Capítulo 24
Fogo contra fogo
ANNE
Anne olhou o relógio que estava na parede da sala de aula, e contou os segundos para aquela aula terminar. Normalmente adorava a Srta Stacy, e os assuntos abordados por ela eram sempre muito interessantes e estimulavam-na a estudar cada vez mais, tornando-a a melhor aluna da sala, isto é, a segunda melhor, pois acabava sempre perdendo para Gilbert, mas este era um detalhe que não a incomodava mais. Na verdade, se sentia orgulhosa, pois o menino além de se destacar nos estudos era de longe a melhor pessoa que Anne conhecia. Observava-o todo o tempo quando estavam juntos, e Gilbert nunca perdia uma oportunidade de ajudar alguém, fosse durante as aulas quando um colega não compreendia determinado conteúdo, ou quando alguém se machucava nos intervalos durante algum jogo ou brincadeira, ou mesmo na rua quando encontrava uma pessoa em apuros, lá estava Gilbert oferecendo sua dedicação e tempo para quem quer que precisasse.Sendo tão bonito, charmoso e inteligente, poder-se ia imaginar que a arrogância seria uma das características de sua personalidade, mas a verdade era que não existia em Gilbert Blythe uma gota de soberba, sua simplicidade e simpatia conquistavam todo mundo no primeiro segundo que o conheciam, por isso, havia tantas garotas que se derretiam por ele,só que havia uma vantagem para Anne que nenhuma delas tinha, Gilbert Blythe era dela e de mais ninguém.
A campainha sinalizando o final da aula arrancou Anne de seu pequeno momento de distração, fazendo-a respirar aliviada. Aquela terrível aula de Geometria terminara afinal, e ela poderia finalmente ir para casa em companhia de Gilbert e Diana.
- Nossa Anne. Essa sua cara de satisfação não esconde sua aversão por Geometria. - Diana comentou.
- Dei tanto na cara assim, é? Bem Diana, não é segredo para ninguém que essa matéria é meu único infortúnio nesta escola. O que me faz pensar se algum dia, talvez em um futuro distante, eu vá conseguir entender esta matéria. - Anne disse consternada.
- Já te disse, Anne, que posso te dar aulas de reforço, se quiser. Você é tão inteligente que vai aprender em um segundo. - Gilbert disse tocando na ponta do nariz de Anne.
- Gilbert, você é o melhor professor que conheço, depois da Srta. Stacy, mas não me faria aprender esta matéria nem com todo o esforço do mundo. Acabei de concluir que minha inteligência e Geometria não são compatíveis, então, vamos esquecer esse assunto e voltar para casa.
Foram até os seus respectivos armários, pegaram seus materiais e se encaminharam para o portão de saída da escola. No caminho, Anne esbarrou em Josie Pye que a olhou com raiva, mas não disse nada, pois agora agia assim todo o tempo. Desde que Ruby sumira da escola, e Anne desconfiava que não voltaria tão cedo, Josie parecia que culpava a ruivinha pela ausência da amiga.
Anne se preocupava com Ruby, mas ultimamente tinha o cuidado de não dizê-lo em voz alta para não aborrecer Diana ou Gilbert, pois sabia que se imaginassem que ela ainda pensava na menina, iriam despejar em cima dela milhões de sermões e conselhos, por esta razão, ficar calada era a melhor solução naquele caso.
O aniversário de Diana seria naquele fim de semana e a amiga pedira sua ajuda para ajudá-la com os enfeites da festa, pois Anne tinha grande habilidade com laços e fitas. Assim, durante toda aquela semana ambas as amigas trabalharam durantes horas na decoração que seria utilizada na festa. E não foi diferente naquela tarde. Logo após ter chegado em casa depois da escola, fez primeiro seus deveres e tarefas domésticas habituais e partira para a casa de Diana.
Quase tudo já estava pronto, faltavam apenas alguns detalhes para serem finalizados, já que a amiga não quisera uma brande festa, preferindo uma pequena reunião em sua casa mesmo, sem pompa ou sofisticação. Sua mãe protestara por dias a fio, mas Diana não cedera. Sabia que se deixasse os preparativos por conta da mãe, ela convidaria toda Avonlea para a ocasião, e naquele ano Diana não estava disposta a comemorar seu aniversário em meio a rostos desconhecidos que nunca vira na vida. Queria seus amigos por perto, queria se sentir amada e feliz, e se sua mãe não quisesse aceitar isso, o problema seria só dela.
Anne estava terminando o último laço que colocariam como enfeite nas mesas, quando perguntou a Diana:
- E como ficou sua lista de convidados?
- Bem, além de você, Gilbert e Muddy, convidei algumas amigas da igreja, e o Jerry é claro. Deixei a lista de parentes para minha mãe, Se eu a fizesse, mamãe me faria checar mil vezes os nomes dos convidados somente para se certificar que não me esqueci de ninguém. - Diana disse com ironia.
- Você convidou a Ruby?- Anne teve o cuidado de perguntar.
- Minha mãe me obrigou a convidá-la, pois disse que nossas famílias se conhecem há muito tempo, e não ficaria bem se a deixasse fora da minha lista de convidados, mas não creio que ela venha, depois de tudo que aconteceu seria muita cara de pau dela aparecer para o meu aniversário. – Diana deu o assunto por encerrado, e Anne entendeu que aquele era um sinal para não tocar mais no assunto.
- Você e Gilbert parecem estar bem, depois que o mal-entendido sobre Munisse se resolveu. – Anne tinha contado a Diana toda a história.
- Sim. Gilbert não tocou mais neste assunto que parece ter sido superado por ele completamente. Mas eu ainda me sinto constrangida pela maneira como agi.
