Naquela noite, Baekhyun só conseguiu dormir depois que sua mãe veio ao seu quarto, com uma poção do sono que ela costumava dar a ele e seu irmão quando ficavam doentes. Quando acordou no dia seguinte, não queria sequer levantar. Não compareceu para o café da manhã, as criadas já tinham feito suas malas com todos os seus pertences e agora ele só precisava esperar para ir embora.
Baekhyun tinha quinze anos quando foi informado sobre a decisão de seu pai. Este sequer quis ouvir o que o garoto tinha a dizer, não se importava se o faria feliz ou não aquela decisão. O pequeno príncipe não entendia o porque daquilo tudo. Os Alados, por serem seres que voam, andam, nadam, e tem sangue mágico - mais conhecido como o sangue azul diante os outros reinos – eram a maior potência mundial, sendo donos das maiores riquezas até então descobertas no mundo, e dos maiores e mais fortes exércitos. Seu reino não precisava de “ajuda”, como seu pai lhe disse. Essa aliança era sem sentido para sua cabecinha jovem que sequer pensava em namorar, quem dirá casar!
Desde aquele dia, então, o príncipe passou a pesquisar mais sobre os Caninos. Cada livro que lia, cada conto que ouvia, cada vez mas achava aquele povo repugnante, e seu coraçãozinho doía sempre que se lembrava que teria de viver no meio daquilo, sem opção de escolha. Não se imaginava no meio de brutos e bárbaros, que se batiam por prazer e caçavam com os dentes os próprios alimentos. Não se imaginava sendo progenitor de filhos desses animais.
No seu aniversário de dezesseis anos, sua mãe lhe deu um colar de ouro, com um pingente de par de asas enfeitado com diamantes.
“- Você sabe que independente de tudo, eu sempre estarei com você. Não sabe?”
Foram suas palavras ao lhe entregar a jóia. Sentiria tanta falta de sua mãe. Tocou o colar que adornava seu pescoço, suspirando com medo. Não estava preparado para o que ia viver, mas ninguém poderia viver por ele. Ele teria de ir lá, a mares de distância, viver no meio de um povo que não conhecia e servir as ordens de um homem que jurou tornar sua vida um inferno. E ninguém poderia fazer aquilo por ele.
- Posso entrar? – estava tão absorto em seus pensamentos que nem viu sua mãe abrir a porta de seu quarto. Assentiu lentamente, com as mãos ainda em seu colar.
Sua mãe se aproximou, sentando ao seu lado na cama. Tocou os cabelos do filho, num afago carinhoso e em seguida lhe deixou um beijo no topo da cabeça.
- Não se preocupe, querido. Tudo vai ficar bem. – ela tentou, mas o príncipe já não era bobo.
- Você não estava lá ontem, mamãe. – ele disse baixo, tocando as mãos da senhora que lhe deu a vida – Não viu como ele olhou em meus olhos e prometeu me infernizar. Ele tinha tanto ódio dentro dele… - Baekhyun não conseguia conter as lágrimas, todas as vezes que pensava naquilo.
- Não chore meu amor. Se eu pudesse, iria em seu lugar. – sua mãe o abraçou apertado, embalando como um bebê frágil, que naquela situação, era o que Baekhyun era.
- Ele dizia tais palavras como se eu tivesse culpa… Eu… - os soluços não o deixavam falar com coerência – Eu jamais tive escolha!.. Como ele… Como ele pode fazer isso comigo?! – e de repente, as lágrimas se tornaram incessantes. Sua mãe já não sabia como reagir, pois se continuasse consolando o filho daquela forma, o tornaria fraco.
- Meu filho, olhe. – ela o afastou levemente pelos ombros, vendo as íris claras rodeadas por vermelho, consequência do choro descontrolado – Você não pode desistir. Faça ele ver que você vale a pena! Se esforce e seja uma boa esposa como ele quer, e então tudo será mais fácil…
Baekhyun se levantou de imediato, olhando confuso para sua mãe. A olhava com estranheza, depois de ouvir tais palavras.
