- Passou o fim de semana todo pensando no cara? A pegada dele tem mais poder do que eu pensava!
- Eu percebi que ele tava a fim, não vou ser hipócrita e negar isso, – Giovanna ignorou a provocação da amiga e continuou se explicando – mas foi tudo tão rápido... A gente tava só se conhecendo e, quando eu vi, ele já tava me pegando! Amora, você não tem noção, mais uns segundos e o Léo flagra a gente.
- Mas vai dizer que você não queria? – Amora foi logo direta.
Giovanna hesitou para responder, mas foi sincera como sempre era com Amora.
- Queria. Queria muito. Se ele é desse jeito aqui, no trabalho, sendo discreto e tudo mais, você não imagina o que é esse homem com o corpo colado no seu, te agarrando, beijando seu pescoço... e te olhando com a maior cara de safado do mundo. Porra Amora, que tesão! Mas só porque eu queria não significa que eu ia de fato fazer alguma coisa. Eu levo a sério meu relacionamento com o Léo, você sabe disso.
Amora ia falar alguma coisa, mas se calou quando a porta da sala abriu e Alexandre entrou.
- E aí, Nerito! – cumprimentou animada, já tentando descontrair o ambiente – Bem vindo ao seu primeiro dia de verdade!
- Agora a parada vai ficar séria! – Alexandre respondeu simpático e então olhou brevemente para Giovanna, mas não disse nada.
Alexandre se concentrou no seu trabalho e não se envolveu nas conversas dos colegas de sala. Giovanna também só falava o necessário com Amora e Giane, constrangida pela presença dele. Quando teve uma brecha no trabalho, seguiu Alexandre até a copa, onde ele se servia de café. Estava se sentindo incomodada com aquele clima de tensão entre eles.
- Oi! – ela cumprimentou simpática, também se servindo de café.
- Oi. – Alexandre respondeu educado, porém distante.
- Como foi o seu fim de semana?
- Foi ocupado. Ainda estou arrumando algumas coisas no apartamento, já que acabei de me mudar.
- Hum... – Giovanna tateou um pouco, então tomou coragem para falar o que precisava. – Eu só queria ter certeza de que está tudo bem entre a gente. Na sexta foi tudo tão... Bom, você sabe. Eu ia te falar do Léo, mas aconteceu tudo tão rápido que...
- Não precisa explicar nada. – Alexandre a cortou de uma forma ríspida. – Está tudo certo. Você não me deve explicações.
- Eu sei que eu não te devo explicações. Eu não te devo nada. Só achei que seria educado da minha parte vir conversar com você, tendo em vista a forma como as coisas aconteceram. Como eu disse, não quero que fique um clima estranho entre a gente.
- Pode ficar tranquila. Longe de mim ficar “estranho” com a queridinha do chefe.
Alexandre respondeu cheio de arrogância e se virou para sair dali, mas Giovanna segurou o braço dele com força e o puxou de volta para encará-la. Os olhos dela estavam cheios de raiva e ela teve que se conter para não gritar com ele, tentando se lembrar de que estavam no trabalho.
- Escuta bem uma coisa, Alexandre, porque eu vou falar uma vez só. Eu estou nesse escritório há quatro anos e eu ralei muito para chegar onde eu estou. Eu estudei e eu trabalhei como mais ninguém aqui dentro. Já passei noites seguidas nesse escritório e o meu relacionamento com o Leonardo não tem influência nenhuma na minha posição aqui dentro. Eu mereci todo o reconhecimento e respeito que eu tenho dentro desse escritório e não é um ninguém, que surgiu aqui do nada, que vai achar que pode me desrespeitar porque está com o orgulho ferido. Essa foi a última vez na sua vida que você duvidou da minha capacidade ou me desrespeitou de qualquer maneira. Estamos entendidos?
Alexandre olhava assustado diante daquele ataque de fúria contida de Giovanna, que só largou o braço dele quando acabou tudo que tinha para dizer. Ela não esperou a resposta dele antes de virar as costas e voltar para sua sala.
Alexandre demorou longos minutos antes de voltar para a sala e ter que encarar Giovanna de novo, se sentindo extremamente constrangido pelo que tinha acontecido. Ele não teve a intenção de dizer aquilo, foi uma dessas coisas que dizemos na raiva, com a vontade cega de machucar o outro, mas que não pensamos de verdade. Infelizmente, ele tinha conseguido o que pretendia: machucá-la.
Quando ele finalmente voltou para a sala, Giovanna o ignorou completamente. Pouco depois Haroldo apareceu para falar com ele.