- Eu não entendo Anne. Desde que você e o Gilbert começaram a namorar, ele sequer deu um passo em falso no relacionamento de vocês, então, por que a desconfiança?- Diana olhou interrogativamente para a amiga.
- Eu não sei como explicar. Eu não duvido que Gilbert me ame, pois como poderia? Ele tem sido o melhor namorado do mundo. Mas existe em mim uma parte obscura que algumas vezes se manifesta e me faz agir impensadamente. É como se todos os temores do passado ressurgissem e me arrastassem com eles de volta à minha infelicidade de antes. Juro que tento fugir disso, mas não sei por que tenho que arruinar tudo. - Anne baixou os olhos como se as lembranças pesassem demais em sua alma, fazendo-a esmorecer.
- Anne, sei que não foi fácil para você vir para essa cidade, ser aceita e começar uma vida nova em uma família nova, mas você conquistou seu espaço como se sempre tivesse vivido aqui. Por que cultivar espinhos se você pode colher flores? Deixe o passado par trás, veja o quanto você é forte, e quantas coisas conquistou. Você até namora o garoto mais cobiçado da cidade que atravessaria o deserto por você se você pedisse. Para que se negar o prazer de viver a vida com tudo o que você merece?
- Vou tentar me lembrar disso na próxima vez em que o bichinho do ciúme me morder novamente. – Anne disse brincando, e logo depois perguntou:
- Você tem tido notícias de Cole? Desde que ele partiu não me enviou nenhuma carta.
- Ele também não me enviou nenhuma carta, mas tia Josephine escreveu dizendo quando poderão nos visitar, pois estão atolados em compromissos.
- Que pena. Pensei que ele viria para o seu aniversário. - Anne disse desapontada.
- Eu os convidei dois meses atrás, mas a resposta foi a mesma. Creio que teremos que esperar mais algum tempo até vermos nosso amigo de novo. - Anne concordou com a cabeça.
- Creio que terminamos. - disse Diana, observando todos os laços e enfeites sobre a mesa da sala. - Que tal se tomamos chá agora? São quase seis horas e o jantar será servido às oito horas, e estou morrendo de fome. Mamãe preparou um bolo de milho delicioso, gostaria de provar?
- Me parece uma excelente ideia. Que tal café ao invés de chá para acompanhar? - Anne sugeriu.
- Perfeito. Vamos até a cozinha. Quem sabe não encontramos sorvete no freezer.
- Diana, além do Jerry, sua cabeça não pensa em muita coisa além de comida. - Anne riu da gula da amiga.
- Quer combinação melhor? Jerry e comida são deliciosos juntos. - Você teria uma receita melhor para felicidade?- Diana perguntou divertida.
- É claro que sim. Gilbert Blythe e sorvete! – Anne respondeu alegremente.
- Anne, creio que somos as garotas mais sortudas do mundo. - e abraçando a amiga, Diana a levou para a cozinha onde passaram mais alguns momentos juntas tomando chá, e conversando. Anne foi para casa exatamente às oito horas da noite, ansiosa pelo fim de semana que com certeza seria cheio de surpresas e boas novas.
GILBERT
Gilbert acabara de lavar a louça do chá da tarde e olhou pela janela. Viu Mary cuidando de suas flores no jardim, e a observou com atenção. Ela caminhava mais devagar naqueles dias, seus reflexos estavam mais lentos e ela parecia cada vez mais cansada. Gilbert olhou para a barriga dela que parecia cada vez maior e se preocupou com o parto que se aproximava. Mais dois meses e Mary e Sebastian seriam pais de um bebezinho que ele próprio já aprendera a amar antes mesmo de seu nascimento..
Sempre quisera ter irmãos, mas como a mãe falecera em seu nascimento e o pai jamais tornara a se casar, esse sonho ficara amortecido no passado, mas agora podia sentir novamente o excitamento de ter vida nova em casa, e uma criança era sempre um bom presságio e Gilbert podia sentir que muitas coisas positivas viriam junto com aquele ser ainda pequeno que crescia no ventre da esposa de Sebastian dia-a-dia.
A sua única preocupação era com Mary. A gestação não estava sendo fácil, embora ela nunca reclamasse de nada, o menino podia ver que ela tinha dificuldades em se manter em pé por muito tempo, pois suas pernas inchavam, e com certeza a barriga deveria pesar uma tonelada naquele corpo dela tão pequeno, ela mal cozinhava ultimamente, e cuidar da casa também tinha se tornando um fardo muito grande, por essa razão, a Sra. Ford vinha com mais frequência, e as refeições eram sempre preparadas por Sebastian agora.
Mas apesar de tantos contratempos, Mary mantinha sua expressão serena e parecia estar em êxtase com a chegada do filho. Sorria a todo o momento, vivia tricotando pela casa agora que tinha tanto tempo livre, e cantarolava velhas canções de ninar que traziam lembranças doces a Gilbert de sua infância com o pai naquela casa. Ele esperava sinceramente que Mary tivesse um parto tranquilo, pois por mais que não quisesse admitir, o medo de que algo ruim acontecesse com ela como acontecera com sua mãe o deixava em pânico. Mary era como uma segunda mãe para ele, e pensar em perdê-la arrasava seu coração. Balançou a cabeça, afastando os pensamentos sombrios, tentando trazer para sua mente uma lembrança feliz, e como um raio de luz o rosto de Anne surgiu em meio a sua ansiedade.