- Mamãe, a senhora não entende que ele não me quer porque sou homem?! – sua voz estava levemente alterada – Imagine as atrocidades que vou passar nas mãos desse monstro, esse, esse… - seu coração se acelerou, colocou as mãos sob os cabelos, puxando devagar os fios brancos – Esse animal! É isso que ele é! Um cachorro nojento que me odeia!
O príncipe havia perdido o controle que tinha. Iria embora em algumas horas e sua ficha estava caindo. Estava indo para o inferno, e não tinha como evitar! Não tinha como fugir, nem como pedir socorro! A única pessoa que o poderia salvar, estava entregando ele de mãos beijadas aos lobos.
Sua mãe se levantou para tentar lhe dar mais algum consolo, mas batidas na porta chamaram sua atenção.
- Com licença, Vossa Alteza? – era um criado, pedindo permissão para entrar, essa que a rainha concedeu. – Está na hora de partir, seu rei espera no salão principal.
O pequeno príncipe olhou para sua mãe de olhos arregalados. Iam sair quando o sol estivesse mais alto no céu, isso estava errado.
- Mamãe?
- Eu não sei, eu juro. Não sei o que aconteceu. – a rainha se aproximou, segurando em sua mão – Querido, eu te amo. Muito. E espero realmente que você consiga ser feliz de alguma forma.
Os olhos do príncipe continuavam cheios de lágrimas. O semblante do choro não abandonaria sua face tão cedo. Deixou mais uma lágrima cair quando disse a sua mãe o quanto a amava, e jurou a ela que seria feliz – por ela.
[…]
Descendo até o salão principal, Baekhyun vestia um manto branco feito de pele de urso, presente de seu irmão mais velho. Nas terras dos Caninos, fazia um frio extremo a noite, mas não os incomodava graças ao corpo quente herdado de sua maldição. Todos estavam lá quando chegou; seu pai, seu irmão, seu futuro marido e seus futuros sogros. Ainda não conseguia acreditar que seu pai teve a coragem de o vender como uma moeda de troca.
Foi ao encontro de seu irmão mais velho, lhe dando um abraço apertado, derrubando algumas lágrimas ardidas.
- Até a próxima, Coelhinho. – ele sussurrou em seu ouvido. Baekhyun sorriu, não sabia quando seria a próxima, nem mesmo se ela existiria. Ficava feliz em pensar que seu irmão poderia escolher quem quisesse para casar e viver naquele castelo até o fim de seu reinado. Isso era sangue para bombear o seu coração.
O pequeno príncipe não fez questão alguma de se despedir de seu pai. Sequer olhou em seu rosto. Apenas saiu pela porta do salão principal, esperando os brutos para que pudessem partir.
Já no convés, Baekhyun não havia dito mais nenhuma palavra sequer. Apenas seguia eles em silêncio, somente respondendo perguntas com um acenar de cabeça. Já tinha estudado o suficiente pra saber que aquilo era gás para irritar os lobos, mas também estudou sobre a realeza deles. Ele também sabia que não podiam fazer nada com ele, apenas se seu rei permitisse.
Aquela hierarquia velha na qual eles viviam, não permitia as mulheres lugar de fala. Era tudo perante as ordens do rei. Sim ou não, ele quem devia dizer. E para o seu alívio, o seu futuro marido não soltou um som sequer desde que se sentou ao seu lado.
Uma coisa que não dizia nos livros sobre os lobos, era que fediam. Talvez não de longe, mas quando muito perto, cheiravam a cachorro. Isso só tornava a situação cada vez pior.
A viagem de barco, que duraria mais alguns dias, o fez querer morrer. Cada dia que se passava, Baekhyun pensava na morte como uma amiga, uma solução. Ele se deitava todos os dias naquela cama estreita e pensava em se levantar e se jogar pelo convés. Quem sabe os Escamados não o encontram e acabam com sua vida? Ou talvez ele só afunde no mar até que não consiga mais respirar. A verdade é que não tinha coragem, nem sequer de levantar. Mal se lembrava de sua última refeição, mas não sentia vontade de comer. Queria voltar para casa, e sempre que pensava nisso chorava.
