"Will you end my pain?
Will you take my life?"
O último risco com a caneta fora deixado delicadamente em cima dos olho esquerdo perfeitamente desenhado de Min Yoongi. Finalizava a sua ilustração, preenchendo os cílios úmidos do loiro com dois curtos fios adicionais, afastando-se do papel com um suspiro satisfeito.
A essência entristecida de um jovem desesperançoso enfeitava o branco absoluto da pequena folha de papel. O lápis de cor amarelo estava localizado ao lado do seu caderno, a ponta extremamente fina com manchas escuras perdidas entre a coloração exagerada, resultados da confusão entre negro, vermelho, roxo e um singelo tom amarelado que resumia a mais nova obra de arte de Kim Taehyung.
Silenciosamente, o rapaz de fios vermelhos minunciosamente ponderava sobre expor seu desenho ao dono dos olhos mais intensos que já conhecera. Entregar a sua fixação pela aparência poeticamente entristecida de seu hyung denunciaria como estava envolvido naquela indefinida relação, mas Taehyung nunca concordou em esconder seus sentimentos.
Assim como não concordaria com a eternização de uma doença tão agoniante. Romantizar a situação desesperadora de Yoongi seria o erro mais sujo que alguém poderia cometer, então talvez o desenho representasse uma imagem equivocada sobre o loiro; ele não era resumido em um homem miserável com grandes olheiras e um corte no lábio inferior, seus olhos castanhos possuíam uma poderosa carga negativa, porém a beleza presente nos mínimos detalhes de sua íris amendoada deveria ser exaltada — ao contrário da tristeza que elas carregavam.
— Aish! — Soltou, irritado com o desenho que representava a depressão em sua face mais nua. — Me desculpe, hyung.
O som da folha sendo partida ao meio atraiu a atenção de Park Jimin, que descansava a cabeça em cima dos braços unidos sobre a mesa e ouvia alguma música não identificada em seus fones de ouvido.
O rapaz abriu os lábios em um bocejo silencioso, correndo os dígitos pelas laterais dos olhos castanhos e fitando o melhor amigo. O falso ruivo encarava uma folha rasgada com as sobrancelhas unidas, óculos de grau sustentados por seu nariz e os lábios entreabertos.
— Hyung, qual o problema? — Questionou, ignorando completamente o slide que seu professor exibia e simultaneamente explicava. Estava muito cansado, então pedira para Taehyung lhe avisar quando a aula finalizasse e entregou-se ao sono.
— Nenhum, Jimin. — Respondeu, mal-humorado.
— Então por que rasgou o desenho do menino da fotografia? — Ergueu uma das sobrancelhas, um sorriso esperto despontando em seu rosto.
— Como sabe que é ele? — Taehyung o fitava com os olhos arregalados. Sentia-se exposto, afinal sua mentira sobre ser um desenho qualquer que encontrara na internet e resolvera recriar fora desfeita diante do seu nariz.
Jimin revirou os olhos. Ajeitou a sua postura na cadeira, pedindo permissão ao melhor amigo e recolhendo os dois pedaços da perfeita ilustração de Min Yoongi. Ajeitou-os em cima da sua mesa, unindo as duas partes e soltando uma risada pelas narinas ao observar o resultado.
— Você é bom em desenhar pessoas, Taehyung. — Abriu as duas mãos, apontando-as para a imagem do fotógrafo. — Qualquer um com bons olhos saberia que esse é o mesmo que rapaz que agora é seu amigo, do curso de fotografia.
Taehyung respirou fundo, assentindo duas vezes.
— Tudo bem, você está certo.
— Eu sabia, hyung, não precisava confirmar. — Jimin riu, a combinação adorável entre seu sorriso e olhos fechados em dois amáveis riscos aliviando a atmosfera pesada que os envolvia. O amigo também sorriu, balançando a cabeça negativamente. — Por que rasgou? Olha para esse desenho… está perfeito!
— Exato, está perfeito. Por isso eu rasguei. — Taehyung deu de ombros, removendo os fios vermelhos do seu campo de visão e ajeitando os óculos de grau, rapidamente visualizando as imagens que o slide exibia no quadro branco, retornando a sua atenção para o melhor amigo no minuto seguinte. — Eu não quero ilustrar uma pessoa que está sofrendo e transformar a dor dela em perfeição, diminuir os sentimentos do Yoongi hyung seria um ato tão mesquinho que eu estou com vergonha de ter começado esse maldito desenho.
