"I love you much
It's not enough"
“Três meses.
Noventa e um dias.
Duas mil cento e sessenta horas.
Cento e vinte e nove mil e seiscentos minutos.
Sete milhões setecentos e setenta e seis mil segundos.
Taehyung fungou, encolhendo-se em seu casaco escolar após deixar o prédio em que estudava. Uma rajada de ar frio como cubos de gelo penetrou em seus tecidos, atingindo a sua pele e fazendo-o arrepiar. Ajeitou os fones de ouvido, ligando o aparelho reprodutor de áudio e caminhando em passos regulares até o ponto de ônibus.
— Oito, nove, dez... — Contava suas passadas, os olhos fixos nos sapatos impecáveis e a língua presa entre seus dentes.
Ao vigésimo quarto passo, Kim Dongsun o alcançou.
— Tae! — Gritou o rapaz, correndo em sua direção. O colegial inspirou e expirou, controlando os próprios movimentos para que aparentasse uma calmaria invejável e mantivesse as lembranças enclausuradas dentro de um quarto sem janelas ou portas, esquecidas em algum espaço inalcançável. — Por que não vamos juntos hoje? Preciso conversar com você.
Taehyung assentiu, continuando o seu trajeto e contando agora a duração das suas inspirações. Preenchia seus pulmões com ar – um, dois, três, quatro – e soltava o gás carbônico pelas narinas.
O mais velho o olhou sobre os cílios, analisando o corpo do seu dongsaeng detalhadamente; o rapaz finalmente adquirira algum peso, porém era insuficiente se comparado com a massa corporal que ele deveria estar portando. Também exibia uma longa cabeleira castanha, desalinhada e apontando em várias direções diferentes.
— Cabelo legal. — Murmurou, apontando com o queixo para os fios lisos desarrumados de Taehyung. O colegial assentiu, evitando olhar em sua direção. — Você não pode ficar sem comer, vai acabar com anemia.
Aquilo era uma espécie de repreensão? O moreno soltou uma risada irônica pelas narinas.
— E você não deveria forçar seu suposto melhor amigo a te chup-
— Taehyung! — Dongsun havia interrompido sua caminhada, permanecendo imóvel. A mochila pendurada em seu ombro escorregou e atingiu o chão silenciosamente, enquanto lágrimas emergiam lentamente em seus olhos.
Taehyung franziu o nariz, recusando-se a presenciar uma cena tão inacreditável. Sentia os membros pegarem fogo, todo o sentimento de ódio e raiva que havia direcionado a si mesmo borbulhando abaixo de sua pele como flechas apontando para o verdadeiro culpado.
— Não, você não vai fazer isso! — Ele aumentou o tom de voz, aproximando-se de Dongsun e apontando o dedo indicador para o rosto do seu hyung. — Não ouse, Kim Dongsun!
Dongsun, contrariando-o, continuou a chorar silenciosamente. As lágrimas foram enxugadas com brutalidade por um Kim Taehyung no limite, que esfregou a manga do seu casaco contra a pele úmida com força e rapidez.
— Não pode começar a chorar todas as vezes que eu te lembrar de que você foi um monstro comigo! — Gritou, empurrando-o pelos ombros e observando o corpo do rapaz despencar contra o concreto da calçada. — Reage! Por que você não reage?!
O mais velho entre os dois continuava no chão, os olhos assemelhando-se a cascatas, tamanha a intensidade do seu choro. Mantinha o olhar fixo no rosto contorcido pela raiva de Taehyung, sentindo o peito queimar enquanto o colegial puxava os fios do próprio cabelo, totalmente devastado pelo tsunami de sentimentos que lutavam para assumir o controle dos seus movimentos.