Era insuportável sentir essa dor em seu coração.
No quinto dia de viagem, ainda sem comer, vivendo na base de água e de choro, Baekhyun experimentou o começo do que seria seu inferno. Estava deitado virado para a parede, uma empregada do barco havia deixado seu jantar a pouco tempo, e como sempre ele nem tocou. A porta de seu quarto foi aberta com brutalidade, e nem com o susto conseguiu se virar a tempo para checar; seu braço direito foi puxado com força, o virando abruptamente até que ficasse sentado. Em sua frente estava seu futuro marido, com os olhos vermelhos em fúria, como a noite em que havia lhe amaldiçoado. Agora segurava seus dois braços com tanta força, que não conseguia ao menos chorar de medo.
- Se você continuar choramingando desse jeito, eu juro que mato você! – ele chacoalhava o corpo pequeno pelos braços, enquanto gritava sem pudor em seu rosto.
- Então me mate. – Baekhyun disse imediatamente, num fio de voz desesperado. O seu futuro marido, largou seu corpo no colchão sem carinho algum, se virando de costas com as mãos na cintura. Estava respirando fundo, talvez realmente pensando em matá-lo – Me mate! Por favor, eu imploro! – O pequeno príncipe desceu da cama, em um ato de desespero. Se ajoelhou sob os pés de seu futuro marido, voltando a chorar. Suas mãos juntas em uma súplica, a boca seca pedindo um socorro silencioso. – Por favor, você não quer isso também! Faça isso, essa é sua oportunidade, eu até escrevo uma carta dizendo que eu quem fiz!
Os olhos chorosos de Baekhyun e sua súplica desesperada apenas fizeram Chanyeol rir. Ele riu, gargalhou, se afastando do corpo pequeno e frágil no chão.
- Não posso fazer isso nem se eu quisesse. Preciso de você vivo para me tornar rei. – ele riu mais uma vez, como se a situação que acabou de presenciar fosse uma piada. Chanyeol ia saindo do quarto quando se virou para falar uma última vez – E faça o favor de se alimentar. Pare com essa choradeira, se não a água que você toma não vai render.
- Eu me nego a comer. – Baekhyun não quis esperar o seu futuro marido terminar qualquer frase para se pronunciar. Ele pôde ver a raiva crescendo dentro do corpo grande, as veias do pescoço se saltando, como se realmente fosse explodir.
- Que se dane! Morra de fome então! Mas saiba que eu não vou facilitar sua morte. Nem que eu tenha que vir socar a comida em sua garganta e te faça engolir, só para que você sobreviva um pouco mais. – a voz grossa saia entre os dentes, demonstrando o quão nervoso estava. Antes de realmente sair, Chanyeol voltou uma última vez para dizer: - E pare de ficar resmungando feito um bebê. – bateu a porta e se foi.
Baekhyun gritou. Gritou tão alto que sua garganta doía. Em um surto de raiva, jogou tudo no chão; sua comida, as roupas de cama, os enfeites daquele quarto de barco horroroso que ele odiava. Ele sentia falta de sua vida. Sentia falta de cuidar do jardim e de seus animais. Naquele dia em especial, ele estaria ensinando os filhotes de dragão a acender fogueiras. Essa era sua função, já que não tinha suas asas. Geralmente elas nasciam aos treze anos, mas as de Baekhyun não vieram. O mago mais antigo do castelo, disse que se até os quinze não nascessem, elas não nasceriam nunca mais. E então ele se tornou um Alado sem a capacidade de voar.
O pequeno príncipe, sozinho, cansado, triste, decidiu sair de seu quarto pela primeira vez desde que entrou naquele barco. Ele andou descalço durante a noite silenciosa, por todo aquele convés vazio. Respirou fundo o ar fresco do mar, o cheiro típico de água salgada, vendo como tudo era iluminado pela lua. Era lindo.