Jimin possuía poucas certezas a respeito da vida, porém poderia afirmar com toda a convicção que o mundo não merecia uma pessoa tão pura e de alma bonita como seu melhor amigo. Alternou o olhar entre a imagem aborrecida de Taehyung e os dois pedaços do desenho em sua mesa, concluindo que deveria se pronunciar após o pequeno desabafo do falso ruivo.
— Eu concordo, hyung, mas não era você quem dizia que devemos transformar a dor em arte? Não seria uma maneira de lidar com o sofrimento? — Estava confuso, as sobrancelhas unidas.
O professor anunciou o fim da aula, interrompendo o diálogo entre os dois amigos. Eles se levantaram das cadeiras, cada um recolhendo os seus materiais de estudo e arrumando-os dentro das bolsas. Taehyung, imerso em seus pensamentos, não viu quando Jimin escondeu as partes do desenho dentro de um caderno, os olhos cuidadosos vigiando o falso ruivo como uma atenta cobra prestes a dar o seu bote final.
— Talvez você tenha razão, Jimin-ssi. — O alegre e relaxado Kim Taehyung havia retornado, o sorriso quadriculado retribuindo aos cumprimentos que recebia no corredor. Abraçou seu dongsaeng, passando o braço por seus ombros e trazendo o corpo do menor contra o seu. — Obrigado por sua opinião. — Sorriu para o baixinho, recebendo um soco fraco no estômago como resposta.
— Yah! Não seja carinhoso do nada, me assusta. — Os dois gargalhavam enquanto caminhavam até a cafeteria. Kim Namjoon provavelmente os esperaria com copos de café com leite e pedaços de torta de morango, então estavam animados.
Jung Hoseok cruzou o caminho dos amigos sorridentes e acenou para eles, direcionando-se até a mesa que costumava dividir com seus amigos do curso de fotografia, ao leste da cafeteria da faculdade.
Excluído de todas as bolhas sociais presentes no ambiente, Min Yoongi analisava uma carta que havia recebido na noite anterior, o cérebro negando acreditar no que os olhos estavam visualizando. Não fazia sentido, ele simplesmente não conseguia assimilar o conteúdo da página solitária em suas mãos.
Se recusara a ler a correspondência após ler que o remetente era um estúdio de fotografia que se instalara a três ruas da sua casa, temendo encontrar mais uma rejeição ao seu currículo e regredir em sua doença. Não se encontrara com Taehyung desde o dia em que aceitara se consultar com uma psicóloga desconhecida, o falso ruivo estava ocupado com alguns trabalhos e dividia a sua atenção entre os dois melhores amigos e os telefonemas constantes que realizava para empresas que anunciavam a procura por profissionais.
Yoongi jamais seria capaz de agradecê-lo por toda a ajuda que estava recebendo.
“Você está se iludindo, querido, esse emprego não vai dar certo. Você não é capaz.”
Todavia, contrariando a voz suave que frequentemente o oferecia alternativas diferentes de dar fim a própria vida, as letras diante dos seus olhos informavam que ele fora aceito pelo estúdio. Deveria comparecer ao local naquele mesmo dia para discutirem os detalhes do seu novo cargo como auxiliar de fotografia, a ideia de trabalhar em uma profissão interligada ao seu curso – e única paixão – trouxeram lágrimas aos olhos de Min Yoongi.
O loiro sentia o coração batendo descontrolado dentro do peito, um antigo e quase irreconhecível sentimento invadindo-o e provocando explosões dentro das suas células. Sentia vontade de sorrir, gritar, gargalhar, remover as luvas e as camadas de roupas que escondiam o seu corpo, abraçar Kim Taehyung e lhe dizer como ele era incrível com toda aquela ousadia em exibir tantas cores em uma sociedade que lhe julgava a cada tom que fugisse do padrão acidentado que a todos dominava.
Seria aquela confusão de sensação a felicidade? Yoongi havia reencontrado-a após tantos anos imerso em águas negras e angustiantes – denominada depressão?
— Ah… — Ele suspirou, levando a carta até a altura do peito e abraçando-a de maneira inocente, tal como uma criança quando recebe um presente muito esperado. Fungou, tentando impedir a descida das lágrimas, um pequeno sorriso desabrochando lentamente em seu rosto.
Era boa, aquela tal felicidade, ele não se recordava de como era incrível senti-la.
“Você não vai conseguir.”
“Quem poderia saber?” Ele retrucou pela primeira vez em anos, recebendo uma chuva de insultos como resposta a sua ousadia. Fechou os olhos, abrindo um sorriso sincero e sentindo-se momentaneamente imune a toda aquela enxurrada de vozes.