— T-Tae-
— Não, não, não! — Ele puxou o rapaz pelo colarinho da sua camisa de mangas longas de um branco absoluto, levantando-o e mantendo o seu rosto perto o suficiente para que fosse possível olhá-lo nos olhos. — Não ouse me chamar por esse apelido, nunca mais! Eu tenho nojo de você! Você sabe como é passar todos os dias sem conseguir se olhar no espelho, hyung? Sabe? Sabe como é sentir nojo de si mesmo e desejar ter outra pele, outro corpo? Não! — Afastou e aproximou o rapaz novamente, chacoalhando-o. — Você não sabe! — E, novamente, atirou o corpo trêmulo de Dongsun contra o concreto. — Porque não foi você quem foi forçado. Fui eu.
E, enquanto Dongsun derramava a sua culpa em lágrimas, Taehyung permitia-se enxergar-se como vítima pela primeira vez.
— M-Me perd-doa! — O Kim mais velho explodiu em soluços, gaguejando durante o seu pedido. O colegial o fitou com as sobrancelhas arqueadas. — E-Eu promet-to, Taehyung, e-eu n-nunca mais vou machucar vo-você! E-Eu s-sou uma pessoa diferente e eu... Eu... Eu a-amo você!
Taehyung encontrava-se com o poder de mudar aquela situação pesando em suas mãos. Poderia realmente perdoá-lo pela monstruosidade que ele o fez, porém seria um desrespeito consigo mesmo, ou poderia também decidir nunca mais olhar no rosto daquele que algum dia iludiu-o com uma falsa amizade.
Afinal, amigos não machucam amigos. Não pensando apenas neles mesmos, em seu próprio prazer.
Não de propósito.
Aquilo parou de ser uma amizade quando Dongsun não o respeitou e o usou para satisfazer os seus desejos nojentos.
— Tae... — O rapaz rastejou até alcançar as suas pernas, abraçando os seus joelhos e molhando o tecido da sua calça de coloração escura com suas lágrimas infinitas. — M-Me perdoa!
O moreno ajoelhou-se, alcançando-o. Olhou fundo em seus olhos, enxergando-os embaçados graças a sua própria quantidade de lagrimas e então depositou um selinho extremamente delicado nos lábios úmidos de Dongsun.
O amava, mas precisava que ele ficasse longe.
Kim Dongsun, entretanto, o agarrou pelos ombros como se o colegial fosse desaparecer como em um passe de mágicas. Intensificou o beijo, mantendo os olhos bem fechados e apertando o seu corpo contra o corpo do outro em uma tentativa inútil de mantê-lo consigo.
— N-Não podemos aqui. — Dongsun sussurrou, quebrando o contato físico para frisar o local público e a exposição que aquele beijo provocaria.
— Não podemos em lugar nenhum. — Taehyung abaixou seu tom de voz para imitá-lo, em seguida correu seus dígitos pela pele do outro. Pendurou um sorriso fantasma em seus lábios, levantando e acompanhando-o também ficar de pé. — Não posso te perdoar. Não sobre aquilo.
Dongsun assentiu, de olhos fechados. Pensava em soluções que realmente funcionassem para aquela situação e, quando Taehyung seguiu caminho e o deixou para trás, decidiu acionar a opção mais absurda e inesperada.
— Tae! — O moreno virou lentamente, escondendo as mãos dentro dos bolsos da calça. — Você quer namorar comigo?"
{⋆*ೃ}
— Então você chamou seu amigo Taehyung para ir até seu apartamento em um momento de crise? — A doutora Jung Sunhee questionou, as duas sobrancelhas finas bem arqueadas na direção do seu paciente entristecido. — Você concorda comigo que houve um movimento seu na direção dele e não o contrário? — O rapaz assentiu, a testa franzida e um ponto de interrogação invisível brilhando sobre sua cabeça. — Isso me parece um avanço, não acha?
Min Yoongi engoliu saliva, as verdades absolutas estabelecidas firmemente em sua mente tremulando. Ele havia avançado na direção de uma melhora pela primeira vez em toda a sua repugnante existência? Nervoso, direcionou as unhas até os cotovelos, coçando aquela região e desviando os olhos do rosto bem maquiado da doutora Jung.
Naquele dia em específico as nuvens resolveram lançar gotas por toda a cidade, molhando o fotógrafo durante o considerável caminho até o consultório da sua psicóloga. Quase pulou de alegria quando encontrou seus documentos intactos dentro da sua bolsa marrom, mesmo com todos os buracos e rasgados que decoravam o objeto.
