Bulma puxou o ar profundamente e soltou, pela milésima vez.
Já fazia quatro horas que a nave realizava o percurso até Immega acompanhada do silêncio. Silêncio que ela considerava valioso para organizar as ideias... e no assento ao lado, havia Kakaroto, que mantinha o mesmo espírito. Apenas Vegeta dormia. Pudera! Estava exausto e sem toda sua energia. Ele parecia bem menos perigoso dormindo, por mais irônico que fosse. A garota rolou os olhos e colocou os pés no chão, até então, cruzados.
Inconscientemente passou a mão pelo cabelo. E ao passar na franja, sentiu mechas duras e secas. É claro, o machucado. Tentou desembaraçar como pode, achando que devia estar fantasmagórica coberta de sangue. E o gesto atraiu a atenção de Kakaroto.
-Posso ver? - a pergunta saiu com certo receio. Ele não sabia mais o que Bulma faria a seguir. Ela se tornou indecifrável.
Ela analisou a pergunta, e apesar da mágoa, se aproximou mesmo assim. Kakaroto ia dar jeito na ferida de qualquer forma. O homem tirou a franja da frente e observou o corte, tocando a pele ao redor e o abrindo com cuidado para ver a profundidade. Bulma fez uma careta quando uma pontadinha dolorida a atingiu de repente.
- Não foi fundo. - falou depois. - Mas vai ficar uma cicatriz.
A garota bufou.
O cabelo cobriria, mas precisava ser bem na testa?
Com certeza ia ser uma marca com uma grande história por trás.
- Ei. - chamou a atenção dela de novo. - Me deixa limpar e cobrir.
- Eu posso fazer isso quando chegar. - teimou, cobrindo com a mão, mas Kakaroto sorriu sarcástico.
- Você não conhece mesmo Immega. Os comerciantes te sufocariam antes mesmo de chegar em solo.
Fitou o rapaz por um momento, e bufou outra vez. É, ela não fazia ideia de como aquele mundo funcionava. Derrotada, colocou o rosto a alcance, e ele começou a trabalhar quase imediatamente.
O som da gaze passando foi o mais audível por um período de tempo.
- Você já foi pra lá antes? - ela indagou, desconfiada mas curiosa.
- Hum? - a pergunta foi entendida depois. - Ah... Algumas vezes. É uma boa parada pra conseguir prismas. Contanto que sua mercadoria seja melhor que a do vizinho.
Sentiu ele passando o tecido por suas bochechas também, vendo que cada gaze descartada saía vermelha. Então ela devia estar pior do que imaginou...
E rapidamente o rapaz cobriu a ferida com prática, antes de olhar para Bulma de novo.
- Tá nervosa?
O questionamento ficou no ar por alguns segundos, enquanto Bulma processava tudo lentamente.
- Seria mentira se eu dissesse que não. - revelou apática. - Tudo o que eu pretendo fazer ainda parece muito distante...
Kakaroto olhou pra baixo. Pelo menos ela devia ter um objetivo, por mais impossível que parecesse. E ele que estava completamente perdido? Suspirou.
- Se serve de consolo, saiba que já começou do jeito certo. Immega é totalmente comercial. Vai ser fácil se livrar da nave e das roupas...
- Me livrar da nave? - o olhou de repente, com uma sobrancelha erguida. O que ele quis dizer com aquilo?
- … É. - respondeu como se fosse óbvio. - Uma nave de emergência não é comum como pensa, te deixa em evidência em qualquer planeta. E as roupas... - passou a mão sobre o desenho do emblema real. - São militares.
Bulma fungou e apoiou as mãos nos joelhos. As coisas não deviam mudar tanto no primeiro obstáculo. Estava tão preocupada em sair da cola dos saiyajins que mal teve tempo de elaborar a chegada em Immega.
- É difícil encontrar um comprador que não se importe com documentação e longas histórias? - se cansou só de pensar no trabalho. Felizmente Kakaroto tinha a solução.
- Não se procurar no lugar certo. O subúrbio é um ótimo ponto pra quem não quer muitas perguntas. Conheço alguém.
Ela pareceu mais aliviada com a informação. Olhou Kakaroto de relance, enquanto o mesmo estava distraído e ponderou sobre a posição dele. O fato dele estar mais amigável e útil não mudava a situação dos dois. Mas ele era velhaco; entendia bem como as coisas funcionavam e era um sobrevivente nato. Ele certamente sabia fazer de tudo da maneira mais discreta possível.
E automaticamente seu olhar pairou em Vegeta.
Assim que a nave pousasse era cada um por si. Definitivamente. E ele não parecia ser o tipo de cara disposto a dar informações à troco de nada...
