Dohko rendeu-se ao pedido feito de forma tão sincera. Notava mudanças em Pandora que não parecia mais aquela mulher frívola que fora sua esposa. Havia algo no olhar dela que o desarmou.
– Não podemos nos demorar, mas aceito um refresco. – disse o conde com um sorriso.
Pandora também sorriu e os quatro dirigiram-se à porta de entrada.
A mansão era clara, arejada e, ao fundo da sala ampla via-se uma porta que se abria para um pequeno e bem cuidado jardim florido. Rosas, hortênsias e um velho carvalho com uma copa imensa cobria grande arte do jardim e, abaixo dele, havia uma mesa com seis cadeiras.
– Vou pedir a Margaret que nos sirva lá fora. O clima está muito agradável. – disse Pandora.
Logo, os quatro estavam sentados à sombra do carvalho, degustando doces e salgados com limonada.
– Eu tinha a intenção de procurá-lo em Village West, mas não sabia se... Bem, você está aqui e não sabe o quanto me deixa feliz vê-lo com a saúde restabelecida.
– Também fico feliz que esteja bem, Pandora. Afinal, acabamos cada um encontrando o caminho para a felicidade. – respondeu Dohko tocando a mão de Shion e deixando o médico um tanto constrangido, mas, ao mesmo tempo, feliz.
Pandora notou o ato e sorriu. Não fez nenhum comentário, mas soube de imediato o que estava acontecendo e, em seu interior, sentiu uma profunda satisfação. Seu ex-marido não a rejeitara por ela não ser a esposa perfeita e sim porque suas preferências eram outras.
Marin olhou para os três com seus olhos vivos e sorriu também. Estou louca para ver Milo e contar-lhe todas essas novidades! Pensou ela, enquanto a conversa continuava.
– Eu vou me casar e gostaria de convidá-lo. Quer dizer, convidá-los. – emendou ela, olhando para Shion.
– Então a senhora conseguiu fisgar o conde Hades? Diziam que ele era um solteirão convicto! – deixou escapar Marin.
Margaret surgiu perguntando se estavam todos servidos e o rubor de Pandora passou despercebido, dando-lhe tempo de respirar e responder.
– Não me casarei com Hades, nosso... envolvimento acabou. Conheci o duque Radamanthys de Wyvern e estamos noivos.
– Oh! – exclamou Marin.
Dohko franziu o cenho, mas logo sorriu.
– Creio que fez a escolha acertada. Pelo que me lembro de Radamanthys, ele é um jovem bastante empreendedor e...
– E nós nos amamos! – exclamou Pandora. – Eu sei que pode me entender, já que vejo em seus olhos que também está com o seu coração pleno desse sentimento.
– Tem razão, finalmente reencontrei o amor que achava ter perdido. – disse Dohko olhando carinhosamente para Shion.
– E eu gostaria de devolver-lhe esta casa. Vou morar com o duque e não acho justo deixá-lo sem a sua propriedade aqui na Corte. – disse ela.
– Fique com ela, é um direito seu na partilha dos bens. Fomos casados e, embora estejamos rumando para outras relações, ainda sim desejo que seja feito o que é correto. Eu pretendo adquirir outra mansão menor e quero que Shion tenha participação nesta escolha. Não imagina o quanto admiro o seu crescimento como pessoa, Pandora.
A jovem sorriu, reconhecendo a bondade e o caráter do homem que fora seu esposo. Retomaram uma conversa amigável e cheia de revelações, enquanto a tarde se punha e os raios dourados do sol abriam caminho entre as folhas do carvalho.
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Valery estava em pânico. Desde que deixara a mansão, escoltada pelos policiais sua mente fervilhava e dava voltas alucinantes. Fora descoberta!
Enquanto o choque de ver-se encurralada disparava ondas de medo em seu corpo, ela encarava o inspetor que a vigiava com uma expressão intensa e indagativa.
Simon nada falara. Segundo ele, o interrogatório seria feito no local adequado, ou seja, a delegacia. Mantinha-se silencioso, porém continuava a observar todos os gestos daquela mulher e se perguntava como alguém como ela podia ser tão perversa.