- Nero, deixa eu te falar, cara... é exigência aqui do escritório que os advogados novos acompanhem outros advogados daqui a audiências antes de irem sozinhos. Só para se certificar de que corra tudo bem depois, já que nem todos estão acostumados a fazer audiências, e também para ver como os advogados daqui conduzem a sustentação. Enfim, o ideal seria que você fosse hoje, porque já teremos uma audiência sua mais no fim da semana.
- Nossa única audiência hoje é de um caso da Giovanna, né Gio? Ele pode ir com ela. – Giane anunciou na sala, completamente inocente, já que não sabia o que tinha acontecido na festa sexta.
Giovanna xingou mentalmente, com raiva, mas se esforçou para fazer uma voz doce antes de responder.
- Claro. Vamos sair daqui às 16h. Esteja pronto.
Na hora marcada, os dois saíram juntos em direção ao fórum. Foram a pé, já que o Tribunal era bem próximo do escritório. Alexandre queria se explicar, queria consertar as coisas, mas não sabia como e, para piorar, Giovanna não dava abertura nenhuma e o tratava com frieza. Para impedir que ele começasse a falar, ela passou todo o caminho até o fórum explicando o caso que defenderiam.
Chegaram e se sentaram para aguardar o início da audiência, mas a pauta estava muito atrasada e parecia que eles ainda iam ter que esperar por mais de uma hora. Ficaram em silêncio por algum tempo, Giovanna ainda com muita raiva e Alexandre constrangido, até que ele conseguiu quebrar o gelo dela e fazê-la ouvir o que ele tinha pra dizer.
- Giovanna, deixa eu me desculpar com você, por favor. Eu sei que eu fui extremamente grosseiro, que eu te desrespeitei e eu sinto muito mesmo por isso. Mas eu preciso que você saiba que eu não penso aquilo de você. Eu falei na raiva, sem pensar e, você estava certa, eu estava com o orgulho ferido. Eu não tinha o direito de dizer aquilo, mas eu preciso que você entenda que eu nunca duvidei da sua capacidade. Tudo que eu observei do seu trabalho só nesses dois dias nunca me permitiriam pensar que você é menos do que uma advogada brilhante. Sem mencionar a forma como todos no escritório te elogiam, e falam de você com tanto respeito. Eu já te admiro muito, e eu me arrependo demais de ter dito algo que pode ter te feito pensar o contrário.
- Você foi um babaca.
- Eu sei que sim. Mas eu não costumo ser um. Me dá mais uma chance.
- Chance de que, Nero?
- De conquistar o seu respeito.
- Ao contrário do que você fez, eu nunca deixei de te respeitar.
- Certo. Eu mereci isso. – Alexandre disse com o olhar triste.
A verdade é que o pedido de desculpas tinha sido tão sincero que Giovanna já tinha perdoado, mas pretendia continuar a discussão para ele aprender a lição. Mas quando Alexandre a olhou triste, com cara de carente, ela não conseguiu se manter dura.
- Tá certo, criatura! Tá perdoado. – ela finalmente disse, com um sorriso no canto dos lábios. – Que isso não se repita.
- Jamais! – ele respondeu, sem conseguir esconder a sua felicidade.
Os dois então voltaram a conversar daquela forma gostosa e natural que fluía entre eles, sem que precisassem fazer esforço algum. Estavam se conhecendo e adorando cada nova parte do outro que descobriam.
Quando saíram da audiência, Alexandre estava ainda mais impressionado com Giovanna. O talento e inteligência dela eram gritantes e ele a admirava mais a cada segundo. Giovanna se portava com uma segurança impressionante e ele não pôde deixar de reparar na sua voz de comando, que em alguns momentos parecia intimidar até o juiz.
- Giovanna, eu não sei nem o que te dizer. Eu estou mais do que admirado, eu estou impressionado mesmo.
- Com o que?
- Com você naquela audiência. Foi um furacão! Até o juiz ficou pasmo.
- Agora vai ficar puxando meu saco pra tentar consertar a merda que fez? Já te perdoei, relaxa.
- Eu não estou puxando seu saco. Eu nunca fui tão sincero na minha vida. E quando eu estiver puxando seu saco, acredite, você vai saber.
- Ah é? E o que configuraria puxar meu saco, então?
- Configuraria puxar seu saco, por exemplo, eu te convidar pra jantar comigo hoje.
Giovanna lançou um olhar desconfiado, então Alexandre acrescentou rápido:
- Bandeira branca, doutora! Um jantar para selar a paz, para comemorar seu sucesso na audiência de hoje... e para continuar a nossa conversa dessa tarde que estava ótima antes de ser interrompida por essa audiência inconveniente. Vem comigo?
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.