A felicidade existia, afinal. E era muito mais forte do que as vozes que o atormentavam dentro da sua cabeça.
O seu relógio antigo de pulso tocou um conjunto de “bipes” agudos, despertando-o de seu delicado momento e arrastando-o para a realidade. Yoongi abriu os olhos, piscando algumas vezes ao perceber que seu rosto estava banhado em lágrimas. Perplexo, o rapaz limpou sua pele com o tecido de seu sweater, perguntando-se como não notou o líquido agridoce escorrendo por suas bochechas.
Taehyung silenciosamente o observava, sentado a uma distância considerável, os cílios úmidos e uma risada escapando por seus lábios. Aquela era a primeira vez que presenciava seu hyung esboçar algo semelhante a uma demonstração física de alegria.
E o sorriso de Min Yoongi transbordava uma intensa felicidade, contagiando-o imediatamente.
Desconhecia as razões, porém não se importava. A imagem de um envergonhado, engessado e atrapalhado Yoongi escondendo lágrimas e sorrisos ficaria para sempre sólida em sua memória.
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O som das garrafas colidindo distraiu a mente conturbada do fotógrafo, que esboçou um pequeno e quase imperceptível sorriso.
— É a segunda vez, hyung. — Taehyung atraiu a sua atenção, os fios vermelhos amarrados para o alto em dois pequenos e engraçados tufos de cabelo.
— Não entendi.
— O seu sorriso. É a segunda vez que eu o vejo. — O respondeu, sorrindo abertamente para o loiro após concluir a sua explicação.
Yoongi permitiu-se divagar. O hippie o fazia companhia – mesmo quando era expulso por palavras rudes, conversava com ele, o ajudava a retornar a realidade quando ele se tornava um perigo a própria saúde física, cuidava dos seus muitos ferimentos, limpava o sangue que escorria por suas narinas todas as vezes que sua atividade mental se tornava insuportável, esteve com ele em todas as suas entrevistas de emprego e o consolou com sua esperança inapagável após as suas rejeições; demonstrando de diversas maneiras que desejava se tornar um amigo, independentemente se o Min fosse um pedaço de lixo doente e desgraçado mentalmente.
— Obrigado. — Yoongi sentiu que seu agradecimento não era o suficiente. — Me desculpe, eu nunca vou ser capaz de retribuir a tudo que você tem feito por mim, seu hippie metido a filósofo.
Os dois riram pela primeira vez, o som das risadas mescladas agradando os ouvidos de Taehyung. Seu hyung era uma pessoa muito bonita, em todos os sentidos possíveis em que esse adjetivo se encaixar. A risada do loirinho o lembrava dias ensolarados com picolés de morango e camisas de manga curta de coloração alegre, a perfeita personificação do verão.
Vê-lo aparentemente tranquilo fazia seus dedos formigarem para realizar um registro em desenho.
— Sabe hyung… — Taehyung iniciou mais uma de suas muitas filosofias. — Quando eu estava muito doente, a ideia de desistir e dar um fim a todo aquele sofrimento não saia da minha cabeça. Eu… Chorava, me sentindo excluído de algum evento importante, porque todos a minha volta conseguiam sorrir e eu não. Parecia que a felicidade era um privilégio que eu jamais mereceria, sabe? — Ele deixou uma risada seca esgueirar-se por seus lábios. — Mas não se pode pedir para que um cego enxergue, não é? Então era injusto comigo mesmo exigir que eu enxergasse a felicidade quando uma doença cobria os meus olhos e me tornava incapaz de ver. Não se cura uma doença deixando que ela te consuma, Yoongi.
Os olhos intensos de Taehyung aprisionavam os de Yoongi. O loiro engoliu em seco, as vozes sussurrando em seus tímpanos e o coração chicoteando o peito, seus batimentos cardíacos acelerado provocando uma pequena dor em seu peito.
Arrepiava-se conforme as palavras do ruivo penetravam a sua pele, o braço engessado descansando em cima da mesa e a muleta jogada aos seus pés. Ele ainda teria que conviver com as consequências do seu ato suicida durante uma semana, após esse período poderia finalmente remover os gessos dos braço e perna direita. Ainda assim, seriam necessárias algumas sessões com um fisioterapeuta, afinal ele também quebrara alguns ossos da costela.
Um mês e duas semanas sendo obrigado a enxergar o seu fracasso durante todas as vinte e quatro horas que recheavam os dias. A muleta tornara-se sua melhor amiga e ele quase a nomeou, porém o pensamento fugiu de sua mente no minuto seguinte.