Naquele instante, Valery percebeu com amargura que todos os seus planos haviam falhado e era tarde demais para fazer ou dizer alguma coisa. Uma tênue fagulha de raiva acendeu-se e reluziu dentro dela. Não, ela não suportara tudo até então, para deixar que tudo terminasse daquele jeito. Precisava escapar da prisão!
Quando a carruagem entrou em uma estrada com um ligeiro declive e adquiriu velocidade, ela tomou uma decisão. Olhou para o inspetor que, por alguns segundos deixava de observá-la e olhava a paisagem.
É agora ou nunca... Pensou ela. Então, com o sangue pulsando violentamente em seus ouvidos, ela puxou o ferrolho, abriu a porta e jogou-se para fora do veículo.
Uma explosão de dor se expandiu primeiro em seu tornozelo e, em seguida, em suas costas quando ela chocou-se contra o solo e rolou pelo chão pedregoso. Por um instante, ela ficou atordoada pelo impacto, sem conseguir enxergar. Ouviu o inspetor chamá-la, mas tudo estava lento e distante, como se todas as coisas estivessem “andando para trás”. Sua respiração ficou difícil e ela arquejou como se estivesse se afogando.
– O que vamos fazer, senhor? – perguntou o policial com uma expressão de terror.
Simon olhou para a mulher estendida no solo. A visão era horripilante. Ela estava com a perna direita quebrada em dois lugares com o osso exposto e coberto de sangue. Mas, o pior era a posição do corpo que estava torcido em uma postura bizarra, o tronco estava para um lado e as pernas para o outro, evidenciando que ela fraturara a espinha. O rosto sofrera escoriações ao bater nas pedras, o nariz quebrara e o lábio superior rompera a pele se transformando numa pequena massa de carne sangrenta.
– Não podemos movê-la. Vá buscar ajuda médica. – disse o inspetor.
Valery ouvia tudo e tentava abrir os olhos, mas o pequeno espaço entre as pálpebras que conseguia, só permitia que percebesse uma mistura de formas e sons que a deixavam enjoada. Então ela sentiu o gosto do seu próprio sangue e tudo escureceu...
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Aiolia sorriu e acariciou-lhe a face com a ponta do dedo. O orvalho já se depositava sobre a grama e os insetos noturnos iniciavam sua sinfonia. Ora os grilos, ora os vagalumes com seus corpos de luz...
– Está com frio? – perguntou ele.
Mu ergueu-se sobre o cotovelo. Aiolia parecia uma escultura viva e tinha a perfeita combinação de beleza, força e gentileza que o enfeitiçara e lhe roubara o coração.
– Impossível sentir frio ao seu lado... – respondeu Mu, sorrindo.
– Ainda temos pães e frutas para degustar. Fiquei com fome, e você?
– Um pouco.
O leonino puxou Mu para junto de si e o beijou, antes de pegar um cacho de uvas e começar a retirar bagos para depositá-los na boca do amante.
– Pronto... Não quero que sinta fome. – disse ele.
Mu sorriu e mordeu, levemente, os dedos de Aiolia. O conde riu e logo estava sobre o amante, tocando-o e beijando-o até fazê-lo rir.
Banhados, por toda aquela atmosfera bucólica de sedução, Aiolia aprendeu com Mu uma explosão de êxtase com os dedos, a língua e o sexo.
O corpo de um homem era diferente, porém o prazer do toque, a descoberta da intimidade, nada disso era novidade para o leonino. O que diferenciava de tudo que já havia vivido era a leveza e a transparência de seus sentimentos para com Mu. Com ele, tudo parecia fluir sem barreiras ou dúvidas. Bastava olhar em seus olhos e lá estava o sentimento expresso e intenso, assim como, em seu brilho de contentamento, eles refletiam os seus...
– Me prometa uma coisa, Aiolia... – disse Mu fitando-o profundamente.
– Qualquer coisa... O que deseja? – respondeu o leonino.
– Se um dia você deixar de gostar de mim, eu quero que...
