Giovanna entrou na sala espumando de raiva, se sentou na sua mesa e continuou trabalhando sem dizer nada. Alexandre ouviu Amora perguntar para ela o que tinha acontecido, mas não ouviu a resposta de Giovanna. Depois de um bom tempo, Giovanna se levantou e anunciou, já saindo da sala:
- Eu estou indo no TJ despachar esse habeas corpus e quando eu voltar nós vamos para o presídio.
- Putz, ela está uma fera. Boa sorte para você, Nerito. – Amora comentou assim que Giovanna saiu, com cara de quem estava com pena da amiga, mas sem perder o bom humor.
Quando Giovanna voltou, Alexandre estava sozinho na sala. Ela parecia bem mais calma, mas ainda estava muito séria e calada. Apoiou-se no arco da porta, e o chamou educadamente. Alexandre, que já estava aguardando que ela voltasse há um bom tempo, prontamente se levantou e eles foram juntos e em silêncio para a garagem. Nero não perguntou nada, em parte porque Giovanna estava brava demais, e em parte porque ele próprio ainda estava chateado pelo que tinha acontecido na noite anterior.
- O desembargador não concedeu o habeas corpus. – ela comentou quando saíram da garagem.
- Seria um milagre se tivesse concedido, né? Tava na cara que ele ia fugir do país se fosse solto.
- Eu sei...
Após quebrarem o silêncio, acabaram conversando com calma pelo resto do caminho, Giovanna colocando Alexandre a par do processo, e ambos tomando muito cuidado para não tocar no nome de Leonardo.
Chegaram ao presídio, foram revistados e finalmente levados para conversar com o presidiário. Naquele momento, ainda que jamais fosse confessar isso para ninguém, Alexandre entendeu por que Leonardo tinha insistido tanto para que Giovanna não fosse. Era um sujeito enorme e sinistro, com um olhar assassino que chegava a dar calafrios na espinha. E seu comportamento espelhava a imagem – ele era extremamente agressivo e, por mais que Giovanna falasse calmamente, ele ria de forma debochada, xingava e negava tudo que ela dizia.
- Deixa eu desenhar porque sei que é difícil pra você. – Giovanna falou ríspida, quando finalmente perdeu o controle – Você já rodou. Vai ficar encarcerado nesse lugar pelos próximos vinte anos. Acontece que essa sua historinha de insistir em apontar o meu cliente como mandante do crime só vai te custar alguns anos a mais na sua sentença e alguns anos a menos em liberdade. Por outro lado, se você retirar o seu depoimento contra o meu cliente, talvez seja possível reverter o caso para latrocínio, e aí pelo menos você não vai a júri. Você não entendeu isso ou só gostou da cadeia mesmo? Quer continuar aqui?
- Ele é culpado. Ele é culpado e você sabe disso. – o homem respondeu, com a voz cheia de ódio.
- Então você prova. Vai ser difícil, considerando-se que você está na cadeia, mas a esperança é a última virtude dos condenados, não é verdade?
Giovanna então se levantou e se virou para sair da sala, com Nero logo atrás, mas assim que ela virou as costas, o homem se lançou contra ela e, mesmo com as mãos algemadas, agarrou o cabelo de Giovanna. Ele a puxou para trás com violência e começou a ameaçá-la aos gritos.
- Escuta aqui, sua piranha! Se você tem algum amor à sua vida é melhor começar a me tratar com mais respeito!
Alexandre se jogou contra ele, tentando fazer com que soltasse Giovanna, ao mesmo tempo em que os dois policiais que aguardavam de vigia correram para perto e finalmente arrancaram o homem dali. Ele foi arrastado para fora, mas ainda teve tempo de gritar uma última ameaça.
- E avisa para o seu cliente que se eu rodar, ele vai rodar junto comigo!
Nero olhou para Giovanna e ela estava pálida, com os olhos arregalados e a respiração muito acelerada, o peito descendo e subindo com força, como se ela não estivesse conseguindo encher os pulmões de ar. Ele se aproximou e colocou a mão no rosto dela, tentando fazer com que ela encontrasse seu olhar, cheio de preocupação.
- Você tá bem?
- Vamos sair daqui.
Ela respondeu e saiu o mais rápido possível da penitenciária. Nero quase teve que correr para acompanhar a pressa de Giovanna, que não parou até chegar ao carro. Ela destravou a porta, se inclinou para alcançar uma garrafa de água que estava no porta luvas e bebeu seu conteúdo quase todo. Só então ela encostou as costas no carro, fechou os olhos e começou a respirar com mais calma.