Pensar nela levava embora qualquer sensação ruim que ele pudesse sentir. Ela era seu amuleto da sorte, pois desde que se conheceram tudo melhorara na vida dele. Mesmo quando viviam em pé de guerra, Anne sempre despertava nele sentimentos positivos, como se só com a presença dela todo o mal do mundo pudesse ser desfeito. Anne era pura de alma e coração, e essa pureza transbordava em seus olhos, no sorriso e na maneira como ela falava com as pessoas, mas ela também era forte como as rochas que ele encontrava na praia, pois ela enfrentava a vida de frente, não se escondia de nada, atravessava as tempestades com um brilho no olhar e esperança no coração, e Gilbert aprendera com ela a sempre enxergar mais além dos infortúnios que arrasavam vidas humanas, com a certeza de que sempre haveria um arco-íris depois das tormentas.
A história com Munisse ainda mexia com ele, pois o fazia pensar onde ele errara. Não culpava Anne de forma nenhuma, embora tivesse ficado magoado com ela no dia que todo o problema ocorrera, mas no fundo ele estava decepcionado consigo mesmo. Como não percebera o que se passava com ela naquele dia? O que fizera para fazê-la acreditar que não a amava o suficiente a ponto de olhar para outra garota? Será que em toda a sua certeza de estar fazendo o que era certo em relação ao namoro dos dois o cegara para as fragilidades que ainda incomodavam Anne? Teria que ficar mais atento a certos sinais se quisesse que outro problema como aquele que ocorra com Munisse não se repetisse. Só de pensar que Anne sofrera com a ideia de ele estar interessado em outra garota o deixava zangado consigo mesmo. Nunca mais queria vê-la triste ou duvidar do amor que ele sentia por ela, nunca mais ele queria ter a sensação de que falhara com ela de alguma maneira
Gilbert ouviu a porta da frente bater e viu Mary entrar com uma braçada de rosas vermelhas.
- Olha Gilbert, que maravilha! Podemos enfeitar toda a casa com estas flores lindas.
- Mary, você não devia fazer tanto esforço assim. – Gilbert disse preocupado.
- Não me trate como se eu fosse de porcelana, Gilbert. Eu estou grávida e não doente. Trate de arrumar vários vasos, pois quero ver todos os cômodos dessa casa coloridos e perfumados. - Mary disse alegre.
Gilbert acabou se contagiando com a alegria dela e a ajudou a distribuir as rosas pela casa inteira. Quando Sebastian chegou, ele perguntou:
- Vamos ter alguma festa por aqui?
- Não seja bobo. Hoje é uma das poucas vezes que acordei me sentindo tão bem que tive vontade de colher flores. - Mary disse beijando o marido.
- Você não devia abusar, Mary.
- Você também, Sebastian. Eu não estou abusando, são só flores.
- Tudo bem. Não vamos discutir por isso. È melhor você descansar. Eu e Gilbert prepararemos o jantar.
Enquanto Mary se dirigia para o quarto, Sebastian e Gilbert foram para a cozinha e começaram a separar os ingredientes para preparar a ultima refeição do dia. Decidiram por omelete, salada, sopa de legumes e suco de laranja. Gilbert ficou encarregado da salada e do suco, e Sebastian prepararia a omelete e a sopa. Assim, Gilbert se sentou à mesa para cortar os tomates e cebola e disse para Sebastian:
- Creio que devemos ficar de olho em Mary, principalmente agora que ela entrou no penúltimo mês de gravidez.
- Tem razão. Ando preocupado com ela. Embora ela seja bem regrada, nem sempre segue as recomendações do médico no que se refere ao repouso.
- Vou pedir a Sra. Ford que preste mais atenção em Mary quando não estivermos aqui. - Gilbert disse a Sebastian.
- Obrigada, Gilbert. Nem sei como agradecer.
- Que isso, Sebastian. Nem precisa agradecer. Afinal somos uma família. - Gilbert sorriu para o amigo.
- Você e a Anne vão sair esse fim de semana?- Sebastian perguntou enquanto testava o sal que colocara na sopa.
- É o aniversário de Diana e haverá uma pequena reunião na casa dela amanhã a noite.
- Que bom que você e Anne estão bem novamente. Sebastian comentou.
- É verdade, o incidente com Munisse nos aproximou bastante. Graças a Deus. Só que eu preciso prestar mais atenção a certas coisas. Anne é uma garota incrível, mas ainda possui certas arestas que precisam ser aparadas. Ela tem extrema dificuldade em confiar nas pessoas, e achei que ela confiava plenamente em mim, mas descobri que essa confiança é frágil. Embora ela nunca fale comigo sobre esse período, creio que quando ela estava no orfanato sua fé nas pessoas tenha sido traída de alguma forma, por isso ela não consegue confiar sem medo.
- Fico contente que você tenha essa visão tão ampla sobre as pessoas, Gilbert. Espero que você consiga mudar essa situação logo, pois a falta de confiança nos deixa vulneráveis.
- Anne é a coisa mais preciosa que tenho na vida, e fazê-la feliz é um dos meus objetivos de vida, além de ser médico, é claro.
- Tenho certeza que dará tudo certo, Gilbert. Aquela menina te adora, ela só precisa acreditar mais em si mesma e confiar no sentimento que vocês têm um pelo outro. .- Sebastian disse sorrindo.
- Ei, vocês dois. Este jantar sai ou não?Estou morrendo de fome. - Mary reclamou, entrando na cozinha com os cabelos molhados do banho.
- Só mais um pouco querida. Tenha paciência.
- Quanto tempo ainda terei que esperar? Vocês devem se lembrar que estou comendo por dois. - Mary esfregou a barriga fazendo um gesto tão teatral que fez Gilbert rir.
- Meia hora é muito tempo? – Sebastian perguntou mexendo a sopa com uma colher de madeira.