Aiolia não permitiu que Mu terminasse a frase. Tocou-o nos lábios e olhou-o tão sério, que parecia ofendido.
– Eu jamais disse: eu te amo para outra pessoa. Sabe por quê? Porque nunca fui tocado por este sentimento até conhecê-lo. Eu não gosto de você, apenas. Eu amo você! Jamais duvide disso.
Mu sentiu-se estremecer. Em todas as suas relações buscara sentir e encontrar aquela certeza. Não as palavras vazias ditas na hora do prazer ou com a intenção de conquistar. Mas a real dimensão do sentimento capaz de transformar seu medo de entrega em confiança.
Os olhos de Aiolia estavam escuros e pareciam atravessá-lo. As mãos dele agarravam as suas com força e o corpo evidenciava tensão. Então, um suspiro de alívio escapou de seus lábios e Mu sorriu, sentindo que seus olhos estavam úmidos, não de tristeza, mas de contentamento.
– Eu também te amo, Aiolia...
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Após deixar Jamian e o lutador na delegacia, Camus e Milo retornaram à mansão. Os depoimentos seriam tomados, posteriormente, assim os dois puderam usufruir de algum descanso.
Jonas os recebeu na mansão com uma expressão estranha que misturava excitação e alegria.
– Sua Graça... senhor Milo... Os senhores têm visita. – disse o mordomo.
Milo espiou para dentro da grande sala e custou a acreditar no que via.
– Conde Dohko! – exclamou ele e foi ao encontro do homem que amava como a um pai.
– Meu rapaz! – disse Dohko sorrindo.
O jovem abraçou-o com força e o conde bateu em suas costas como se estivesse se rendendo em uma luta Greco-romana.
– Que saudade! E está com saúde! Eu sabia! Eu sabia que não ia morrer! – dizia Milo, ainda abraçando o conde.
– Sim, graças a você, meu filho... – falou Dohko, emocionado.
Depois, o conde olhou na direção de Camus e estendeu a mão.
– Perdoe a minha indelicadeza de vir sem avisar, mas Shion foi cuidar da nossa hospedagem no hotel e eu queria muito ver Milo.
– É um prazer recebê-lo, conde Dohko. – disse Camus com um sorriso educado, porém sincero.
– Ei! Eu também estou aqui! – falou uma voz feminina que vinha do lado da cozinha.
– Marin! – exclamou Milo.
A jovem vinha com um dos filhos da senhora gata no colo, enquanto a mãe felina, apenas observava. Os filhotes já estavam bem desenvolvidos e ela já os estava deixando viver suas próprias experiências, embora ainda permanecesse vigilante.
– Olha só o que eu achei! Eles são demais! – disse Marin caminhando na direção de Milo.
– Você também veio... – disse o jovem abraçando a amiga.
– Tenho tantas coisas para te contar... – cochichou ela.
Camus observava a tudo com atenção, percebendo a afeição existente entre aquelas pessoas e pensando no que dizer a Dohko, quando revelasse suas intenções com Milo.
– Bem, Sua Graça eu passei aqui, rapidamente, para ver meu filho e também para agradecer tudo o que fez por ele. Podemos jantar amanhã? Reservarei uma mesa no hotel para que possamos conversar. – disse Dohko.
– Eu gostaria que viesse jantar em minha casa, assim ficaremos mais à vontade. – falou Camus.
– Se não for dar-lhe trabalho sendo assim, tão em cima da hora.
– Trabalho nenhum, conde Dohko. Será uma honra e um prazer.
Milo olhava para Camus e para Dohko, ao mesmo tempo e o ato fez Marin estreitar os olhos, enquanto acariciava a cabeça do gatinho. Humm... Aí tem alguma coisa! Pensou ela.
Alheio às maquinações de Marin, Milo estava exultante. Ver o conde recuperado tinha sido uma alegria muito grande, face a todos os acontecimentos escabrosos que haviam desabado sobre si. A conversa fluiu mais um pouco e a revelação sobre Marin deixou Milo ainda mais feliz. Sempre soubera das ambições da amiga e agora parecia que tudo se encaixava para a felicidade de todos.