O som da chuva era como um anestésico, ajudando-o a lidar com as vozes em sua mente e concentrar-se somente nas palavras que saltavam dos lábios tingidos de rosa-bebê da doutora Jung.
— Eu não sei. — Ele admitiu, batendo as palmas das mãos contra as coxas.
— Você não sabe ou não quer admitir que fez um grande avanço a poucas noites atrás? — Um sorriso esperto nasceu nos lábios da psicóloga, a possibilidade de melhora acelerando os batimentos cardíacos do loiro.
“Ela não sabe o que está falando, você nunca vai melhorar!”
Yoongi murchou como uma flor bonita ao fim da tarde. Ninguém jamais saberia como era conviver com uma quantidade tão assustadora de vozes e pensamentos auto depreciativos, nunca conseguiriam descrever a sensação de ser impulsionado por sussurros e ordens ecoadas a cometer atos dolorosos contra si mesmo.
Ele sabia que não era o único com aquela desordem mental tanto quanto sabia que todos os cérebros são únicos, logo toda doença é descrita de uma maneira única por quem a possui. O resumo geral era o que os médicos e sites denominam como sintomas e, às vezes, somente exercícios físicos são suficientes para diminuir o vazio e a tristeza infinita.
— Eu não sei. — Repetiu, voltando a fita-la nos olhos. — Qualquer expectativa de melhora me parece impossível.
A mulher anotou duas palavras em seu caderno, utilizando uma curiosa caneta com um pingente de panda que dançava ao seu redor como a Terra e o Sol. Yoongi uniu as sobrancelhas com aquela comparação, observando o objeto bonito desenhar palavras na folha em branco.
— Você trouxe os documentos? — O sorriso esperto sumira dos seus lábios e ela agora falava calmamente, o tom de voz amaciando a alma ferida do loiro. Ele assentiu, capturando as cópias dentro da sua mochila e entregando-as. — Certo. Eu vou preencher essa folha e te direcionar para um psiquiatra muito bom, você aceita uma avaliação com ele?
Yoongi sentia a garganta coçando. Piscou algumas vezes, acompanhando com os olhos as linhas nas palmas das suas mãos. As vozes iniciaram uma guerra dentro da sua cabeça, ordenando principalmente que ele negasse a oportunidade e deixasse a sala, afirmando repetidas vezes que ele não conseguiria.
— Yoongi?
— Eu... — Ele umedeceu o lábio inferior com a língua, tentando encaixar as palavras em uma frase clara. — Eu não acho que consigo.
— Bem, isso só saberemos quando tentarmos. — Ela abriu um sorriso sereno, prendendo as cópias à folha de encaminhamento com um clipe. — Deixa eu te contar uma coisa; um cardiologista uma vez me disse que eu tenho coração de maratonista e eu nunca corri mais do que alguns poucos metros em toda a minha vida. Eu sei que sou uma ótima nadadora, tenho experiência em ser nadadora e isso é uma verdade imutável para mim. Ainda assim, meu coração aguentaria uma maratona. Eu nunca tentei ser maratonista, mas um profissional na área me disse que meu coração tem características em comum com os corações de maratonistas.
O coração do loiro acelerou seus batimentos, ele havia entendido perfeitamente o que aquela doutora estava querendo lhe dizer. Indiretamente, Jung Sunhee afirmava que é possível adicionar mais verdades em nossa lista de verdades absolutas e imutáveis.
Ou seja, Yoongi poderia ser uma decepção, porém era possível que ele ficasse estável o suficiente para ser um sobrevivente.
Um sobrevivente da depressão psicótica.
Um sobrevivente dele mesmo.
— Por hoje foi só isso, me desculpe por essa sessão ser mais curta, mas eu preciso preencher esse documento e você vai me ajudar, respondendo algumas questões. Tudo bem?