Entre os dois, Kakaroto era a opção mais viável. E no tempo em que chegou a tal conclusão, seu orgulho tapou completamente sua garganta, reprimindo a ajuda de uma forma absurda. Fechou o punho e mordeu o lábio, furiosa consigo mesma. Mas ela esqueceu que o saiyajin fraco era perspicaz...
- Eu te ajudo. - a frase a atiçou.
- Eu não...
- Não tem nenhuma pretensão atrás disso, okay? - a interrompeu depressa. - Considere como uma troca de favores. - gesticulou. - É o mínimo que posso fazer.
Bulma o encarou desconfiada, e prontamente, viu que não havia malícia no olhar dele. Ele estava sendo sincero. E mesmo que tenha continuado um pouco receosa, confiou na palavra dele, aliás, em seus instintos. Afinal, ela tinha o dom estranho de ver a verdade nas pessoas.
- Espero. - disse depois.
O rapaz acenou convicto, e a moça bocejou.
Estava bem sonolenta e seria bom descansar. A chegada seria corrida e precisava estar preparada. Se acomodou em uma viga lateral, apoiando as costas, e quase fechou os olhos. Se não lembrasse da presença de Kakaroto...
Se ergueu repentinamente, e andou até o painel da nave, pegando algo escondido. Kakaroto observou curioso. Ela voltou com uma amarra de pulso, e insinuou para ele.
- Quero ter certeza de que não vai tentar nenhuma gracinha.
E o rapaz ergueu as sobrancelhas surpreso. Por que ele precisava ficar preso e Vegeta não? De qualquer forma, era bom deixar pra lá.
- Parece justo. - riu desgostoso.
Ergueu os braços. Bulma o prendeu entre a barra de assento.
Ela só apagou quando Kakaroto adormeceu também, mais tranquila.
A viagem ainda seria longa. Bastava torcer pra que seguisse sem imprevistos.
(…)
Arlia era um planeta agradável.
Zarbon terminava de se vestir, O servo com quem passara a noite permanecia tombado na cama, como quem se recuperava de uma batalha.
Desde que retornara de Gálatus, Lorde Freeza o mandara para planetas aliados recém colonizados, para colocar ordem. E por mais que não parecesse, era uma tarefa exaustiva. Vira e mexe haviam rebeliões de escravos e soldados eram assassinados. Mas nada que não pudesse dar conta.
E claro, recompensado. Por isso aquele servo estava lá. Olhou-o de relance, pelo espelho. Aqueles garotos tinham entre dezessete à vinte anos, no máximo. Notou os traços afeminados no rosto daquele e o jeito pouco másculo. Devia estar acostumado a ser usado...
Arrumou os cabelos, os trançando com calma e perfeição. Muitos povos achavam aquele tipo de atração repugnante e anti-natural. E talvez fosse mesmo, pensou com certo rancor. Mas não importava quantas vezes ele tentasse se disciplinar, sempre acabava acontecendo de novo. Simplesmente porque ele era assim, e nada ia mudar aquele prazer.
Graças a sua posição social o homem ficava impedido de expor seus interesses, por mais que todos soubessem. Mas sabia que podia viver com aquilo.
Finalizou o ritual matinal de se vestir colocando sua tiara prateada ao topo da cabeça, e ajeitou o par de brincos, vaidoso.
Se admirou por alguns segundos.
Era muito belo, isso era inegável. Não era a toa que atraía olhares por onde passava. Sorriu satisfeito, e se virou em direção a porta, fazendo sua capa esvoaçar.
E antes de sair, depositou um cartão roxo na cômoda, para o rapaz. Prismas eram mais que necessários para seres baixos como ele.
O corredor da base militar estava vazio. Geralmente ali era bem monótono na maior parte do tempo.
Lembrou-se de que tinha de averiguar lotes e terminar de mapear coordenadas do corpo celeste do dia anterior. E sinceramente, não estava ansioso para cumprir tais tarefas. Eram sempre entediantes.
E enquanto se concentrava em chegar ao saguão principal, passos rápidos se sobressaltaram atrás de si. Olhou de soslaio e viu seu assistente. Não deu tanta bola.
- General! - chamou, após se aproximar cansado.
- Já disse que prefiro não ser incomodado de manhã Kale.
Pra Zarbon já bastava ter compromissos a tarde inteira. Precisava de alguns minutos em paz também.
- Mas senhor,é importante.
- À menos que seja uma mensagem de Lorde Freeza, não me interessa.
Sem escolha, o assistente deixou os rodeios de lado.
- É a nave que transporta príncipe Vegeta. Sumiu da vista dos localizadores há nove horas!
E Zarbon parou de andar no mesmo instante, sentindo um arrepio.
- Como assim?! - virou-se bruscamente, de olhos arregalados,
- É o que a central quer descobrir. Venha comigo, senhor, por favor.