O jovem sorriu ao ver Camus e Dohko se dando muito bem, mas, de repente, em meio à conversa amigável, uma das falas do ruivo fez seu sangue gelar e depois esquentar como se estivesse em meio ao fogo.
– O quê você disse, Camus? – perguntou o jovem.
– Eu disse que, assim como sua amiga Marin foi aceita na universidade, você também pode ser. – respondeu Camus.
– Que história é essa de universidade? – questionou Milo.
– Eu esperei passar toda essa história tensa que ocorreu aqui para falar com você. E, agora que o conde está aqui, creio ser o momento ideal para conversarmos sobre o seu futuro.
– Meu futuro? – disse Milo, enquanto pensava: Onde diabos foi o nosso futuro?
– Sim, você provou ter talento e capacidade para muitas coisas interessantes e importantes. Dentro deste quadro, frequentar uma universidade é algo a ser considerado. – respondeu Camus.
A expressão nas feições belas e selvagens de Milo sinalizava incredulidade e... raiva! Esperara que Camus falasse da relação deles e ele vinha com aquela conversa de universidade?! De onde ele tirara aquele absurdo?
Notando o olhar fuzilante de Milo, Camus percebeu que cometera um erro. Passional como era, Milo talvez esperasse outro tipo de conversa, a qual ele também teria com Dohko, mas antes pretendia cuidar para que Milo não desperdiçasse sua inteligência e talento.
– Bem, conversamos melhor amanhã. – disse o ruivo.
– O duque tem razão, meu rapaz! Sempre o achei tão vivaz e inteligente. Sei que gosta de cavalos e como meu herdeiro, o haras de Village West será seu. Bem, vou indo e amanhã nos reencontraremos e falaremos mais. – disse Dohko.
Milo ainda estava aturdido com aquela revelação. Optou por não falar mais nada, mas a turbulência em seu interior continuava cada vez maior, apesar do seu repentino silêncio.
Assim que todos se despediram, Milo caminhou até a janela e lá ficou, mudo e carrancudo. A senhora Gata olhava-o, séria, e permanecia sentada ao seu lado como se fosse uma guardiã.
Camus se aproximou de Milo e a gata olhou-o, de cima a baixo, como que analisando as intenções do ruivo. Por alguns segundos, ela farejou o ruivo e depois cedeu lugar para que ele se aproximasse mais. Um miado curto serviu de advertência: Ele precisa de você!
– Milo, vamos conversar.
O jovem não se mexeu. Continuou olhando para as árvores lá fora. Seu corpo estava ereto, os braços cruzados.
– Quando ia me contar que desejava se livrar de mim? – disse Milo e Camus sentiu uma tristeza na voz dele que o desagradou.
– Não é nada disso, Milo. – respondeu o duque segurando-o pelos ombros.
Os olhos do jovem se voltaram para o duque. Havia tristeza, fúria e decepção neles, tudo parecendo um vórtex azul, pronto para tragá-lo para o fundo.
– Como não é? Bastou Dohko entrar por aquela porta e você se transformou no preceptor pronto para conversar sobre o meu futuro!
– Milo, me escute com atenção... Eu irei falar com Dohko sobre nós dois, mas antes eu gostaria que você pensasse sobre o futuro. O seu futuro.
– Está vendo! A ênfase que você dá é no meu e não no nosso futuro. Eu pensei que... Pensei que você me queria, mas vejo que a sua covardia voltou e você está me descartando com essa história de universidade! Pelo menos seja digno e admita, ao invés de vir com essa história idiota de acreditar no meu potencial.
– Milo... se acalme e me escute! – falou Camus, agora alterado.
– Não quero ouvir mais nada! – gritou Milo e deixou a sala.
Camus pensou em ir atrás dele, mas talvez fosse melhor deixá-lo se acalmar. O jantar com Dohko e a introdução do outro assunto iria mostrar que o amor que sentia o fazia desejar que ele fosse bem sucedido e desenvolvesse o talento que tinha. Fazia isso porque se orgulhava dele, da sua sagacidade e da sua paixão.
Jonas retornou à sala.