- Acho que posso esperar. Mas só meia hora. - Mary disse saindo da cozinha e indo se sentar no sofá da sala.
- Entendeu Gilbert quem é que manda? Vamos terminar logo este jantar ou estaremos em apuros. – Gilbert concordou com um grande sorriso.
GILBERT E ANNE
O sábado de outono amanheceu ensolarado e Anne acordou com os passarinhos cantando em sua janela. Era o dia do aniversário de Diana, e Anne se sentia feliz pela amiga. Dezessete anos era uma data especial, pois era um passo da adolescência para a vida adulta, e Diana parecia estar pronta para iniciar aquela nova etapa em sua vida. A única coisa triste é que teriam que deixar para trás as brincadeiras de infância, os jogos d adivinhações que ela e Diana adoravam, as tardes em que passavam envolvidas em sonhos juvenis, pois ao debutar naquela noite, Diana estaria dando boas vindas a uma realidade completamente nova para ela, onde compromissos próprios da idade encheriam seus dias, e o único lugar onde poderiam realmente estar juntas de verdade seria na escola.
Diana dissera que nada mudaria, que continuariam amigas como sempre. Quanto á amizade Anne não duvidava, mas conhecia bem a mãe da amiga e sabia que ela já deveria estar programando muitas atividades para a menina na sociedade rica de Avonlea, e disso Diana não poderia escapar. Esperava apenas que o relacionamento dela com Jerry sobrevivesse a tantas mudanças, pois se seus mundos já eram diferentes agora, dali a alguns dias as diferenças seriam ainda maiores, e Anne não tinha certeza se o menino se adaptara com facilidade a tantas coisas novas que o futuro dali em diante reservava para os dois.
Dali a um ano, Jerry partiria para a França para estudar Direito com a bolsa de estudos que tia Josephine lhe oferecera, e Diana dissera que partiria com ele, mas Anne não acreditava que os pais dela permitiriam, pois a mãe de Diana tinha outros planos para ela, com os quais a menina não concordava, mas que teria que acatar, pois o pai dela exigira dela um pouco mais de consideração com a mãe.
Não fazia parte dos pensamentos de Diana viagens e festas constantes, mas por causa de sua rebeldia a mãe dissera que ela teria que ir a todas em que fosse convidada, pois não ficaria bem para ela e sua família serem vistos como páreas na sociedade. O pai da menina não ficar do lado dela desta vez, quando Diana implorara por sua intervenção. Ele lhe dissera que tivesse um pouco de paciência, e que agisse conforme a mãe desejava, se quisesse ter um pouco de paz, pois ele conhecia bem a esposa e sabia que ela forçaria Diana a cumprir todas as regras de etiqueta daquela vez, mesmo que a filha esperneasse ou gritasse. E o Jerry? Diana perguntara desesperada ao pai. Ele respondera que se o menino a amasse mesmo, entenderia tudo aquilo, ainda mais porque ele estaria longe dali por um tempo, e a menina teria que encontrar muitas atividades para ocupar seu tempo até o menino retornar.
De certa forma, Diana sabia que o pai tinha razão, mas ela não pretendia perder a companhia de Anne em nenhum evento do qual participasse.Quando disse isso a menina, ela respondera:
- Mas Diana eu não fui convidada para nenhuma dessas festas.
- Não me interessa. Já disse para minha mãe que ela terá que te arrumar um convite para ir comigo a todos os lugares que ela estiver planejando me levar. – Diana disse decidida.
- Tem certeza? Você sabe que não pertenço a nenhuma família tradicional de Avonlea.
- Pouco me importa. Você é minha amiga e vai comigo aonde eu for e ponto final. – e assim encerrara aquele assunto, voltando a falar de sua festa e de seu namoro com Jerry. A ruivinha entendia bem sua amiga, ela não estava feliz com tudo aquilo, mas decidira que faria o possível para agradar a mãe até que conseguisse sua “alforria” de vez, como ela gostava de enfatizar.
Anne voltou ao presente e continuou olhando para o cenário encantador a sua frente ali de sua janela, e pensou em todos os afazeres que tinha pela frente naquele dia. Encontrou Marilla na cozinha tomando seu café da manhã.
- Bom dia, Marilla. Está um dia maravilhoso, não acha? – Anne deu um beijo na velha senhora e se sentou a mesa para acompanhá-la em sua primeira refeição do dia.
- Bom dia, Anne. Você parece estar de excelente humor esta manhã.
- Estou mesmo. Hoje é o aniversário de Diana e estou animadíssima. Você sabe o quanto eu adoro festas. - Anne encheu sua xícara de chá quente, e foi tomando aos golinhos enquanto falava com Marilla. – Onde está Matthew?
- Ele foi até a cidade comprar ração para o gado. - Marilla respondeu se levantando e levando sua xícara para a pia da cozinha.
- Você sabe se o Jerry veio trabalhar hoje? –Anne se serviu de uma segunda xícara de chá. e ficou observando Marilla lavar a louça do café.
- Ele veio sim, mas pediu dispensa do trabalho mais cedo por causa do aniversário de Diana.
- Bem, creio que estamos todos animados com a festa desta noite.
- Tenho certeza disso, pois você acordou cedo sem reclamar hoje, o que é algo muito raro. – Marilla disse se lembrando do quanto Anne odiava levantar-se cedo nos fins de semana. – Mas por ora temos muita coisa para fazer por aqui. Termine logo esse café mocinha e venha me ajudar nas tarefas do dia.
Ambas trabalharam por algumas horas juntas, ate deixarem toda a casa organizada, a roupa lavada e todos os pães e tortas da semana assados, parando apenas para almoçarem.