E o rapaz passou a ir na frente, na direção oposta a do saguão. Zarbon o seguiu, esquecendo plenamente de todos os seus compromissos diários.
Quando entraram no observatório da base, um holograma com coordenadas estava formado sobre a mesa.
- O que aconteceu?
O especialista de cor amarela e aspecto ossudo se prontificou para o general.
- A nave RBP2 está inativa há nove horas, senhor. Segundo os registros da central, a última vez que foi vista foi perto de Poláris. - mostrou o, até então, trajeto recente feito pelo holograma. - Não se sabe de mais nada além disso.
Zarbon cerrou os olhos, sentindo o peso da responsabilidade esmagando-o. Mas diante da própria ruína, ponderou e perguntou o que mais temia:
- Lorde Freeza foi noticiado? - se o Lorde soubesse, cabeças rolariam.
- Ainda não, senhor. O Lorde se encontra fora do mapeamento de império e está sem contato. Devemos fazer o possível para notificá-lo?
- Não. - Zarbon se apressou.
Pensou. A nave estava inativa a nove horas, mas não estaria fora dos radares. Seja lá o que tivesse acontecido, procurou ser positivo e tentar resolver antes que o lagarto soubesse.
- Mande tropas nas possíveis áreas de localização. Busquem em todos os planetas ao redor, se preciso. - deixou claro. - O prisioneiro é extremamente perigoso e não pode sair impune.
O especialista acenou, e manuseou seu teclado, buscando contato com aliados próximos. O assistente fitou o general, sem saber ao certo o que fazer. Por pouco tempo.
- Marque uma reunião em vídeo com Dodoria. - o homem esverdeado mandou.
O outro general devia estar por dentro das novidades, e precisava segurar a notícia o máximo que pudesse se quisesse viver por mais tempo.
A tarde seria longa...
(...)
O deserto de Immega esfriava durante a noite, podendo chegar até a uma temperatura de dez graus. Os habitantes do planeta evitavam aquelas áreas, até porque haviam muitos saqueadores. Mas apesar do perigo eminente, era o melhor lugar para se livrar de coisas. E era por isso que aquela nave se aproximava cada vez mais do chão, planando pelo céu do deserto.
- Ali. - Kakaroto apontou para um amontoado de luzes entre uma formação rochosa enorme.
O subúrbio de Immega.
Enquanto o rapaz orientava a moça sobre o local de pouso, Vegeta parecia satisfeito com a escolha do lugar. Assim como Bulma, ele tinha seus objetivos. Mas os dele eram mais acessíveis...
Bulma concentrou os propulsores no solo, para facilitar o pouso, e enfim a nave tocou o chão. Mas não era qualquer chão, era um tipo de oficina com plataformas. Ela desativou os comandos, e por fim, o motor. Se ergueu da poltrona e quando virou o rosto percebeu que era observada pelos dois homens. Sentiu-se perdida.
- Então... - a palavra foi direcionada a Kakaroto. Eles estavam ali, porque ele os colocou ali.
O rapaz acenou e foi o primeiro a descer assim que a rampa se abaixou completamente. A visão de um alien azulado e de turbante chamou a atenção de Bulma. Então os habitantes de Immega tinham aquela aparência. As antenas no queixo do ser a fez se lembrar muito de um caramujo. Será que eles eram de uma classe gastrópode? Kakaroto passou a se comunicar com ele. E Bulma ia descer para ouvir mas uma perna bloqueou seu caminho.
Ergueu a cabeça e viu o semblante entediado de Vegeta.
- Você é foda. - soltou irritada, tirando a adaga da bota.
Mexeu na amarra do tornozelo primeiro, sabendo que só estaria livre dele quando o libertasse.
- Eu queria ter te furado aquela hora no armazém. - revelou, encaixando a arma afiada na fenda de acesso do objeto.
Afinal, por que eles deviam forçar uma aliança agora? Não importava mais quando eles deixavam seus pensamentos expostos.
- Se tivesse conseguido, provavelmente estaria morta agora sem ter chance de revelar seu planinho bobo.
Ela o encarou nos olhos, como se estivesse pensando.
- Puxa, quase valeu a pena.
E Vegeta não pareceu aborrecido. Estendeu o pulso para a garota assim que ela terminou com o tornozelo.
Naquele momento os dois estavam tão concentrados em si mesmos que as ofensas e ironias começaram a ficar de lado. Graças a Deus, pensou Bulma.
Não demorou para que tirasse a do pulso.
Ela se ergueu no exato momento em que ele se ergueu, e eles acabaram se fitando calados por um instante. Nada os impedia de cometer uma atrocidade agora. Mas pela primeira vez Bulma não o temeu. Por mais que Vegeta fosse complexo, seria ridículo colocar tudo a perder por causa de um desejo idiota.
- O que acontece agora? - a moça não se privou.