– Deseja um chá, Sua Graça?
– Não, obrigado, Jonas. – respondeu Camus sentindo uma sombra cair sobre si.
O mordomo se retirou e a senhora gata voltou e se esfregou nas pernas do duque. Camus olhou-a e foi até a poltrona. Sentou-se, deixando escapar um suspiro profundo.
A gata pulou para o seu colo e ficou olhando-o com aqueles grandes olhos verdes. Por um momento, o duque conectou-se ao olhar felino. A cabecinha dela fez um movimento, como se estivesse pedindo atenção total e, em seguida, ela miou em vibrato, atitude que fez Camus franzir o cenho.
– Quer me dizer algo, senhora gata? Aceito sugestões... – disse ele acariciando a cabeça do animal.
A gata fechou os olhos e foi de encontro à mão de Camus, esfregando-se nele com movimentos longos e demorados. Depois ela abriu os olhos e virou a cabeça na direção dos quartos, miando novamente e fazendo-o pensar qual era a intenção do pequeno animal.
Então, ela fixou o olhar nos seus olhos e ele compreendeu... Pegou-a no colo, colocando-a sobre a poltrona e foi falar com Milo, de um jeito que ele pudesse entender que seus atos eram por amor.
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Imagens desfocadas dançavam frente aos seus olhos, deixando-a enjoada e com fortes dores que a jogavam, de tempos em tempos, de volta à escuridão da inconsciência.
Quando, finalmente, a névoa escura se foi, Valery percebeu-se deitada em uma cama, entre lençóis de linho branco e o ambiente cheirava a éter. Seu corpo estava enfaixado e ela não sentia nada... A única dor vinha dos ferimentos do rosto. Ela tentou mexer a cabeça, mas esta também parecia paralisada.
– Ela abriu os olhos, doutor! – uma voz de mulher exclamou.
De imediato, o doutor Simon pegou seu prontuário e foi até o quarto. Quando a enfermeira cedeu passagem, Valery percebeu o olhar minucioso que ele lhe deu.
– Sei que pode me ouvir, então escute com atenção. A senhora sofreu um grave acidente, fraturou a perna em três lugares e... a mais grave de todas as lesões, uma fratura na espinha. – disse ele.
Valery ouvia, tentando suportar o latejar agudo que a impedia de pensar com clareza. Ela tentou balbuciar algo, mas o lábio ferido a impedia de pronunciar as palavras e sua garganta parecia inchada. Entretanto, mesmo ferida, ela notou o olhar sombrio do médico. Uma fratura na espinha, dissera ele... Era por isso que não sentia nada?
Com esforço, ela começou a piscar, freneticamente. O que aconteceu? Diga-me?
– Calma, minha senhora. O que eu tenho a dizer vai ser muito duro de aceitar, mas, pelo menos, a senhora está viva. As vértebras da sua espinha foram pulverizadas com a violência do impacto. Não poderá mais andar e talvez, não consiga mexer o tronco. Mas, por ora, descanse. É só o que podemos fazer.
As lágrimas invadiram os olhos de Valery. Ali ela compreendeu que adentrara um abismo profundo onde ficaria até o final dos seus dias... Melhor teria sido se tivesse sido enforcada!
– Então, doutor Simon, qual é a situação real? – perguntou o inspetor ao chegar.
O médico olhou para o homem que tinha o mesmo nome que o seu.
– Infelizmente, ela ficará tetraplégica. Talvez, nem consiga mais falar, nem respirar direito. Se desejar interrogá-la, deverá usar outra forma de comunicação.
O inspetor suspirou, torceu o bigode e olhou para dentro do quarto. A visão daquela mulher naquele estado o fez acreditar que havia punições piores que a cadeia ou que a morte. A Justiça se faz, de um jeito ou de outro...
Valery fechou os olhos, as lágrimas quentes escorrendo pelo rosto machucado. Lembrou-se do olhar de Hades e também de Minos.