Era quase seis horas da tarde quando a última fornada de pães foi retirada do forno. Anne enxugou o suor da testa e disse a Marilla que iria tomar banho para começar a se arrumar para a festa.
Saiu do chuveiro enrolada em uma toalha e foi direto para o seu guarda-roupa, pensando no que vestiria. Isso era sempre um problema para ela, pois com aquele cabelo ruivo não lhe sobrava muitas opções. Olhou para todos os seus vestidos, mas nenhum lhe agradou. De repente, se lembrou do vestido preto que usara no casamento da prima de Diana, e achou que aquela era a solução perfeita para o seu dilema.
O vestido era simples, mas elegante e era apropriado para aquela ocasião. Embora Diana não se importasse em como ela iria vestida para a sua festa, Anne sabia que a mãe dela se importava e muito. Além disso, muitos parentes de Diana viriam de longe para a festa, e se Anne se lembrava bem, tanto as mulheres quanto os homens eram muito bem vestidos e elegantes, e ela não tinha a menor vontade de se tornar motivo de fofoca, como a amiga maltrapilha de Diana Barry, nas rodas de conversa da família.
Anne percebeu que acertara na escolha, quando viu o olhar encantado que Gilbert lhe lançou quando fora buscá-la em Green Gables para a festa. Ela descera as escadas se equilibrando em sandálias de salto alto, enquanto ele esperava por ela no último degrau. Ele não dissera nada, mas o sorriso estampado nos lábios dele dispensava comentários. Gilbert também não a decepcionara, pois estava incrivelmente atraente vestindo calças cinza e camisa também preta que davam um toque especial a sua beleza morena.
Anne não podia adivinhar o que Gilbert pensara assim que a viu, pois se pudesse sequer imaginar até onde os pensamentos dele viajaram teria ficado ruborizada. Quando a viu descendo as escadas, Gilbert pensou que ela estava deliciosamente sexy naquele vestido de seda preta e os cabelos ruivos descendo pelas costas em ondas maravilhosamente brilhantes. Ele desejou que não tivessem que ir aquela festa, pois assim poderia levá-la a um lugar mais íntimo, beijá-la e tocá-la inteira ate que ela lhe implorasse por mais. Ele então percebeu a ousadia que tomara conta de sua mente, e tratou logo de afastar a excitação que agitava todo o seu corpo antes que dissesse ou fizesse qualquer coisa que denunciasse o que estivera pensando.
Anne estendeu a mão para ele que a segurou entre as suas e ela perguntou:
- Já podemos ir?
- Claro que sim, se estiver pronta.
- Estou sim. Só vou me despedir de Marilla e partimos em seguida. - Anne foi até a cozinha, deu um beijo em Marilla e disse que já estava saindo. A boa senhora lhe disse que esperava que ela se divertisse, mas que não voltasse muito tarde. Anne assentiu e foi encontrar Gilbert na varanda da casa, enquanto Matthew, que se oferecera para levá-los até a festa, os esperava no carro.
Assim que avistaram a casa de Diana, Anne observou que a frente da casa estava toda enfeitada com luzes coloridas, o que dava a casa um ar mais alegre e descontraído.Quando se aproximaram mais, a menina viu que havia uma enorme quantidade de carros estacionados na lateral da casa, o que a fez pensar que todos os parentes de Diana estavam presentes. A julgar pelo grande número de pessoas que deveriam estar dentro da casa, Anne ponderou que a ideia inicial da amiga de ter uma pequena festa para poucas pessoas tinha ido por água abaixo, e Anne tinha certeza de que a mãe da menina tinha sido responsável por isso.
Gilbert e Anne entraram na casa, a primeira pessoa que viram foi Diana. A menina corria para lá e para cá, servindo os convidados. A menina mantinha o rosto sério, como se estivesse contrariada por alguma coisa. Quando Diana viu Anne, sorriu aliviada. Finalmente a amiga tinha chegado para salvá-la daquele mar de rostos que não planejara, mas que infestavam sua festa.
- Graças a Deus você chegou. Estava a ponto de sair correndo e abandonar tudo isso. - Diana disse olhando ao seu redor.
- Não imaginei que teriam tantas pessoas. São todos seus parentes? – Gilbert perguntou.
- A maior parte. Foi minha mãe que me aprontou essa. Parece que ela resolveu convidar cada parente que tenho ao redor de todos os continentes. – Diana suspirou desanimada.
- Tia Josephine e Cole não virão? -Anne perguntou ansiosa por rever seu amigo.
- Não. Tinham muitos compromissos em Paris. Virão só no Natal quando os exames de Cole tiverem terminados.
- Que pena. Achei que o encontraria por aqui. – Anne lamentou-se.
- Também fiquei triste, mas consola-me o fato de que ele estará aqui para as festas. Não seria o mesmo sem ele.
- Concordo com você. - Anne disse, depois viu a mãe de Diana entrando na sala e falou para a amiga. - Creio que sua mãe a procura.
Diana viu a mãe sinalizar para ela e disse:
- Deixe-me ver o que ela deseja. Por favor, aproveitem a festa. Volto assim que puder. - Anne viu a amiga se afastar tão bonita em seu vestido lilás e pensou que nada naquela festa estava saindo como Diana queria, e lamentou não poder ajudar a amiga naquele momento tão tenso.
Assim, ela e Gilbert começaram a circular entre os convidados inconscientes da atenção que chamavam para si. Embora todos ali presentes concordassem que aquela garota ruiva e esguia combinava perfeitamente com o garoto moreno de traços marcantes, não podiam deixar de sentir certa inveja da sintonia tão evidente que havia entre ambos.