- Achei que já tinha dado as opções. - a deu as costas, enfim, indo até a rampa.
Enquanto descia, Vegeta não deixou de sentir sua energia percorrendo por seu corpo. Enfim máxima e liberta. E era tão bom senti-la de novo que quase ficou de bom humor. Quase.
Bulma desceu logo atrás dele, o acompanhando.
- Kakaroto disse que seria melhor arrumar roupas novas. O que acha?
Não que a opinião dele importasse, mas Bulma queria ver como ele agiria, agora que não dependia mais dela. E não foi diferente.
- Foda-se.
Ela fechou os olhos e contou mentalmente.
Apesar da ingratidão do saiyajin, ela não se chateou. Sabia que seria assim desde o início, e tê-lo longe seria um alívio enorme.
Mas... pelo menos ele cumpriu sua parte, mesmo sendo louco. Ela acenou para ele.
- Tenta não morrer. - disse, e isso despertou ele, olhou-a bizarro. - Não é como se eu queira que você morra. Não sou como você. - justificou.
Ele cerrou os olhos, achando-a irritante demais. Mas é, eles ainda tinham contas para acertar.
- Você também.
Não demorou para que Vegeta se misturasse entre os cidadãos e vendedores ambulantes da rua. Ela focou os olhos nele, torcendo para que fosse a última vez que o visse... num misto estranho de melancolia. Talvez a solidão que havia passado na nave houvesse os unido de certa forma, e talvez ela fosse louca por achar isso. Mas não... ela não conseguiu odiá-lo de verdade, apesar de tudo.
- Bulma. - essa foi a voz de Kakaroto a despertando dos devaneios, e ela olhou para trás pra ver. - Aqui. - a chamava, em companhia do mercador.
Ela acenou, mas antes de ir de fato, olhou de novo em direção as ruas. Vegeta já havia sumido. Deu passos ligeiros até o saiyajin que ficara.
- Sim? - indagou assim que estava perto o bastante dos homens,
- Este é Sch-K, ele é dono de uma das melhores oficinas do subúrbio, e é conhecido por ser um bom comprador. - apresentava o habitante azul. - Digamos que ele já me tirou de enrascadas.
- Sou Bulma. - ela acenou para o alien, que devolveu. - Se é mesmo um bom comprador, imagino que queira bons motivos para comprar minha nave, não? - foi direta.
- Exato. - ela ouviu Sch-K falar pela primeira vez. A voz dele era mais fina do que achou que seria. - Mas se quer saber, não achei tão impressionante quanto Kakaroto disse. Devo ter pelo menos vinte modelos melhores por aqui.
- Bem, a carcaça é do melhor titânio da capital. - o saiyajin argumentou. - Com certeza poderia derreter e reutilizar.
- Então deviam ter procurado um ferro-velho.
Bulma encarou Kakaroto de soslaio, vendo que estavam ali a toa. Depressa colocou os neurônios para funcionarem.
- A nave pode não ser tão impressionante, senhor. Mas eu posso afirmar com certeza de que não existe motor e sistema de segurança melhores... - andou até a lateral da nave, chamando-os com a mão. - E mais barato.
O alien ergueu uma sobrancelha, como se o assunto estivesse melhorando.
- Ouvi dizer que existem muitos saqueadores por essas bandas. E como a maioria dos habitantes não tem tanto dinheiro... imagino que não tenha a melhor clientela do mundo. Não é mesmo?
- O que isso tem haver?
- Com o meu sistema de segurança acoplado diretamente no motor você vai conseguir vender suas aeronaves por um preço alto, com gasto baixo. E vai valer a pena.
Ela abriu a portinhola que dava acesso ao motor. Kakaroto e Sch-K visualizaram algo diferente do normal. Estava completamente modificado, preso a fios e com um software conectado direto ao painel de controle.
- Desenvolvi um sistema com comando de voz sem erros.
- Que novidade há nisso? Todas as naves de alto padrão possuem um sistema assim.
- Aí é que está! - ela insistiu. - Os comandos normais analisam um padrão de palavras, independente do ser... o meu analisa a voz, independente da palavra. - riu como se eles fossem estúpidos.
Kakaroto ergueu uma sobrancelha. Então aquele lance de “cápsula” foi só mais uma estratégia? E sua dúvida foi confirmada no instante em que Bulma começou a dizer várias palavras aleatórias para provar a Sch-K seu sistema.
Enquanto Bulma explicava satisfeita como os padrões eram avançados e o alien parecia maravilhado, o rapaz a analisava cautelosamente. Ninguém faria aquilo em pouco tempo e com materiais limitados. Certo que ele sempre achou que a moça fosse diferente das demais pessoas que conhecia... mas de repente, ela pareceu bem mais que o normal. Praticamente um prodígio...