— É difícil… — Yoongi sussurrou, fechando os olhos. Um fio descolorido caiu e escondeu-se entre os seus cílios. — Acreditar em qualquer coisa é muito difícil.
— Eu sei.
— E não existem outras saídas. Eu não tenho “conserto”, eu perdi essa guerra. — Ele fez aspas com os dedos.
— Não. Não perdeu. Provavelmente está dizendo a si mesmo que perdeu a guerra a um bom tempo e, ainda assim, você viveu todos os dias dela. Todos os dias que disse não suportar foram cem por cento vividos. A guerra ainda está acontecendo, hyung, você ainda está sendo forte mesmo quando o céu fica nublado. Parece uma luta para mim, estou errado? — Taehyung possuía um sorriso esperto no rosto bonito.
Min Yoongi quis estapear a face daquela criança. Mesmo quando seus argumentos eram sólidos, Taehyung os rebatia com uma palpável inteligência, sempre certo do que dizer. Silenciosamente admirou-o, desejando algum dia ser um terço da pessoa incrível que ele era.
— Você fala como se eu fosse forte… — Murmurou, uma careta desgostosa enfeitando seus traços. Bebericou a sua cerveja, sentindo o álcool queimar em sua garganta.
— Meu hyung é o mais forte de todos. — Taehyung deu de ombros, os olhos inocentes como de uma criança que acredita em contos de fadas e papai noel.
— Claro… — Yoongi estava sendo irônico. — Pessoas fortes não se machucam todas as vezes em que não conseguem controlar a própria cabeça, Taehyung. Não tentam se drogar para esquecer a dor, bebem até desmaiar e, definitivamente, não se jogam da janela do próprio apartamento.
Palavras não machucam. É ilógico pensar que um conjunto de letras é capaz de ferir qualquer ser vivo, fisicamente ou não. Entretanto, os sentimentos que as acompanham possuem o poder de destruir – ou salvar – o dia de uma pessoa; e, em alguns casos graves, até mesmo traumatizá-las para sempre.
Taehyung não conseguia pensar. Estava com a boca seca, os olhos arregalados e as bochechas delicadamente avermelhadas, toda a sua atenção direcionada ao homem sério e de sobrancelhas unidas à sua frente.
— Todos aqueles ferimentos… foram propositais? — Estava chocado, sua fala saindo mais lenta do que o habitual. A voz grossa o fazendo uma pergunta tão íntima incomodou o loiro.
— Alguns. — Sentia-se exposto, nu diante de um desconhecido. — Outros não.
— As luvas, os casacos exagerados…? — Ele não conseguia terminar a pergunta, sentindo uma súbita vontade de vomitar, chorar e abraçar Min Yoongi.
— Disfarces. — Yoongi uniu os lábios em uma expressão arrependida, semelhante a um filho desobediente que cometera um erro pela décima vez e estava prestes a ser punido por sua mãe. As sobrancelhas estavam unidas e os olhos fitavam a mesa, envergonhado o suficiente para se tornar incapaz de olhar nas íris de Taehyung.
Para a surpresa de ambos, a próxima ação do falso ruivo fora cruzar a mesa com a ponta dos dedos e tocar a mão escondida pelo tecido escuro. O fotógrafo quis se esconder, encolhendo-se em seus três casacos e afastando o corpo da madeira escura, um incômodo insistente em sua garganta.
Taehyung girou a mão pálida de seu hyung, subindo a manga de seu casaco azul-escuro até encontrar o início da luva. Lambeu o lábio inferior, os olhos atentos ao rosto do outro, qualquer mínimo sinal sendo fotografado em sua mente; Yoongi corou, fechou os olhos, os abriu, fungou, fitou o chão, as paredes, a perna engessada, a muleta e depois o chão novamente, inspirou por alguns segundos e engoliu em seco.
— Eu posso? — Perguntou, recebendo um silêncio preocupante como resposta. Yoongi uniu os lábios em uma linha, olhando-o rapidamente antes de retornar o olhar até o chão. — Yoongi? — O tom de voz estava sério, cauteloso.
— Pode. — O loiro sussurrou, fechando os olhos em seguida.
“Ele vai ver a sua sujeira!”
O estudante de artes cênicas assentiu, delicadamente puxando o tecido escuro para baixo e revelando a pele extremamente pálida do loirinho. Reprimiu um grito, engolindo muito ar, quando surgiram as primeiras colorações em toda aquela tela em branco.
Min Yoongi possuía um terrível degrade de vermelho, roxo e rosa pintado em sua mão.
"So I can get some air
So I can finally breathe"
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