Ao final de tudo, ela não seria enforcada, mas ficaria presa. Presa em seu próprio corpo, até o dia da sua morte. Enquanto isso, aqueles dois ficariam juntos, se refestelando, enquanto ela agonizava... Era um castigo cruel... Cruel demais! Pensou ela, enquanto em meio à dor, ela parecia ouvir a risada de todos aqueles a quem prejudicara.
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Camus surgiu no quarto, vestido em roupas de montaria. Milo ainda retirava as suas roupas do armário e, pela respiração alterada, ainda percebia-se que estava furioso.
O jovem olhou na direção do duque sem deter-se muito.
– Amanhã mesmo, vou para o hotel com o conde. E nem sei se quero vir jantar aqui! – disse ele.
– Está bem, eu respeito a sua vontade, mas antes gostaria de pedir-lhe que me acompanhe.
Milo parou de arrumar suas roupas e fitou o duque. Seu cenho estava franzido e alarmado.
– Como assim respeita a minha vontade de abandoná-lo? Então eu tinha mesmo razão, você quer se livrar de mim! Seu covarde mentiroso!
– Não, não quero. Mas, qualquer coisa que eu diga, só aumenta a sua fúria. Então, gostaria de mostrar algo para você, ao invés de falar.
– Mostrar o quê?
– Venha comigo.
Milo parou o que fazia. Camus parecia tão... tão calmo! E olhava-o com a mesma... paixão?
– Aonde nós vamos? – perguntou o jovem, ainda com o cenho franzido, mas aparentemente mais calmo.
– Já disse que quero mostrar e não falar. Vamos. – respondeu o duque com a expressão séria, mas um tom amigável na voz.
Milo obedeceu, deixando as roupas como estavam e seguiu Camus. No pátio, viu dois cavalos encilhados e reconheceu o cavalo que salvara dos maus tratos. O animal moveu a cabeça, também em reconhecimento e Milo sorriu.
– Ah, meu amigo... Você está muito bem. – disse ele acariciando o focinho do animal.
– Graças a você. – disse Camus, montando no outro garanhão.
Assim que Milo montou, Camus bateu com os calcanhares na barriga do cavalo e saiu em disparada, para surpresa do jovem.
Por alguns segundos, Milo viu os cabelos ruivos soltos ao vento e a cena pareceu inundá-lo de surpresa e desejo. Sentia-se traído pelo duque, mas o amor que sentia por ele se sobressaía em meio a todo aquele caos emocional. Droga! Por mais furioso que eu esteja, ele ainda mexe comigo!
Camus olhou para trás e viu que Milo começava a tentar alcançá-lo e sorriu. Aumentou a velocidade e logo percebeu que o loiro fazia o mesmo. Um pouco de movimento vai acalmá-lo... Conjecturava o duque, enquanto imprimia mais velocidade a sua cavalgada.
Minutos depois, quando o garanhão de Milo emparelhou com o seu, Camus conduziu o cavalo até uma estrada que levava para os arredores de Londres e onde se podia ver um imenso celeiro.
A construção estava passando por uma visível reforma e a área ao redor também. Havia um poço de captação da água da chuva e Milo observou que alguns animais jovens estavam presos a ele, bebericando ou pastando, ao redor.
O duque parou, relanceando o olhar para ver se Milo estava próximo. O jovem já desmontara e observava os cavalos. Havia potros e garanhões adultos.
– Eles são lindos... – Milo murmurou, admirado.
– Sim, eles são. E precisam de cuidados especializados. – falou Camus.
– Eles são seus?
– Espero que sejam nossos. – respondeu o duque.
Milo arregalou os olhos ao fitar Camus.
– Como assim?
– A Universidade de Cambridge é uma das mais antigas universidades de Londres. O rei Henrique III lhes concedeu o monopólio do ensino em 1231. Ele amava cavalos e sugeriu que criassem um curso para tratar os animais, especificamente, os cavalos. A ideia se perdeu, outras prioridades foram trazidas ao meio acadêmico e a vontade do rei foi esquecida. Mas, eu soube que este ano, comemorando o aniversário do rei, haverá um curso de seis meses que dará aos alunos, uma certificação para montar e cuidar do próprio haras. E, todos aqueles que tiverem essa certificação, poderão competir e cruzar seus puros sangues em haras de qualquer parte da Europa. Já pensou no que isso significa?