Devia ter histórico, não era possível...
Ainda havia muito o que ambos precisavam saber sobre o outro.
E os olhares do saiyajin não passaram despercebidos pela garota, que apenas preferiu fingir não ser nada demais.
Uma hora depois, Sch-K praticamente a idolatrava.
Os negócios dele iam subir consideravelmente dali pra frente, e o melhor de tudo era que quaisquer direito sobre o sistema seriam dele, por mais difícil que fosse para qualquer um acreditar.
Kakaroto achou que foi um verdadeiro desperdício de oportunidades maiores, mas Bulma estava concentrada em achar sua família e apenas. Claro, o produto custou muito caro para o alien... mas aquele preço não era nada comparado aos lucros que ele teria dali pra frente.
O homem e a mulher seguiram então para os comércios mais populares. Cada um com uma gaiola nas mãos.
- Por que você trouxe todos esses animais? - questionou. - Pretende vendê-los também?
A azulada ergueu as sobrancelhas, como se fosse um absurdo.
- Claro que não!
A verdade é que nem ela sabia o que estava fazendo direito.
Há algumas horas atrás, seus planos incluíam somente a gata malhada. Mas sua compaixão apitou quando ela pensou no que aconteceria com aquelas espécimes se tivesse as deixado para trás. Ou seriam jogadas pelo espaço, ou morreriam de fome ou seriam comidas.
Ela repensou no trabalho que teria quando todas as gaiolas já estavam na nave e era tarde demais pra mudar de ideia. Mas de qualquer forma, não se sentia arrependida pelo feito. Assim como ela, eles eram o que havia sobrado da Terra. E ela precisava preservar isso.
Ia dar um jeito, sempre dava...
- Só se concentre em achar uma loja de roupas. - fez questão de interromper os pitacos do rapaz.
(…)
Vegeta cruzava uma região mais densa do subúrbio.
As ruas pareciam mais escuras, haviam trombadinhas para todos os lados, os bares e a pornografia dominavam as bandas e a pobreza daquele planeta imundo ficava mais evidente ali.
E por falar em evidencia, era justamente daquele jeito que Vegeta estava.
Era difícil ver pessoas daquele porte por ali. Ele era um bom alvo para vários interesseiros, por mais que fosse impossível para qualquer um tirar proveito dele. Tinha aparência e corpo atlético, saúde e virilidade, além de uma postura visivelmente rica.
Sempre que se aproximava de qualquer mendigo recebia um pedido de esmola. Rolou os olhos. O máximo que aqueles asquerosos mereciam era um safanão...
Aliás – continuou, quando as putas o olhavam com cobiça – um fim para suas vidas miseráveis.
Mas apesar de tudo, não estava lá à toa. Havia uma área restrita naquele lugar terrível, onde nenhum vagabundo, bêbado ou puta se atrevia a passar sem autorização.
O emblema dos Soldados da Galáxia estava pichado no prédio de quinze andares de maneira bem visível, pra que ninguém se metesse a besta de aparecer. Coisa que Vegeta não dava a mínima. Não precisava, afinal, conhecia Bojack de outros tempos...
Bastou dizer uma palavra-chave, e os dois brutamontes que cuidavam da entrada o deram espaço sem pestanejar.
No momento em que Vegeta cruzou o saguão destruído e em ruínas , cruzou diretamente com Zangya. A Hera-seijin esverdeada cruzou os braços no mesmo instante.
- O que faz aqui? - perguntou de forma seca mas surpresa - Não devia estar a caminho da forca há uma hora dessas? A insanidade fica cada dia mais estampada em seu rosto.
- Saia do meu caminho. - a jogou de lado, e ela se enfureceu. - Onde está Bojack? Temos assuntos a tratar.
- Por que quer saber? Por acaso quer a redenção do lagarto? - provocou. - Acho que ele não vai mais te querer depois de uma traição dessas.
- Cale a boca, vadia! - se irritou, dando um passo para a frente.
E antes que um assassinato acontecesse a voz de Bojack fez os dois seres o olharem.
Ele continuava como Vegeta se lembrava. Horrendo e cruel.
Os braços estavam postados atrás do corpo.
- Então não fugiu nem há um dia e essa superioridade continua implantada em seu ser. Você é realmente surpreendente, príncipe. - usou a antiga nomeação do saiyajin.
Vegeta cerrou os olhos para ele.
Bojack era tão temido quanto Freeza. Os dois disputavam o universo há anos, e ambos já haviam conseguido uma boa parte. Eram inimigos naturais, de raças que beiravam a divindade. Alguns anciões acreditavam que uma luta entre os dois seria capaz de causar um apocalipse.
Era uma intriga da qual costumavam achar não ter fim...
- Me acompanhe. - chamou, interessado na aparição daquele saiyajin caçado.