Trinta minutos depois, Min Yoongi caminhava pela calçada de concreto a caminho do estúdio de fotografia. Estava adiantado, então não precisaria correr para chegar a tempo no estabelecimento – fato que provocava imenso alívio no loirinho.
Os fios vermelhos de Kim Taehyung entraram em seu campo de visão antes que o rapaz em si fosse visível. O hippie utilizava uma calça vermelha com uma listra floral em suas laterais, um moletom negro como uma noite sem estrelas e um inesperado boné localizava-se perdido entre a vermelhidão que predominava em seu cabelo.
Incrível como o rapaz era o único a combinar peças tão diferentes e ainda assim continuar bonito. Yoongi precisou interromper sua caminhada para assimilar o seu visual exótico, afinal eram tantas informações que os olhos preguiçosos do loiro teimavam em correr para o único refúgio: a cabeleira vermelha.
Taehyung acenou quando o avistou e o fotógrafo precisou revirar os olhos. Aquele hippie não precisava chamar a atenção dele com as mãos, a sua estética já era chamativa o suficiente.
— Yoongi hyung! — O ruivo continuava acenando mesmo quando o loiro estava a poucos metros de distância.
— Pare com isso. — Murmurou, segurando a mão do estudante de artes cênicas e puxando-a para baixo. O simples e despretensioso toque fora capaz de provocar reações químicas no cérebro do fotógrafo, lembranças de uma intensa noite retornando como socos em seu estômago. — Eu preciso trabalhar.
O falso ruivo assentiu, os olhos castanhos fixos nas mãos ainda unidas. Yoongi seguiu o seu olhar e finalmente percebeu que continuava segurando-o, soltando-o no segundo seguinte.
— Eu estava por perto e resolvi te visitar no trabalho. — Ele sorria daquela exótica maneira única e exclusiva dele. O loiro umedeceu o lábio inferior com a língua. — E... Também vim te convidar.
“Ele não quer que você vá, negue!”
“Diga que vai estar ocupado, querido. Ele não vai se importar, provavelmente só está perguntando por educação.”
— Não posso.
— Mas eu nem fiz o pedido, hyung. — O rosto confuso de Taehyung refletia os seus pensamentos. Yoongi encarou-o mais uma vez antes de balançar a cabeça de um lado para o outro. — Hoseok hyung, Namjoon hyung, Jimin e eu vamos jogar videogames hoje e eu gostaria muito que você estivesse junto, por favor, aceite meu pedido. — O falso ruivo se curvou, o boné despencando e expondo os fios vermelhos e brilhantes como maçãs maduras de filmes Hollywoodianos.
Kim Namjoon e Park Jimin.
As lembranças invadiram a sua mente antes que ele sequer conseguisse controlar-se. As verdades ácidas que aquele rapaz baixinho disse, a coragem de deixar a sua opinião explícita e desprovida de máscaras que Yoongi admirava silenciosamente, a inexplicável e incomparável dor da desconexão com a realidade, a sensação de ser um peso para Kim Taehyung, o aperto em sua garganta, os batimentos acelerados e a queimação em seu peito. Tudo retornou tão rapidamente que suas pernas tremularam, ameaçando derrubá-lo.
Jung Hoseok. O ex-colega de curso que se afastou quando todos perceberam o quão sujo ele era, os olhos grandes e curiosos que o fitavam com receio todas as vezes em que se esbarravam pelos corredores, o sorriso contagiante que sumia do seu rosto quando suas íris se encontravam, o ex-quase-amigo.
— Não posso, me desculpe.
“Eles vão te humilhar, eles não querem estar perto de você.”
— Mas hyung... — Taehyung buscou o boné cinza, ajeitando-o em seus fios vermelhos vívidos antes de retornar o olhar para o loiro. — Se você não gostar eu prometo nunca mais insistir para você me acompanhar a lugar algum. — Ele ergueu o dedo mínimo, provocando uma pequena risadinha em Yoongi.
Aquele rapaz era uma eterna criança em alguns momentos e um sábio – e hippie metido a filósofo – senhor em outros.
— E então, hyung?
— Eu aceito.
"I died a hundred times"
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.