Em um dado momento, Anne olhou ao seu redor e notou os olhares incisivos e até mesmo provocantes que as garotas lançavam em direção a Gilbert, e então disse ao namorado que parecia completamente alheio ao impacto que sua presença provocava nas mulheres daquele recinto:
- Todas as garotas dessa sala te olham como se você fosse um artista de cinema. - ela não pôde deixar de sentir uma pontada de ciúme ferroar seu coração. Gilbert olhou-a surpreso pelo comentário e respondeu:
- Você como sempre esta sendo exagerada.
- Você não entende nada de mulher, Sr. Blythe. – Anne disse brincando com o menino.
- Estou interessado em apenas entender uma mulher. E esta com certeza é sensacional. – Gilbert afirmou olhando-a de cima a baixo com certo atrevimento.
Anne corou tanto pelo olhar que o menino lhe lançara quanto o elogio que ele lhe fizera. Gilbert por vezes lhe dizia coisas que a deixavam sem palavras como agora. A menina disfarçou seu embaraço, fingindo estar interessada nas pessoas que circulavam pela sala. Um garçom se aproximou e serviu a Anne e Gilbert um refrigerante, e ambos ficaram conversando descontraidamente sobre a festa e os acontecimentos da semana.
De repente, Anne ouviu alguém gritar seu nome, fazendo várias cabeças se virarem para ela. A menina olhou na direção da qual a voz viera e deu de cara com Jean que andava em sua direção com um enorme sorriso no rosto.
- Ma chérie. Você está magnifique. - Jean se aproximou e beijou-a em ambas as faces, ignorando totalmente a presença e a carranca de Gilbert.
- Olá, Jean. Diana não me disse que você estava aqui. - Anne disse sem graça.
- Ela ainda não me viu. Acabei de chegar. - Jean respondeu, depois olhou para Anne e disse com entusiasmo:
- Você continua maravilhosa, mais ainda do que eu me lembrava.
- Obrigada. – Anne agradeceu, imaginando o que faria para se livrar do primo de Diana, pois mesmo sem olhar para Gilbert, sentiu que ele estava incomodado com a presença do rapaz. Naquele instante, uma musica romântica começou a tocar, e para o desespero de Anne, Jean agarrou sua mão e disse:
- Vamos dançar. - e a arrastou para a pista de dança.
- Eu não p... - nem teve tempo de protestar, pois Jean já a tomava em seus braços e a embalava ao ritmo da música.
- Jean. O que pensa que está fazendo? – Anne perguntou deixando transparecer seu aborrecimento.
- Estou dançando com você. - ele respondeu, ignorando o olhar que ela lhe lançou
- Como você pôde ignorar Gilbert daquele jeito? Você não percebeu que estamos juntos?
- Não sei com você pode namorar aquele troglodita. - Jean falou se lembrando do incidente da praia.
- Gilbert é um garoto incrível. Ele só estava zangado naquele dia. – Anne disse justificando o comportamento do namorado.
- Que seja. Mas ainda acho que você merecia coisa melhor. - Jean olhava para ela sorrindo.
- Você está me dizendo que namorar você seria melhor pra mim?
- Claro. Eu poderia perfeitamente me apaixonar por você. – ele tentou ficar sério, mas não conseguiu.
- Jean, você é tão narcisista que só conseguiria se apaixonar por si mesmo. - Anne disse e ambos caíram na risada pela verdade do que ela dissera.
Gilbert observou a cena petrificado, e se enfureceu como um vulcão prestes a entrar em erupção. Ele reconheceu o garoto da praia no momento em que ele se aproximara para falar com Anne, e sentiu suas feições se endurecerem. Aquele idiota tinha as mãos em sua garota e Anne não parecia se incomodar com aquilo. Gilbert não era amante da violência, mas naquele momento não se incomodaria de colocar aquele garoto arrogante em seu lugar com a persuasão de seus punhos. Ele olhou em direção a porta em uma tentativa de aplacar sua fúria, e viu que Jerry e Muddy acabaram de chegar naquele momento. Caminhou até eles e começaram a conversar, mas nem por um momento ele afastou os olhos do casal na pista de dança. Jean estava perto demais de Anne, e a fazia rir sem parar de alguma coisa que ele dissera. Gilbert apertou o copo que segurava nas mãos até os nós dos dedos ficarem brancos, enquanto se esforçava prestar atenção no que Jerry dizia para ele.
Quando a música acabou, Anne voltou para o lado de Gilbert que lhe deu um sorriso estranho, o qual ela não compreendeu. Em seguida, sentiu-o enlaçar sua cintura e a puxar para ele com possessividade, mantendo-a firmemente presa no circulo de seus braços A menina olhou para ele interrogativamente, mas ele fingiu não notar a expressão de seu rosto, continuando a conversar com Jerry e Muddy como se nada de estranho estivesse acontecendo.
Nesse meio de tempo, a mãe de Diana chamou a atenção de todos os convidados para dizer que a aniversariante cortaria o bolo. O primeiro pedaço ela deu para Jerry, beijando-o no rosto, e o segundo para Anne, celebrando a amizade entre as duas. Anne notou que a mãe de Diana olhava para a filha e Jerry com um desagrado disfarçado em um sorriso frio de gelo, fazendo-a perceber que a bela senhora não tinha aceitado a escolha de namorado da filha, ela somente fingia que aceitava para evitar conflitos, e Anne desconfiava que a mãe de Diana secretamente esperava que a menina mudasse de ideia, e aceitasse ser cortejada por alguém mais apropriado ao seu nível social.
Era uma pena que ela pensasse assim, Anne ponderou, pois não sabia o quanto estava perdendo por não se dar a oportunidade de conhecer Jerry melhor. Ele era uma pessoa muito especial. Poderia não ter fortuna nenhuma, mas amava Diana sinceramente e sua maior riqueza era sua retidão de caráter e generosidade, e essas eram qualidades que não se comprava, mas se nascia com elas.