Vegeta o acompanhou, assim como Zangya, mas esta foi impedida por Bojack apenas com um olhar. Ela voltou a se irritar.
Quando as portas atrás de Vegeta se fecharam, o homem alto e esverdeado se sentou em um tipo de trono. Vegeta soltou um “tsc” despercebido.
- Eu soube que fugiu quase imediatamente. - se serviu com uma bebida.- Fui comunicado antes de Freeza aparentemente. Devo me sentir privilegiado? - ironizou.
- As noticias voam neste universo traiçoeiro. - disse cruzando os braços, em sua típica pose. - Mas foi mais fácil do que pensei.
- Só me diga: Como?
O saiyajin não vacilou em nenhum instante.
- Eu tenho meus meios, assim como você os seus.
Bojack sorriu de canto e deu o primeiro gole.
- E agora veio correndo até mim com o rabo entre as pernas para pedir ajuda?
- Não me humilharia a tal ponto. Estou por outro motivo. Você me deve.
E isso foi uma surpresa. Bojack desfez a expressão de vantagem para a de tédio. Detestava espertalhões...
Vegeta continuou por conta própria.
- Não cobrei por meus serviços de espionagem e desvio de prismas.- foi claro.- Até porque jurou à mim a forma de retribuição que eu quisesse.
E o soberano galático foi recordando aos poucos.
Há dez anos, quando Vegeta ainda estava no começo da carreira militar cumpriu favores para os Soldados da Galáxia, expondo detalhes sobre as próximas batalhas entre eles e o império do lagarto, além de beneficiar o exército inimigo com dinheiro público de Vegeta-sei. Simplesmente porque ele era esperto, e sabia que precisava de mais aliados além de Freeza...
E fora uma boa jogada. A tal retribuição que ele prometeu nunca foi cobrada por Vegeta, até aquele dia. O saiyajin era um maldito mesmo.
- … Me disseram que é famoso por cumprir com sua palavra. - Vegeta prosseguiu, manipulando-o. - Espero que seja mesmo verdade.
O ser rolou os olhos. Porque era verdade.
- O que quer? - questionou por fim.
(…)
O logotipo da loja Immegiana era estampado na porta de cada vestiário.
Bulma terminava de se trocar com custo. Se sentia suja, cansada e tudo o que mais gostaria era de um belo banho. Mas infelizmente não tinha condições de se dar aquele luxo. As peças grudavam na pele graças ao suor, e aquela devia ser a pior sensação do mundo. Jogou o velho macacão cinza numa lata de lixo próxima e terminou de amarrar a túnica branca nas costas.
Para finalizar, cobriu a cabeça e o rosto com um lenço, preferindo aquilo ao invés do turbante exagerado que a maioria dos cidadãos usavam.
O traje não era lá tão bonito, mas lhe caía bem, como quase tudo. Ao menos ia poder se misturar...
Voltou para a frente da loja, onde Kakaroto a esperava se olhando num espelho.
Os trajes dele se assemelhavam aos seus, com exceção da escolha das cores.
- Quase dez mil prismas... - comentava. - Para me deixarem igual a um peregrino.
O rapaz tocou na barra da túnica, e ergueu, sentindo-se ridículo.
A moça esqueceu de seus tormentos por alguns segundos e soltou um riso abafado. A risada foi um alívio pro saiyajin. Talvez o iceberg que os dividia tivesse diminuído alguns centímetros...
Se aproximou dela com calma, enquanto ela se preparava para dizer algo.
- Bem... - voltou a realidade. - Ficar neste planeta está fora de questão. Não duvido que existam soldados à nossa procura agora...
- Com certeza. - acenou. Até então, ele estava evitando pensar nas consequências de uma fuga.
- Eu devo comprar outra nave? - questionou, parecendo confusa.
- Seria perda de tempo pra você. Não conhece o mapa deste sistema.
Kakaroto se curvou para pegar as gaiolas que estava carregando anteriormente, e tomou a frente do caminho. A garota só o seguiu, pensando em qual decisão devia tomar.
E de repente uma nave grande e estrondosa passou por cima da cabeça de todos, e isso fez o coração de Bulma disparar. Os soldados estavam mais perto do que ela imaginara?
Mas a expressão serena no rosto das pessoas a apaziguou aos poucos. Ela nem notou o olhar de interesse que Kakaroto lançou a aeronave.
- Espere aí. - a chamou depois.- Agora que estamos camuflados, pegar um aerocoletivo seria a melhor opção.
- Aero-o quê? - ela ergueu as sobrancelhas.
- Aerocoletivo. Um serviço interplanetário de transporte. - explicou. - Não é caro, e pode nos levar para longe daqui sem chamar atenção. Posso subornar um dos guardas pra não pedirem documentos...