A compreensão materializou-se dentro da mente de Milo, o rosto iluminado pela expectativa.
– Esse curso... É esse curso que você quer que eu...
– Sim, Milo. É este curso que pensei ser indicado para que você tivesse um futuro digno das suas capacidades. Conhecendo-o e amando-o, sei que títulos de nobreza são dispensáveis para um homem inteligente e talentoso como você. Então, como pretendo montar um haras de nível internacional, preciso de um homem com a sua capacidade.
Enquanto conversavam, um potro cinza aproximou-se dos dois.
– Veja, este pequeno animal pode ser um excelente corredor, quando adulto. Basta que tenha os cuidados adequados e por quem ama e respeita os animais. Você recuperou aquele garanhão com a experiência que tem. Agora imagine aprender mais e poder aplicar seu conhecimento em larga escala.
Milo estendeu a mão e o pequeno animal balançou a cabeça para os lados e, em seguida, esfregou o focinho em seu rosto.Os lábios do jovem se abriram num largo sorriso, os olhos brilhando...
Camus sorriu, também, e estendeu a mão em direção ao amante. Milo atirou-se nos braços do duque, abraçando-o com força. O ruivo sorriu e estreitou o corpo ardente de Milo contra o peito.
– Por que sempre duvida do meu amor, Milo...? - disse ele acariciando as costas do jovem e aspirando o perfume de sua pele e cabelos.
Milo respondeu com os olhos fechados e o coração disparado. Amava tanto aquele homem... tanto!
– Talvez, porque eu... tema que você pense melhor e desista de amar alguém como eu.
– Ei, desde o momento em que atravessou o pórtico da minha casa, eu soube o quão especial você era. Atrevido, arrogante... Mas também belíssimo e de uma sinceridade marcante. Eu não teria aceitado ensiná-lo, se não visse em você o enorme potencial que tem e tenho de confessar que me senti atraído à primeira vista. Eu amo você, Milo e quero construir um futuro junto com você.
– Me perdoe, Camus... Eu disse tanta merda, mas é que eu... É difícil ficar longe de você.
– Para mim também é difícil, mas teremos muito tempo juntos quando oficializarmos a nossa união. Seis meses passam depressa e eu vou visitá-lo em alguns fins de semana.
– Como? – perguntou Milo.
– Eu vou visitá-lo em alguns fins de semana, eu prometo.
– Não, não é isso. O que você disse antes?
– Que seis meses passam depressa...
– Não é isso! Pare de se fazer de tolo, Camus!
O duque riu.
– Vamos oficializar a nossa união perante Dohko e nossos amigos. Por isso, quero ter tempo para organizar tudo em Village Mall. Lá será o haras definitivo e podemos viver nossas vidas sem ter de dar satisfações a ninguém.
– Jura?
– E preciso?
Milo agarrou-se a ele, entreabrindo os lábios e Camus mergulhou fundo com a língua, misturando a sua à dele, sugando, mordendo, tomando-o para si. A mão macia do duque buscou os cabelos sedosos da nuca de Milo e o loiro apertou o corpo contra o dele, fazendo-o sentir a ereção desperta.
Ambos sorviam da saliva um do outro, as línguas golpeavam as bocas, provando, mordiscando, afastando-se para unirem-se, outra vez, e mais outra, gementes e sôfregos...
– Eu amo você, Camus... – sussurrou Milo, a paixão explícita no olhar e no corpo.
O ruivo sorriu de uma forma quente e amorosa. Os olhos rubros estavam tomados pelo desejo, mas ele respirou fundo e controlou-se.
– Vamos para casa... – disse ele.
Sorrindo e excitado, Milo mordeu o lábio inferior.
– Bem, eu vou ter de esperar um pouco prá poder montar à cavalo. – falou o loiro olhando para a enorme ereção despontando sob a roupa.
Um brilho, profundamente erótico, insinuou-se nas íris do duque e ele puxou Milo pela mão, levando-o até o celeiro...
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