O resto da festa pareceu transcorrer normalmente, e Gilbert pareceu estar se divertindo, pois conversava animadamente com Jerry e Muddy, e em alguns momentos até dançou com Anne, mas a menina sentiu que ele mantinha certa distancia emocional dela, e isso começo intrigá-la, pois não conseguia pensar no que ela tinha feito para deixá-lo chateado de novo.
O fim da festa se aproximava e Anne observou que os grupos de pessoas começavam a se dispersar. Por essa razão, disse a Gilbert que era hora de irem embora e ele concordou. Quando foram se despedir de Diana, ela disse:
- Muito obrigada por terem vindo. Desculpem-me por não ter dado a atenção que vocês mereciam, mas minha mãe conseguiu me manipular direitinho desta vez. Ainda bem que o Jerry não ficou aborrecido comigo.
- Não tem problema, Diana. Nós entendemos. Quanto ao Jerry, você sabe que ele gosta demais de você. – Anne disse.
- Eu sei, sou mesmo sortuda, não? - o sorriso de Diana se alargou assim que viu o namorado se aproximando.
- Detesto ser estraga prazeres, mas tenho que ir. Meu pai está me esperando lá fora para me levar para casa. - Jerry disse abraçando Diana pela cintura.
- Mas ainda é cedo. Por que não fica um pouco mais? – Diana perguntou chateada com a partida de Jerry.
- Não posso. Você sabe que minha casa é uma longa caminhada daqui, e o motivo de me pai estar lá fora me esperando foi porque pedi a ele que viesse nesse horário. Se eu não for agora, terei que ir andando mais tarde até em casa, e sinceramente, hoje não estou disposto.
- Nós também já vamos, Diana. A festa estava incrível. - Anne disse, beijando a amiga no rosto para se despedir.
Vocês não querem uma carona? Tenho certeza de que meu pai ficará contente em levá-los até Green Gables. - Jerry disse para Anne.
- É uma boa ideia. O que acha Gilbert?
- Bem se não vamos atrapalhar. - Gilbert respondeu.
- Claro que não. Diana, meu amor. Nos vemos amanhã, está bem? Vamos então. - Jerry disse para Gilbert e Anne.
Quando estavam saindo, Anne viu Jean vir para perto dela dizendo;
- Ia embora sem se despedir de mim? – ele perguntou a menina ignorando Gilbert de novo.
- Pensei que você não estivesse mais na festa. - Anne respondeu um tanto quanto constrangida.
Já estou indo embora também, pois amanhã viajo cedo para a França.
- Desejo que faça uma boa viagem. - Anne disse pegando na mão do menino para se despedir.
- Obrigado. - Jean respondeu segurando a mão de Anne mais tempo do que necessário, e sem nenhum aviso puxou a menina para ele quase a beijando nos lábios, o que só não aconteceu, pois Anne desviou o rosto a tempo. Jean riu malicioso e disse:
- Au revoir, minha querida. Nos vemos em breve.- se virou e foi em direção a alguns amigos que o esperavam.
A tudo isso, Gilbert observou em silêncio. Estava mortificado por dentro, mas não queria discutir com Anne na frente de outras pessoas. Chegaram a Green Gables rapidamente. Agradeceram a Jerry e o pai pela carona, e Gilbert acompanhou Anne até na porta de casa.
Enquanto caminhavam até a varanda, Anne tentou conversar com Gilbert, mas ele apenas respondia por monossílabos a toda pergunta que ela lhe fazia. Quando estavam próximos da entrada da casa, Gilbert deu um rápido beijo no rosto de Anne e se virou para ir embora, mas a menina segurou em seu pulso, impedindo-o de ir.
- Ei, você vai embora assim, sem se despedir direito de mim? O que foi Gilbert? Por que está tão zangado?
- Tem certeza de que não sabe? – ele lhe respondeu com outra pergunta.
- Não, eu não sei. Não me lembro de ter feito nada que pudesse ter te deixado furioso assim. Pensei que estivéssemos nos divertindo.
- E estávamos até você deixar aquele garoto francês estúpido se engraçar por você. – Gilbert se mostrava extremamente irritado.
- Você está falando de Jean?
- O que queria com isso, Anne? Castigar-me pelo episódio com Munisse?
- É claro que não. De onde você tirou isso? – Anne estava surpresa pelas palavras de Gilbert
- Do fato de você deixar aquele garoto tocar em você.
- Gilbert, nós só estávamos dançando. Jean é só um amigo.
- Me pareceu que ele queria ser bem mais do que isso.
- O primo de Diana é assim mesmo, atrevido e narcisista. E você deveria saber que o interesse dele não é por mim, mas sim por qualquer pessoa que use saias.
- Mas você adorou as atenções dele, não é mesmo? – Anne viu as labaredas de fúria inundarem os olhos de Gilbert que lançava chispas em cada palavra que dizia para ela.
- É interessante você dizer isso. Quando se trata de você eu imagino coisas que não existem, mas quando se trata de mim, eu permito que aconteça e dou corda para que continue acontecendo. Não esperava que você fosse tão machista, Gilbert. - Anne agora também começava a dar sinais de que estava zangada.