- Okay. Mas qual seria o destino? - foi realista. - Ficar pulando de planeta em planeta não me parece uma solução permanente. Se trata de sorte.
- Tem alguma ideia melhor? - Bulma se calou subitamente com a pergunta. E depois de um período em silêncio, Kakaroto concluiu. - É... foi o que pensei.
Ela bufou e continuou o seguindo, mas não sem antes deixar claro:
- Eu não vou viver isso pra sempre, entendeu? Tenho planos,
. O homem ficou pensativo mas não disse nada, seguiu o fluxo de pessoas.
Há dois quadrantes estava o aeroporto. O som de naves pousando era constante, e muitas pessoas trafegavam por lá. Ela se admirou por um subúrbio ter tantas coisas. Quando cruzaram a entrada, Bulma percebeu o olhar de alguns daqueles aliens sobre suas gaiolas e ficou mais esperta.
- O painel de voo mostra apenas duas viagens disponíveis. - Kakaroto falou, cutucando-a de leve com o cotovelo. - Uma nave sai pra Capital daqui há duas horas.
- Está fora de questão. - disse depressa.
- Então nos sobra apenas uma Passagem de ida para Ludo. Os outros voos estarão disponíveis amanhã.
- Não sei se posso esperar até amanhã...
Kakaroto coçou a cabeça, erguendo as sobrancelhas.
- Hum, Ludo não é um planeta tão interessante.
- Não é pra ser interessante! É pra ser seguro! - se exaltou.
- É... - o rapaz suspirou. - Mas se quer saber as casas são mal estruturadas e eles tem um problema sério com a religião. O planeta só virou aliado do império porque tinha minérios ricos e Freeza fez de lá uma de suas colônias de escravos. Ah é, “devotos”. - se corrigiu com sarcasmo. - Pra resumir, é um planeta muito rígido, onde colocam suas leis e religião lado a lado. Não sei se seriamos capaz de sair.
A garota bufou e precisou se sentar em um dos bancos de espera. Apoiou as mãos no rosto e começou a pensar. Kakaroto a observou calado, e decidiu falar de uma vez.
- Não dependemos um do outro agora Bulma. - isso a fez olhá-lo, cerrando as sobrancelhas. - Sabe que está livre pra ir aonde quiser independente do que eu achar.
- Vá se foder Kakaroto! - se ergueu brusca de repente. - Por mais que eu quisesse muito não depender de você agora, não consigo. Eu não faço ideia do que fazer porque não conheço esse lugar!
O surto repentino o fez se sobressaltar.
- Então não diga isso outra vez. Por enquanto, preciso de você. E você disse que ia ajudar...
Ela se acalmou aos poucos, e logo voltou a se sentar. O clima foi esfriando. O saiyajin se sentou ao lado dela depois, após um minuto de silêncio. Mas não para reclamar como ela imaginou. Para perguntar.
Perguntar aliás,o que sempre esteve presente em seus pensamentos no instante em que a conheceu.
- Bulma, preciso que seja sincera comigo. - a seriedade na voz dele a fez sentir certa pressão. - Quem é você afinal?
Ela cerrou o punho. Ele precisava fazer aquela pergunta justamente naquela hora?
- E não adianta inventar mais mentiras. Acho que já mentimos o bastante. - prosseguiu. - Sei que não é como os outros humanos. Ninguém faz o que você faz em tão pouco tempo. Por isso, se tiver que falar qualquer coisa, fale agora.
O silêncio sepulcral voltou, e o saiyajin suspirou. Ele tinha certeza que ela estava escondendo algo. E não perguntava por mera curiosidade. Se ela o dissesse algo importante, talvez ele conseguisse arrumar uma alternativa melhor sobre os problemas e os dominasse. Era assim que fazia ás coisas... ela só precisava facilitar. O que, com certeza, Bulma não estava afim.
- Quem é você pra querer saber sobre mim? Se olhe no espelho. Você é um dos mistérios que eu ainda não consegui decifrar Kakaroto. Isso é injusto! - ela cruzou os braços, se irritando com o rumo da conversa.
- Então é assim? - ele questionou, e ela não respondeu. Foi a vez dele de se exaltar. - Ótimo Bulma! Quer saber mais sobre a chata e insignificante história da minha vida?!
Sim, ela queria muito. Mas não daquele jeito.
-Nasci com baixo poder de luta. E crianças fracas são uma desonra. Quase fui mandado pra um planeta inferior, mas graças a carreira militar e influência de meu pai eu tive uma chance de ficar pra mostrar meu potencial e valor. O que certamente não aconteceu. - dizia cheio de ódio e ao mesmo tempo, angústia- E o resto só piora.
Bulma desviou o olhar. Não queria entrar em conflito com o saiyjin. Ela precisava mesmo dele...