Quando Giovanna abriu os olhos, Nero estava bem na sua frente, aguardando o tempo dela, e a olhando de um jeito tão intenso e perturbado, que fez um sorriso tímido surgir nos lábios da advogada.
- Não precisa me olhar desse jeito. Eu to bem.
- Tem certeza? Se não eu volto lá dentro e mato aquele cara.
- Vai ser ótimo, você já fica aí preso e me economiza de ter que te levar em casa. Se precisar de uma advogada, eu te indico uma boa.
Perceber que ela estava bem o suficiente para tentar fazê-lo rir tranquilizou um pouco Alexandre, que deu um suspiro aliviado, sorriu e a abraçou. Giovanna encostou a cabeça em seu peito e fechou os olhos, sentindo as mãos dele afagarem suas costas. Depois de um longo tempo nos braços de Alexandre, Giovanna se acalmou de verdade.
- Vem, vamos sair desse lugar – Giovanna disse, dando um beijo no peito dele antes de se soltar do abraço.
- Eu dirijo.
Ele tirou as chaves das mãos dela e Giovanna nem tentou protestar.
Apesar de afirmar que estava bem, Giovanna ainda estava muito pálida e parecia frágil quando se acomodou no banco do carona, encostou a cabeça no vidro e ficou em silêncio. Alexandre sabia que aquele ataque violento tinha sido só a cereja no bolo de um dia desastroso. Giovanna estava exausta. Tinha passado o dia todo se matando por aquele caso, trabalhou como uma louca, e tudo deu errado. O habeas corpus que ela passou a manhã inteira redigindo tinha sido negado, o despacho no Tribunal acabou sendo inútil e a visita à penitenciária, que era a última esperança dela, acabou sendo muito pior de que eles esperavam. Sem falar na briga com o namorado. Ela devia estar se sentindo frustrada por todos os seus esforços terem fracassado e o cliente continuar na cadeia. Ou pelo menos era isso que Alexandre achava que ela estava sentindo, quando falou, tentando consolá-la.
- Você sabe que nada disso é sua culpa, certo? Esse cara não ia colaborar com a gente, você já sabia que era quase impossível quando decidiu vir até aqui. O cara era um maluco e, mesmo assim, você não se deixou intimidar e fez o melhor possível. E com relação ao habeas corpus também. Eu li o que você escreveu e estava impecável! Você quase conseguiu ME convencer a soltar o seu cliente, Giovanna. O desembargador negou porque, infelizmente, tá na cara que ele é culpado mesmo.
- Você não entendeu, né? – Giovanna olhou para ele e falou com um tom de desespero na voz. – Ele é culpado, Alexandre. Eu acabei de passar o dia inteiro me matando, dando tudo de mim, pra colocar em liberdade um cara que eu sei que é um assassino!
E só então Alexandre entendeu, não só o que tinha acabado de acontecer, mas entendeu quem Giovanna era de verdade. Ele não tinha percebido isso ainda, mesmo nas vezes em que ela falou com tanto amor e afinco sobre o sonho de ser delegada. Giovanna não se importava com aquele cliente, ela não queria que ele fosse solto. Só fez tudo aquilo porque sempre dava o melhor de si no seu trabalho. O que realmente importava para ela era fazer a coisa certa. Ela queria justiça.
Alexandre engoliu em seco, sem saber o que dizer. Se sentia um idiota por não ter compreendido uma parte tão fundamental de quem Giovanna era. E também se sentiu pior ainda por ela, porque percebeu que ela estava frustrada consigo mesma, o que era bem pior do que estar frustrada com um caso que não seu certo.
- Esquece. – Giovanna voltou a falar, percebendo o silêncio de Nero e sem querer que ele ficasse constrangido. – Eu só tô cansada. Não dormi nada essa noite e estou desde as 6h da manhã tentando resolver isso, ou seja, tem mais de doze horas que eu não paro. E ainda te atrapalhei, né? Te arranquei do escritório pra vir pra esse fim de mundo comigo.
- Não foi sua culpa. Eu sei por fontes seguras que você fez tudo pra evitar a minha companhia.
- E por “fontes seguras” você quer dizer que me ouviu gritando no corredor do escritório por horas?
- Você não gritou tanto assim – ele respondeu rindo.
- Sei. Que vergonha, cara. Fazer uma cena daquelas no escritório! Mas eu não estava aguentando aquele absurdo. E ainda tive que dar o braço a torcer no final das contas, né? Você veio.
- Minha companhia foi tão ruim assim?
- Sua companhia foi a única coisa boa do meu dia.
Alexandre sorriu para ela e eles continuaram conversando por todo o caminho até o apartamento de Giovanna.
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