As palavras dela o atingiram como uma bala. Odiava quando o chamavam de machista, mas no fundo ele sabia que ela tinha razão. Ele estava se comportando como se ela tivesse culpa pelo comportamento de Jean, quando na verdade ele a viu tentando evitá-lo. Passou as mãos pelos cabelos, ficando por alguns segundos de costas para Anne, mas não agüentou por muito tempo aquela tensão entre eles, então, se virou com a intenção de se desculpar;
- Anne, eu... – sua voz morreu quando seus olhos encontraram os dela que estavam quase violeta pela raiva que ela sentia, mas foram os lábios dela entreabertos que chamou sua atenção, como se fossem um convite para que depositasse seus beijos neles, e ele se afogou naquele oásis que prometia satisfação para todos os seus desejos, e ao qual ele não conseguia resistir.
Gilbert beijou Anne tão demoradamente que ela não teve escolha a não ser retribuir. Esqueceu-se da raiva e do ressentimento, pois quando estava nos braços de Gilbert nada disso importava. Na verdade, estivera louca por aqueles beijos a noite toda, e agora mal conseguia se controlar, e tudo o que queria era aplacar sua fúria naquela boca tentadora que a deixava sem ar.
De repente, Gilbert mordiscou seu lábio inferior e Anne sentiu seu corpo vibrar na mesma sintonia da paixão dele, deixando-se levar como se estivesse perdida em meio a uma tempestade de sentimentos que embalavam seu coração a levavam até o horizonte infinito. Então, sentiu a respiração quente de Gilbert em seu pescoço enquanto ele sussurrava em seu ouvido:
- Você me provocou a noite toda, e não sabe como me deixa quando faz isso. Você gosta mesmo de brincar com fogo.
- Tanto quanto você gosta de ser queimado por ele. – ela disse com a mesma intensidade na voz que a dele.
- Você é mesmo uma feiticeira inconseqüente e sem juízo. - e tornou a beijá-la de um jeito onde havia uma mistura de raiva e paixão reprimidas.
Anne se surpreendeu com a impetuosidade dos beijos de Gilbert, mas como sentia a mesma volúpia que ele, se viu beijando-o da mesma forma. Os dois eram fogo e luxúria, desejo e loucura, vento e tempestade, magia e sedução, todos os elementos misturados que juntos se igualavam ao tamanho do amor que sentiam. Naquele instante, Gilbert sentiu uma vontade gigantesca de sentir Anne completamente entregue aos seus carinhos. Ele tinha fome da pele dela, dos lábios dela, e daquele corpo que o seduzia sem nenhum artifício, por isso, queria-a mais próxima, colada a seu corpo como se fosse uma segunda pele. Então, ele se se encostou a um dos pilares da varanda e a puxou para seus braços, mas Anne colocou suas mãos no peito dele dizendo:
- Gilbert, nada me daria mais prazer do que ficar aqui com você, mas não podemos esquecer que estamos na varanda de Green Gables e se Matthew ou Marilla nos pegam aqui, isso vai me valer um castigo para o resto da mina vida.
O menino respirava com dificuldade, seu coração estava disparado e seus olhos escuros que lembraram a Anne ondas se movendo em um mar revolto.
- Viu no que dá me provocar assim? Você me deixa tão louco que acabo esquecendo meu bom senso.
- Você ainda está zangado?- Anne perguntou com uma voz provocante.
- Eu pareço zangado? – Anne olhou para o rosto de Gilbert e viu um mundo inteiro de emoções confusas e misturadas, que a deixavam estranhamente inquieta.
- Não; - ela respondeu.
- E o que eu pareço agora?- ele insistiu em saber
- Incrivelmente sedutor. - ela respondeu sem pensar, como se falasse com seus botões.
- Não tanto quanto você, tenho certeza. - Anne percebeu que Gilbert olhava para os lábios dela novamente e rapidamente se afastou dele dizendo:
- É melhor você ir. Já tivemos o suficiente por uma noite.
- Você acha? – ele continuava lançando-lhe olhares insinuantes.
- Quer se comportar, Gilbert. Você está me deixando sem graça.
- Estou brincando, Anne.
- Me pareceu que estava sendo petulante.
- Não quis te deixar brava. Queria apenas te provocar um pouco.
- Pois você já me provocou muito há alguns segundos atrás. - Anne respondeu, lembrando-se de tudo o que sentira nos braços de Gilbert naquela noite.
- Que tal se nos provocássemos mais um pouquinho?- Gilbert perguntou, olhando para ela sugestivamente.
-Você está muito engraçadinho esta noite, Gilbert Blythe. Eu preciso entrar agora, caso contrário Marilla pode aparecer por aqui e nos dar um tremendo sermão. Ela não gosta que eu chegue tarde.
- Está bem. Vou te deixar entrar, mas será que não mereço um beijinho de despedida?- ele disse sorrindo e olhando para ela esperançoso;
- Vou fazer uma concessão desta vez. Chegou perto dele e lhe deu um selinho.
- Só isso? – Gilbert reclamou.
- Não abuse da sorte, Blythe ou da próxima vez te mando para casa sem beijo nenhum.
- Tudo bem. .Vou para casa. Nos vemos amanhã?
- Claro. - Se deram um último beijo e Anne entrou em casa.
Gilbert voltou para sua fazenda pensando que Anne era mesmo um poço profundo de sentimentos que transbordavam toda vez que ela era provocada, e ele amava essa parte da personalidade dela. Isso o fazia se sentir vivo, cheio de energia e completamente apaixonado. Anne era parte dele agora, e não conseguiria mais se reconhecer se ela não estivesse por perto. Tal pensamento fez Gilbert admitir para si mesmo que preferia mil vezes queimar com ela no fogo da paixão, do que congelar sem ela no inverno de sua alma.
Olhou para o céu infinito e viu uma estrela cadente cruzar o céu naquele instante e desejou que seu destino e de Anne estivessem cruzados para sempre e que o amor de ambos durasse não só uma eternidade, mas além dela.
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