- Acho que finalmente sei porquê me arrisquei tanto com você. - parecia menos confuso- Porque não tenho nada a perder.
Ele deu um último suspiro e depositou as gaiolas ao lado de Bulma decidido em não pegá-las mais. Se ergueu e deu um passo para frente, pouco se importando com o que aconteceria consigo dali pra frente
Mas foi impedido pela mão dela. Notou que ela segurava o tecido de sua túnica. Voltou-se novamente, interessado em obter finalmente uma resposta verdadeira. E ela parecia apática e insegura.
- Certo. Eu digo tudo o que quiser saber. - a garganta estava mais seca do que nunca..
Kakaroto passou a ouvi-la com atenção.
- Eu me chamo Bulma Briefs.
Apenas a menção do “Briefs” fez os olhos de Kakaroto se arregalarem.
- Briefs?! O cientista? - interrompeu a narrativa da garota. E a súbita expressão de surpresa e preocupação dela deixou a resposta clara.
- Você sabe sobre ele? Onde está? - a esperança continuava equilibrada. - É possível encontrá-lo?
Mas o rapaz parecia distante. A notificação sobre a fuga de Tights Briefs preencheu seus pensamentos imediatamente.
- Por favor, diga qualquer coisa! - a voz dela falhou, em aflição. Demorou até que Kakaroto reorganizasse os pensamentos.
- Pra início de conversa, Freeza tomou seu planeta interessado em transformá-lo em mais uma de suas colônias. Tem o ambiente necessário.
- O que tem haver?! - ela contorceu o rosto, ficando sem paciência.
- E quando existe algo de muito valor no planeta, ele reaproveita pro próprio lucro. - explicou, e ela foi entendendo. - A invasão já estava planejada há meses. Freeza tem o costume de infiltrar soldados nos planetas que deseja pra pesquisar o terreno... a fama das cápsulas foi percebida de primeira, e isso o interessou.
A cada palavra o coração de Bulma parecia se comprimir mais.
- Ele tinha como objetivo sequestrar o Briefs e comercializar as cápsulas pelo império. Até agora tem dado certo, muitas são distribuídas em planetas oficiais...
- Como assim Kakaroto?! - ela o puxou pela gola. - De onde as cápsulas são emitidas?
- Eu não sei. Esses detalhes não contam. - ele a afastou. - Ele provavelmente ainda está vivo.
- Provavelmente?!
- E tem mais... existe uma notificação a respeito de Tights Briefs circulando pelo universo, com direito a recompensa. Ela estava na capital, mas de alguma forma, fugiu.
E a garota parou de raciocinar aí. Parecia que ia explodir. Colocou a mão na cabeça, mas estava começando a se desestabilizar com as novas informações.
- O que mais dizia? Por que ela estava na capital?
- Eu não lembro. Já fazem meses desde que recebi. Até então ela continuava sumida...
- Você consegue ter acesso a notificação de novo?
- Não dá! Eu sou um desertor agora!
As ideias em sua cabeça foram ficando confusas, e ela não conseguia mais pensar numa solução. Encontrar sua família seria mais difícil do que achou... esfregou o rosto, tentando manter o controle da sanidade com dificuldade.
- Não existe nenhuma possibilidade mesmo?
- Há menos que eu fosse na própria central na capital, não! - disse o irrefutável.
Bulma cerrou as sobrancelhas e sem pensar duas vezes, tomou uma decisão arriscada.
- Então, é pra lá que vamos.
- O quê? - o homem se sobressaltou. - Ficou maluca?! Seria suicídio!
- Eu sei. Não dou a mínima.
- Bulma! Seja sensata! Depois de tanto sacrifício, você decide voltar para o mesmo destino?! Por causa de uma notificação que não apresenta nenhuma certeza?!
- Sim! Por qualquer membro da minha família, com certeza! - falou mais séria do que nunca. - E se eu for morrer por causa disso, ótimo. Pelo menos tentei! Você não faria o mesmo por Raditz?
Kakaroto se calou, a fitando irritado.
No caso dele, era sempre o contrário. Raditz ia atrás dele. Mas não significava que ele não se arriscasse ao mesmo nível pelo irmão...
- Você é doida! - declarou por fim.
E quando o saiyajin se abaixou pela terceira vez para pegar as gaiolas, a moça teve certeza de que ele estava de acordo. Acenou, e eles foram comprar os bilhetes.
Depois de sair do buraco, era como se ela estivesse se jogando nele de novo. Mas não importava.
Não ficou arrependida em nenhum instante...
E do outro lado daquele mesmo subúrbio uma nave camuflada decolava rumo ao espaço novamente.
No trajeto, o mesmo destino do da garota de cabelos azuis, por ironia, por mais que na hora ainda não fizesse ideia.
Vegeta bufou, preparando-se para voltar para o inferno.
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