Se estivesse em qualquer outra situação, ele sorriria e cantaria. Mas não queria cantar. Queria sumir. Andou até a ponta do convés, vendo de perto as ondas baterem com força na barriga do barco, se quebrando. Ele respirou fundo mais uma vez, e em seu pensamento, pediu perdão a sua mãe. Infelizmente, durante aqueles dias de viagem, teve certeza de que não seria feliz. Me desculpa mãe, por não conseguir cumprir uma promessa.
Subiu até a ponta da proa, abrindo os braços. Não ia contar até três e nem pensar muito. Seu corpo estava indo em direção a água, caindo pesado contra o vento… quando um par de mãos segurou firme em sua barriga, o puxando de volta.
Baekhyun não abriu os olhos para começar a se debater, imaginava em sua mente que era aquele infeliz, que queria o deixar mais infeliz do que ele, tentando torturá-lo com o desprazer da vida.
- Seu monstro, me solte, eu não quero mais, por favor, me solte! – ele suplicava, mas de nada adiantava.
- Ei! – aquela voz. Não era a voz de seu futuro marido. Reconheceria a voz grosseira até mesmo de longe. Abriu os olhos e se deparou com um rapaz ruivo, o segurando com força contra o próprio corpo. Mesmo sob a luz da lua, pode ver como seus olhos eram amarelados. Ele era um deles. – O que estava fazendo na ponta? Você quer morrer?
O príncipe sentiu os olhos marejarem mais uma vez, concordando com a cabeça. O rosto confuso do rapaz a sua frente, lhe dava ainda mais desânimo. Coitado, mal sabia o que acontecia e agora viu uma pessoa tentando tirar a própria vida. Ele só não esperava aquele abraço. Apertado e caloroso, o vento frio que vinha do mar se dissipou quando os braços grandes se entornaram em seu corpo. Baekhyun nada fez além de se aconchegar na curva daquele abraço, e deixar que seu corpo cansado se desmoronasse. Chorou tanto quanto uma criança. Quando finalmente se acalmou, não tinha coragem para encarar o rapaz que achou estar salvando sua vida. Continuou ali, escondido nos braços de um desconhecido.
- O que te fez querer morrer? – ele perguntou ao príncipe, depois de um longo tempo em silêncio.
Baekhyun pensou por um tempo antes de responder. Não sabia se deveria lhe contar toda a história, ou somente ficar em silêncio. Mas de uma forma ou de outra, devia uma resposta a ele.
- Você não entenderia. – começou, naquele fio de voz – São tantas coisas ruins acontecendo ao mesmo tempo, que não compensa você parar para ouvir. – o rapaz que não conhecia, decidiu afastar seu corpo, apenas para lhe olhar nos olhos. Passou o polegar por sua bochecha molhada, e mesmo no breu, pode ver seu sorriso carinhoso.
- Nenhuma tristeza dessa terra deveria valer a sua vida. É algo tão sagrado e especial que os deuses decidiram entregar especialmente a você. Não jogue fora. – sua voz parecia tão suave que soava como poesia. Pela primeira vez, Baekhyun não teve tanto medo. – Eu acabei de fazer uma sopa de cogumelos, você gosta? – o príncipe não pôde fazer mais nada além de acenar.
Mesmo que não estivesse comendo por não estar com fome, Baekhyun devorou duas tigelas de sopa. Bebeu do vinho do rapaz, coisa que nunca faria se estivesse em sua terra, e deu boas risadas com ele antes de se deitar em sua cama para dormir. Não pensou em nenhum perigo quando pegou no sono. Havia sentido tanta segurança com o garoto ruivo; que sonhou. Sonhou com um desconhecido.
[…]
- Ele está dormindo. Comeu duas tigelas de sopa e bebeu do vinho.
- Está bom. Continue assim e será bem recompensado. – Chanyeol sorriu amarelo para seu criado, mandando que ele voltasse ao quarto.
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